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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.34 no.1 Medellín Jan./Apr. 2016

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v34n1a21 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

doi:10.17533/udea.iee.v34n1a21

 

O vínculo como tecnologia leve no cotidiano da Estratégia Saúde da Família: o olhar do usuário

 

The bond as a soft technology in the daily routine of the Family Health Strategy: perception of the user

 

El vínculo como tecnología leve en el cotidiano de la Estrategia de Salud de la Familia: el mirar del usuario

 

Bianca Pozza dos Santos1; Fernanda Nizoli Nunes2;Patrícia Tuerlinckx Noguez3; Adriana Roese4

 

1Enfermeira, Mestre. Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Brasil. email: bi.santos@bol.com.br

2Enfermeira, Residente. UFPel, Brasil. email: fernandannunes@hotmail.com

3Enfermeira, Doutoranda. Professora, UFPel, Brasil. email: patriciatuer@hotmail.com

4Enfermeira, Doutora. Professora, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil. email: adiroese@gmail.com

 

Fecha de Recibido: Enero 21, 2014. Fecha de Aprobado: Diciembre 4, 2015.

 

Artículo vinculado a investigación:Condição crônica e itinerários terapêuticos: esforços para a construção de linhas de cuidado com usuários de um serviço de saúde do município de Pelotas, RS.

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo: Santos BP, Nunes FN, Noguez PT, Roese A. The bond as a soft technology in the daily routine of the Family Health Strategy: perception of the user. Invest Educ Enferm. 2016; 34(1): 189-197

 


RESUMO

Objetivo.Analisar a produção de vínculo entre os usuários e os profissionais de saúde em uma Unidade de Saúde da Família (USF). Métodos. Estudo descritivo de abordagem qualitativo realizado com a participação de 33 usuários hipertensos e/ou diabéticos. Realizaram-se entrevistas que foram transcritas e analisadas. Resultados. Os usuários que utilizam a USF há anos disseram que o vínculo com os profissionais está fragilizado. Quando existe, é direcionado por alguns profissionais da equipe. Também foi mencionado rompimento do vínculo em algumas situações devido a questões individuais. O estabelecimento do vínculo entre o usuário e os profissionais da saúde que prestam assistência na USF de referência se constitui em uma tecnologia leve. Desse modo, tem repercuções na atenção de qualidade, na manutenção da saúde e na prevenção e controle de doenças crônicas. Conclusão. O estabelecimento do vínculo com os usuários é  fundamental para os profissionais de saúde serem referências para os usuários que utilizam os serviços de saúde.

Palavras chave: atenção primária à saúde; assistência à saúde; doença crônica; relações interpessoais.


ABSTRACT

Objectives.This study aimed to analyze the production of a bond between users and health care professionals in a Family Health Unit (FHU). Methods. This was a qualitative, descriptive study, with 33 hypertensive and/or diabetic users. Interviews were transcribed, analyzed and data were compared to the literature. Results. The users who have been accessing the FHU for years stated that the bond with professionals has grown weak, it is a fragile bond. When it does exist, it is directed toward some professionals in the team. A disruption in the bond was also mentioned in some situations, owing to individual issues. Establishment of a bond between the user and the health care professionals in the reference FHU consists of a soft technology. Therefore, it impacts quality of health care and the prevention and management of chronic diseases. Conclusion. Establishment  of a bond is essential for health care professionals to become references for the users of health care services.

Key words: primary health care; delivery of health care; chronic disease; interpersonal relations.


RESUMEN

Objetivo.Analizar la producción de vínculo entre los usuarios y los profesionales de salud en una Unidad de Salud de la Familia (USF). Métodos.  Estudio descriptivo de  abordaje cualitativo realizado con la participación de 33 usuarios hipertensos y/o diabéticos. Se hicieron entrevistas que fueron transcritas y analizadas. Resultados. Los usuarios que utilizan la USF desde hace varios años dicen que el vínculo con los profesionales se ha fragilizado y, cuando existe, es direccionado por algunos profesionales del equipo. También, mencionaron el rompimiento del vínculo en algunas situaciones, debido a cuestiones individuales. El establecimiento del vínculo entre el usuario y los profesionales de la salud que prestan asistencia en la USF de referencia se  constituye en una tecnología leve. De ese modo, tiene repercusiones en la atención de calidad y en el mantenimiento de la salud y en la prevención y control de enfermedades crónicas Conclusión. El establecimiento del vínculo con los usuarios es fundamental para los profesionales de salud; de esta manera,  será una referencia para los usuarios que utilizan los servicios de salud.

