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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.33 no.3 Medellín Sep./Dec. 2015

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v33n3a14 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

doi:10.17533/udea.iee.v33n3a14

 

Formação para o sistema único de saúde: o que fazem bons professores na percepção dos estudantes?

 

Education for the unified health system: what do good professors do from the perspective of students?

 

Formación para el Sistema único de salud: lo que hacen los buenos profesores en la percepción de los estudiantes

 

Jouhanna do Carmo Menegaz1; Vânia Marli Schubert Backes2

 

1Enfermeira, Mestra, Doutoranda. Universidade Federal de Santa Catarina -UFSC-, Brasil. email: menegaz.jouhanna@posgrad.ufsc.br.

2Enfermeira, Doutora. Professora, UFSC, Brasil. email: vania.backes@ufsc.br.

 

Fecha de Recibido: Octubre 20, 2014. Fecha de Aprobado: Abril 15, 2015.

 

Artículo vinculado a investigación: Práticas de bons professores de enfermagem, medicina e odontologia na percepção dos acadêmicos.

Subvenciones: Bolsa de mestrado concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo: Menegaz JC, Backes VMS. Education for the unified health system: what do good professors do from the perspective of students? Invest Educ Enferm. 2015; 33(3):500-508

 


RESUMO

Objetivo.Analisar com referência no conceito de conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos de Shulman práticas relacionadas à formação para o Sistema único de Saúde realizadas por bons professores na percepção de estudantes de enfermagem, medicina e odontologia de uma universidade do sul do Brasil. Metodologia. Estudo qualitativo com abordagem exploratório-analítica no qual foram participantes estudantes concluintes entrevistados com auxílio de vinhetas no período de outubro a janeiro de 2012. Os dados foram analisados com base na análise temática. Resultados. Observou-se que bons professores formam para o Sistema único de Saúde através do fomento do trabalho em equipe, práticas interdisciplinares, boa comunicação, exercício da liderança e fomentam desejo no estudante de constituir-se um agente de mudança em prol de melhorias e garantia do direito à saúde. Conclusão. Os estudantes imputam aos docentes a responsabilidade pela condução destas práticas. Apesar da consonância destas com as diretrizes curriculares brasileiras, os professores que as realizam são apontados como minoria.

Palavras chave: sistema único de saúde; docentes; formação de recursos humanos; estudantes de enfermagem; estudantes de medicina; estudantes de odontologia.


ABSTRACT

Objectives. to analyze the educational practices for the Unified Health System performed by good professors, from the perspective of nursing, medical and odontology students, based on the Shulman's concepts of knowledge of educational ends, purposes, values ​​and their historical and philosophical grounds, at a university in southern Brazil. Methods. A qualitative study with an exploratory and analytical approach in which the participants were graduating students, interviewed with the aid of vignettes, between October of 2011 and January of 2012. Data were analyzed based on thematic analysis. Results. it was observed that good professors educate for the Unified Health System through the promotion of teamwork, interdisciplinary practices, good communication, leadership exercises, and promotion of a student's desire to be an agent of change for the sake of improvement and guaranteeing the right to health. Conclusion. the students attribute to professors the responsibility for the performance of these practices. Despite their consistency with the Brazilian curriculum guidelines, the professors that perform them are seen as a minority.

Key words: unified health system; faculty; staff development; students, nursing; students, medical; students, dental.


RESUMEN

Objetivo.Analizar las prácticas relacionadas con la formación para el Sistema único de Salud -SUS- realizadas por los "buenos profesores" según la percepción de los estudiantes de enfermería, medicina y odontología de una universidad del sur de Brasil. Metodología. Estudio cualitativo con abordaje exploratorio-analítico en el cual se entrevistaron 16 estudiantes que finalizaban sus estudios. Los datos fueron analizados temáticamente. Resultados. Se observó que los buenos profesores forman a sus estidiantes para el SUS mediante el fomento del trabajo en equipo, la prácticas interdisciplinares, la buena comunicación, el ejercicio del liderazgo; además, promueven en ellos el deseo de ser un agente de cambio en pro del mejoramiento y garantía del derecho a la salud. Conclusión. A pesar de consonancia de estos resultados con las directrices curriculares brasileras, los profesores que las realizan son señalados como una minoría.

