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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.33 no.3 Medellín Sep./Dec. 2015

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v33n3a21 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

doi:10.17533/udea.iee.v33n3a21

 

Criança e adolescente com doença crônica hospitalizados: sentimentos sobre a morte

 

Hospitalized child and teenager with chronic diseases: feelings about death

 

Niño y adolescente hospitalizados con enfermedad crónica: sentimientos acerca de la muerte

 

Flávia Moura de Moura1; áderson Luiz Costa Junior2; Maria Elizabete de Amorim Silva3; Altamira Pereira da Silva Reichert4; Neusa Collet5

 

1Psicóloga, Doutoranda pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Professora, Universidade Federal de Campina Grande - UFCG, João Pessoa - PB, Brasil. email: flavia.m.moura@uol.com.br.

2Psicólogo, Pós-Doutor. Professor, Universidade de Brasília, Brasília - DF, Brasil. email: aderso@unb.br.

3Enfermeira, Mestranda. UFPB, João Pessoa - PB, Brasil. email: elizabeteamorim.enf@gmail.com.

4Enfermeira, Doutora. Professora, UFPB, João Pessoa - PB, Brasil. email: altareichert@gmail.com.

5Enfermeira, Doutora. Professora, UFPB, João Pessoa - PB, Brasil. email: neucollet@gmail.com.

 

Fecha de Recibido: Mayo 20, 2015. Fecha de Aprobado: Septiembre 1, 2015.

 

Artículo vinculado a investigación: O lúdico no enfrentamento da hospitalização de crianças com doenças crônicas.

Subvenciones: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Edital Universal 2007. Processo nº 476666/2007-4.

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo: Moura FM, Junior ALC, Silva MEA, Reichert APS, Collet N. Hospitalized child and teenager with chronic diseases: feelings about death. Invest Educ Enferm. 2015; 33(3):565-572

 


RESUMO

Objetivo.Analisar os sentimentos de crianças e adolescentes com doenças crônicas hospitalizados em relação à morte. Metodologia. Pesquisa qualitativa, com quatro crianças e um adolescente com doenças crônicas em idade entre 11 e 13 anos, internadas em um hospital escola no Brasil, no período de Janeiro a Março de 2009. Realizaram-se entrevistas em profundidade por meio do material lúdico com fins terapêuticos, denominado "Como hóspede no hospital". O material empírico foi submetido à análise temática. Resultados. Foram obtidos dois núcleos de sentido: Sentimentos de crianças e adolescentes com doenças crônicas hospitalizados frente à morte do outro; e Crianças e adolescentes com doenças crônicas e o temor da própria morte. A internação hospitalar leva crianças e adolescentes a se depararem com a morte de outros enfermos, despertando sentimentos de tristeza, consternação, ansiedade, fazendo com que o medo da própria morte se torne uma ameaça. Conclusões. A equipe de saúde precisa estar atenta aos sentimentos das crianças e adolescentes hospitalizados diante da morte para que possa acolher as demandas, minimizando temores e angústias.

Palavras chave: criança; morte; doença crônica; hospitalização.


ABSTRACT

Objectives. Analyze the feelings of hospitalized children and adolescents with chronic diseases towards death. Methodology. Qualitative research, with four children and one teenager with chronic diseases, aged between 11 and 13 years old, who were admitted at a teaching hospital in Brazil, in the period from January to March 2009. In-depth interviews were carried out using a ludic material for therapeutic purposes, named "As a guest in the hospital". The empirical material was submitted to thematic analysis. Results. Two mains meanings were obtained: Feelings of hospitalized children and adolescents with chronic diseases dealing with the death of the other; and children and adolescents with chronic diseases and the fear of their own deaths. Hospitalization makes children and adolescents come across the death of other sick people, arousing feelings of sadness, consternation, anxiety, making the fear of their own death become a threat. Conclusion. The health team needs to be attentive to the feelings of hospitalized children and adolescents facing death so that they can get the demands, minimizing fears and anguish.

Key words: child; death; chronic disease; hospitalization.


