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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.33 no.1 Medellín Jan./Apr. 2015

 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

A espiritualidade e a humanização segundo graduandos de enfermagem: uma pesquisa-ação

 

Spirituality and humanization according to nursing undergraduates. An action research

 

La espiritualidad y la humanización según los graduandos de enfermería. Una investigación-acción

 

 

Gisele Coscrato1; Sonia Maria Villela Bueno2

1Enfermeira, Doutora. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo -EERP-USP-, Brasil. email: gcoscrato@yahoo.com.br.

2Pedagoga, Doutora. EERP-USP, Brasil. email: smvbueno@eerp.usp.br.

 

Fecha de Recibido: Febrero 4, 2014. Fecha de Aprobado: Julio 25, 2014.

 

Artículo vinculado a investigación: Concepções de graduandos de enfermagem sobre humanização e espiritualidade: uma pesquisa-ação. Tese de Doutorado. 2013. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Subvenciones: Ninguna.

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo: Costrato G, Bueno SMV. Spirituality and humanization according to nursing undergraduates. An action research. Invest Educ Enferm. 2015; 33(1): 73-82.

 


RESUMO

Objetivo. Conhecer as concepções dos graduandos do curso de Licenciatura com Bacharelado em Enfermagem, de uma instituição pública estadual de ensino superior, de um município do interior paulista, sobre espiritualidade e humanização, bem como propor ação educativa neste sentido. Metodologia. Trata-se de estudo qualitativo que utilizou-se da metodologia da pesquisa-ação. Coletaram-se os dados no segundo semestre de 2012, através da observação participante, registrada em diário de campo, e de entrevistas, apropriando-se de questionários. A análise interpretativa dos dados foi feita por categorização. Resultados. Observou-se estar implícita a predominância do discurso do cuidado/assistência técnico-procedimental em detrimento do educativo, além de não estar evidente a associação dos temas da humanização e da espiritualidade, enquanto constructos que se complementam, segundo as falas dos participantes. Contudo, a ação educativa viabilizou o construtivismo e a problematização de conhecimentos. Conclusão. Ainda, com a ressalva de que os resultados podem não refletir a realidade da instituição pesquisada, conclui-se que a formação acadêmica de enfermeiros educadores configura-se em momento de possibilidades de inserção da espiritualidade e da humanização, no que diz respeito ao desenvolvimento de competências que proporcionem suporte individualizado ao paciente e família, na promoção de saúde e no enfrentamento de situações de adoecimento.

Palavras chave: enfermagem; espiritualidade; humanização da assistência; pesquisa em educação de enfermagem; educação superior.


ABSTRACT

Objective. To know the conceptions of undergraduates from the Teaching Diploma Program with Bachelor degree in Nursing at a public state-owned higher education institution in an interior city in the State of São Paulo about spirituality and humanization, as well as to propose educative action in that sense. Methodology. A qualitative study was undertaken, using the action research method. The data were collected in the second semester of 2012 through participant observation, registered in a field diary, and interviews with the help of questionnaires. For the interpretative data analysis, categorization was used. Results. The implicit predominance of the technical-procedure care discourse was observed, to the detriment of the educational care discourse, as complementary constructs, according to the participant' statements. Nevertheless, the educational action permitted constructivism and the problematization of knowledge. Conclusion. Although the results may not reflect the reality at the investigated institution, it is concluded that the academic education of nurse educators is a moment of possibilities to include spirituality and humanization, regarding the development of competences that grant individual support to patients and families, in health promotion and coping with disease situations.

Key words: nursing; spirituality; humanization of assistance; nursing education research; education, higher.