Palabras clave: sistema único de salud; docentes; desarrollo de personal; estudiantes de enfermeira; estudiantes de medicina; estudiantes de odontologia.


 

INTRODUÇÃO

Já passada mais de uma década da publicação das diretrizes curriculares nacionais, concreta partida de um movimento de reorientação e ordenação da formação para o Sistema único de Saúde (SUS),1 sistema de saúde brasileiro, onde saímos de um perfil profissional de formação fragmentada em disciplinas e predomínio do fomento às habilidades técnicas para uma tríade composta por conhecimentos, habilidades e atitudes, expressos em competências articuladoras da formação em saúde, há uma soma de esforços dos Ministérios da Educação e da Saúde, através de iniciativas e programas, para que a formação em saúde se constitua de um elemento estratégico para a consolidação do SUS.

Apesar de avanços observados,2 há ainda questões sobre as quais pouco nos debruçamos, poucas foram as iniciativas tomadas. Destas, gostaríamos de nos deter especialmente na formação de professores, atores importantes no processo de mudanças, que na área de saúde apresentam deficiência pedagógica,3,4 pouco conhecimento das diretrizes curriculares nacionais para a formação de graduação em saúde brasileira, e, por vezes, resistência ao novo modelo de formação.5 Estes achados nos alarmam, uma vez que é inconcebível pensar a formação, especialmente num cenário de mudanças, sem considerar o papel e contribuição do professor, assim como as implicações de um entendimento dissonante e/ou formação pedagógica deficitária. No sistema educacional brasileiro, ordenado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional há a declaração de que a formação de docentes para o ensino superior deve se dar, prioritariamente, em cursos de mestrado e doutorado.6 A partir desta afirmação e do cenário da docência em saúde, apresentam-se aos pesquisadores questões e desafios.

Frente ao atual perfil dos mestrados e doutorados acadêmicos brasileiros, de ênfase na formação de pesquisadores,7 não residiria em parte, no próprio sistema de ensino a responsabilidade pela formação de professores pedagogicamente incapacitados e desconectados da compreensão dos desafios formativos? Especificamente no que tange a formação em saúde, num momento de guinada, professores sem capacitação pedagógica inicial e continuada e pouco envolvidos na discussão acerca da relação entre a formação e o SUS teriam condições de formar o perfil profissional desejado pela sociedade? Uma vez que reconhecemos esta deficiência, como ela se reflete no ensino e frente a este reconhecimento, qual será nossa atitude?

A relevância da formação docente para o êxito formativo é defendida e destacada em trabalhos que a prática docente de excelência é sustentada, em especial, pelo domínio do professor de algumas categorias de conhecimento chamadas de conhecimentos base, sendo estes: conhecimento de conteúdo; conhecimento pedagógico geral; conhecimento pedagógico de conteúdo; conhecimento do currículo; conhecimento dos alunos e suas características; conhecimento do contexto educativo; e conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos.8 A expressão do domínio destes conhecimentos, provenientes de fontes diversas como a formação acadêmica, o contexto e materiais educativos, o consumo de pesquisas e a experiência prática em si mesma, se manifesta articuladamente na prática docente, sustentando-se mutuamente, no que o autor8 denomina por Modelo de Ação e Raciocínio Pedagógico. Este modelo, dividido em seis fases, sendo: compreensão, transformação, ensino, avaliação, reflexão e novas formas de aprender, delineia o movimento reflexivo em que é embebida a prática docente.

Frente ao cenário de mudanças da formação em saúde, entendemos que, sem prejuízo da defesa do desenvolvimento e expressão global de todos os conhecimentos base elencados,8 adquire-nos particular importância neste momento o desenvolvimento por parte do professor de conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos. Esta é uma categoria de conhecimento que expressa, ao mesmo tempo, o entendimento do professor sobre o perfil profissional desejado, seu espaço de atuação por excelência e o processo histórico e político que trouxe a educação ao momento atual.