RESUMEN

Objetivo.Analizar los sentimientos de niños y adolescentes hospitalizados con enfermedades crónicas en relación con la muerte. Metodología. Investigación cualitativa de cuatro niños y un adolescente con enfermedad crónica con edades de 11 a 13 años, ingresados en un hospital universitario en Brasil, de enero a marzo de 2009. Se realizaron entrevistas a profundidad mediante material del juego con propósitos terapéuticos llamado "Como huésped en el hospital." La información fue sometida a análisis temático. Resultados. Se obtuvieron dos unidades de significado: Los sentimientos de los niños y adolescentes con enfermedades crónicas hospitalizados frente a la muerte del otro; y los niños y adolescentes con enfermedades crónicas y el miedo de la propia muerte. Conclusión. La hospitalización lleva a los niños y adolescentes a enfrentar la muerte de los demás enfermos, despertando sentimientos de tristeza, consternación, ansiedad, lo que hace que el miedo por la propia muerte se convierta en una amenaza. El equipo de salud tiene que estar atento a los sentimientos de los niños y adolescentes hospitalizados frente a la muerte para que pueda aceptar las demandas, lo que minimiza los temores y angustias.

Palabras clave: niño; muerte; enfermedad crónica; hospitalización.


 

INTRODUÇÃO

O hospital é um ambiente planejado para auxiliar pessoas que apresentam demandas específicas de cuidados em saúde e que requerem algum grau de confinamento ou proteção biológica temporária. Nessa perspectiva, os cuidados, na forma de diversos tratamentos, podem resultar em cura, manutenção de doença em condições clínicas mais estáveis, ou em morte. Toda essa situação expõe pacientes, familiares e profissionais de saúde a vivências agradáveis, quando se verificam melhora dos indivíduos hospitalizados, ou desagradáveis, diante de episódios repetitivos de sofrimento, dor e/ou perda. Para a criança/adolescente, além da possibilidade de cura, o hospital significa afastamento de casa e de pessoas queridas, que são fontes naturais de apoio e segurança, ter seu cotidiano alterado e se submeter a uma nova rotina, geralmente bem diferente da sua, conviver com um ambiente com situações e pessoas desconhecidas, estar exposto a procedimentos médicos invasivos e dolorosos, perder a liberdade e ainda ter que lidar com diversas vivências estressantes.1-3

Muitos tratamentos hospitalares provocam estresse e dificuldades de adaptação ao contexto típico da internação. Crianças e adolescentes com enfermidades crônicas, por exemplo, requerem atenção especial em decorrência das repetidas internações e do longo período de tempo que ficam hospitalizadas, considerando que a situação impõe maior risco ao seu processo de desenvolvimento. Aspecto importante a ser considerado na hospitalização infanto-juvenil, e que tem sido pouco evidenciado pela literatura e na prática assistencial, são os sentimentos que crianças e adolescentes possuem em relação à morte, já que o hospital é um lugar onde há risco iminente para isso, devido à gravidade de algumas enfermidades. Mesmo sendo a morte considerada como um fenômeno natural, a reflexão sobre o tema pode trazer à tona medos, preocupações e aflições4 e, dependendo de fatores culturais e etários, cada indivíduo terá uma compreensão singular,5 despertando diferentes sentimentos.

Estudo6 aponta que a aquisição do conceito de morte apresenta relação com os estágios de desenvolvimento cognitivo, propostos por Piaget. Até os dois anos, período sensório-motor, a morte é percebida como ausência e falta. Dos três aos cinco anos, período pré-operacional, a criança compreende a morte como algo reversível. Dos seis aos nove anos, período operacional, a criança possui um entendimento da morte como irreversível. Após os doze anos, período de operações formais, o conceito de morte torna-se mais abstrato, e os indivíduos passam a compreendê-la como inevitável, universal, irreversível e pessoal. A morte da criança e do adolescente no contexto hospitalar tem sido discutida em alguns estudos,7-9 destacando a vivência e sentimentos de profissionais de saúde e familiares. Os trabalhos que abordam a temática relacionada à morte na concepção das próprias crianças e adolescentes, de maneira geral, apresentam a ótica de participantes acometidos por enfermidades com maior risco de morte, como o câncer. Porém, é preciso lembrar que, mesmo as pessoas com prognóstico favorável, podem presenciar situações de morte durante a internação hospitalar.