Palabras clave: atención primaria de salud; prestación de atención de salud; enfermedad crónica; relaciones interpersonales.


 

INTRODUÇÃO

A Estratégia Saúde da Família (ESF) vem sendo proposta pelo Ministério da Saúde (MS), como uma forma de reorganização da atenção básica e de reorientação do modelo de atenção do sistema de saúde no Brasil, incorporando os princípios do Sistema único de Saúde (SUS), que são: universalidade, descentralização, integralidade e participação da comunidade. A ESF é caracterizada como a porta de entrada do sistema de saúde brasileiro e se estrutura a partir da Unidade Básica de Saúde (UBS), sendo localizada próxima de onde as pessoas se encontram.1,2 As UBSs que possuem ESF devem responder a uma necessidade social, que inclui as necessidades de saúde da comunidade inserida na área de abrangência. No desenvolvimento de sua prática diária, o trabalho do profissional da saúde possui como meta, a satisfação das necessidades relacionadas ao processo saúde-doença.3

Um dos princípios fundamentais da ESF é o vínculo entre os profissionais da saúde e o usuário, de modo a garantir a continuação das ações de saúde e do cuidado.2 As características facilitadoras para a sua criação são: a carga horária de trabalho de 40 horas, a adstrição da população, a participação da comunidade, o trabalho junto às famílias e a presença do agente comunitário de saúde. Isso faz com que o usuário e o profissional se aproximem.1 Neste sentido, ressalta-se que a palavra vínculo, origina-se do latim vinculum, significando laço, ligação. Trata-se de um conceito que sugere interdependência, relações de troca, cuidado humanizado e integralidade da assistência.4 O vínculo é fundamental para a adesão e a continuidade do tratamento adotado5, indo além da inserção de um usuário a um serviço de saúde. Trata-se assim, de uma relação contínua, pessoal e intransferível, isto é, um encontro de subjetividades.6 Ademais, baseia-se na afetividade, na aceitação, na confiança e na solidariedade, sendo um elemento essencial para um bom atendimento, entre os profissionais da saúde e o usuário.7,8

Nesse contexto, observa-se a relevância do desenvolvimento de tecnologias leves do cuidado, como elemento potencializador para o fortalecimento do vínculo entre profissionais da saúde e usuários, sendo fator importante para garantir a manutenção da saúde.8 O vínculo auxilia na promoção de um novo tipo de cuidado, o qual envolve humanização, responsabilização e a necessidade de dar voz ao usuário, acarretando mudanças no modelo assistencial.9 Em contrapartida, a distância entre os profissionais da saúde e os usuários pode diminuir os laços de vínculo e, consequentemente, poderá favorecer no abandono do processo terapêutico.8 Nesse aspecto, a relação entre profissional da saúde e usuário dos serviços prestados pelas UBS que possuem ESF é um desafio para a implementação de práticas humanizadas em saúde.10 Além dos mais, está entre os temas desafiadores para a reorganização das práticas a serem cumpridas pelo SUS.5 Com base no exposto, este estudo tem como objetivo analisar a produção de vínculo entre usuários e profissionais de saúde em uma Unidade de Saúde da Família.

