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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.33 no.3 Medellín Sep./Dec. 2015

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v33n3a18 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

doi:10.17533/udea.iee.v33n3a18

 

Desvelando a relação do casal diante da profilaxia da transmissão vertical do HIV

 

Revealing the relationship of couples facing prophylaxis of vertical transmission of HIV

 

Desvelando la relación de la pareja antes de la profilaxis de la transmisión vertical del VIH

 

Tassiane Ferreira Langendorf1; Stela Maris de Mello Padoin2; Cristiane Cardoso de Paula3; Ivis Emília de Oliveira Souza4; Renata de Moura Bubadué5

 

1Enfermeira, Mestre. Doutoranda pela Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro - EEAN/UFRJ - Rio de Janeiro - RJ, Brasil. email: tassi.lang@gmail.com .

2Enfermeira, Doutora. Professora, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. email: stelamaris_padoin@hotmail.com .

3Enfermeira, Doutora. Professora, UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil. email: cris_depaula1@hotmail.com.

4Enfermeira, Doutora. Professora, EEAN/UFRJ, Rio de Janeiro - RJ, Brasil. email: ivis@superig.com.br.

5Enfermeira, Mestre. Doutoranda, EEAN/UFRJ, Rio de Janeiro - RJ, Brasil. email: renatabubadue@gmail.com .

 

Fecha de Recibido: Diciembre 11, 2014. Fecha de Aprobado: Abril 15, 2015.

 

Artículo vinculado a investigación: Profilaxia da transmissão vertical do HIV: compreensão do vivido do ser-casal e possibilidades de cuidado.

Subvenciones: Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo: Langendorf TF, Padoin SMM, Paula CC, Souza IEO, Bubadué RM. Revealing the relationship of couples facing prophylaxis of vertical transmission of HIV. Invest Educ Enferm. 2015; 33(3):539-546

 


RESUMO

Objetivo.Desvelar o modo de ser do casal diante da profilaxia da transmissão vertical do HIV. Metodologia. investigação fenomenológica heideggeriana, desenvolvida no período de dezembro/2011 a fevereiro/2012 no ambulatório de pré-natal e puericultura em um hospital no interior do Rio Grande do Sul, Brasil, com 14 participantes, sete casais, que vivenciaram a profilaxia da transmissão vertical do HIV. Resultados. Diante da facticidade da infecção e da possibilidade de ter um filho, o casal desvelou o movimento existencial de estar junto para enfrentar a situação. Cuidam-se para juntos cuidar do filho e se envolvem com ele. Nesta relação se mostram no modo de ser-com para ser uma família. Conclusão. Incluir o companheiro na atenção à saúde da mulher como unidade de cuidado perpassa a possibilidade de desenvolver uma assistência considerando a família como ser-participante do cuidado.

Palavras chave: HIV; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; transmissão vertical de doença infecciosa; filosofia em enfermagem; enfermagem.


ABSTRACT

Objectives. To reveal the behavior of couples who face prophylaxis of vertical transmission of HIV. Methodology. This study, based on Heidegger's theory of phenomenology, included 14 participants (7 couples), who received prophylaxis against HIV vertical transmission. The study was conducted from February 2011 to December 2012 in a prenatal outpatient and child care unit at a hospital in the countryside of Rio Grande do Sul, Brazil. Results. Given the possibility of infection and of having a child, the couples revealed the existential movement of staying together to face the situation. The couple learn to take care of themselves in order to be able to care for and become involved with the baby. In this relationship, they teach themselves how to be a family. Conclusion. The inclusion of men in women's health care process, with both serving as a unit, makes it possible to develop assistance in the context of considering the family as being a participant in care.

Key words: HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; infectious disease transmission, vertical; philosophy in the nursing; nursing.


