Services on Demand
Journal
Article
Indicators
- Cited by SciELO
- Access statistics
Related links
- Cited by Google
- Similars in SciELO
- Similars in Google
Share
Investigación y Educación en Enfermería
Print version ISSN 0120-5307
Invest. educ. enferm vol.33 no.2 Medellín May/Aug. 2015
https://doi.org/10.17533/udea.iee.v33n2a08
ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.17533/udea.iee.v33n2a08
Violência contra as mulheres: percepção de estudantes de enfermagem acerca do enfoque na formação
Violence against women: perceptions of nursing students' about the focus on the formation
Violencia contra las mujeres: percepción de los estudiantes de enfermería acerca del enfoque en la formación
Bruna Dedavid da Rocha1; Maria Celeste Landerdahl2; Laura Ferreira Cortes3; Letícia Becker Vieira4; Stela Maris de Mello Padoin5
1Enfermeira, Residente em Obstetrícia, Centro Universitário Franciscano, Brasil.email: brunadedavid.rocha@gmail.com.
2Enfermeira, Doutora. Professora, UFSM, Brasil. email: mclanderdahl@gmail.com.
3Enfermeira, doutoranda em Enfermagem, UFSM, Brasil. email: lferreiracortes@gmail.com.
4Enfermeira, Doutora. Professora, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. email: lebvieira@hotmail.com.
5Enfermeira, Doutora. Professora, UFSM, Brasil. email: stelamaris_padoin@hotmail.com.
Fecha de Recibido: Enero 20, 2015. Fecha de Aprobado: Abril 30, 2015.
Artículo vinculado a investigación: "Violencia contra las mujeres en la perspectiva de estudiantes de enfermería".
Subvenciones: Ninguna.
Conflicto de intereses: Ninguno.
Cómo citar este artículo: Rocha BD, Landerdahl MC, Cortes LF, Vieira LT, Padoin SMM. Violence against women: perceptions of nursing students' about the focus on the formation. Invest Educ Enferm. 2015; 33(2): 260-268.
DOI: 10.17533/udea.iee.v33n2a08
RESUMO
Objetivo. Conhecer a percepção dos estudantes de enfermagem de uma universidade pública no sul do Brasil, sobre a inclusão no currículo do tema da violência contra a mulher e do com respeito à abordagem da temática durante a formação. Metodologia. Investigação qualitativa exploratória descritiva realizada com 18 alunos de Enfermagem de uma universidade pública no sul do Brasil. Para a tomada de informação se utilizou a técnica de entrevista semiestruturada e dados foram submetidos à análise temática de conteúdo. Resultados. Para os alunos a temática integra o conteúdo curricular de maneira pontual, ainda que e com carga horária reduzida. Apontou-se dificuldades na identificação da violência e nas ações que serão desenvolvidas. Os participantes sugerem que a temática deveria ser trabalhada desde o início da graduação, permeando a aprendizagem em Saúde Coletiva. Conclusão. O estudo mostra a necessidade de incluir a violência como tema transversal aos currículos dos cursos de Graduação em Enfermagem e Saúde.
Palavras chave: saúde da mulher; violência contra a mulher; qualificação profissional; enfermagem; educação em enfermagem.
ABSTRACT
Objective. Get to know the nursing undergraduates perception, from a public university in southern Brazil, on the inclusion of the theme violence against women in the curriculum and about that thematic approach during graduation. Methodology. Descriptive exploratory qualitative research, made with 18 students of Nursing Graduation in Federal de Santa Maria University. Semi-structured interview was made and its data was submitted to thematic analysis. Results. From the undergraduates understanding, the theme integrates the curricular content in a punctual way and a reduced workload. There were found difficulties in the violence's identification and the actions to be developed. The participants suggest that the theme should be worked since the graduation's beginning, permeating the learning in collective health. Conclusion. The study shows the need to include violence as a transversal theme in curriculums in graduation courses of Nursing and Health.