 

 

METODOLOGIA

O presente estudo possui uma abordagem qualitativa com enfoque descritivo, sendo parte integrante do Projeto de Pesquisa intitulado "Condição crônica e itinerários terapêuticos: esforços para a construção de linhas de cuidado com usuários de um serviço de saúde do município de Pelotas, RS", desenvolvido por docentes e discentes da Faculdade de Enfermagem, de uma Universidade Federal do Sul do País, junto com usuários e famílias que convivem com hipertensão e/ou diabetes mellitus, residentes  na  área  de  abrangência  de  uma  Unidade  de  Saúde da Família do Município em estudo.  Participaram do estudo 33 usuários hipertensos e/ou diabéticos cadastrados no Programa HiperDia, selecionados por meio de sorteio aleatório pelas fichas cadastrais, entre abril a setembro de 2011.

Primeiramente, os usuários foram convidados a participar do estudo, informados quanto aos objetivos e esclarecidos sobre os preceitos éticos da pesquisa. Após a concordância, foi fornecido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado em duas vias. A todos os usuários participantes foi garantido o anonimato, a desistência em qualquer momento e o livre acesso aos dados, quando era de seu interesse. As entrevistas foram realizadas com data e horário agendados previamente, de forma que não atrapalhassem sua rotina, utilizando um roteiro semiestruturado e com questões abertas, possibilitando ao usuário discorrer sobre o assunto de forma subjetiva. As mesmas foram realizadas nas residências dos usuários hipertensos/diabéticos, cenário de prática do projeto de extensão vinculado, garantindo a privacidade. Os dados coletados passaram inicialmente por escuta ativa, e após, foram transcritos na íntegra. Posteriormente, foram submetidos a sucessivas leituras para captar a essência das informações, bem como, interpretá-las e agrupá-las em temáticas de acordo com os objetivos do estudo.11 As informações sofreram análise e foram confrontadas com a literatura da área, além de reflexões das autoras.

 

 

RESULTADOS

A análise das entrevistas possibilitou destacar os principais aspectos apontados pelos usuários em relação ao vínculo. Sendo eles, o tempo de utilização dos serviços da UBS pelos usuários, o entendimento popular da palavra vínculo, o tipo de vínculo com a UBS, a identificação dos profissionais da saúde que prestam assistência na UBS, o reconhecimento dos usuários sobre o trabalho realizado pelos profissionais da saúde, a existência do vínculo profissional negativo e o rompimento do mesmo.

Ao abordar sobre o tempo de utilização dos serviços da UBS, alguns usuários alegaram que o mesmo, corresponde ao período em que moram na área de abrangência, conforme observado nas falas de U24 e U07: Olha, eu moro aqui há 20 anos. 20 anos que eu utilizo esse posto (U24); Acho que desde que começou o postinho e eu moro aqui. Desde que começou o postinho, eu fui ali [UBS] (U07). Outros usuários não fizeram comparação com o tempo de moradia. Entretanto, também mencionaram um período significativo de utilização dos serviços da UBS, conforme representado pelos usuários U11 e U12: Isso já faz muito tempo. [...] Eu acho que isso faz o quê? Faz uns dez anos, ainda eu acho, mas vamos dizer que uns nove anos por aí (U11); Desde que o postinho era aqui na [nome do bairro]. Eu não lembro, mas faz mais de 30 anos já (U12).

Ainda, ao questionar os usuários sobre o tempo de utilização da UBS, poucos foram os que afirmaram que a utilização dos serviços ofertados é recente, representados por U10 e U13, estando compreendido nos últimos cinco anos: Já vai fazer quatro anos (U10); Uns três ou quatro anos (U13). Ao serem abordados sobre o vínculo que mantinham com a UBS do bairro e com os profissionais da saúde, muitos usuários transpareceram o desconhecimento do significado dessa palavra. Logo, o interpretaram de diversas formas, como o motivo pela busca ao serviço (U03), o estado da unidade (U06) e a empatia com determinado profissional da saúde (U27): Eu acho que o meu vínculo é para o hipertenso, porque eu procuro o posto para isso aí [hipertensão] (U03); Como assim vínculo? Não vou muito, só quando tem necessidade (U01); Eu acho que aquilo [UBS] está muito sujo, uma sujeira horrorosa [...] (U06); Convivo, dentista, tudo é ali. Minha dentista é ali, adoro ela (U27).