RESUMEN

Objetivo.Desvelar la manera de ser de la pareja antes de la profilaxis de la transmisión vertical del VIH. Metodología. Investigación fenomenológica heideggeriana, desarrollada en el período de diciembre de 2011 a febrero de 2012 en el ambulatorio de prenatal y puericultura de un hospital en el interior del Río Grande do Sul, Brasil, con 14 participantes, siete parejas que vivenciaron la profilaxis de la transmisión vertical del VIH. Resultado. Ante el hecho de la infección y de la posibilidad de tener un hijo, la pareja ha desvelado el movimiento existencial de estar juntos para enfrentar la situación. Juntos se cuidan para cuidar del hijo y se envuelven con él. Esta relación se mostró en la manera de ser con para ser una familia. Conclusión. En la inclusión del compañero en la atención de la salud de la mujer como unidad de cuidado se pasa por la posibilidad de desarrollar una asistencia considerando la familia como ser participante del cuidado.

Palabras clave: VIH; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; transmisión vertical de enfermedad infecciosa; filosofía en enfermería; enfermería.


 

INTRODUÇÃO

O impacto do diagnóstico de soropositividade para o vírus da imunodeficiência humana (HIV) se reflete de várias formas na vida das pessoas infectadas.1 Dentre as quais, o receio que estas têm de sofrer preconceito e discriminação ao revelar seu diagnóstico no meio social, profissional e familiar. Diante deste receio e dessa vivência, elas silenciam seu diagnóstico, promovendo um pacto de silêncio e o seu isolamento social.2,3 Porém, este isolamento social não impede que as pessoas vivendo com HIV se relacionem ou tenham uma vida conjugal, uma vez que os relacionamentos afetivo-sexuais são essenciais para os indivíduos, contribuindo positivamente nas suas vidas.4 Ao considerar a liberdade reprodutiva e a constituição de uma família como integrantes dos direitos constitucionais5, os casais têm a possibilidade da gestação.6 Destaca-se, a partir desta, a necessidade de controle da transmissão vertical (TV) do vírus para o concepto, o que se torna prioridade de saúde.7

No Brasil, as estratégias de controle da TV se deram por meio de políticas públicas de saúde, como o Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Epidemia de AIDS e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) que norteia a implantação e implementação de ações de promoção à saúde e aos direitos, da área sexual e reprodutiva, com ênfase no desafio para obter avanços na atenção qualificada no pré-natal.8 Com vistas a superar os desafios da prática assistencial de saúde e da enfermagem, somam-se as políticas voltadas à saúde da mulher que acompanham a necessidade de incorporar na práxis as transformações da sociedade.9 Como exemplo, tem-se a inclusão da figura paterna na assistência sexual e reprodutiva, promovendo a co-responsabilização da gestação entre o casal.10

Embora se reconheçam avanços no plano das políticas,11 o enfoque às ações de cuidado centram-se em informações sobre o processo saúde-doença do HIV, estilos saudáveis de vida, transmissão do vírus, reinfecção, adesão ao tratamento e prevenção.12-16 Assim, as questões reprodutivas não são prioridade no planejamento assistencial. Neste sentido, torna-se iminente a reflexão acerca de como este casal vivencia suas possibilidades reprodutivas, uma vez que se considera neste contexto de um lado o desejo deste em ter filhos e do outro o pacto de silêncio estabelecido entre o casal. Então, emerge a necessidade de romper com o silêncio e desafiar o estigma anti-família associado às pessoas vivendo com HIV, a fim de buscar estratégias, informações e caminhos para realizar seu desejo, em um cotidiano em que sente ser indispensável se proteger do preconceito.17 Dentre as estratégias, destaca-se a busca por apoio social, especialmente à revelação do diagnostico ao pai do bebê e à sua participação na profilaxia da TV.2

Diante da factualidade da profilaxia da TV do HIV a assistência ao casal exige o investimento em estudos que deem sustentação científica e também filosófica para que contemple as necessidades vivenciadas por este. Para o desenvolvimento desta pesquisa, elencou-se o referencial teórico-metodológico heideggeriano, o qual busca compreender o ser ao saber quem ele é e como se manifesta em suas relações cotidianas. A interpretação destas manifestações (modos de ser) permite a compreensão existencial do ser para desvelar a essência do fenômeno que permanece, na maioria das vezes e quase sempre, encoberta e diluída em seu cotidiano.18 Esta compreensão coloca em destaque os aspectos subjetivos vivenciados, contribuindo para um plano de cuidado que considere esta subjetividade. Neste estudo, compreender a essência do fenômeno se mostra como possibilidade para a assistência à saúde e de enfermagem de maneira solícita e autêntica ao casal. Dessa forma, elegeu-se como fenômeno: o vivido do casal na profilaxia da TV do HIV. Assim, teve-se como objetivo: desvelar o modo de ser do casal diante da profilaxia da transmissão vertical do HIV.