Key words: women's health; violence against women; credentialing; nursing; education nursing
RESUMEN
Objetivo. Conocer la percepción de los estudiantes de enfermería de una universidad pública en el sur de Brasil, sobre la inclusión en el currículum del tema de la violencia contra la mujer y con respecto al abordaje de la temática durante la formación. Metodología. Investigación cualitativa exploratoria descriptiva realizada con 18 alumnos de Enfermería. Para la toma de información se utilizó la técnica de entrevista semiestructurada y los datos se sometieron al análisis temático de contenido. Resultados. Para los alumnos la temática integra el contenido curricular de manera puntual, aunque con carga horaria reducida. Se presentaron dificultades en la identificación de la violencia y en las acciones que serán desarrolladas. Los participantes sugieren que la temática debería ser trabajada desde el inicio del programa, permeando el aprendizaje en Salud Colectiva. Conclusión. El estudio muestra la necesidad de incluir la violencia como tema transversal a los currículos de los cursos de Graduación en Enfermería y Salud.
Palabras clave: salud de la mujer; violencia contra la mujer; habilitación profesional; enfermería; educación en enfermería.
INTRODUÇÃO
A violência contra as mulheres (VCM) é considerada um problema de saúde pública por influenciar no contexto de vida das pessoas que vivem ou vivenciam esta situação, gerando impacto nas condições sociais, psicológicas, de trabalho e de cidadania da mulher e sua família. Ganhou notoriedade ao ser denunciada mundialmente pelos movimentos feministas, que impulsionaram debates e conquistas no âmbito do seu enfrentamento. A Convenção Interamericana para Punir, Prevenir e Erradicar a violência contra as mulheres - Convenção de Belém do Pará/Brasil (1994), caracteriza a VCM, como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como privado.1 Caracteriza-se pela tentativa de retomar o poder de forma ilegítima, por meio de autoridade imposta pela força física ou temor, de um sujeito para o outro2. Neste estudo, trabalha-se com a categoria gênero que significa compreender que o fenômeno da violência decorre das relações hierárquicas que se estabelecem entre homens e mulheres, as quais têm um caráter histórico/social/cultural que marca e delimita o corpo de cada sujeito e seu campo de atuação3. É uma compreensão mais ampla que aquela direcionada a fatores causais e que cria demandas, também, para Área da Saúde.
Em 2004, o Estado brasileiro, sensível aos apelos de conferências e convenções internacionais, elaborou, a Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, que estabelece diretrizes para o enfrentamento e prevenção do problema. Determina ainda que a assistência às mulheres seja por meio de uma rede composta por diferentes setores dentre eles a saúde.4 O Brasil ocupa a 7ª posição mundial, como um dos países com o mais elevado índice de feminicídios, assassinatos de mulheres por razões de gênero. Em 2011, foram registrados no país 73.633 atendimentos de saúde relativos à violência, sendo que 48.152 (65,4%) eram mulheres. O local de residência dessas mulheres foi na maioria dos casos o cenário das situações de violência, tendo como seus agressores, o cônjuge ou namorado, atuais ou pregressos.5
A VCM resulta em graves consequências para a saúde física e mental das mulheres. Estudo transversal, realizado na Colômbia com 150 mulheres com histórico de violência, mostra que sintomas depressivos e dor crônica foram apresentados em 74% e 42% das participantes, respectivamente.6 Essas demandas repercutem em maior procura pelos serviços de saúde. No entanto, muitos profissionais apresentam dificuldades para identificar o histórico de violência e atuar junto às mulheres, restringindo sua atuação aos sinais e sintomas físicos.7,8 A Área da Saúde tem sido campo pioneiro para a identificação das situações de violência,9 pois os profissionais de saúde, em especial de enfermagem, realizam os primeiros atendimentos às mulheres em situação de violência. No entanto, questiona-se o preparo desses, para atuar nos serviços de atendimento uma vez que, a prática assistencial é prejudicada pela compreensão limitada dos profissionais sobre o tema, ou mesmo desconhecimento para identificar situações em suas variadas formas, o que muitas vezes invisibiliza a questão no campo da saúde.8,10,11 Para a Enfermagem, muitas vezes, a atuação restringe-se ao apoio, sem o comprometimento institucional de identificar situações de violência e realizar os encaminhamentos necessários.9