RESUMEN

Objetivo. Conocer las concepciones sobre la espiritualidad y la humanización de los graduandos de la Licenciatura en Enfermería de una institución pública estatal de enseñanza superior de un municipio del interior paulista,  con el fin de proponer acciones educativas en este sentido. Metodología. Estudio cualitativo en el que se utilizó la metodología de investigación-acción. Los datos se recolectaron en el segundo semestre de 2012, mediante de observación participante que fue registrada en un diario de campo, y de entrevistas utilizando cuestionarios. En el análisis interpretativo de los datos se empleó la categorización. Resultados. Se observó que está implícita la predominancia del discurso de cuidado/asistencia técnico-procedimental en detrimento del educativo, además de no ser evidente la asociación de los temas de humanización y de espiritualidad, a pesar de que son constructos que se complementan, según los testimonios de los participantes. Con todo, la acción educativa viabilizó el constructivismo y la problematización de conocimientos. Conclusión. La formación académica de los enfermeros educadores se encuentra en un momento en el que es posible la inserción de la espiritualidad y de la humanización en el desarrollo de competencias para el apoyo individualizado al paciente y a su familia, en la promoción de la salud y en el enfrentamiento de las situaciones de enfermedad.

Palabras clave: enfermería; espiritualidad; humanización de la atención; investigación en educación en enfermería; educación superior.


 

 

INTRODUÇÃO

À produção científica sensível aos aspectos intrinsecamente associados à integralidade e à complexidade da vida, e no que diz respeito às práticas inovadoras e humanizadas na assistência em saúde, destaca-se a relevância da consolidação de currículos mais reflexivos, críticos e humanizadores na formação de profissionais de saúde, e portanto, de enfermeiros. Torna-se urgente o desenvolvimento de competências que venham proporcionar suportes individualizado e espiritual ao paciente e família, tanto na promoção de saúde quanto no enfrentamento de situações de adoecimento. Justifica-se, portanto, o aperfeiçoamento da atenção em saúde para novas formas de abordagens, que considerem o conhecimento técnico produzido, mas que também possibilitem a superação de paradigmas modernos da tradicional medicina positivista e biologicista, bem como, do modelo de ensino tradicional, acrítico e verticalizado, pautado na transmissão de conhecimentos aos alunos, para abordagens pedagógicas que priorizem o exercício da interdisciplinaridade das áreas mental, coletiva e hospitalar.1-4

A abordagem promotora de saúde requer formação acadêmica adequada e harmônica na articulação com a realidade de trabalho, em consonância com a proposta da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o conceito de Atenção Primária à Saúde (APS), a qual tem como eixo primordial, o apoio à autonomia e ao controle dos indivíduos e grupos sociais sobre a vida e a saúde, ultrapassando o contexto orgânico.1 Na outra face da moeda, em situações de internação, o enfermeiro, muitas vezes, se vê diante de quadros de doença e risco de morte, levando o doente ao estado de depressão, isolamento, desesperança, e portanto, de sofrimento psíquico e espiritual, sabendo-se que a família também compartilha desse sofrimento. Além disso, o cuidado de enfermagem direcionado ao paciente portador de transtorno mental e/ou usuário de álcool e outras drogas, demanda remodelamento, frente ao cenário mundial da proposta de reabilitação psicossocial.3 Portanto, os paradigmas científicos que permeiam os modos de atenção em saúde modernos e suas transições para os pós-modernos, constituem-se de leis, teorias, aplicações e instrumentações, que originam modelos, os quais, conduzem às tradições coerentes de pesquisa. Quando surgem pontos de crises, desencadeiam-se revoluções científicas, que questionam e buscam ultrapassar os conhecimentos construídos.5

Nesta lógica, aponta-se que a espiritualidade pode constituir um constructo transversal, na interface das ações de humanização e de Educação para a Saúde.6-8 As dimensões espiritual e religiosa podem estar presentes na vida pessoal e profissional de trabalhadores e de pesquisadores do setor saúde, e portanto, de enfermeiros, pois esse processo de trabalho em saúde pode levar ao sofrimento psíquico, gerando consequências negativas na produtividade do trabalho e influenciando a humanização da assistência.9-11 É fundamental, assim, que esses profissionais estejam atentos a si mesmos, bem como aos elementos facilitadores no processo de manutenção da saúde e da vida.11-14 Utilizamos o universo teórico-metodológico de Paulo Freire para fundamentar o eixo estruturante da Educação para a Saúde e da humanização, na interface da efetivação da busca pela autonomia e pela consciência em saúde do indivíduo e família.2,12 Sendo assim, faz-se mister haver o desenvolvimento da sensibilidade e do diálogo entre o enfermeiro e o paciente, na direção da mobilização interior e na atribuição de sentido à vida, induzindo e agregando uma nova face da assistência de enfermagem, ou seja, o cuidado espiritual.2,12,13 Frente ao cuidado espiritual em enfermagem, a teórica Joyce Travelbee, enfermeira psiquiátrica norte-americana, falecida em 1973, já chamava a atenção para o autoconhecimento, bem como à compreensão dos valores espirituais e dos sentimentos do próprio enfermeiro, a comunicação, o amor aos outros e a si mesmo, enquanto elementos do relacionamento terapêutico.15