 

METODOLOGIA

Trata-se de uma investigação qualitativa, fenomenológica, fundamentada no referencial teórico-filosófico-metodológico de Martin Heidegger.18 A aplicação da fenomenologia na Enfermagem compreende a busca por um método de investigação que contemple seu modo de ser, enquanto ciência e arte. Diante disso, aspectos como o sentido da vida e seus significados exigem a atenção científica por meio da utilização de um referencial que possibilite a compreensão do cotidiano assistencial do que não é quantificável na pesquisa19 e no ensino em Enfermagem.20  A obtenção dos dados ocorreu no período de dezembro 2011 a fevereiro de 2012 por meio da entrevista fenomenológica.21 O convite para participar da pesquisa foi realizado ao casal, ao homem ou à mulher, quando estes aguardavam para o atendimento no ambulatório, onde são realizados os atendimentos de infectologia no pré-natal e puericultura de um hospital universitário no Sul do Brasil.

A população foi constituída por 14 participantes, sete casais, que atenderam aos critérios de inclusão: casais que vivenciaram o cotidiano da profilaxia da transmissão vertical do HIV durante o período gravídico-puerperal. Os critérios de exclusão foram: quando o homem ou a mulher apresentasse limitação cognitiva; quando houvesse óbito do/a filho/a proveniente dessa gestação. Porém, não foi necessária a utilização destes, pois nenhum dos casais acessados apresentou essas situações. A questão norteadora de entrevista foi: como foi/é para vocês a vivência dos cuidados para prevenir a TV do HIV para o/a seu/a filho/a? O parâmetro para definição do número de participantes foi quando o conteúdo dos depoimentos dos casais revelou o fenômeno pesquisado, respondendo à questão norteadora da entrevista e ao objetivo da pesquisa. Para isto, foi desenvolvida a análise concomitante à etapa de campo, possibilitando a suficiência dos significados.22

A análise foi subdividida em dois momentos metódicos propostos pelo autor: compreensão vaga e mediana e hermenêutica. A estratégia utilizada para organização dos dados ao desenvolver a compreensão vaga e mediana foi realizar identificação cromática das estruturas essenciais. A partir disso, agruparam-se os recortes das falas para compor as unidades de significação (US). A compreensão dos significados expressos pelos participantes buscou descrever o fenômeno como se mostra.18 A partir da emersão de duas US, desenvolveu-se a hermenêutica heideggeriana (análise e discussão dos dados), em que se buscou na compreensão dos significados a possibilidade de desvelar os sentidos do ser, a dimensão ontológica. A tarefa da ontologia é apreender o sentido do ser sem recorrer às concepções prévias da ciência, mas sim à luz da interpretação da questão do ser, que no estudo em tela foi fundamentada no referencial filosófico heidegeriano.18

Esta pesquisa foi desenvolvida em concordância com a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde do Brasil, a qual estabelece as diretrizes e normas que regem as pesquisas envolvendo Seres Humanos.23 Esta Resolução era a vigente no período de desenvolvimento da pesquisa, porém a investigação também está adequada ao estabelecido na atual Resolução 466/12 do mesmo Conselho. Para garantia do sigilo dos participantes, as transcrições foram codificadas em M de mulher, H de homem e F de filho, seguidas dos números 1 a 7 (M1, H1, F1; M2, H2, F2; sucessivamente). O protocolo do projeto foi submetido à apreciação do Comitê de ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (CEP/UFSM) e aprovado com o seguinte número do processo: 23081.014981/2011-86.