Ao perceber o não entendimento do usuário em relação ao conceito de vínculo, os pesquisadores utilizaram, como alternativa de substituir esse vocábulo de modo a esclarecer a ideia de seu significado, o termo relação. Contudo, ainda não houve compreensão, como foi observado na fala a seguir de U12: Como assim? Tem alguma coisa que podia melhorar bastante, por exemplo, o medicamento, tem bastante falha no medicamento (U12). No momento em que os usuários foram questionados sobre o tipo de vínculo estabelecido com a UBS, a referência manifestada foi positiva. Porém, os mesmos não procuraram aprofundar sobre como se estabeleceu, como é possível observar nas falas de U05, U09, U25 e U12: é bom, muito bom, não posso me queixar (U05); é bom, para mim, é bom. é, para mim, não tem o que me queixar (U09); Para mim, tem sido muito bom. Não tenho o que me queixar. Não posso me queixar deles (U25); é bom, numa possibilidade das pessoas que mais precisam (U12). Mesmo sendo assegurada a garantia de anonimato durante a entrevista, a maioria dos usuários se limitou a dizer que o serviço era bom: é boa, o mal educado sou eu [risos]. é verdade, eu já digo pela maioria. é porque a maioria reclama, só botam defeito, então eu estou junto com eles. Eu sou bem tratado, não posso me queixar (U07); O vínculo que eu tenho com o posto de saúde é desde menino, desde que abriu o posto aqui. A primeira das fichas foi as nossas, eu sempre tratei e sempre fui ali. Sempre bem tratado por sinal e nunca tive problema nenhum (U33); O postinho, para mim, é muito bom, mas só que é difícil encontrar médico. Agora o negócio é por área. Às vezes a pessoa chega lá, não tem médico em sua área e a gente não consegue se consultar. Está difícil! (U24). Alguns usuários referiram ter uma relação negativa com a UBS, destacando ainda que a usuária U13 procura apenas o serviço para retirar a sua medicação: Péssima (U18); Eu não gosto de lá [UBS]. Vou lá porque sou obrigada, para retirar o meu remédio (U13).

Nas falas abaixo, observa-se que a maioria dos usuários soube identificar, ao menos, um dos profissionais da saúde que prestam assistência na UBS. Especialmente o profissional médico, os quais têm maior afinidade por atendê-los nas consultas. Em seguida, o agente comunitário de saúde (ACS), talvez, por visitá-los com maior frequência em suas residências e por residir no mesmo território. O pessoal de enfermagem também é lembrado na fala de U12: O nome assim? [...] Eu sei o nome da doutora [médica] da minha área, doutora [nome da médica]. A [nome da ACS], ela mora aqui perto dessa rua (U21); Não, só sei ali a doutora [nome da médica], que tem me atendido (U01); A [nome da ACS] é a agente de saúde. A agente de saúde, a doutora [nome da médica], a enfermagem é com [nomes dos profissionais da enfermagem], mas a principal é a enfermeira [nome da enfermeira]. Olha, é uma das coisas que eu nunca fui muito de me apaixonar por um profissional, mas agora eu gosto de olhar o atendimento (U12).

Já ao perguntar aos usuários, se eles sabem identificar quem são os profissionais que vão ao domicílio, alguns manifestaram desconhecimento U25, U19 e U16: Não. Até quem mais tem me atendido é a doutora [nome da médica]. Nunca tinha da área dois, agora tem esse doutor que eu não conheço (U25); Eu não sei, antes vinha um rapaz visitar aqui em casa, do posto, mas faz algum tempo que não vem ninguém. Não sei quem é, até nem está vindo ninguém aqui do postinho (U19); Agora eu nem estou indo. Lembrando dos enfermeiros de lá! Mas elas vêm aqui, eu não me lembro o nome (U16). De outro modo, nota-se que há certa dificuldade por parte de alguns dos usuários em identificar os profissionais atuantes na respectiva UBS, sendo que muitos os identificavam pela profissão praticada, como nas falas U02 e U03: [...] Só conheço ali [UBS] os enfermeiros, que eu estou acostumado a ir ali [UBS] (U02); Não, só conheço as enfermeiras, que estou acostumado a ir ali [UBS] (U03).