Diante do exposto, verificam-se as aproximações dos pressupostos educativos e humanizadores freireanos e da teoria da relação interpessoal de Travelbee, emergindo ainda, a humildade, o diálogo, a cooperação e a parceria nesse processo. Vale salientar o aumento da produção científica sobre o cuidado espiritual em enfermagem nos últimos anos, verificado em diversos estudos, principalmente, internacionais.11,16,17 Frente à proposta de revisão da formação em enfermagem, procurando vislumbrar as ciências humanas com vistas ao cuidado integral, o presente estudo teve como objetivo conhecer as concepções dos graduandos de enfermagem sobre espiritualidade e humanização, propondo ação educativa.

 

METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, humanista, de cunho descritivo-exploratório, que utilizou-se da metodologia da pesquisa-ação, procurando levantar dados sobre o tema central, e desenvolver ação educativa, com os participantes. Este trabalho fez parte de uma pesquisa mais ampla, que investigou as concepções sobre espiritualidade e humanização dos graduandos de enfermagem, entre outros desencadeamentos, na pretensão de estimular a construção de novos conhecimentos relacionados aos temas em foco. Apresentamos os resultados referentes às seguintes perguntas norteadoras: O que você entende por espiritualidade? E por humanização? Considerou-se que o processo investigatório mais adequado, seria por meio da utilização de uma metodologia ativa que possibilitasse a elaboração horizontal e articulada, entre pesquisador e pesquisandos, sobre a temática em apreço, na qual se fundamentasse nos enunciados de Paulo Freire. A forma equitativa de problematização, ou seja, a consideração dos saberes da parte pesquisadora e da parte pesquisada; o entendimento e a inserção na realidade social; a proposta de ação educativa disparada pelo pesquisador, sendo elaborada conjuntamente com os participantes; tendo como pano de fundo a proposta pedagógica libertadora com consequente ação social transformadora, situam-se nos referenciais teóricos do presente estudo.10,12,18-21

A pesquisa-ação, metodologia que teve início com as pesquisas com grupos, na década de 1940, na tentativa de aproximação da dinâmica de prática social com uma teoria societária, enfatiza a necessidade de autoconhecimento e das tecnologias relacionais. Lewin e Corey, autores norte-americanos, que são os precursores dessa linha de pensamento da psicologia social, propuseram que a observação apurada dos diversos processos que levam à mudança social, possibilitariam a reflexão e a produção científica, as quais, ocasionariam a ação social, e não tão somente, a produção de livros e/ou material restrito à academia.22  Atuando nos campos da Educação e da Saúde, Bueno (2001, 2009) agrega e adapta os moldes desta pesquisa, tendo por base, o referencial teórico-metodológico de Freire ede Thiollent (preceitos teóricos sobre a metodologia da pesquisa-ação), e de Minayo (preceitos teóricos sobre a pesquisa qualitativa em saúde).12,18-21 Essa modalidade de pesquisa-ação constitui-se de duas fases: o levantamento de dados sociodemográficos e do universo temático, que origina os temas geradores, configurando-se na primeira fase; já a segunda, constitui-se da ação educativa. Aseparação das fases ocorre de maneira didática, e a imersão do pesquisador no contexto de pesquisa, possibilita o movimento (e não o reflexo ou espelho) em direção à complexidade demandada para apreensão da realidade, que é dinâmica.20