Assim, conhecer como a criança e o adolescente com doença crônica, ainda que sem risco iminente de morte, sentem-se em relação à morte e quais são seus temores, pode instrumentalizar a enfermagem e demais profissionais de saúde a ofertar atenção integral e humanizada, considerando não apenas as necessidades biológicas, mas também as psicossociais, que refletem de maneira direta sob a saúde. A questão norteadora deste estudo foi: Quais os sentimentos de crianças e adolescentes com doenças crônicas hospitalizadas em relação à morte? Para tanto, o objetivo foi analisar os sentimentos de crianças e adolescentes com doenças crônicas hospitalizados em relação à morte.

 

METODOLOGIA

Pesquisa qualitativa, realizada na clínica pediátrica de um hospital-escola do Estado da Paraíba, Brasil. Foram selecionadas aleatoriamente, crianças e adolescentes com doenças crônicas, hospitalizados na referida unidade no período de Janeiro a Abril de 2009, que atendessem os seguintes critérios: a) ser criança ou adolescente; b) ser alfabetizada; c) estar em condições de escrever e desenhar; d) apresentar condições clínicas estáveis; f) e demonstrar interação social com o ambiente. Participaram deste estudo quatro crianças e um adolescente, com idades entre 11 e 13 anos, com diagnóstico de síndrome nefrótica, esclerodermia, anemia falciforme, talassemia e lupos. O tempo de diagnóstico variou entre 4 meses e 10 anos. Embora pudessem ser de ambos os gêneros, todas as participantes deste estudo foram do sexo feminino. O número de participantes foi definido pelo critério de suficiência.10 Foi realizado estudo piloto e não houve recusa em participar do estudo nem pelos responsáveis, nem pelas crianças/adolescentes.

Atendendo à Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde11 o projeto foi submetido ao Comitê de ética em Pesquisa do referido hospital, tendo sido aprovado sob o protocolo nº 136/08. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos responsáveis e o Termo de Assentimento pelas crianças/adolescentes, após tomarem conhecimento dos objetivos do estudo. Os dados foram coletados pela primeira autora, que é psicóloga e trabalha com crianças hospitalizadas, durante encontros individuais diários, que variaram entre seis e oito com cada criança/adolescente, com duração de 40 e 60 minutos cada, por meio de entrevista em profundidade. Utilizou-se as atividades de um material lúdico com fins terapêuticos, denominado "Como hóspede no hospital", elaborado pelas autoras, que foi o instrumento disparador da interação com a criança/adolescente. O material consiste em uma coletânea de atividades lúdicas que solicitam à criança/adolescente desenhar ou escrever sobre a hospitalização, como está se sentindo, o que gosta e o que não gosta no hospital, o que faz quando está triste ou tem medo. Propõe atividades de colorir, completar frases, criar estórias, caçar palavras. Tem por objetivo facilitar a expressão de sentimentos da criança e do adolescente em relação à doença e à hospitalização, ajudar na aquisição de conhecimentos das rotinas hospitalares e favorecer a adoção de estratégias de enfrentamento.

Cada atividade, além do caráter lúdico, aborda temáticas que potencialmente geram estresse e sofrimento à criança e ao adolescente em relação às experiências de doença e hospitalização. Estas foram elaboradas por uma das autoras do presente artigo com base na vasta literatura existente em psicologia, enfermagem e pediatria, e na sua experiência como psicóloga hospitalar. Em geral é difícil para a criança e o adolescente expressar seus sentimentos em relação à hospitalização e, de forma especial, a morte. Assim, recursos lúdicos têm sido utilizados tanto no cuidado12 quanto em coleta de dados em pesquisas.13 Todos os encontros foram realizados na sala de recreação, ficando nesse ambiente apenas a pesquisadora e a criança/adolescent. As falas foram gravadas em mídia digital, após autorização, para registro na íntegra dos comportamentos verbais, e utilização de diário de campo para os comportamentos gestuais e emocionais.