Apesar de haver dificuldades na identificação dos profissionais da saúde, o reconhecimento dos usuários sobre o trabalho realizado na UBS foi mencionado. Como apresentado nas falas de U10 e U26: Até que tu és bem atendido, isso aí não resta dúvida. Os funcionários não têm nada a ver. Isso aí, o que tem que ver é a saúde mesmo, não é os funcionários, quando tu vai, não tem culpa [...] (U10); Só a enfermeira [nome da enfermeira] e a doutora [nome da médica]. Eu tive na doutora [nome da médica], foi em novembro. Aí ela [referindo-se a sua filha] foi consultar lá e a doutora internou pelo PIDI [Programa de Internação Domiciliar Interdisciplinar]. Foi quando eu me internei em casa, bem no tempo que não podia nem caminhar [...] (U26).

Ao questionar sobre como era o vínculo que os usuários possuíam com os profissionais da saúde que atuam na UBS, notou-se nas falas de U06 e U01, a fragilidade ou a inexistência do mesmo: Não, quando eu vou ali [UBS] mesmo, só com vocês [referindo-se às entrevistadoras] agora (U06); Não, nenhum [referindo-se ao vínculo com profissional] (U01). Além da inexistência do vínculo profissional, como destacado nos dois depoimentos anteriores, abaixo, apresentam-se as falas dos usuários U33 e U24 que manifestaram o seu rompimento com os profissionais que prestam assistência à saúde na UBS: [...] Eu tinha vínculo com a doutora, a outra que foi embora da área dois. Até esqueci o nome dela agora. Mandaram ela embora [...]. Bom, a nova médica que está aí, nem sei se tem médico para a área dois, não procurei mais também (U33); Olha, até hoje eu acho ótimo, ele atende bem. Só que de vez em quando, a gente se acostuma com aquele doutor, aí eles trocam de doutor. Essa [nome da médica], que eu tinha aqui, eu consultava com ela, fazia palestra, fazia reunião de hipertenso, eu ia. Ela procurou sempre fazer coisas. Agora, essas outras já são diferentes. Agora, a [nome da médica] nunca fez reunião assim, com a turma dela, ela nunca fez (U24).

Em função da troca do profissional médico, como constatado nas falas acima, notou-se outro fator de rompimento do vínculo, o atendimento fragmentado, representado pela fala de U07: Não, agora mesmo está uma bagunça, que tanto um atende quanto outro, está meio sem titular na posse, porque a doutora saiu, não sei o que houve (U07); O relato da esposa do entrevistado U07 expõe uma situação que contribui para a fragilização do vínculo, que é a perda da relação de confiança com o ACS, como foi citado; A agente de saúde era muito legal, mas agora que eu pedi para ela marcar uma consulta, pedi os remédios do [nome do esposo] e ela não trouxe. Depois, pedi para ela marcar uma ficha para os idosos, ela disse que depois marcava e não marcou (Esposa do U07).

 

 

DISCUSSÃO

Nesse estudo, diante da análise das entrevistas dos usuários que mencionaram um tempo significativo de utilização da UBS, mesmo antes de se tornar ESF, pensa-se que esse fator acaba sendo, de certo modo, parte da vida dessas pessoas, constituindo item favorável para a criação de vínculo. Fato esse que corrobora com os resultados de uma pesquisa realizada em uma UBS, localizada em um bairro do Município de São Paulo/SP. O objetivo proposto foi identificar as opiniões, as percepções e as necessidades dos usuários, logo, constatou que os mesmos já utilizavam há muito tempo o serviço oferecido pela UBS. Possivelmente, isso leva a compreender que as pessoas têm grande possibilidade de realmente conhecerem as qualidades e os problemas presentes na unidade de saúde frequentada.13 Outro aspecto observado, nos resultados do presente estudo, foi a não compreensão do significado do conceito de vínculo por parte dos usuários. Mesmo substituindo por relação, notou-se que ao longo das entrevistas, os usuários manifestaram situações positivas e negativas, seja com a UBS em si, seja com os profissionais. Muitas vezes ao relatar tais situações, os usuários acabam fornecendo subjetivamente, a forma como se estabelece o vínculo.