Atribui-se essa conduta às lacunas presentes na formação, no que diz respeito à instrumentalização para as relações interpessoais, bem como integralidade das ações de cuidado. Percebe-se maior preocupação dos acadêmicos da Saúde em geral, com o aprimoramento de competência técnica, do que competência para as relações profissional/paciente acometida pela violência.12 Reitera-se que ainda predomina a fragmentação do conhecimento, em que as práticas disciplinares estão pautadas, muitas vezes, no biologicismo e na medicalização. As competências para o trabalho em saúde necessitam estar embasadas na inserção em cenários de prática, que demonstram as necessidades de saúde da coletividade. São necessárias estratégias para transformar o processo de formação, dos serviços e as práticas pedagógicas, aliando o sistema de saúde e as instituições formadoras, para uma educação com olhar crítico e reflexivo.13 Desse modo, destaca-se a importância da inclusão da temática no processo de formação dos profissionais da área da Saúde, em especial da Enfermagem. Acredita-se que o enfermeiro precisa ter subsídios para atuar tanto na identificação de situações de violência, no acolhimento, apoio e encaminhamento das demandas. Além disso, frente à importância dessa temática nas relações sociais e de saúde pública, justifica-se essa investigação, uma vez que acreditamos que os resultados obtidos possam gerar reflexões no âmbito do ensino a fim de contribuir com a inclusão da temática nos currículos das áreas envolvidas. Para tanto, objetivou-se conhecer a percepção de acadêmicos de enfermagem de uma universidade pública do Sul do Brasil, sobre a inclusão da temática da violência contra as mulheres no currículo e sobre a abordagem da referida temática durante a graduação.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo qualitativo, de caráter exploratório-descritivo, uma vez que esse tipo de pesquisa trabalha com as interações entre as pessoas, as interpretações humanas a respeito de como vivem, sentem e pensam. Constituindo não somente na decodificação de dados, mas na compreensão do contexto ao qual se está inserido.14 O cenário do estudo foi um Curso de Graduação em Enfermagem de uma Universidade pública, localizada no Rio Grande do Sul, Brasil. Os participantes da pesquisa foram 18 acadêmicos/as matriculados nesse curso, que estavam no último ano da formação, 15 mulheres e 3 homens, cujas idades situavam-se entre 21 e 31 anos. Para a participação no estudo, elegeram-se os seguintes critérios: estar matriculado no último ano e participando regularmente das aulas teóricas e práticas. Optou-se pelo ultimo ano da formação, uma vez que a temática foi incluída no currículo no período anterior (sexto semestre) por meio de conteúdo em disciplina complementar à de saúde da mulher.
O projeto de pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, sob protocolo CAEE 20696913.5.0000.5346. A fim de garantir o sigilo e anonimato dos participantes, foi utilizado nos depoimentos um código com a letra A, de acadêmico/a, seguida de um numeral. O estudo atendeu à Resolução nº. 466/12, do Conselho Nacional de Saúde no Brasil, que dispõe sobre as questões éticas em pesquisa envolvendo seres humanos. Os/as acadêmicos/as foram convidados a participar da pesquisa e, após compreensão e concordância da exposição das questões éticas, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A produção de dados ocorreu de setembro a outubro de 2013 por meio de entrevistas semi-estruturadas realizadas no Centro de Ciências da Saúde da universidade. As questões da entrevista versavam sobre o momento e a maneira como foi abordada a temática na graduação, sobre a percepção dos acadêmicos acerca dessa abordagem, as quais foram registradas em um gravador digital de áudio. O número de entrevistas seguiu o critério de saturação de dados.15
Os dados foram transcritos, a fim de realizar a interpretação e análise temática proposta por Minayo.14 Esse procedimento consistiu em três etapas: ordenação, classificação dos dados e análise final. Assim, foi realizada leitura flutuante das entrevistas, sendo identificadas as ideias centrais sobre a abordagem da violência contra as mulheres na percepção dos acadêmicos; foram selecionados trechos significativos das falas e por meio da leitura e releitura, desenvolveu-se a codificação cromática dos achados. Foram construídas categorias temáticas, pelas quais foram destacadas as convergências, divergências e semelhanças das falas dos participantes. A análise final consistiu em articular o corpus estruturado à fundamentação teórica, visando à identificação do conteúdo subjacente ao manifestado, na tentativa de responder ao objetivo. Destacam-se as categorias: "Enfoque pontual e limitado da temática"e, "As dificuldades para o agir como futuro profissional de enfermagem".