A análise do material empírico seguiu os princípios da análise temática, que busca desvelar os núcleos de sentido de uma comunicação cuja presença indique algum significado para o objetivo a ser alcançado. O procedimento foi operacionalizado por meio dos seguintes passos: ordenação, classificação e análise final dos dados.10 Em um primeiro momento, procedeu-se à leitura exaustiva e repetida de todo o material, iniciando uma primeira classificação. Posteriormente, foram agrupados os temas e construídos os seguintes núcleos de sentido: Sentimentos de crianças e adolescentes com doenças crônicas hospitalizados frente à morte do outro; e Crianças e adolescentes com doenças crônicas e o temor da própria morte. A fim de assegurar o anonimato das crianças/adolescentes foram utilizados nomes fictícios para as mesmas.

 

RESULTADOS

O material "Como hóspede no hospital" não apresenta atividades que abordem de forma direta o tema da morte, porém, muitas dessas possibilitam a emergência do assunto ao permitem falar de vivências relacionadas à hospitalização. Portanto, o conteúdo foi abordado em diferentes atividades e será apresentado de forma narrativa.

Sentimentos de crianças e adolescentes com doenças crônicas hospitalizados frente à morte do outro

Aurora encontrava-se em sua segunda experiência de hospitalização. O motivo de suas internações, tanto o atual quanto o anterior, estava relacionado à realização de exames como ultrassonografia, endoscopia e radiografias, para o controle da doença. Referiu-se à morte quando estava fazendo uma atividade que solicita falar sobre o que não gosta no hospital: Eu não quero que os meninos (companheiros de enfermaria) morram e nem fiquem doentes. [...] Um menininho que morreu lá na enfermaria que eu estava, [...] mas faz tempo, da outra vez que eu estava internada aqui. Ele nem falava, nem andava, só ouvia. Eu não quero fazer esse não (referindo-se à atividade). [...] Eles estavam muito doentes, nem saiam da cama (Aurora, 11 anos). Aurora evidencia seus sentimentos diante da morte de uma criança na internação anterior. Porém, fica explícita sua dificuldade em falar sobre a morte durante a hospitalização, levando-a a evitar o assunto.

Jasmine falou sobre a morte quando realizava a atividade que permite escrever ou desenhar o que mais chamou sua atenção no hospital: Eu já cheguei aqui (hospital) e tinha uma menina que tomava medicação para... (câncer), que caia até o cabelo, ela morr..., ela faleceu. E teve também "P" (outra criança), [...] ele passou um ano e pouco por aqui. Eu ia para casa e quando chegava ele estava aqui. Eu vim umas três vezes e ele estava aqui, no mesmo quarto, ele morreu. [...] Eu fico triste porque ele era uma pessoa que queria muito assim, resistir à doença, tratar (Jasmine, 12 anos).

A criança tem uma História de incontáveis internações, por isso, ficou sabendo ou presenciou muitas experiências de morte no âmbito hospitalar, sendo importante estimular que fale sobre as vivências e os sentimentos envolvidos. Jasmine evitou pronunciar as palavras câncer, que carrega o estigma da morte, e morrer, que foi substituída por "falecer", refletindo a resistência em falar sobre a morte, como se esse fosse um assunto proibido de ser comentado. Jasmine também falou sobre a morte na atividade que solicita escrever uma estória em quadrinhos sobre "algo triste que aconteceu", relatando várias situações: Às vezes chega gente aqui com dor, com muita dor, quando tem uma pessoa que está bem doente. Tem uma menininha, uma bebezinha, [...] eu fui embora e ela ficou, quando foi da outra vez que eu vim, ela estava aqui, mas foi para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva). é uma dor para a mãe, não é? Cria e depois falece. [...] Teve um também que não sei o que tinha acontecido, colocaram ele naquelas macas ali, chamou o... como é? Que leva para outro hospital? [...] Teve um aqui que ele estava muito mal, foi um (que morreu) e foi o outro, um num dia e outro no outro (Jasmine, 12 anos).