A prática docente é a expressão, consciente ou não, do processo de raciocínio do professor. Apesar de ineficiências na formação docente de base e da também ausente determinação de políticas indutoras para a formação docente com vistas à compreensão do professor acerca de seu papel em um contexto de formação para o SUS, ou seja, do fomento ao desenvolvimento do conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos, os professores interagem, refletem e atuam nesse contexto, e, os estudantes, em geral, ao possuir entendimento dos processos de mudança em curso, visto que são o alvo prioritário de todas as intervenções e políticas indutoras, os percebem. Assim sendo, objetivamos neste texto analisar com referência ao conceito de conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos práticas de bons professores para a formação para o Sistema único de Saúde na percepção de estudantes da área da saúde de uma universidade do sul do Brasil.

 

METODOLOGIA

Estudo qualitativo com abordagem exploratório-analítica realizado nos cursos de enfermagem, medicina e odontologia de uma universidade pública do Sul do Brasil. Foram participantes do estudo 16 estudantes concluintes, sendo seis do curso de enfermagem, cinco do curso de medicina e cinco do curso de odontologia. A seleção dos participantes foi intencional, em virtude do desejo das pesquisadoras de obter relatos de estudantes que acumulassem uma trajetória no curso, e a amostra foi constituindo-se por rede, através da técnica de bola de neve. Após a obtenção da anuência das coordenações de curso para a realização do estudo, solicitamos o contato dos representantes de turma, porta de entrada para o contato com os demais estudantes. No contato com o representante, feito por e-mail, apresentamos o estudo e o convidamos a participar. Mediante o aceite, marcou-se um encontro presencial para realização da entrevista. Ao final da entrevista, pedia-se para que o representante de turma recomendasse mais dois colegas que, na sua opinião, gostariam também de contribuir com o estudo. Estes colegas eram contatados e convidados a participar, e, da mesma forma, eram convidados a depois indicar mais dois colegas. A saturação teórica dos dados foi estabelecida para a definição da parada de inclusão de participantes.

Todos os participantes foram entrevistados individualmente, em local e horário reservado de acordo com sua preferência, no período de outubro de 2011 a janeiro de 2012, através de entrevista focalizada composta por vinhetas e indicadores qualitativos construídos a partir de estudos anteriores.9 A vinheta em questão era uma história fictícia, fornecida para leitura do participante em papel impresso, mediante a qual era convidado a falar de suas impressões.

No início da entrevista o participante era orientado a ter como referência para suas respostas o melhor, ou, os melhores professores que tivera em sua graduação. Este direcionamento justifica-se em virtude de que a partir do entendimento do bom, que representa um juízo de valor assentado numa determinada visão de mundo, poderíamos ter acesso, ao mesmo tempo, à percepção do estudante sobre a prática docente e sobre sua própria concepção de ensino. Além da base fornecida pelos indicadores de outros estudos, embasaram a construção da vinheta e do roteiro de entrevista, dois elementos: o conceito de conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos8 e a descrição das seis competências gerais para a formação de profissionais de saúde descritas nas diretrizes curriculares nacionais, a saber: atenção a saúde, tomada de decisão, comunicação, liderança, administração e gerenciamento e educação permanente. Esta composição se justifica pela necessidade de situar o conceito proposto por Shulman na realidade educacional brasileira.

Para análise dos dados, utilizamos a análise temática10 que possui três etapas: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados obtidos e interpretação. Deste movimento analítico integrador, emergiram as categorias, estímulo à integração ensino-serviço e trabalho multiprofissional e interdisciplinar, estímulo à autonomia, comunicação, participação e liderança, e estímulo ao desenvolvimento de uma prática social e profissional transformadora que apresentamos nos resultados.Este trabalho deriva de um estudo mais amplo intitulado 'Práticas de bons professores de enfermagem, medicina e odontologia na percepção dos estudantes' que respeita as orientações éticas da resolução nº 196/96 e foi aprovado por Comitê de ética em Pesquisa sob o Parecer n° 2317/2011. Neste texto, as falas dos estudantes podem ser identificadas pelas letras iniciais (E, M, O), acompanhadas do número sequencial de realização de entrevistas por curso (1 a 6) e do número do registro geral ao qual a fala corresponde (R acompanhado de um número).  