Assim, o assunto pesquisado, por si só, mobiliza os participantes para reflexão, seja nas concepções, valores, crenças e conhecimentos acadêmicos, correspondendo aos termos teórico-metodológicos escolhidos para essa pesquisa, corroborando com a proposta problematizadora e refutando os critérios estanques de neutralidade para com o objeto de estudo, descritos enquanto elementos de validação científica dos paradigmas positivistas.19,20 Caracterizada como de caráter idiográfico, cabe colocar, que esta pesquisa preocupa-se em estudar uma situação específica e particular, de forma ampla, profunda e interpretativa, atentando-se ao processo, não tão somente aos resultados, e não possui a intenção nomotética, ou seja, não intenta a apreensão e generalização dos resultados e de leis gerais.22 Neste sentido, não tivemos a pretensão de refletir a realidade da instituição pesquisada.

No presente estudo, as técnicas utilizadas para a coleta dos dados foram: a observação participante, tendo o diário de campo como instrumento para anotação dos dados de infra-estrutura observados; e a entrevista individual, na qual os participantes responderam um questionário contendo questões sobre os dados de identificação dos participantes e questões norteadoras sobre a temática em foco (espiritualidade e humanização), que ocorreu aproximadamente, 10 minutos antes do início de aula, estendendo-se por mais 10 minutos sem a presença de professor, na própria sala de aula, conforme anteriormente compactuado com os participantes. Foram convidados pela pesquisadora os graduandos de enfermagem do penúltimo (4º) ano letivo do curso de Licenciatura com Bacharelado em Enfermagem, de uma instituição pública de ensino superior, do interior paulista. A opção pela instituição pública situa-se no fato de que ela realiza muitas pesquisas que contribuem para a enfermagem em âmbito nacional e internacional e, assim, portanto, gostaríamos de abarcar a realidade de futuros profissionais que poderão atuar não somente como cuidadores e educadores, mas como pesquisadores. Os critérios de inclusão foram: a aceitação, por livre e espontânea vontade, em participar; ser discente, no ano de 2012, do penúltimo ano letivo do curso; assinaturado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; entregadas respostas do roteiro em tempo hábil; participação de toda a ação educativa, descrita na Fase 2 deste estudo. Os critérios de exclusão foram: ser discente de outros anos letivos, bem como do curso de Bacharelado; a não entrega das respostas do roteiro; e a não participação das atividades educativas.

De 49 graduandos, o conjunto de participantes constituiu-se de nove discentes, que corresponderam aos critérios de seleção acima descritos, pois os outros alegaram não querer participar devido ao cansaço e aos inúmeros compromissos acadêmicos de final de ano letivo. A maioria pesquisada é mulher (6), com idade entre 21 e 30 anos (8), todos solteiros, com nível de escolaridade: superior incompleto. Em ordem decrescente, aparece a religião católica; a seguir a espírita; um é protestante e um não possui religião. A maioria (7) possui como única ocupação, ser estudante. A pesquisa atendeu o rigor científico e aos preceitos éticos exigidos pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa com seres humanos, aprovado pelo Comitê de Ética da instituição, sob o parecer de número: 169174. A coleta dos dados ocorreu em 2012.

 

RESULTADOS

As respostas dos participantes foram alocadas em três categorias quanto ao entendimento da espiritualidade, e em quatro categorias quanto ao entendimento da humanização. Aponta-se também, que estes resultados são associados aos outros dados colhidos, concernente à pesquisa-ação, registrados pelo pesquisador inserido na realidade, procurando apreendê-la, como por exemplo, as expressões faciais e/ou corporais apresentadas pelos pesquisandos, os quais são anotados no diário de campo. Passaremos a apresentar agora, as categorias.