 

RESULTADOS

Unidade de significação 1. O casal está junto e cuidam um do outro

O sofrimento durante a vivência dos cuidados para prevenir a transmissão do HIV para o filho contribuiu para a aproximação do casal, de modo que a criança passa a justificar a união do mesmo.  Relatam que a apesar das dificuldades enfrentadas durante o tratamento profilático, aprenderam a cuidar um do outro. A mulher expressa a importância de ter o companheiro do lado e o casal transita de "sobreviver" para "viver": a gente sofreu junto os dois [...] A gente está bem, nos entendemos mais, estamos felizes [...] antes a gente sobrevivia, hoje a gente vive bem (M1) Foi bem complicado [...] depois de tudo isso que a gente passou  [...] a gente aprendeu a cuidar um do outro [...] (H1); a gente se apavorou (M2) Ela [F2] veio para justificar porque nós estamos juntos (H2); Bola para frente. E de preferência com um pai do lado, com certeza, ajudando a criar [...] claro que é difícil, mas não é o fim do mundo (M3); A gente também faz o nosso tratamento [...] a gente aproveitou, estava com uma imunidade boa [...] (M4) nós conversamos com a doutora (H4).

O casal expressa que o preconceito contribui para o silenciamento e o isolamento do casal, que resignifica o vírus como problema. O preconceito encontra-se presente nos depoimentos do início ao fim, de uma maneira ou de outra, com maior ou menor intensidade. é proveniente de diferentes meios, pois já sofreu e sofre preconceito da sua ou da família do companheiro/a, dos profissionais de saúde que o atende e de outras pessoas. Após vivenciar situações assim prefere não contar para ninguém seu diagnóstico e busca estratégias para conviver com isso. Recebe um impacto nessa vivência, mas absorve, resignifica e segue como se nada tivesse acontecido, sem que ninguém perceba esse movimento: O que mata as pessoas não é a doença, é o preconceito [...] Mas eu me fechei, me fechei! Então eu fico mais com Ela [M1], em casa (H1) O Preconceito vem de dentro da minha casa, da minha mãe [...] a gente não quer contar para ninguém [...] Então daí a gente se isolou (M1); O pessoal tem bastante preconceito, até a família da gente tem preconceito (H3) eu acho que saiu [comentário de que ela [M3] tem esse problema] dali da sala de parto mesmo, as próprias enfermeiras ajudaram no parto [...] Mas dali as pessoas já saiam comentando (M3)

Unidade de significação 2. O casal cuida do filho para ter saúde e se envolve com ele. Agora são uma família

A profilaxia significa a proteção do filho para que viva bem. O casal anuncia que cuida e vive para o filho e que, a partir dele, transitam para a constituição da unidade familiar. O casal expressa a completude da constituição familiar a partir do nascimento da criança. Assim, o filho torna-se o centro do núcleo familiar, uma vez que o casal dobra o cuidado, pois está gerando uma vida e tudo vale a pena para cuidá-lo e para continuar a viver. Nesse sentido, o preparo para o cuidado com o filho tem início antes da gravidez, quando faz o processo para engravidar. Perpassa o presente quando afirma que cuida e está sempre junto acompanhando o desenvolvimento dele. Projeta-se para o futuro ao pensar na educação que é necessária para crescer uma pessoa com caráter, incentiva desde a gestação com leitura e música: Eu to sempre perto dele [F1], eu vejo o crescimento dele todo (H1); ficar horas conversando como a gente ia educar a F2, como a gente ia incentivar a leitura [...] tudo que a gente já incentiva ela desde a barriga com leitura, com música [...] ela [F2] era o que faltava [...] nossa família (M2) questão de constituir família [...] Agora não é só eu e a M2, o casal, agora nos somos uma família (H2). Até agora, estamos pensando só nele [...] só pensa em viver para criar ele [F3] [...] fazer tudo para ele viver bem, ter saúde, dar educação para ele crescer uma pessoa com caráter [...] uma criança envolve mais a gente (M3) [fizeram tudo] para que o F4 nascesse com saúde [...] fazer o processo para engravidar (H4) se cuidar para cuidar dele [F4] (M4).

 

DISCUSSÃO

Os resultados desta investigação apresentam as limitações de um estudo qualitativo, considerando que não se almeja a generalização dos resultados, mas o aprofundamento da compreensão do vivido do casal diante da profilaxia da transmissão vertical do HIV. Dessa forma, foi realizada a hermenêutica heideggeriana, buscando desvelar os sentidos que estão velados sob esses significados e alcançar a dimensão ontológica (existencial) do fenômeno investigado. Nesta interpretação, desvelou-se a relação do casal diante da profilaxia da transmissão vertical do HIV a partir da transição do modo de ser-casal ao estar junto para o modo de ser-com, revelando o ser-família.