 

RESULTADOS

Estímulo à integração ensino-serviço e trabalho multiprofissional e interdisciplinar

Em geral, os estudantes apontam que seus melhores professores tem boa integração com a equipe dos serviços, aspecto destacado em especial pelos estudantes de enfermagem. Isso facilita sua inserção e envolvimento dos estudantes nas atividades, dando-lhes mais possibilidades e abertura para com a equipe. Os estudantes de medicina destacam ainda que o bom professor demonstra que trabalha bem em equipe, na universidade e junto aos serviços, servindo de exemplo para os estudantes de 'como fazer': Temos de ser vistos como parte da equipe e não como alunos que estão ali para aprender e que, daqui uma semana, um mês, irão embora. Tem que ter esta articulação. E a equipe também tem de estar preparada para o fato de que sai um grupo, mas entra outro, logo, os professores têm de ter um bom vínculo com a equipe para estar inserindo novos alunos. (E1R187)

Os estudantes de odontologia expressam acentuada dificuldade na integração com as equipes, especialmente na articulação com outros profissionais, professores e estudantes que por vezes partilham do local de estágios, destacando em suas falas o impacto que uma integração deficiente com a equipe profissional e multiprofissional e com estudantes de outras áreas acarreta na formação: Quando a gente fazia as visitas domiciliares, eu ia com a minha dentista. Eu nunca fui com o enfermeiro, com o médico. E uma coisa que talvez pudesse ser feita, eu não sei como é que funciona, é que todas as áreas da saúde, todo mundo vai pro posto, sabe, pegar os alunos e fazer alguma coisa juntos, ser obrigado a unir o pessoal da nutrição, o pessoal da odonto, pessoal da enfermagem, da medicina. Todo mundo vai. Eu sei que todo mundo vai porque eu conheço, só que daí eu não sei se vocês fazem alguma coisa com a medicina, com a nutrição, mas a gente não tem contato. Eu não vi nenhum, e eu sabia que o meu posto ia, nunca encontrei, então, talvez isso seja uma falha na odonto, eu não sei dizer. Eu não tenho essa noção de como é que é o trabalho assim junto. (O1R123)

Para o estudante de odontologia é fundamental que o professor inicie este processo de aproximação, visto que o estudante, ao entrar no curso não compreende que se trata de algo importante. Os estudantes de enfermagem apontam como um possível motivo para o distanciamento entre estudantes e profissionais a valorização ou desvalorização do trabalho de uns em detrimento do trabalho de outros, o que deve ser desmistificado pelo professor. Isso, na percepção dos próprios estudantes, auxilia na integração entre os cursos, potencializa o trabalho em equipe e ajuda o estudante a enxergar melhor como se dá ou deveria se dar o trabalho no serviço de saúde, uma vez de que este entendimento de superioridade, sentido em especial com relação aos médicos dificulta, dentre outras questões, a comunicação entre a equipe, algo que deveria ocorrer naturalmente, sem melindres.

Estímulo à autonomia, comunicação, participação e liderança

O estímulo à participação nos diversos espaços de construção do SUS e o desenvolvimento de boa comunicação e liderança são entendidos como práticas de bons professores e elementos potencializadores e fundamentais para a consolidação do SUS. Todavia, a percepção deste estímulo nas práticas dos professores são expressas por poucos participantes, como momentos raros. Sobre a participação há a percepção de que ocorre pouco e, quando ocorre, o estímulo do professor dirige-se mais à questões que dizem respeito à participação em fóruns, espaços políticos, das categorias de enfermagem, medicina e odontologia e que não há tanto estímulo para a participação em um sentido mais amplo, e em espaços que extrapolem a unidade e os cenários de cuidado, como os conselhos de saúde, por exemplo: Também destaquei o diálogo com o conselho de saúde, com os gestores, com a comunidade, isso é raro. A gente tem isso em teoria, aprende o que é o conselho de saúde, na verdade a maioria aprende o que é o conselho de saúde, acho estranho, assim, passar por uma faculdade de medicina, enfermagem, enfim, vou falar da minha realidade, passar numa faculdade de medicina pra sabe que existe um conselho de saúde, saber o que é, e pior, pra saber o que é o SUS exatamente. Não é uma carga que vem antes da faculdade, mesmo assim, a coisa fica na teoria. Do conselho de saúde eu nunca participei de nada, da comunidade, daqui. Diálogo com a comunidade acontece, mas, acontece durante as consultas, acho, porque esse é o diálogo com a comunidade. São poucos os momentos em que, em uma reunião, a gente tem esse diálogo, assim (M2R17).