A fala de Jasmine aponta com clareza que, muito mais do que se possa perceber de imediato, durante a hospitalização vivencia não apenas o seu sofrimento, como também o das outras crianças e adolescentes internados. -A temática da morte mostrou-se tão presente no imaginário das crianças/adolescentes que, em outra situação, Ariel, que vivenciava sua segunda hospitalização, faz a associação da expressão "um dia de vida", como uma sentença de morte, em relação a uma criança que acabara de nascer: é porque tem muita gente que diz assim, que a pessoa não escapa quando está muito, muito, muito doente. "O" (outra paciente que estava internada) disse que chegou um bebezinho que só tem um dia de vida. Eu disse ninguém sabe, não é? Só Jesus, que dá... que..., só Jesus mesmo que salva tudo, que diz que ele só tem um dia de vida (Ariel, 12 anos). As crianças e adolescentes vivenciam durante a hospitalização a morte de companheiros e quanto mais tempo passam internados mais ficam expostos a essas situações, o que faz despertar o medo da própria morte.

Crianças e adolescentes com doenças crônicas e o temor própria da morte

Ariel falou sobre o medo da própria morte quando realizava a atividade que propõe completar sentenças: O que mais eu tenho medo? Sei não, de nada. [...] Eu só botei ali que eu tenho medo de injeção. Tu tens medo de morrer? [...] Eu não sei porque, eu não tenho medo não. [...] Às vezes eu penso que eu tenho medo de morrer, mas sei lá. Eu tenho medo de dar uma coisa e eu não ver a hora que eu morra, de noite eu dormindo. [...] Um menino que teve leucemia, estava toda roxinha a pele dele, ele gritava muito de dor. Ave Maria, eu tenho um medo de morrer tão grande, dormindo, de acontecer um negócio comigo de repente e eu não sentir direito, porque tem gente que quando morre, morre de repente! Meu avô deu aquele que sai sangue da boca dele. [...] Foi no ano passado, meu avô morreu e um mês depois a mulher do meu tio morreu de batida de moto. [...] Eu só quero morrer quando eu estiver bem velhinha, a minha doença não é grave não, não é? [...] Eu vou colocar que tenho medo de sofrer algum acidente. [...] A minha doença não é grave, então eu não vou ter medo (Ariel, 12 anos).

O relato da Ariel é repleto de significações. Inicialmente a criança não reconhece, ou não admite o medo de morrer, evidenciando que seu medo no ambiente hospitalar se refere apenas à injeção. Porém, após narrar a hisstória de gravidade da doença de outra criança, verbaliza seu medo de morrer repentinamente, cuja preocupação está relacionada à perda inesperada do avô e a outras experiências relacionadas à morte presentes em seu imaginário. Sofia estava em sua primeira internação e falou sobre a morte na atividade que solicita escrever se conhece alguma pessoa que ficou hospitalizada e o que aconteceu com essa pessoa: Meu avô, só que ele faleceu, [...] não mais voltou. [...] Ele tinha pressão alta, teve um derrame e morreu. [...] Teve um menino, filho de uma conhecida de mainha, ele tinha parece que era pressão alta e também morreu. [...] Eu não queria deixar a minha casa, eu tenho medo de não voltar! (choro) (Sofia, 12 anos).

Para essa criança o hospital era um lugar de morte e não de tratamento, que possibilita o controle da doença ou uma possível cura, pois não conseguia lembrar casos com desfecho bem sucedido de internação. Assim, deixar a segurança de sua casa para adentrar a esse espaço, representava uma ameaça, o que tornava compreensível sua angústia, expressa pelo choro. Bela teve incontáveis internações e o motivo da atual hospitalização era a realização de cirurgia para a retirada de cálculos na vesícula (colelitíase). A temática da morte surgiu na atividade que solicita à criança falar como se sente: Eu estou só com um pouco de medo de fazer a cirurgia. [...] Eu não tenho medo, não é assim, de como vai ser a cirurgia, eu tenho medo depois da cirurgia, o que pode acontecer. Eu vejo as pessoas que fazem cirurgia e morrem, eu fico pensando no meu caso, como eu vou reagir? Eu fico com medo, sabe? [...] O menininho que estava aqui e foi fazer (cirurgia), morreu. Já fico pensando depois da cirurgia, que eu vou ficar bem, que vou sair, mas depois volta o medo tudo de novo: meu Deus e se eu morrer, eu fico pensando assim. (Bela, 13 anos).