RESULTADOS
Enfoque pontual e limitado da temática
A abordagem da VCM na formação em enfermagem, na visão dos participantes, é relevante e necessita ter um enfoque maior durante o curso de graduação. O fato de ser estudada somente em uma disciplina complementar, de forma pontual limita a exploração maior do tema. Argumentam e reforçam que faltam momentos de discussão sobre a temática durante toda a graduação e não somente na disciplina de saúde da mulher: [a abordagem] tá ainda muito superficial, porque precisa ser tratado com mais seriedade esse tema [...] Ainda há fragilidades nisso [...] [A9]; [...] é um tema muito atual [...] deveria ter mais momentos de discussão sobre isso [A17]; [...] É um assunto que a gente desconhece porque foi uma DCG [disciplina complementar de graduação] nem foi uma cadeira [disciplina] [...] Teria que ter mais e que a gente conhecesse mais os recursos, porque eu não conheço muito [A18].
Relatam que as questões de VCM não são contempladas no currículo. Algumas intervenções pontuais, como aula e abordagem em campanha preventiva, foram realizadas, atreladas a docentes mobilizadas a trabalhar com a questão. Acreditam ser um tema que precisa de momentos de discussão, pelo desconhecimento de como o enfermeiro pode agir nessas situações. Sugerem uma carga horária maior. Além disso, destacam que a temática necessita maturidade dos acadêmicos, para relacionar a teoria com a prática: [...] Eu acho que na graduação as pessoas não tão maduras o suficiente [...] Não conseguem relacionar a teoria com a prática. São questões sérias que a gente precisa ter discernimento [A9]; Ainda falta muito espaço para essas discussões que são importantes [...], muitas pessoas têm dificuldade com esse assunto porque não conhecem como o enfermeiro pode atuar nisso [A13]; Acho que fica muito aquém do que a gente necessitaria de verdade, acho que tudo que aborda a saúde da mulher, principalmente a violência, não se dá em horas [A14]; Durante uma semana de ativismo da violência contra a mulher, teve uma professora, por ela se identificar com essa temática, ela fez essa abordagem, mas não que a gente tenha no currículo. [...] [A15], Seria importante uma carga horária maior [A18].
Os participantes expressaram que o assunto deveria ser trabalhado desde o início da graduação. Principalmente pelo fato que, nos primeiros semestres, é ministrada a disciplina de Saúde Coletiva, na qual os acadêmicos têm contato com seu primeiro local de prática: as unidades básicas de saúde (UBSs) e Unidades de Estratégias de Saúde da Família (ESFs). Sugerem, ainda, que poderiam ser abordadas em todos os semestres de forma contínua. Outros defendem que poderia ser retomado principalmente no sétimo e oitavo semestres, nos quais a formação profissional se aproxima: Em todos os semestres, eu acho essencial [...] no sétimo e no oitavo [último ano] deveriam ser reforçadas muitas coisas [...] falar sobre violência de gênero, sobre direitos da mulher [...] retomar aquela linha de cuidado, aqueles encaminhamentos, serviços terciários, delegacia da mulher, atenção primária, rever todo aquele fluxo agora [...] [A8]; Eu acho que lá no primeiro [semestre] porque a gente já vai pra saúde coletiva [...] vai pra família, e a gente sabe que teve muitas famílias que tinha umas histórias bem complicadas [...]. Se a gente conseguisse trabalhar também com adolescentes sobre a violência, porque [...] é uma coisa cultural [A9]; [...] Talvez isso deva ser trabalhado desde o começo, lá quando a gente vai à primeira vez numa ESF [...] [A14].
As dificuldades para o agir como futuro profissional de enfermagem
Os participantes revelam dificuldades em identificar uma mulher em situação de violência que chega ao serviço de saúde. Pontuam que não saberiam como agir e nem realizar encaminhamentos, sendo futuros profissionais de enfermagem, Além disso, a violência é identificada principalmente por lesões físicas, e é considerada para a maioria, passível de denúncia policial: Teria dificuldade de estar identificando uma mulher que chega no serviço de saúde, tu olhas pra ela, tu vês que ela está com um roxo no braço, na barriga, uma coisa assim. É de talvez tu perceberes que isso não é só um hematoma, sabe? Perceber que tem alguma coisa, que tem a violência por trás disso [...] Isso a gente teria que trabalhar mais no curso [A4]; Como profissional a gente não tá muito preparado para agir, até porque na graduação a gente tem só um semestre, até eu nem saberia assim como agir certamente [A12]; Saber trabalhar com as medidas cabíveis à situação, seja de aconselhamento até encaminhamento pra polícia se for necessário [A16].