Na opinião de estudantes de enfermagem, uma prática de bons professores é a de deixar que atuem de forma mais autônoma, fazer com que se sintam como se já estivessem exercendo seu papel profissional, exercitando sua liderança, comunicando-se com outros profissionais. Os estudantes de medicina e odontologia também valorizam a autonomia e acreditam que este espaço é importante para sua formação profissional, mas todos destacam que isto ocorre pouco: Eu acho que ainda ficamos muito dependentes do professor, será que eu tomo esta decisão? Aí pergunta para o professor que está te orientando, no caso. Qual seria a melhor forma? A melhor maneira é fazer deste jeito ou deste?. (E2R205)

Estímulo ao desenvolvimento de uma prática social e profissional transformadora

Nesta categoria consegue-se evidenciar mais como, a partir do estímulo docente, os estudantes compreendem seu papel social como profissionais, tanto no sentido da corresponsabilidade na consolidação do SUS, como na direção de transformação dos serviços de saúde para garantia do direito do cidadão à universalidade, equidade e integralidade.Para os estudantes de enfermagem, bons professores destacam e fomentam que os estudantes deixem sempre um legado após a realização de suas atividades, que contribua para a melhoria do serviço. Destacam também o potencial de mudança que está nas mãos dos profissionais de saúde,11 caso aceitem envolver-se para além das atividades dentro das unidades de saúde. Os demais cursos não destacaram esta prática: O professor tem a capacidade de estimular-nos a, de repente, melhorar, acrescentar algum conhecimento para a unidade ou para o posto. Acho que o professor faz muito isso. Além de você estar aprendendo ali, você está fazendo algo para deixar em troca, não sendo um estágio vago, onde só a gente leva, só a gente se dá bem, para aquela área você também deixar algo e contribuir, e o professor é muito responsável por isso. (E2R220)

A demonstração do professor de compromisso e valorização do SUS como política pública de saúde também aparece como elemento importante. Houve relatos dos estudantes de medicina do ineditismo desta prática por parte de seus professores. Para o estudante de medicina, o bom professor fomenta que ele se envolva não apenas com o serviço, mas também individualmente, estabelecendo um vínculo com o paciente, sinalizando a dimensão de sua responsabilidade ética e profissional.12 No curso de odontologia não houve manifestações expressivas nesta direção: Me ocorreu que no serviço de saúde não tem como tu trabalhar sem se envolver com as coisas. Não tem como tu ir lá, cumprir tua carga horária das 8:00 às 6:00, se tu não te envolve com as pessoas que trabalham lá contigo, e que tu recebe. Acho que isso é o essencial da nossa profissão, por isso que grifei o 'nos envolvemos', porque também a gente não passa muito por isso. Como nossa formação é teórico-prática, mas, na prática a gente não é muito ensinado a se envolver com as pessoas, acompanhar teu paciente, sentar do lado dele, se aproximar. Se fosse meu familiar, como eu queria que acontecesse? Acho que isso é essencial, deveria ter isso mais frisado, mais vezes, desde o começo da faculdade, porque a gente aprende, pelo menos na medicina, o contrário. Que a gente não pode se envolver muito, que a gente tem de manter uma distância, que a gente tem de estabelecer o relacionamento médico-paciente de um jeito, claro, simpático, empático, mas não necessariamente próximo". (M4R90)

 

DISCUSSÃO

Na percepção dos estudantes, bons professores valorizam o trabalho em equipe, multiprofissional, permitem o exercício da autonomia, liderança e comunicação e transmitem para o estudante um entendimento acerca de sua contribuição e papel no contexto do SUS. Bons professores hoje fazem o que não apenas os bons, mas, todos os professores precisariam fazer. Ainda que este estudo tenha sido realizado tendo em perspectiva a percepção dos estudantes acerca de bons professores e não do conjunto, as práticas relatadas foram explicitamente destacadas como da minoria, sendo ainda desenvolvidas em medidas distintas nos cursos envolvidos. Parece ser ainda uma dificuldade para o professor ter uma prática pedagógica que possibilite ao estudante a compreensão de um processo de mudança em curso. Neste sentido, destacamos o não desenvolvimento da integração entre os cursos como importante entrave do êxito da reorientação da formação em saúde na direção do SUS.

