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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.34 no.1 Medellín Jan./Apr. 2016

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v34n1a18 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

doi:10.17533/udea.iee.v34n1a18

 

Momento de buscar assistência ao parto: narrativas de puérperas

 

When to search for birth care: mothers narratives

 

Momento de buscar asistencia para el parto: narrativas de puérperas

 

Jessica Reis-Queiroz 1; Luiza Akiko Komura Hoga2; Bruna Goulart Gonçalves3

 

1RN Midwife, Ph.D Student. University of São Paulo-USP-, Brazil.email: jessicagreis@usp.br

2RN Midwife, Ph.D. Professor, USP, Brazil.email: kikatuka@usp.br

3RN Midwife. Ph.D. Student. USP, Brazil. email: brunagoncalves@usp.br

 

Fecha de Recibido: Septiembre 11, 2014. Fecha de Aprobado: Diciembre 4, 2015.

 

Artículo vinculado a investigación: Dissertação: "Entre o planejado e o imprevisível: processo decisório sobre o momento de ir para o hospital em busca de assistência ao parto". São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2013

Subvenciones: Bolsa do CNPq - Brasil.

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo: Reis-Queiroz J, Hoga LAK; Gonçalves BG. When to search for birth care: mothers narratives. Invest Educ Enferm. 2016; 34(1): 162-170

 


RESUMO

Objetivo.O objetivo desta pesquisa foi descrever as experiências vivenciadas pela gestante relativas ao processo decisório sobre o momento de ir ao hospital em busca de assistência ao parto. Métodos. O método de estudo foi a análise da narrativa. Foi realizada a análise temática das narrativas, a elaboração de categorias descritivas (CD) e a validação das categorias com as participantes. Resultados. Os resultados gerados foram duas CD: "Recebendo orientações, suporte social e fazendo escolhas: o planejamento da ida para o hospital" e "Entre o planejado e o imprevisível: o processo decisório sobre o momento de ir para o hospital". Conclusão. O processo decisório das mulheres é fundamentado na rede de suporte social e nas orientações recebidas de profissionais de saúde. Os profissionais atuantes no pré-natal devem desenvolver ações mediante consideração do contexto social das gestantes e integração da família no atendimento, o que é fundamental para a assistência de qualidade.

Palavras chave: assistência pré-natal; serviços de saúde da mulher; enfermagem obstétrica.


ABSTRACT

Objectives.The aim of this study was to describe the experiences lived by the pregnant woman on the decision-making process about the time to go to the hospital, to ask for childbirth care. Methods. The narrative analysis was the research method. The thematic analysis of the narratives was performed and the descriptive categories (DCs) were validated by study participants. Results. Two DCs to reveal the collective experience: "Receiving guidance, social support and making choices: planning the going to the hospital" and "Between the planned and the unpredictable: decision process about the time to go to the hospital". Conclusion. The decision-making process of women is reasoned especially on the social support network, and also on the advises received from healthcare providers. The professionals involved in prenatal care should develop actions considering the pregnant women's social context, and the family members should be integrated in the provision of prenatal care. The adoption of these measures is essential for the improvement of the quality of care.

Key words: prenatal care; women's health services; obstetrical nursing.


RESUMEN

Objetivo.Describir las experiencias vividas por la mujer embarazada en el proceso de toma de decisiones sobre el momento de salir de casa en busca de asistencia para el parto. Métodos. El análisis de la narrativa se utilizó como método de estudio. Se realizó el análisis temático de las narraciones, la preparación de categorías descriptivas (CD) y la validación de las categorías con las participantes. Resultados. Los resultados generados fueron dos CD: "Recibiendo orientaciones, apoyo social y tomando decisiones: la planeación para ir al hospital"; y "Entre lo planeado y lo impredecible: el proceso decisorio sobre cuándo ir al hospital". Conclusión. El proceso decisorio de las mujeres se basa en la red de apoyo social y las directrices recibidas de los profesionales de la salud. Los profesionales que trabajan en la atención prenatal deben desarrollar acciones de acuerdo con el contexto social de la embarazada, integrando a la familia en la atención, lo que es fundamental para la asistencia de calidad.

Palabras clave: atención prenatal; servicios de salud para mujeres; enfermería obstétrica.