Categorizações sobre o entendimento da espiritualidade

1ª Categoria: Espiritualidade é crença em algo que rege a vida/vai além do biológico e do religioso. É você acreditar em algo superior á nossa existência, algo que rege sua vida sem você ver (PA); (...) é acreditar que existe algo além do biológico (PC); (...)  é a crença pessoal, é a sintonia do ser consigo e com seu ''deus'', sua fé (PD); (...) é um conjunto de fatores que envolve o bem estar psicológico, a crença em algo que não necessariamente está ligado à religião e também a um estado de tranquilidade interior que colabora para o enfrentamento de alguma situação (PE); (...) é estar bem ou mal consigo e com os outros, sentir o que pensa, o que gosta e o que quer (PG);É acreditar e vivenciar um poder superior que sustenta e equilibra o viver (PH); (...) é aquilo que nos move, que deixa nosso corpo funcionar, que nos permite participar da vida e interagir nela. É aquilo que está além do físico, do mental e do psicológico – é um elo entre estas três dimensões que permite a dinamicidade da existência de cada ser (PI).

2ª Categoria: Espiritualidade vista como um contexto de vida positivo ou negativo. É um estado, uma condição subjetiva do ser que, a depender do contexto da pessoa, pode se apresentar de forma positiva ou negativa (PB).

3ª Categoria: Espiritualidade vista como respeito aos valores de cada um. É você trabalhar junto a crença do paciente, você respeitar os seus valores, e não querer impor os nossos valores agregados a ele (PF).

Categorizações relativas ao entendimento da humanização

1ª Categoria: Humanização é fazer o bem. É você fazer o bem a qualquer pessoa independente de quem seja e de como ela é (PA).

2ª Categoria: Humanização é a garantia de direitos humanos. É tratar o outro de forma a garantir todos os direitos que um ser humano tem (PB).

3ª Categoria: Humanização é a consideração da pessoa enquanto ser biopsicossocial. É tratar as pessoas sabendo que são seres biopsicossociais (PC).

4ª Categoria: Humanização é ter respeito, não ultrapassando os limites da pessoa. - é sobretudo o tratamento de forma respeitosa (PB); (...) é o ato de ter um olhar individual para cada pessoa e entender que cada pessoa tem sua necessidade e características próprias (PD); (...) refere-se ao atendimento do indivíduo como único, com suas particularidades e contexto de vida (PE);(...) é você atender o paciente com a melhor arma que possa existir, o respeito. (...) é tratar o próximo com respeito, atenção e tentar fazer o que consideramos de melhor, sem ultrapassar os valores da família e do próprio paciente (PF);(...)  é ter respeito e fazer o melhor possível para o outro, pensando nos seus sentimentos, no indivíduo e nas pessoas envolvidas em tal situação; não os prejudicando e não os fazendo sofrer (PG).

 

DISCUSSÃO

Fase 1. Da investigação: categorias. Na fase 1 que tratou do levantamento da investigação, permitiu-se elaborar as categorias anteriormente apresentadas.

Categorizações sobre o entendimento da espiritualidade

1ª Categoria: Espiritualidade é crença em algo que rege a vida/vai além do biológico e do religioso. De acordo com os dados apresentados sobre essa categoria, verificou-se que o entendimento desses participantes está ligado a algo superior, ou seja, ancora-se na concepção religiosa e mítica, porém ultrapassa a visão puramente, biológica. A OMS6 e Chan et al.7 distinguem o termo espiritualidade de religiosidade, embora o último possa servir como canal da expressão espiritual. Assim, a espiritualidade significa uma filosofia individual, ou seja, os valores e o sentido atribuído à vida, e por isso, não é definida como doutrina religiosa, mas engloba o domínio existencial e a essência do que é ser humano, objetivando responder a questões existenciais.6-8A religiosidade é, portanto, traduzida como uma relação de um grupo de pessoas, com algum tipo de força divina ou sobrenatural, ligada ao sagrado e a uma doutrina. Ela pode servir como veículo para a expressão da espiritualidade, a partir de crenças, valores e rituais, levando à busca de respostas sobre questões de vida e morte6-8.O paradigma científico moderno parece estar presente em quase todas as respostas. Interessante notar que o paradigma científico pós-moderno, não ligado à religião, está presente na resposta de (PE), valendo lembrar que esse participante não possui religião. Pode-se inferir que a conceituação dos outros sofre interferência da crença individual religiosa.