Importante aspecto a considerar acerca da percepção dos estudantes é a baixa menção à presença do conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos no conjunto dos professores. Este dado sugere que, ainda que se desejem mudanças na formação em saúde brasileira se continua ensinando e trabalhando individualmente com os estudantes, com pouca comunicação, integração com as equipes e pequeno estímulo a autonomia, o que em resumo expressa-se fora do contexto do estimulado pelas políticas indutoras da formação em saúde e do destacado pelas competências sinalizadas nas diretrizes curriculares nacionais. 

Especificamente sobre a percepção dos estudantes de enfermagem, há maior percepção da presença de conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos em professores que demonstram reconhecimento dos profissionais das equipes de saúde, o que, por consequência, facilita a inserção e experiência dos estudantes nos campos de estágio. Há ainda a percepção de que o fomento a autonomia do estudante manifesta pela liberdade de atuação e percebida pelo discurso da importância de contribuir para com o serviço, um sinal da presença desta categoria do conhecimento base para o ensino de Shulman. 

As práticas apontadas pelos estudantes como de bons professores remetem-nos a importantes elementos expressos nas diretrizes curriculares, especialmente nas competências gerais, estas atuais ordenadoras da formação em saúde. Se realizarmos daqui uma aproximação com o referencial de Shulman, podemos dizer que a consonância entre a prática docente e o preconizado pelas diretrizes demonstra conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e fundamentos histórico-filosóficos8 por parte destes professores destacados como bons. Podemos, a partir do conceito de conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e fundamentos histórico-filosóficos, destacar que, a presença desta categoria de conhecimento base demonstra o entendimento do professor acerca do momento formativo que vivemos, da intencionalidade das diretrizes educacionais para um determinado momento histórico. No caso do professor de saúde brasileiro, a percepção pelos estudantes de que esta categoria de conhecimento base se faz presente refere-se a percepção de que se fazem presentes no ensino os elementos que caracterizam o novo momento da política de saúde, o SUS, e as novas concepções de saúde e cuidado imbricadas que ele traz consigo e que se configuram como orientadoras da formação.

O destaque e reconhecimento para o trabalho em equipe, e em especial para a integração entre ensino e serviço nos campos de prática13 é algo que aparece com frequência em estudos relacionados às mudanças na formação em saúde, acrescidos ainda da defesa da necessária integração com a comunidade, uma vez que os serviços não se localizam num espaço virtual e sim circunscritos, carregados de cultura e especificidades. Logo, seria discutível considerar a transformação da formação descolada da integração, ensino, serviço e comunidade,5 contudo, apesar do reconhecimento dos estudantes de que estas são questões importantes, ainda parece-lhes que caminhamos distante de uma articulação genuína.

A percepção dos estudantes sobre seus professores endossa o entendimento de que o fomento ao trabalho multiprofissional ainda é um dos grandes desafios da formação em saúde14 e este não pode ser considerado por nós um desafio menor.  Uma vez que a maioria das políticas e ações de saúde hoje reside em um trabalho colaborativo, esta desarticulação é problemática visto que é bastante improvável que sem o trabalho em equipe se consiga garantir integralidade, equidade, participação social, dentre outros princípios doutrinários e organizativos do SUS. Parecemos reconhecer isto com bastante clareza, entretanto, nossa intervenção ainda é tímida. é comum muitos cursos atuarem nos mesmos locais de estágio e não interagirem.15 Mais comum tem sido entendermos que isto é natural. Os estuda antes demonstram entender a importância de trabalhar junto com outros cursos, mas, nos deixam claro que, não ocorre com frequência e que isso é um prejuízo.

Apesar da menção à dificuldade de integração com estudantes e profissionais de outras áreas ter sido expressada com maior ênfase por estudantes do curso de odontologia, os estudantes de enfermagem e medicina também relataram que suas experiências são pontuais. é o fato de serem pontuais faz com que se destaquem como práticas de bons professores e não como uma prática comum do curso. é necessário destacar que a não integração não diz respeito apenas aos serviços, diz também respeito à ausência de articulação dentro das próprias escolas, anulando um grande potencial de articulação interdisciplinar e multiprofissional no ensino em saúde.16 Como queremos que trabalhem juntos se os ensinamos a trabalhar sozinhos? é rara a condução de ações articuladas entre pares e colegas de outras áreas, saindo da especificidade/especialidade, assim como há delimitação de ações de ensino ao espaço físico da unidade. Estas decisões pedagógicas no atual contexto podem limitar o entendimento do estudante acerca do seu papel profissional e cidadão, como pudemos observar na segunda categoria no que tange a participação política.