Ser-casal, estar junto e ser-com

Compreender como a mulher e o companheiro vivenciaram os cuidados na profilaxia da TV do HIV revelou que os dois se reconheceram e constituíram a unidade casal. Nessa unidade, desvelou-se sendo-casal que vivenciou junto os cuidados na profilaxia e apontou que esta constituição foi fundamental para o êxito do tratamento, resultando na saúde do filho. Ao significar como vivenciaram os cuidados na profilaxia da TV do HIV, a mulher e o companheiro se mostraram sendo casal. Como ser-casal, se compreenderam e se reconheceram como tal. Mostraram-se como ser-casal quando usaram os pronomes "a gente" e "nós", verbalizaram "perdemos", "estávamos" e "o nosso tratamento" e quando expressaram a cumplicidade do cuidado entre eles.

A concretude da estrutura do ser é revelada ao decorrer da investigação e este se desvela como ser dotado de presença. Esta presença se refere à possibilidade mais própria do ser ao se manifestar como ele mesmo é no seu mundo cotidiano e nas suas relações com ou junto aos outros.18 Compreende-se como ponto de partida para análise destas determinações do ser da presença a interpretação da constituição de ser, a qual se designa como ser-no-mundo. O ser-no-mundo participa da constituição fundamental da pessoa e como constituinte desta pode ser visualizado e configura o caráter de recusa de encobrimentos e distorções.18 Assim, permite desvelar a compreensão de seu modo de ser e de se relacionar que estava encoberto. Neste estudo cada um foi desvelado como ser-casal em sua compreensão própria existencial.

Ao falar sobre como vivenciaram os cuidados na profilaxia da TV do HIV, o casal revelou se compreender na unidade de juntos serem um. Sofreram juntos nessa vivência e o que vivenciaram os aproximou, os uniu. Vivenciarem juntos os cuidados possibilitou compreender que não seria o fim do mundo, se abraçaram juntos e aprenderam a cuidar um do outro, mesmo diante do preconceito.  Neste modo de ser, se determina como ser dotado de uma possibilidade que ele mesmo é, e isto também significa que o ser se compreende em seu próprio existir.18 O ser-casal assim se compreende, sendo ser na possibilidade de vivenciar junto os cuidados na profilaxia da TV do HIV. Nessa vivência, o ser-casal desvelou o caráter relacional que permeia a constituição essencial do ser-aí-no-mundo. O relacional se refere ao modo de ser-com, o qual pode ser compreendido como a estrutura fundamental do ser-aí e significa que algo ou alguém compartilha da presença do outro.18 O ser-casal estava junto, se uniu mais e se mostraram sendo-com.

O ser-casal anunciou que sobreviviam na vivência difícil e complicada da profilaxia e que depois passaram a viver bem. Ele se abre à possibilidade de ser-com diante do que vivenciou na profilaxia, uma vez que se aproximaram e aprenderam a cuidar um do outro e, assim, no modo de ser-com, vai ao encontro da possibilidade de viver bem e entende não ser o fim do mundo. Como base do ser-no-mundo determinado pelo com, o mundo é sempre mundo compartilhado com os outros.18 No modo de ser-com e em relação aos outros, o que há é uma relação existencial de um para o outro, compartilhando da presença um do outro. Quando expressou a importância do companheiro estar ao lado e que o filho justifica a razão de estarem juntos, o ser-casal revela o movimento relacional do ser-aí-mulher para o ser-aí-companheiro e do ser-aí-casal para o ser-aí-filho.

Ao significar os cuidados na profilaxia, o ser-casal anuncia que cuida do filho para ter saúde, se envolve e acompanha o crescimento dele. Faz referência à educação que o filho deve ter para crescer com caráter. Pensa principalmente nele, se cuida e vive para cuidar do filho. Ele era o que faltava para completar, agora são uma família.