A partir do relato identifica-se um medo real, diante da cirurgia, que foi despertado por uma vivência experimentada recentemente, em que a participante presenciou, durante a internação, a morte de outra criança em decorrência de complicações da cirurgia. O medo da própria morte também foi evidenciado por Jasmine quando, após narrar histórias de mortes de crianças durante internações anteriores, na atividade que solicita para fazer uma estória em quadrinho sobre "algo triste que aconteceu no hospital", falou do medo diante da cirurgia:Quando eu fui fazer a cirurgia, eu também tive muito medo (de morrer) (Jasmine, 12 anos).

Pode-se evidenciar que durante a internação, crianças e adolescentes se deparam com a morte de outros enfermos e que estas situações provocam tristeza, consternação e medo, fazendo com que a própria morte se torne uma ameaça real, expressa pelos sentimentos que emergem nos relatos das crianças.

 

DISCUSSÃO

O entendimento e a forma de expressão podem ser diferentes nas várias fases, mas é preciso reconhecer que a morte está presente desde a infância, e que não aceitar essa realidade pode trazer prejuízos ao desenvolvimento da criança e do adolescente. A internação hospitalar os coloca diante do contexto da morte e o fato de não falar sobre o assunto não os protege do medo frente a possibilidade de sua própria morte e de sentimentos de tristeza, preocupação e consternação diante da morte de outras pessoas. Estudo15 evidencia que crianças com câncer falam metaforicamente de suas vivências e da realidade que enfrentam. Além disso, aquelas com mais tempo de diagnóstico e tratamento, angustiam-se quanto à indefinição do seu futuro, trazendo em suas narrativas singulares significações acerca da morte e da incansável luta cotidiana entre o viver e o morrer.14 Os resultados encontrados nesta investigação corroboram com os achados supracitados, pois aponta que crianças/adolescentes com maior tempo de diagnóstico da doença crônica e maior frequência de internações relataram mais histórias de óbitos ocorridos no hospital.

Crianças e adolescentes, em geral, evitam falar sobre o tema morte, evidenciando a dificuldade em elaborar essa vivência. Além do desconforto provocado pela doença e hospitalização, presenciam o sofrimento, a dor e até mesmo a morte de seus companheiros de internação. Essas vivências são tão marcantes que, mesmo com o passar do tempo, ressurgem na memória desencadeando tristeza, levando-os a evitar falar sobre o assunto. Outro aspecto revelador é a hesitação na pronúncia da palavra morte, substituindo-a por falecer. Mesmo os adultos apresentam dificuldade em proferir o vocábulo morte, pelo conteúdo e sentido que apresenta. Assim, o termo torna-se proibido, pois a mera pronúncia poderia lhe dar vida.15 Esse comportamento do adulto leva a criança/adolescente a perceber a palavra como de uso indevido, portanto, substituem-na por outra que aparenta mais leveza.

é significativo também, o fato de evitar pronunciar a palavra câncer, que carrega um estigma da morte,16 e que, muitas vezes, é referida como "aquela doença" ou apenas "CA". A atitude do adulto, ao evitar falar sobre o assunto, pode criar um tabu e dificultar a expressão das crianças/adolescentes diante das perdas, bem como gerar sentimentos de angústia por não possibilitar a elaboração de vivências.