2ª Categoria: Espiritualidade vista como um contexto de vida positivo ou negativo. Nesta fala, apreende-se o paradigma pós-moderno, em que a espiritualidade é um estado que se manifesta na vida das pessoas de forma positiva ou negativa, de acordo com as crenças e o contexto de vida. Travelbee considera que isso seria o ponto de partida dos fatores determinantes para o auxílio ao paciente, com vistas a encontrar o significado da vida durante uma situação de doença e sofrimento, principalmente psíquico, de forma que eles não influenciem de maneira negativa, o relacionamento terapêutico e a qualidade do atendimento oferecido.15

3ª Categoria: Espiritualidade vista como respeito aos valores de cada um. Verifica-se que na situação de cuidado, há a relação entre o cuidador e a pessoa assistida, sendo que o participante desta pesquisa relata que não deve haver imposição de valores por parte do profissional. Essa afirmação converge para os preceitos teóricos de humanização em Freire.12 O paradigma científico pós-moderno, de caráter pedagógico é o predominante nesta resposta. Compartilhando com essa visão freireana, autores como MacDonald e Warren13 citam que a teoria de Paulo Freire é diretamente aplicável à Atenção Primária em Saúde, sendo que sua metodologia educativa seria uma sólida base para se atingi-la, integralmente. Apesar do reconhecimento da importância da relação corpo/mente/espírito para a efetivação da humanização e da integralidade em saúde, raras vezes o enfermeiro realiza diagnósticos e implementação de ações que abarquem a espiritualidade do paciente, devido a diversos fatores, como: abordagem incipiente durante a formação acadêmica; dificuldades na interpretação do comportamento espiritual do paciente; pouco consenso da literatura relacionada; e assim, essa prática ainda vem conquistando espaço enquanto profissionalismo científico.11,14 Observou-se, portanto, que apesar de conter especificações pós-modernas, a maioria dos participantes manteve um foco importante no aspecto religioso.

Categorizações relativas ao entendimento da humanização

1ª Categoria: Humanização é fazer o bem.  De acordo com Benevides e Passos,23 o significado de humanização não deve estar atrelado ao significado caritativo das ações em saúde, nem tampouco puramente, associado ao sentido de tratar bem as pessoas.  Denota-se esse entendimento na expressão que humanização é ''você fazer o bem'', caracterizando-se nesta fala, a presença do paradigma moderno, de caráter mítico ou mesmo religioso. O que, em termos, justifica-se inclusive pela história da enfermagem enquanto profissão, permeada pela influência da religião. Apesar disso, denota-se o sentimento, respeito e solidariedade com as diferenças entre o profissional e a pessoa assistida, havendo o movimento convergente para o paradigma científico pós-moderno.

 2ª Categoria: Humanização é a garantia de direitos humanos.  A fala do participante (PB) converge para a humanização em saúde, garantindo a liberdade de ir e vir das pessoas e de suas escolhas, de acordo com as determinadas formas e contexto de vida.3,12,23 Isso reflete o paradigma científico pós-moderno, pois direciona às tendências das políticas públicas mundiais e brasileiras, como por exemplo, a Política Nacional de Humanização, que garante a saúde como um direito humano que deve ser garantido pelo Estado.2

3ª Categoria: Humanização é a consideração da pessoa enquanto ser biopsicossocial. Aqui, o participante (PC) deixa transparecer as múltiplas dimensões que compõem o ser humano, devendo considerá-las, de forma integral, na assistência em saúde, remetendo ao paradigma científico pós-moderno.2 A OMS (2001) remete aos diversos fatores que integram a saúde do ser humano, destacando suas interdependências para a efetiva prevenção de doenças, reabilitação psicossocial e promoção de saúde, principalmente a mental.3