 

INTRODUÇÃO

No início do século XX, o atendimento ao parto era prestado predominantemente pelas parteiras, que iam às residências das gestantes para desenvolver o seu ofício.1 A mudança do local de assistência ao parto, do domicílio para o hospital, fez com que as gestantes precisassem buscar assistência ao parto nas instituições de saúde.2 Neste novo cenário assistencial, surgiram novas demandas, inclusive a necessidade de receber orientações a respeito do momento adequado de sair de casa em busca de assistência institucionalizada. O recebimento de orientações fidedignas a respeito de sinais e sintomas do trabalho de parto e do momento oportuno de buscar assistência em maternidades, centros de parto ou casas de parto se tornou uma demanda que deve ser atendida pelos profissionais de saúde. São orientações fundamentais para que as mulheres possam lidar com mais tranquilidade com as mudanças físicas, que se intensificam no final da gravidez, e com as implicações de natureza psicológica, familiar e social decorrentes das transformações próprias deste período.3 Trata-se de situação na qual as gestantes se sentem inseguras em relação ao bem-estar fetal, sensação esta que pode impulsioná-las a buscar assistência ao parto em momento precoce e inoportuno. A insegurança que paira na mente destas gestantes pode se originar de fontes internas, como experiências prévias negativas, ou de fontes externas, sobretudo as geradas nos ambientes familiar, social e de trabalho.4

O planejamento da assistência ao parto deve levar em conta a rede de serviços de saúde disponível às gestantes e as condições de assistência à saúde, assim como os aspectos socioculturais que predominam nas localidades onde elas vivem. Nesse sentido, os protocolos assistenciais devem contemplar os aspectos acima referidos, e estes, por sua vez, requerem constante revisão, de modo que as necessidades das gestantes possam ser devidamente identificadas e supridas. A importância das orientações relativas às transformações próprias do período gestacional e a correspondente assistência requerida são reconhecidas pelos gestores das políticas públicas do campo da assistência obstétrica. Sobretudo, são consideradas relevantes as orientações relativas aos sinais e sintomas de trabalho de parto.5 Quanto a este aspecto, torna-se necessário considerar que a gravidez representa uma vivência que é compartilhada entre as pessoas do convívio da gestante, especialmente os membros de sua família. O suporte social fornecido pelas pessoas próximas à gestante, sobretudo aquelas que já tiveram a oportunidade de vivenciar a experiência da gravidez, representa um fator facilitador do processo de tornar-se mãe. Tal suporte é considerado fundamental para o enfrentamento de situações estressantes e parapreservar a saúde mental da mulher grávida.6-8 Ao envolvimento dos membros da família da gestante neste período importante do curso de vida familiar contribui para uma adesão mais efetiva à assistência pré-natal, o que contribui significativamente para sensação de estar recebendo suporte seguro neste momento da vida.

Alguns aspectos envolvidos na questão da busca por assistência ao parto ainda não possuem respostas claras, dentre eles, os fatores que influenciam as decisões tomadas em relação ao momento da busca por assistência ao parto. Esta temática ainda não foi suficientemente explorada nos âmbitos brasileiro e internacional. Face a este fato, foi desenvolvido este estudo visando obter respostas ao questionamento: "Quais são os fatores que influenciam as gestantes a respeito do momento de sair de casa em busca de assistência ao parto?". O objetivo desta pesquisa foi descrever as experiências vivenciadas pelas mulheres gestantes relativas ao processo decisório sobre o momento de ir ao hospital em busca de assistência ao parto.

 

 

METODOLOGIA

Esta pesquisa foi desenvolvida no alojamento conjunto (AC) de um hospital da rede pública do município de São Paulo, localizado na Zona Leste da cidade. O hospital é referência para 13 Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde as gestantes da área de abrangência do hospital recebem pré-natal. O hospital conta com seis suítes de parto e 33 leitos de internação pós-parto. Em 2011, nesta instituição, foram prestados atendimentos a 3165 partos, tendo sido 1388 a mulheres primíparas. A abordagem de pesquisa foi a qualitativa, adequada para explorar aspectos subjetivos da experiência, neste caso, os fatores que interferiram no processo decisório relativo ao momento de buscar assistência institucionalizada ao parto e as demandas por suporte social na perspectiva das mulheres.9 O método de pesquisa foi a análise da narrativa, que permite explorar como as pessoas organizam, e atribuem sentido, a um determinado evento. Este método deve ser desenvolvido mediante cinco etapas contíguas: acessar, contar, transcrever, analisar e ler a experiência.10