Em contraponto, exterioriza-se a preocupação dos acadêmicos em criar vínculo com a mulher e conhecer a realidade na qual está inserida, bem como conversar sobre a situação e informá-la que é um direito seu viver sem violência. Em uma das falas, salienta-se que o homem agressor necessita ser lembrado nesse contexto de violência, portanto deve ter apoio livre de julgamentos nos serviços de saúde: A primeira coisa que eu busco fazer [...] é informar a pessoa que ela não precisa passar por aquilo [...] ela tem que saber que tá sofrendo a violência, entendeu? Pra ela conseguir se libertar daquilo [A8]; [...] Primeiro tu tem que criar um vínculo, conhecer a realidade [...] a gente não tem que julgar tanto o homem porque eu acho que o homem que agride ele também tem problema, sabe? E muitas vezes a gente esquece [...] [A10].
Algumas estratégias de ação são apontadas pelos participantes, como a consulta de enfermagem, criação de grupos ou rodas de conversa, acionar órgãos competentes como a delegacia da mulher, realizar encaminhamentos para assistente social e equipe multiprofissional: Tem que tentar acionar [...] não sei qual seria o órgão mas acionar algum órgão de responsabilidade, tipo, aquela delegacia da mulher [...] fazer com que essa mulher fique empoderada pra que ela compreenda que ela não precisa viver daquela forma [A9]; [...] Acho que a gente não pode fazer o trabalho sozinho, não pode ser só a enfermagem, tem que ser o médico [...], tem que ser a psicóloga [...] uma equipe para tentar ajudar [A10]; O que eu fiz quando eu vi esse caso foi tentar agendar uma consulta de enfermagem pra que pudesse conversar com essa mulher, orientar, escutar ela [...]. Eu faria grupos de mulheres relacionados a isso, uma roda, assim se conversa [A17].
DISCUSSÃO
Os resultados apontam para a necessidade de a violência contra as mulheres ser abordada durante toda a graduação de Enfermagem. Nas falas dos acadêmicos, suas críticas consistem, principalmente, sobre a disposição tardia da temática na grade curricular do curso – terceiro ano, assim como a oferta em uma disciplina complementar de graduação. A transversalidade propõe que a questão da violência contra a mulher, seja trabalhada de forma contínua e integrada nos currículos, interagindo com conhecimentos de diferentes áreas do saber. Ou seja, a temática deve estar presente em todos semestres e ter relação com a prática assistencial que permita o aprendizado a partir da relação da realidade vivida pelos acadêmicos e às questões da vida das pessoas.16
Os acadêmicos posicionam-se apontando que as aulas foram importantes e auxiliaram em seu aprendizado. No entanto, consideram a carga horária insuficiente para discutir a complexidade que engloba a situação de violência. Pontuam essas questões principalmente, porque no cotidiano dos serviços de saúde, como futuros profissionais, eles precisarão de subsídios teóricos que balizem ações com vistas à integralidade do cuidado às mulheres em situação de violência. Entende-se que a própria academia favorece a fragmentação do aprendizado, quando se detém a trabalhar conteúdos dentro dos limites das disciplinas, desvinculando a teoria da prática, o que acaba por não estimular a reflexão e criticidade dos futuros profissionais. As Instituições de Ensino Superior (IES), em especial na Área da Saúde, necessitam primar pela formação de profissionais que adquiram competências e habilidades a partir da construção de conhecimento, subsidiado em práticas pedagógicas que visem à integralidade e interdisciplinaridade.17 Nesse sentido, tais demandas apontam para a superação na formação acadêmica, do modelo biologicista e reducionista, que não considera os determinantes sociais como marcadores importantes no processo saúde e doença.
A fim de potencializar a transformação desse modelo, é necessário mobilizar estratégias associadas a enfoques de outras áreas do conhecimento, como Sociologia e Direito.4 Resultando no entrosamento da saúde com os direitos humanos, no restabelecimento da ética nas relações interpessoais, tratamento integrado, e de compromissos políticos que contemplem maior equidade de gênero e social.8,10,11 De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação (DCN) em Enfermagem, no Brasil, os currículos devem contribuir para a formação de profissionais com competências e com habilidades para atuar no Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro de maneira crítica, levando em consideração o contexto de vida e as necessidades da população, assegurando a integralidade de suas ações e a humanização do cuidado de indivíduos, famílias e comunidades.18 Portanto, as DCN já propõem que os acadêmicos, como futuros profissionais, sejam capazes de atuar de forma ampliada responsabilizando-se também por questões culturais, sociais e econômicas que possam resultar em agravos à saúde física e mental, como é o caso da violência contra as mulheres.