4ª Categoria: Humanização é ter respeito, não ultrapassando os limites da pessoa. Depreende-se disto, que as relações intrínsecas entre humanização e espiritualidade, são convergentes e similares. Considerar o outro de forma horizontal e dialógica pode ser um caminho, colocado pelos participantes, para a assistência humanizada, respeitosa e solidária.2,23 Neste sentido, Paulo Freire,12,13 educador e cientista brasileiro, defendia em suas obras, a busca da autonomia e da tomada consciente das decisões, pelos indivíduos e comunidades, por meio da problematização de situações reais, do exercício da crítica e da construção de conhecimentos, emergindo a questão da humanização. Além dos conceitos (espiritualidade e humanização) serem próximos em suas definições, depreende-se que, conforme analisado, as respostas dos participantes aqui pesquisados também ocorreram de forma análoga. Porém, pode-se verificar, que não foi feita ou pelo menos, não ficou clara a associação da espiritualidade com a humanização, pois não foi ressaltada a convergência dos dois temas, por eles.

Fase 2. Da ação educativa

A ação educativa foi realizada, reunindo-se pesquisador e pesquisandos, em um encontro de círculo de discussão e cultura, com duração de aproximadamente, duas horas, em classe da instituição pesquisada, porém, fora do horário de aula; bem como, por endereço eletrônico, conforme contratualizado pelo grupo. A ação educativa foi composta de etapas: na primeira, foram discutidos os problemas e as vivências em estágios curriculares, no que diz respeito à temática estudada. Em seguida, foi feita leitura de alguns textos elencados sobre o assunto.

Utilizou-se ainda, da dinâmica da bexiga. Bexigas e alfinetes foram distribuídos para os participantes. Solicitou-se que todos enchessem esses balões, representando coisas e sonhos bons. Todos quiseram estourar o do colega. O pesquisador então, convocou à reflexão de que, analogicamente à dinâmica, os enfermeiros lidam com as pessoas e seus sonhos e modos de vida, devendo-se ter cuidado e respeito para com o outro, pois caso contrário, poder-se-ia resultar em ação desumanizante e não-espiritual. O aspecto do processo investigatório e educativo particular da pesquisa-ação, gerou surpresa no grupo, e intentou-se ultrapassar o procedimento único marcante da coleta de dados, que ocorre em outros tipos de pesquisa científica, bem como, a avaliação pontual (baseada em pré e pós testes, ou comparativos), os quais, não cabem na metodologia da pesquisa-ação. Houve, então, a avaliação somativa, permitindo o aspecto qualitativo e interacional entre pesquisador e pesquisandos.12,18 A característica educativa e de retorno rápido das contribuições científicas da pesquisa, foi apontada por eles, de modo informal e descontraído, como um espaço de oportunidade de verbalizações e problematizações de contextos reais. Sobre esta perspectiva do processo ensino-aprendizagem a partir de estratégias de grupo, Bleger24 destaca o movimento da ação educativa que termina por ser terapêutica e vice-versa. Ora, em congruência a essa pesquisa, aponta-se que a enfermagem, enquanto arte, ciência e profissão que lida com pessoas enquanto processo e produto de suas ações, deve desenvolver e aperfeiçoar o autoconhecimento e as relações interpessoais, e as estratégias de grupo podem proporcionar esse espaço, lembrando ainda, que as oficinas em grupo nos casos de reabilitação psicossocial, vem sendo utilizadas e difundidas amplamente nos serviços de saúde.

Paulo Freire destaca a dimensão comunicativa religiosa enquanto característica epistemológica da pedagogia, não como um sentido de afirmação do caráter religioso, mas como um canal que possibilita a ação educativa: ''a fé no homem é o pressuposto do diálogo'', e ''sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo''.11,12 Assim, a escolha teórico-metodológica deste estudo culmina com a proposta freireana, em associação temática entre a Educação para a Saúde, a humanização e a espiritualidade. A pesquisa-ação, enquanto proposta de caminho investigatório e educativo, gerou desafios por parte do pesquisador, pois que: a) a limitação do estudo foi lidar com certa desmotivação de muitos graduandos em participar da pesquisa, pois era final de ano letivo, e os alunos já se apresentavam cansados físico e mentalmente. Entretanto, essa característica (condição sine qua non) da pesquisa qualitativa, configura a inserção no contexto real histórico dos participantes, não havendo necessidade de amostra ideal, que seja análoga aos termos da pesquisa quantitativa.20 b) a complexidade do tema (humanização e espiritualidade), e a relação com a formação em enfermagem, demanda o aspecto comunicacional no preparo da ação educativa, elemento esse, propulsor de maior flexibilidade, escuta e ajustamentos propostos, além de menor controle prévio de ações/discussões durante o encontro; e c) a avaliação enquanto elemento processual, é peculiar à pesquisa-ação, e não pontual e quantificável, presente no paradigma científico moderno.