A percepção dos estudantes de que um bom professor compreende que a equipe de saúde atua coletivamente, de que cada profissional possui saberes, atribuições e espaços de atuação, os quais reunidos possibilitam atenção à saúde de qualidade ajuda a desmistificar velhas rusgas de disputa de espaço presentes entre as categorias. O professor é duas vezes modelo para os estudantes: modelo de profissional, de conduta, e modelo de autoridade por ser 'o' professor. Suas ações certamente possuem potencial para transformar os cenários de escolas e serviços. Para além destas questões, percebeu-se que os estudantes desejam ter liberdade para experimentar-se nos serviços, comunicar-se, ter destaque, liderar, conduzir seu aprendizado e sua atuação.17 Parecem querer desvencilhar-se de um ensino doutrinário, o que certamente não devemos considerar como um achado menor. Muito pelo contrário. Caminham na direção do desenvolvimento de competências importantes como a tomada de decisões e a liderança, e o professor que estimula os estudantes a este respeito, possivelmente possui clareza de que o perfil profissional desejado é o de profissionais mais independentes, criativos e críticos. Este professor, como sinaliza Shulman,8 possui clareza dos objetivos, finalidades, valores educativos e fundamentos histórico-filosóficos da formação profissional em saúde.

Nesse contexto de fomento da autonomia, participação e liderança dos estudantes entendidos como uma boa prática docente, causa certa surpresa que não venha acompanhada de nenhuma menção expressiva sobre participação política. A exceção da atuação em conselhos de saúde, esta mencionada de forma tímida,11,18 os estudantes não caracterizam o estímulo ou atuação política como boa prática docente.  é importante considerar, no bojo da detenção por parte do professor de conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e seus fundamentos histórico-filosóficos, a compreensão do papel e estímulo da atuação política, da liderança dos estudantes, para a consolidação do SUS, uma vez que, apesar de avanços já conquistados, ainda se mantém uma série de desafios19 que só serão superados a partir da organização e participação política dos cidadãos, dos profissionais de saúde.

Considerando as características históricas do ensino e do papel do professor e estudante, certamente estas não são tarefas das mais simples. Entretanto, é importante que o professor procure a justa medida sobre o acompanhar para não tolher, o libertar para não desassistir. O professor deve fomentar o empoderamento20 do estudante, e, para tanto, possivelmente terá de revisitar suas práticas pedagógicas e sua compreensão sobre as relações entre ambos,21 uma vez que este movimento de reorientação da formação requer de todos uma nova postura e entendimentos.

é mister que façamos com urgência um debate sobre a formação docente em saúde e o desenvolvimento do conhecimento base para o ensino para que ações de formação sejam direcionadas para o segmento docente. Parece-nos que ainda falta à grande maioria dos professores uma compreensão acerca do que significa formar para o SUS.  Ainda que o presente estudo traga contribuições interessantes, é relevante destacar que uma vez que considera apenas a percepção dos estudantes seus bons professores e não do conjunto dos seus professores possui um limite nos seus aportes. Há de se destacar ainda a limitação do estudo ter sido realizado em apenas uma instituição de ensino superior. Para completar esta lacuna seria interessante investigar que fontes constituíram a construção do conhecimento base destes docentes, especialmente como se desenvolveu seu conhecimento dos objetivos, finalidades, valores educativos e dos fundamentos histórico-filosóficos, uma vez que a problemática da ausência de formação pedagógica nos cursos lato e stricto sensu cada vez mais se descortina na produção científica atual.

Por fim, destacamos a pertinência do conhecimento base para o ensino de Shulman, visto que, apesar de não estar em evidência em nossa análise, ter se percebido a presença de outras categorias do conhecimento base, quando, por exemplo, na menção das práticas pedagógicas dos professores. Nesta direção, destacamos a importância do desenvolvimento de outros estudos brasileiros, em outras instituições de ensino, amparados por este referencial teórico para que mais aspectos sejam explorados, uma vez que ele ainda é pouco usado e pode trazer contribuições.

 

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