Para acessar a experiência, após a obtenção de autorização da diretoria da instituição hospitalar para a realização do estudo, as mulheres internadas no AC do hospital foram entrevistadas. Os critérios de inclusão foram a participação espontânea e o tempo mínimo de 24 horas decorridas após o parto. Este tempo foi estabelecido para se respeitar a necessidade de repouso após o trabalho de parto. Para garantir a aleatoriedade na inclusão das mulheres, estas foram selecionadas mediante sorteio, tendo sido incluídas quatro mulheres em cada dia de entrevista. As mulheres foram abordadas no AC do hospital. Antes de iniciar as entrevistas, elas foram esclarecidas quanto aos objetivos do estudo e à possibilidade de não participar. Foram instruídas de que, caso não quisessem participar, esta decisão não acarretaria prejuízos atuais ou futuros de qualquer natureza. As entrevistas foram individuais, face a face, e realizadas em ambiente reservado, no próprio hospital. Elas foram iniciadas por meio de um roteiro, cuja primeira pergunta foi: "Fale-me a respeito da sua experiência em relação ao momento de sair de casa (ou de outro lugar) em busca de assistência ao parto". As entrevistas foram gravadas integralmente e duraram aproximadamente, 30 minutos. Não houve necessidade de repetir entrevistas.

As entrevistas foram feitas entre janeiro e fevereiro de 2013 e as percepções das pesquisadoras foram registradas em diário de campo, para auxiliar a análise das narrativas posteriormente. Dentre as 44 puérperas convidadas a colaborar, 14 se recusaram e 30 concederam entrevistas. Todas que se recusaram referiram o cansaço como motivo. As entrevistas foram integralmente transcritas, obedecendo à ordem narrada pelas mulheres. Para preservar a identidade e facilitar a identificação das mulheres, as narrativas foram numeradas mediante a letra "P" relativa à puérpera, seguida do número sequencial das entrevistas.Este processo foi seguido pela retranscrição, que consiste na construção de um texto mais fluido e compreensível para o leitor, sem que o sentido atribuído à experiência vivida e relatado pelas próprias puérperas tenha sido alterado. Desta forma, as falas das puérperas que ilustrassem a categoria descritiva foram retranscritas em uma única fala, de modo a incorporar aspectos relatados pelas demais mulheres. Ao finalizar a retranscrição, o produto desta era submetido a uma comparação com a transcrição, de modo a garantir a sua confiabilidade, tal como recomendado por Riessman.10 A ocorrência da saturação teórica no conteúdo das narrativas foi observada na 16ª entrevista. Entretanto, foram incluídas 30 mulheres, para garantir o rigor metodológico, assim como o montante e a qualidade de dados.11

A análise temática foi feita de modo interpretativo e indutivo. Primeiramente, foi feita uma leitura exaustiva dos depoimentos, com o cuidado de não incutir percepções das pesquisadoras sobre o fenômeno na elaboração dos resultados. Foram identificadas as palavras-chave, as ênfases dadas a algumas situações e identificados os temas emergentes, que seriam importantes para descrever o fenômeno. As percepções sobre as entrevistas anotadas no diário de campo, como o tom de voz, as ênfases dadas a alguns trechos da narrativa ou a algumas palavras, auxiliaram na tarefa de agrupar as unidades representativas da experiência. As unidades representativas semelhantes foram agrupadas, possibilitando formular temas iniciais e auxiliar na identificação dos componentes de cada categoria temática.10,12

Na quinta etapa do método de pesquisa, procedeu-se a conexão entre as unidades representativas da experiência individual aos temas identificados, para construir categorias descritivas (CD) que fossem representativas da experiência coletiva e respondessem aos objetivos do estudo.10,12 A confirmação da fidedignidade das CD foi obtida por via telefônica junto a 11 mulheres. Trata-se de procedimento importante para garantir o rigor no desenvolvimento do método de análise da narrativa, cujo principal pressuposto é garantir a fidedignidade dos resultados elaborados, que devem estar de acordo com a perspectiva das próprias participantes do estudo. As 11 mulheres aprovaram os títulos dos descritores e seus principais componentes e reafirmaram a correspondência entre a experiência vivida e os CD elaborados. Não foi possível contato com todas as mulheres que participaram do estudo, pois algumas se recusaram a fornecer seu número telefônico e, em alguns casos, o número de contato estava incorreto.

Quanto aos aspectos éticos envolvendo pesquisa com seres humanos, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado às mulheres e, somente após sua concordância e assinatura, foram feitas as entrevistas. Os preceitos éticos e legais da resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde13 foram respeitados. O estudo foi aprovado por um Comitê de ética em Pesquisa (CEP) credenciado, mediante parecer de número 127.190/2012. Foi também aprovado pelo CEP do hospital, mediante o número 139.728/2012.