A VCM sendo discutida somente quando se estuda a saúde das mulheres, no sexto semestre, contradiz a orientação das DCN uma vez que os acadêmicos percebem situações de vulnerabilidade como a violência, quando realizam o estágio curricular (aulas práticas) na atenção primária, nos semestres iniciais. Os futuros profissionais necessitam pautar sua prática na defesa dos direitos humanos e sociais e agregar ações que possibilitem um cuidado com vistas à integralidade. Diante disso, é necessário aliar o que é preconizado pelas políticas públicas de saúde, diretrizes da educação e competências gerais e específicas do enfermeiro, para intervir em problemas sociais e de saúde. Isso pode ser alcançado por meio da capacitação de docentes e profissionais para que contribuam para uma formação acadêmica pautada na criticidade e reflexão dessas problemáticas.19 Reforça-se também o papel da atenção primária, quando se pensa em ações referentes à VCM, pela ênfase na promoção e prevenção em saúde8, bem como pela possibilidade de vínculo com as mulheres e famílias por meio da visita domiciliar, possibilitada pela Unidade de ESF e pelo maior acesso das mulheres a esse âmbito de atenção. Principalmente, pelas ações em todo o ciclo de vida da mulher e ao vínculo com a comunidade, o que acaba levando a procurar o serviço primário de saúde.11
Outra possibilidade de atuação dos profissionais de saúde é durante o ciclo gravídico-puerperal das mulheres. Estudo aponta que a VCM ocorre muitas vezes simultaneamente no período gestacional e tem associação a efeitos adversos causados na saúde mental de gestantes, como a depressão pós-parto. Ressalta-se, a potencialidade do enfermeiro, o qual está inserido em diferentes níveis de atenção à saúde, na identificação de casos de violência também no ciclo gravídico-puerperal. Bem como, a detecção de possíveis transtornos resultantes dessa situação nas consultas de pré-natal e puerpério.20 Assim, a visita domiciliar e os momentos em que a mulher procura a atenção primária para consultas de rotina também poderiam ser utilizados para esse fim.7
Em relação à presença da temática nos currículos, estudo mostra que profissionais da saúde reconhecem que não tiveram aulas sobre a temática VCM durante sua formação profissional, portanto consideram que os casos devem permanecer no âmbito da segurança e justiça, não responsabilizando a área da saúde.21 Infere-se que a temática VCM deve ser abordada durante a formação profissional de enfermeiros/as e demais profissionais, sendo necessário também que sejam possibilitados momentos de educação continuada nos serviços de saúde. Isso irá repercutir em um melhor preparo técnico dos profissionais no cuidado à saúde das mulheres em situação de violência, para que esse agravo seja identificado nos serviços de saúde, fortalecendo a rede de apoio no SUS.22
Na visão dos participantes, conversar sobre o tema durante a graduação, mesmo que pontualmente, possibilitou dar visibilidade às situações de violência em seu cotidiano, o que reforça a necessidade de aprofundamento no tema. Afinal, a temática ainda não é abordada de forma satisfatória e não se inclui totalmente nos currículos, pelo fato de que aulas práticas e estágios, apesar das novas diretrizes curriculares, ocorrem principalmente no cenário hospitalar, em detrimento da rede primária. Sendo que, no primeiro, a identificação da violência e o enfoque psicossocial ficam em segundo plano, em relação às demandas biológicas da violência.19 É necessário que as instituições repensem o modo de abordar tais temáticas na academia, possibilitando espaços de prática para que estudantes tenham contato com a realidade das usuárias e saibam identificar e agir diante disso23, por meio do vínculo, da escuta, da orientação e do trabalho em equipe multidisciplinar.4 Uma possibilidade para trabalhar a temática é o uso da Metodologia Problematizadora, pautada nas novas tendências pedagógicas que apontam para a necessidade da formação de um profissional crítico-reflexivo, capaz de ser protagonista da sua aprendizagem e de transformar a realidade social na qual está inserido.24