Ser-casal, ser-com e ser-família

O ser-casal buscou se empenhar em sua caminhada, compreendendo ser relevante se cuidar para cuidar do filho. O ganho do esforço vivido na profilaxia foi o filho ter saúde e a constituição da família. Assim, compreende-se que no movimento de ser-casal para ser-família, contempla-se o sentido próprio existencial do casal na vivência reprodutiva de quem vivem com HIV. No modo de ser-com, o ser-casal desvelou o caráter relacional com o filho, em que há uma relação ontológica entre as presenças.13 Assim, o ser-casal empenha-se existencialmente em conviver, se relacionar com o filho. Esse empenho clarifica a característica desse modo de ser, em que como ser-no-mundo o ser é ser-com-outros. Na dimensão factual, o ser-casal manifestou se envolver, cuidar, acompanhar o crescimento do filho, o que revela na dimensão existencial o modo de ser-com. Sendo-com-o-filho, o ser-casal afirmou se ocupar no cotidiano com o seu cuidado para viver bem e com isso a possibilidade de cuidar do filho para que ele tenha saúde.

Ao pensar na educação do filho, o ser-casal desvela o modo da solicitude antecipadora-libertadora. Este modo de ser se mostra quando o ser salta diante do outro, se antecipa ao outro, para torna-lo livre na sua possibilidade própria de compreensão no mundo.24 Antecipar-se ao outro se refere à possibilidade de que ele participe de maneira ativa, que tenha liberdade de escolha no movimento de cuidado que o envolve. O ser em relação aos outros tem a possibilidade de ser-com numa relação libertadora. A solicitude demonstra um estado do ser-aí que, de acordo com as suas diferentes possibilidades, está ligado com o seu ser em relação ao mundo de seu cuidado, e com seu autêntico ser em relação a si mesmo.18 Diante disso, o ser-casal compreende ser importante pensar na educação do filho para que se reconheça e se compreenda como ser com possibilidade-para-ser. Como ser que se compreende sendo-no-mundo com possibilidades de escolhas de maneira livre. Na compreensão de ser importante cuidar de maneira libertadora, o ser-casal incentiva a educação do filho com leitura e música desde a gestação e pensa que ele continuará sendo educado no decorrer de seu crescimento.

Nessa relação solícita libertadora com o filho, o ser-casal compreende que a presença do filho em suas vidas é algo muito significante desde a gestação. Referiu que os três estão unidos nessa vivência, ser-mulher, ser-companheiro e ser-filho. Afirmou que diante da presença do filho e dessa união são uma família. Revelou que todo cuidado vale a pena quando se tem a responsabilidade por gerar outra vida, toda a vivência dos cuidados na profilaxia da TV foi gratificante. A satisfação nessa vivência constitui a des-coberta do ser que permanecia velado existencialmente, o ser-família. A interpretação das vivências do casal na profilaxia da TV do HIV a partir do referencial filosófico de Martin Heidegger desvelou o movimento existencial que transitou pelo modo de ser do estar-junto, que se mostrou a partir das relaçãos conjugais diante da facticidade de viver com um vírus e gerar um/a filho/a. Neste cotidiano, o casal se uniu no modo de ser-com, que transitou para o modo de ser-família a partir da presença do/a filho/a.

Para finalizar, ao considerar o paradigma anti-família vinculado à epidemia da aids, este estudo reforça as discussões acerca dos direitos sexuais e reprodutivos. Nesse sentido, é possível refletir acerca dos modos de ser do profissional da saúde e da enfermagem para cuidar desta família. Isso implica em incorporar na prática assistencial da saúde e da enfermagem uma postura solícita para o encontro autêntico entre quem cuida e quem é cuidado, que permita escutar o vivido e compreender os seus significados. Para que se vislumbre a superação da assistência reducionista, em que o pré-natal está centrado na mulher e a puericultura, na criança.

Na prática, significa incluir o companheiro na atenção à saúde da mulher e compreender como unidade de cuidado, considerando inclusive o amparo político e legal desta inclusão. Será preciso vencer barreiras postas pela cultura, pelos profissionais, pela academia, pela estrutura dos serviços de saúde e pela construção social do papel de ser homem e ser mulher. Diante disso, tem-se a possibilidade do profissional enfermeiro desenvolver sua assistência considerando a família como ser-participante do cuidado, em busca de uma assistência integral ao casal, aprimorado a efetivação de políticas públicas e ações que promovam a redução dos índices de morbimortalidade por TV do HIV e aids pediátrica.

 

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