 

 

RESULTADOS

As entrevistas resultaram em duas CD que são descritas a seguir.
 
Recebendo orientações, suporte social e fazendo escolhas: o planejamento da ida para o hospital no momento do parto

A valorização do suporte social recebido esteve intensamente presente nas narrativas das mulheres. Tendo este suporte por referência, as mulheres planejaram a ida para o hospital em busca de assistência ao parto. As orientações recebidas foram, sobretudo, relativas aos sinais e sintomas do trabalho de parto, dentre elas, a perda de líquido amniótico, início e progressão das contrações uterinas, e a dor no baixo ventre. Tais orientações tinham sido recebidas, sobretudo, dos profissionais que fizeram o acompanhamento pré-natal das mulheres. O apoio recebido de familiares e amigos, sobretudo do companheiro, foi percebido pelas mulheres como um aspecto essencial. Este suporte contribuiu para que as mulheres tenham se sentido mais seguras. As mulheres tinham recebido suporte emocional dos membros da família e dos amigos por meio do interesse demonstrado em relação à progressão da gravidez, encorajamento mediante palavras de estímulo, e a presença física no decorrer da gravidez e no momento do parto.

Na (Tabela 1), estão apresentados a CD 1, seus elementos representativos, a interação entre estes elementos. A seguir, estão destacados trechos que ilustram elementos da CD1.

Tabela 1.

Alguns exemplos de falas desta categoria descritiva foram:

Orientações recebidas sobre o momento de ir para o hospital em busca de assistência ao parto: Me orientaram no hospital que, se eu sentisse dor, deveria vir para a maternidade, mas se eu não sentisse dor, teria que vir de qualquer jeito para não passar de 41 semanas. E eles iriam induzir o parto (P4, P7, P11).

Suporte recebido dos familiares e amigos: Foi uma experiência incrível, ficou todo mundo do meu lado, eu tive muito apoio de todo mundo a gravidez toda; foi uma coisa que me renovou. O apoio da família foi essencial e não faltou (P5, P15, P16, P17, P24, P26, P30).

Planejamento da ida para o hospital no momento do parto mediante escolhas: A gente tinha tudo planejado. Tinha um plano A, que era pegar o carro do meu sogro emprestado, um plano B que era chamar um táxi e um plano C, que era chamar a ambulância. (...) Já estava certo que meu marido iria comigo para este hospital, porque as pessoas falam que aqui o atendimento é bom (P2, P8, P15, P16, P17, P22).

Existência de casos contrários: A gente não tinha nenhum planejamento, só sabia que quando tivesse dor tinha que vir para o hospital (P24, P5, P9, P10); No pré-natal não falaram nada sobre o trabalho de parto ou a hora de ir para o hospital (P4, P21).

Entre o planejado e o imprevisível: o processo decisório sobre o momento de ir para o hospital em busca de assistência ao parto

Embora tenhamos observado planejamento sobre o momento de ir para a maternidade em busca de assistência ao parto, as mulheres foram confrontadas com imprevistos e precisaram tomar decisões de imediato. Este confronto demandou adaptações e/ou mudanças no planejamento.

Tabela 2.

Alguns exemplos de falas desta categoria descritiva foram:

Tendo que decidir entre as opiniões de familiares e amigos e a própria opinião: Como tinha passado da data pelo ultrassom, então ficou meu marido, minha vizinha, todo mundo preocupado para eu ir assim que comecei a sentir as contrações. Todo mundo ficou falando e eu fiquei com medo de acontecer alguma coisa (P6, P11).

 Considerando as experiências anteriores: Eu já sabia como ia ser por causa do meu outro filho, já estava bem parecido com o outro. Nesse parto eu já fiquei bem mais calma, porque eu já sabia como ia ser e porque meu marido estava comigo, me acalmando (P14, P22, P30).

Percebendo sinais e sintomas de trabalho de parto: Eu comecei a sentir contrações, mas quis esperar um pouco para ver o tempo entre uma contração e outra. Como só ia aumentando eu resolvi vir para o hospital. Meu marido estava comigo, mas ele só perguntava se eu estava bem e falava para avisá-lo quando eu quisesse ir (P1, P2, P7, P8, P12, P17, P21, P24, P25, P29, P30).