O relato dos acadêmicos sobre as dificuldades na identificação da violência e nas condutas demonstra a carência de protocolos para o atendimento de VCM. Ressaltam que a formação ainda possui muitas fragilidades, como a necessidade de momentos de discussão da temática, maior carga horária e de aulas teórico-práticas. Os resultados apontam, portanto, a necessidade de fortalecer não somente a graduação, mas também os profissionais dos serviços de saúde, os quais também contribuem para o processo de formação dos acadêmicos. Para que isso seja viabilizado, seria importante a articulação intersetorial, principalmente com órgãos formadores como as universidades, no intuito de estimular pesquisas e estudos relacionados à temática.10
Destaca-se também a necessidade de diálogo multiprofissional, apontado pelos participantes, como uma estratégia de ação, principalmente porque a problemática da violência deve ser conduzida por uma rede de atendimento que envolva diferentes setores e profissionais. Em vista disso, percebe-se carência de espaços para discussão intersetorial sobre as condutas dos casos e a falta de outros atendimentos a essas mulheres, como suporte de escuta qualificada.23 É possível inferir que os participantes possuem uma visão ampliada, que a saúde das mulheres vai além do biológico e que deve ser assistida em todos os ciclos de sua vida, da infância à velhice, principalmente na presença de situações de vulnerabilidade como a violência. Ressalta-se a importância de ouvir as demandas dos acadêmicos, pois, o desenvolvimento de competências na Área da Saúde, precisa acontecer por meio da construção e transformação de conhecimento, e do compartilhamento de experiências. Os acadêmicos podem participar ativamente de sua formação, por meio de estratégias como rodas de conversa, discussões e debates, que possibilitam ao estudante se sentir parte do processo de aprendizagem.13
Considerações finais. O estudo mostrou que ter um espaço na academia para discussões acerca da VCM promove reflexões importantes, possibilitando outros olhares e outras posturas frente à temática. Esse novo olhar à violência, já representa um avanço uma vez que parece estar estimulando o empoderamento das futuras enfermeiras e enfermeiros, profissionais que devem ser protagonistas das transformações tão necessárias no campo da saúde em defesa das mulheres. Faz-se necessário outros estudos nessa linha como forma de estimular reflexões que reforcem o compromisso da Enfermagem e da Saúde em contribuir no enfrentamento da violência contra as mulheres, fenômeno tão naturalizado na cultura vigente. Recomenda-se, a transformação no processo de formação, mediado pela implementação de métodos pedagógicos participativos/ativos, para além da instrumentalização dos acadêmicos para atuar no enfrentamento da VCM. Indica-se a Metodologia Problematizadora como possibilidade de apreender os objetos de estudo a partir da percepção da realidade e, especialmente, do protagonismo discente. Para tanto, pode-se ampliar as situações de aprendizagem na atenção primária á saúde, por exemplo, em que há maior proximidade às famílias, buscando conhecer os contextos de maior vulnerabilidade social que predispõe à violência. Segue o desafio de repensar a VCM como um tema transversal nos currículos de cursos da área da saúde e, para, além disso, há necessidade de desconstruir questões culturais e de gênero na sociedade. Este estudo apresenta algumas limitações características de estudos qualitativos, como ser delimitado no tempo e grupo em que foi desenvolvido, por isso não se tem a pretensão de generalizar os resultados. No entanto, sua contribuição está no aprofundamento do tema estudado e na sua implicação para possíveis mudanças na formação em Enfermagem e Saúde.
REFERÊNCIAS
1. Organização dos Estados Americanos. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher [online]. São Paulo. 1994. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos, Universidade de São Paulo (cited 2013 Apr 15) Available from: http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OEA. [ Links ]
2. Schraiber LB, D'Oliveira AFPL, Couto MT. Violência e saúde: contribuições teóricas, metodológicas e éticas de estudos da violência contra a mulher. Cad Saude Publica, Rio de Janeiro. 2009; 25(Sup 2): 5205-16. [ Links ]
3. Scott, J. Gênero: uma categoria útil para a análise histórica. Tradução: Cristine Rufino Dabatt, Maria Betânia Ávila. Recife: SOS Corpo, [1989] [ Links ].
4. Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. O objeto, a finalidade e os instrumentos do processo de trabalho em saúde na atenção à violência de gênero em um serviço de atenção básica. Interface (Botucatu). 2014; 18(48):47-59. [ Links ]
5. Waiselfisz JJ. Mapa da Violência 2012. Atualização: Homicídios de Mulheres [Internet]. Rio de Janeiro: CEBELA:FLASCO/Brasil; 2012 (cited 2013 Apr 15). Available from: http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_atual_mulheres.pdf [ Links ]
6. Medina NT, Erazo GEC, Dávila DCB, Humphreys JC. Contribution of intimate partner violence exposure, other traumatic events and posttraumatic stress disorder to chronic pain and depressive symptoms. Invest Educ Enferm. 2011; 29(2):174-86. [ Links ]
7. Santi LN, Nakano MAS, Letierre A. Percepção de mulheres em situação de violência sobre o suporte e apoio recebido em seu contexto social. Text Contexto Enferm. 2010; 19(3):417-24. [ Links ]
8. D'oliveira AFPL, Schraiber LB. Mulheres em situação de violência: entre rotas críticas e redes intersetoriais de atenção. Rev Med (São Paulo). 2013; 92(2):134-40. [ Links ]
9. Leal SMC, Lopes MJM, Gaspar MFM. Representações sociais da Violência contra a mulher na perspectiva da enfermagem. Rev Interface Com Saúde Educ. 2011; 15(37):409-24. [ Links ]
10. Gomes NP, Erdmann AL, Bettinelli LA, Higashi GDC, Carneiro JB, Diniz NMF. Significado da capacitação profissional para o cuidado da mulher vítima de violência sexual. Esc Anna Nery. 2013; 17(4):683- 9. [ Links ]
11. Diuana V, Lhuilier D, Sánchez AR, Amado G, Araújo L, Duarte AM, et al. Ambiguidades e contradições no atendimento de mulheres que sofrem violência. Saúde Sociedade. 2011; 20(1):113-23. [ Links ]
12. Rosa R et al. Violence: concept and experience among health sciences undergraduate students. Interface - Comunic. Saude Educ. 2010; 14(32):81-90. [ Links ]
13. Ceccim RB. Desenvolvimento de competências no trabalho em saúde: educação, áreas do conhecimento e profissões no caso da saúde. Tempus - Actas de Saúde Colet. 2012; 6(2):253-77. [ Links ]
14. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 12th Ed. São Paulo: HUCITEC - Abrasco. 2010. [ Links ]
15. Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Amostragem em pesquisas qualitativas: propostas de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saúde Pública. 2011; 27(2):389-94. [ Links ]
16. Brasil. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclo: apresentação dos temas transversais/ Secretaria de Educação fundamental [Internet]. Brasília: MEC/SEF, 1998 (cited 2013 Apr 15). Available from: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/ttransversais.pdf. [ Links ]
17. Leadebal ODCPL, Fontes WD, Silva SC. Ensino do processo de enfermagem: planejamento e inserção em matrizes curriculares. Rev Esc Enferm USP. 2010; 44(1):190-8. [ Links ]
18. Conselho Nacional de Educação (Brasil). Ministério da Educação. Resolução CNE/CES Nº 3, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2001. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Enfermagem. Brasília, 2001. [ Links ]
19. Souza ER, Ribeiro AP, Penna LHG, Ferreira AL, Santos NC, Tavares CMM. O tema violência intrafamiliar na concepção dos formadores dos profissionais de saúde. Ciênc Saúde Colet. 2009;14(5):1709-19. [ Links ]
20. Machado MOF, Alves LC, Freitas OS, Monteiro JCS, Sponholz FG. Saúde mental de mulher vítima de violência por parceiro íntimo durante a gestação. Invest Educ Enferm. 2014; 32(2):291-305. [ Links ]
21. Kiss LB, Schraiber LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais. Ciênc Saúde Colet. 2011; 16(3):1943-52. [ Links ]
22. Gomes NP, Erdmann AL. Violência conjugal na perspectiva de profissionais da "Estratégia Saúde da Família": problema de saúde pública e a necessidade do cuidado à mulher. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014; 22(1):1-9. [ Links ]
23. Pedrosa CM, Spink MJP. A violência contra mulher no cotidiano dos serviços de saúde: desafios para a formação médica. Rev Saúde Soc. 2011; 20(1):124-35. [ Links ]
24. Prado ML, Velho MB, Espíndola DS et al. Arco de Charles Maguerez: refletindo estratégias de Metodologia Ativa na formação de profissionais de saúde. Rev Esc Anna Nery. 2012; 16(1):172-7. [ Links ]