Quando o tema morte vem à tona, percebe-se inicialmente a negação, mas, posteriormente, a admissão do medo da morte repentina. Ao mesmo tempo, vivencia o medo ao relacionar a morte de outra criança à gravidade da doença. A concepção de morte também é explicitada como uma determinação divina, atribuindo-se a Deus a possibilidade de salvação diante da alguma doença. Portanto, a religiosidade é um aspecto relevante na dinâmica de vida de muitas famílias e não pode ser negligenciada no processo de doença e cura.17 Estudo realizado com adolescentes com câncer aponta que os mesmos não explicitaram com clareza possibilidade morte, mas esta se mostra como ameaça diante das recidivas e agravamento da doença18. O temor relacionado à morte também esteve circunscrito às representações das crianças/adolescente sobre o hospital. Tal situação pode provocar insegurança durante a internação, desencadeando grande sofrimento e angústia, expressadas pelo choro. Dessa forma, os profissionais de saúde precisam estar atentos aos aspectos psicossociais que estão presentes no processo de adoecer e hospitalização, pois muitas vezes é difícil para a criança/adolescente verbalizar seus desconfortos por meio da linguagem verbal.

A temática da morte deve fazer parte da formação desses profissionais, para que diante das próprias vivências, elaborem seus lutos pelas perdas em seu cotidiano de trabalho, bem como lidem com os sentimentos das crianças/adolescentes, diante do risco iminente da morte, e dos familiares, que também ficam abalados.19 O medo da morte foi explicitado pelas crianças que seriam submetidas à cirurgia. Nessas situações é preciso ouvir suas angústias, medos e preocupações, a fim de identificar o significado que atribuem à intervenção cirúrgica para que os temores e fantasias sejam desmistificados.20 No hospital é fundamental estimular crianças e adolescentes a falarem sobre seus medos, por meio do uso de estratégias apropriadas à idade, minimizando traumas do processo de hospitalização.

Os profissionais de saúde e familiares tendem a mostrar despreparo diante da temática da morte. No entanto, faz-se necessária a percepção da relevância de um diálogo efetivo sobre o assunto, o que possibilitará um melhor enfrentamento diante das situações que são vivenciadas. é imprescindível ter um olhar singular para as diferentes significações dadas acerca da doença e a iminente possibilidade de morte em todas as fases da vivência e tratamento da enfermidade crônica. O desenvolvimento desta ação possibilita a compreensão de possíveis comportamentos decorrentes dessas construções subjetivas.14 A criança e o adolescente com doença crônica precisam ter sua experiência valorizada, sendo necessário dar voz para que possam se expressar21 e permitir que falem sobre suas dúvidas, medos e vivências também relacionadas à morte. Nesse contexto, é importante que tenham um espaço acolhedor onde sejam utilizados recursos lúdicos, incluindo brinquedo, jogos, livros infanto-juvenis ou interativos, vídeos, entre outros, considerando o valor que os mesmos possuem para a expressão da criança e do adolescente como forma de auxílio na intervenção.

O temor da morte está presente na criança/adolescente com doença crônica, mesmo esses não apresentando um risco iminente para óbito. Estes achados evidenciam a necessidade de criar espaços para que as crianças e adolescentes sejam encorajadas a falar sobre um assunto que, na maioria das vezes, é evitado, não apenas pela família, mas também por muitos profissionais de saúde. é fundamental que a equipe de saúde, e de forma especial a enfermagem, se coloque ao lado da família e ajude a criança e o adolescente, promovendo a expressão de sentimentos, fantasias e temores frente à morte. Esta pode não ser uma tarefa fácil, pois, mesmo fazendo parte do cotidiano de trabalho destes profissionais, ainda há um grande despreparo em lidar com a morte e suas significações. A equipe precisa direcionar seu olhar e atuar proativamente na interação com crianças e adolescentes com enfermidades crônicas, buscando uma atenção singular, integral e efetiva.

Devido à escassez acerca da temática e as evidências apresentadas neste estudo, destaca-se a importância de se criar espaços de escuta e promover meios para que a criança/adolescente elabore o conteúdo sobre a morte. é fundamental que outras pesquisas sejam realizadas com crianças e adolescentes em diferentes faixas etárias e com o uso de outros recursos, que possam favorecer a expressão e a intervenção frente à temática da morte em crianças e adolescentes com doenças crônicas hospitalizados. O estudo limita-se a apresentar os sentimentos de quarto crianças e uma adolescente.

 

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