Tendo preocupações com o bem-estar do filho: A gente fica mais ansiosa no final, porque fica preocupada com o bebê, qualquer dorzinha você se pergunta se está tudo bem ou se já é hora de nascer. Sempre fica ansiosa para fazer o exame do coraçãozinho para ouvir se está tudo bem (P2, P4, P11, P15, P21).

Enfrentando contratempos e imprevistos: Quando chegamos ao portão, vimos que o pneu do carro estava furado e eu já estava com uma dor bem chata. Passamos na borracharia perto de casa, rapidinho, chegamos ao hospital e deu tudo certo, graças a Deus (P16).

 

 

DISCUSSÃO

As orientações recebidas dos profissionais de saúde estavam relacionadas, sobretudo, à perda de líquido amniótico, à dor no baixo ventre e à necessidade de permanecer atenta à data provável do parto, para que este não ultrapassasse as 41 semanas de gravidez. Estas informações foram recebidas, principalmente, durante o pré-natal e, em alguns casos, reafirmadas durante o acompanhamento no hospital, nas últimas semanas de gravidez, confirmando a importância do fornecimento detalhado de informações para as gestantes durante a assistência pré-natal.3 Cabe salientar que algumas mulheres referiram não ter recebido orientações a respeito de sinais e sintomas de trabalho de parto ou sobre o momento que deveriam se dirigir ao hospital em busca de assistência ao parto, contradizendo as recomendações do Ministério da Saúde sobre as orientações que devem ser fornecidas às gestantes no decorrer da assistência pré-natal.5,14,15

As mulheres que declararam ter recebido orientações sobre os sinais e os sintomas de trabalho de parto estavam satisfeitas com as informações, pois as auxiliaram na decisão sobre o momento de ir para o hospital em busca de assistência ao parto. Semelhantemente, em estudo a respeito de satisfação e expectativas sobre a assistência pré-natal, as mulheres referiram sentirem-se satisfeitas com as informações recebidas, embora faltassem algumas das informações preconizadas.16 Uma pesquisa focalizando conhecimentos das gestantes nulíparas, sobre sinais e sintomas do trabalho de parto, concluiu que 93,6% delas referiram pessoas leigas experientes como fonte de informações.17 No presente estudo, foi possível perceber que as orientações feitas por familiares e amigos estavam relacionadas à busca pelo atendimento no hospital, quando se iniciavam as contrações uterinas ou quando havia perda de líquido. No entanto, informações imprecisas contribuem para que as gestantes procurem os serviços de saúde em falso trabalho de parto, o que evidencia a necessidade de incluir familiares e amigos na assistência pré-natal, tornando possível o recebimento das informações necessárias para que a experiência de parto e nascimento seja permeada por sentimentos de segurança e satisfação.

O suporte recebido de familiares e amigos foi fundamental no planejamento da ida para o hospital em busca de assistência ao parto. Um estudo focalizando os períodos de transição no curso da vida descreveu que, no momento do nascimento dos filhos, ocorre aumento no suporte social fornecido por familiares e amigos.6 Além disso, a percepção deste suporte pelas mulheres tem sido indicada como fator protetor para depressão pós-parto.18,19 Este fato foi confirmado na presente pesquisa, tendo em vista que as mulheres receberam suporte social no momento do parto, e o consideraram fundamental para a vivência positiva desta experiência. Para planejar sua ida ao hospital no momento do parto, as mulheres precisaram fazer escolhas fundamentadas nas orientações e no suporte social recebido: das pessoas que as acompanhariam até o hospital e/ou no momento do parto; dos recursos de transporte mais apropriados; e do hospital a ser procurado para assistência ao parto. A participação do profissional de saúde neste planejamento é de grande importância para que as gestantes possam sentir-se seguras no processo de preparo para o parto5; porém, neste estudo, não foi observada a atuação dos profissionais de saúde neste âmbito.

Embora muitos protocolos de assistência estejam em circulação e os profissionais os avaliem positivamente a utilização destes materiais na prática assistencial ainda sofre resistência.20 Da mesma forma, os dados encontrados neste estudo indicam que embora os profissionais compreendam que as mulheres precisam de orientações e auxílio, no planejamento da ida para o hospital em busca de assistência ao parto, estas orientações têm sido feitas de maneira incompleta. Outro aspecto de assistência à saúde no período de gravidez e parto foi o funcionamento adequado do sistema de referência e contra-referência na região do estudo, consequência da existência de devida vinculação entre as UBS e os hospitais de referência para a região. Este serviço evita exposição a riscos desnecessários, derivados do processo de peregrinação da mulher em trabalho de parto em busca de assistência.21 Muitas mulheres buscaram assistência ao parto nesta instituição, mesmo não sendo seu hospital de referência, tendo em vista a boa qualidade do hospital. Porém, trata-se de uma instituição que não tem vagas disponíveis para toda a demanda, o que sinaliza a necessidade de investimento em melhoria da qualidade de assistência em outros hospitais da região.