Ressalte-se, portanto, que o aspecto enriquecedor dessa pesquisa foi a problematização, revelando-se diversos questionamentos e perspectivas, ou seja, não permaneceu-se no pensamento indutivo/dedutivo, de imediatismo e de pontualidade da mudança de concepções ou de comportamentos, nem mesmo, na crítica pejorativa à instituição pesquisada, até porque, não seria essa, a finalidade educativa proposta por Freire e Bueno. Mas, a troca de conhecimentos que certamente, possibilitam relações mais respeitosas e horizontalizadas, emergindo, assim, o fator construtivo do conhecimento, e constituindo-se um dos vários passos a serem dados rumo ao paradigma científico pós-moderno, conforme apregoam teóricos no assunto.11,12,18-20

Portanto, concluímos que enquanto limitação deste estudo, poucos alunos participaram, pois a composição dos participantes é condicionada à disponibilidade e ao interesse em participar do estudo, conforme o exposto. Aponta-se também que o projeto pedagógico do curso não foi analisado, enquanto uma lacuna, podendo-se abrir para outras possibilidades de pesquisa diante do tema investigado. Deveras, os achados não são fechados, concluídos ou definitivos, mas conferem o aspecto inacabado deste estudo, que converge com os ideais freireanos, propondo a investigação da realidade sobre a questão da humanização e da espiritualidade na formação em enfermagem, enquanto um movimento contínuo para fins tanto de efetivação dos resultados obtidos, quanto de aprofundamento e ampliação de outros elementos que possam interferir no processo ensino-aprendizagem dos enfermeiros. Observou-se, então, estar implícita a predominância do discurso do cuidado/assistência técnico-procedimental, em detrimento do educativo, além de não estar clara a associação dos temas da humanização e da espiritualidade, enquanto constructos que se complementam, segundo a ótica desses participantes, que serão profissionais assistenciais e docentes do ensino em saúde, demonstrando necessidade de investimentos a serem feitos na formação acadêmica.

As estratégias de grupo, inseridas na metodologia da pesquisa-ação, podem proporcionar espaços de desenvolvimento da comunicação e da capacidade de negociação, contribuindo para o relacionamento terapêutico mais espiritualizado e, portanto, mais integral e humanizado. Esta pesquisa aponta o caráter emergente de que a formação acadêmica de enfermeiros educadores configura-se em momento de possibilidade de inserção da espiritualidade e da humanização, utilizando-se de estratégias que considerem a complexidade da natureza humana, levando em conta a intersecção do currículo integrado e problematizador da realidade, os princípios humanizadores da APS, a espiritualidade e a Educação para a Saúde. Na direção do desenvolvimento de competências que proporcionem suporte individualizado ao paciente e família, na promoção de saúde e no enfrentamento de situações de adoecimento, ressalte-se a importância da assistência e do ensino em saúde enquanto campos técnicos, científicos e políticos. Nos termos metodológicos, propôs-se ainda, ultrapassar ações pontuais em educação, lançando-se mão de novas perspectivas pós-modernas, com vistas a novos modos de se produzir ciência.

 

REFERÊNCIAS

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2. Coscrato G, Bueno SMV. Concepção de enfermeiros de uma rede pública de saúde sobre Educação para a Saúde. Rev Esc Enferm USP. 2013; 47(3):714-21.         [ Links ]

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