A segunda fase do processo decisório compreendeu a decisão propriamente dita, a respeito do momento de sair de casa em busca de assistência ao parto. As decisões neste âmbito foram tomadas a partir das interações entre o planejamento realizado, na fase anterior, a opinião de familiares e amigos, a percepção de sinais e sintomas de início do trabalho de parto, a reflexão sobre as experiências de parto anteriores, a preocupação com o bem-estar do filho e os contratempos e imprevistos surgidos no momento da tomada da decisão. Mesmo quando a mulher conhecia o processo de parto, em razão da experiência anterior ou das orientações recebidas durante a gravidez, houve, em diversos casos, grande pressão, exercida por amigos e familiares, para que elas se dirigissem de imediato ao hospital em busca de assistência ao parto. As mulheres concluíram que essa pressão se deu por ansiedade dos próprios familiares/amigos, ressaltando a importância da preparação do acompanhante no pré-natal.3

A preocupação com o bem-estar do filho esteve presente nos relatos, sobretudo em relação à diminuição da movimentação fetal e à idade gestacional superior a 40 semanas. Tal preocupação fez com que as mulheres buscassem atendimento no hospital, para realizar exames que atestassem a higidez do filho. O surgimento de contratempos e imprevistos no momento de sair de casa em busca de assistência gerou grande ansiedade para as mulheres, que tinham como maior preocupação o possível surgimento de intercorrências prejudiciais à própria saúde e à saúde do filho. Para diminuir esta ansiedade, as gestantes procuraram preservar a própria tranquilidade e, para tanto, fizeram alterações no planejamento inicial e se sentiram aliviadas com os desfechos favoráveis. Os resultados deste estudo destacam o processo de decisão como complexo e repleto de interações entre diversos fatores. Bourgeois-Gironde,22 em seu estudo sobre a racionalidade das decisões no comportamento humano, descreveu que esta racionalidade estaria relacionada às experiências anteriores, agindo como moduladores das decisões atuais. Este dado foi reiterado no presente estudo, pois as mulheres refletiram a respeito das experiências anteriores, fossem estas suas próprias experiências ou a de familiares e amigos próximos, as quais influenciaram suas decisões a respeito do momento para ir ao hospital em busca de assistência ao parto.

Como limitações do estudo, destacamos que o uso da análise da narrativa enquanto método de pesquisa requer atenção aos aspectos subjetivos dos colaboradores do estudo, o que restringe o que pode ser identificado pelo pesquisador. O estudo foi realizado em um local em que o sistema de referência e contra-referência estava bem definido, o que pode ter contribuído para evitar as peregrinações descritas na literatura.

Em conclusão foi possível observar, neste estudo, intensa participação familiar no processo de decisão pela busca de assistência ao parto, inclusive fornecendo o suporte necessário para o planejamento da ida para o hospital. Constatou-se, ainda, que, quando o planejamento sobre o momento de sair de casa contava com a participação de um profissional de saúde, mediante fornecimento deorientações relativas aos sinais e os sintomas de trabalho de parto, as mulheres sentiram-se mais seguras para tomardecisõessobre o momento de ir para a maternidade. Entretanto, revelaram que a participação dos profissionais era bastante limitada, muito menos frequente se comparada ao interesse demonstrado pelos membros da própria família.

Considerando estes resultados, conclui-se que é imprescindível que os profissionais que atuam na assistência pré-natal compreendam o contexto ao qual as mulheres pertencem, e tentem envolver os membros de suas famílias, tanto no planejamento da assistência quanto na assistência propriamente dita. Desta forma, tornar-se-á possível potencializar a efetividade das ações de saúde do campo da assistência pré-natal. Os resultados obtidos neste estudo reforçam a importância do da atenção destinada pelos profissionais de saúde ao planejamento da ida da gestante para o hospital no momento do trabalho de parto. Acredita-se que, considerados os elementos constituintes dos diferentes cenários socioculturais, geográficos e assistenciais, os resultados deste estudo podem ser aplicáveis a outros contextos de assistência ao pré-natal e parto.

 

 

REFERÊNCIAS

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