Importante destacar que a fragilidade da compreensão não está no desconhecimento dos usuários no significado dessa palavra. Na verdade, o sentido conceitual e acadêmico não é efetivamente de domínio no meio popular, entretanto, a utilização de outras palavras é facilmente compreensível, fazendo com que eles expressem a relação existente com a UBS e com os profissionais da saúde. Mesmo desconhecendo a definição dos termos adotados pelos usuários que foram entrevistados, importante destacar que isso se constitui em uma conquista, não um acontecimento imediato. Quanto mais apropriado for o vínculo, melhores serão os resultados, maiores serão as trocas de saberes entre os profissionais da saúde e a comunidade.14 Para então compreender o seu significado, destaca-se que o vínculo consiste na construção de relações afetivas e confiáveis entre usuários e profissionais da saúde, possibilitando o aprofundamento do processo de corresponsabilização pela saúde, estabelecido ao longo do tempo, além de carregar, consigo, um potencial terapêutico.2

Neste estudo, ao notar que a maioria dos usuários manifestou que o tipo de vínculo com a UBS era bom, isto parecia ser algo modal, uma vez que as pessoas poderiam estar evitando complementar suas respostas para não se comprometerem. Infere-se, pela análise das falas, que o fato de o serviço prestado ser "gratuito", pode ser considerado um favor e não receber questionamentos de parte da população. Ou ainda, o temor que uma apuração mais detalhada dos resultados pudesse envolvê-los como denunciantes ou testemunhas do modelo de atenção de saúde transmitido pela unidade. Nesse contexto, a atenção básica, como estratégia de relação com a demanda, no sentido de facilitar a criação de vínculo, propicia às equipes uma reestruturação de processos de trabalho mais flexíveis e centrados na busca de respostas satisfatórias às necessidades dos usuários. Tal fato torna os serviços da rede diferenciados e singulares no modo de receber, de compreender e de se relacionar com os usuários, tendendo a proporcionar maior agilidade e resolutividade para quem procura o serviço.

Quando o vínculo é positivo, isso contribui na adesão do usuário com o serviço, na medida em que surgem necessidades de saúde a serem resolvidas. O problema está quando a relação com a UBS é tida como negativa. Assim, as falas que demonstraram a insatisfação com o serviço prestado pela UBS se tornam preocupantes, pois podem levar ao rompimento do vínculo e, consequente descontinuidade do tratamento. Nessa conjuntura, observa-se a necessidade do estabelecimento de um contato maior entre profissional e usuário, no sentido de se conhecerem, manter vínculo e ter uma sequência no acompanhamento do tratamento.14 Torna-se importante conhecer a visão que o usuário tem do serviço desempenhado pelos profissionais da saúde, uma vez que a equipe poderá conscientizar-se das situações vivenciadas, além de compreender se as ações desenvolvidas estão sendo eficazes para melhorar a qualidade de vida das pessoas.15

A formação dos laços de vínculo está, intensamente, relacionada à prática de cuidados, demonstrados em atitudes de preocupação, de interesse e de atenção.8 Durante o atendimento, é necessária a existência  da empatia entre o profissional da saúde e o usuário, pois isso poderá garantir a adesão à boa manutenção da saúde.16 Nesse sentido, faz-se necessário averiguar a causa do desinteresse da população adstrita e investir em tecnologias leves com os profissionais  que praticam a assistência na UBS, assim como, do descontentamento com a assistência prestada. A adoção das tecnologias leves, no cuidado da saúde e em conjunto com a atenção primária, perpassa os processos de acolhimento, de vínculo e de assistência integral. Especialmente para que as ações de saúde sejam mais acolhedoras, ágeis e resolutivas, envolvendo a troca de saberes entre usuários e profissionais da saúde.14

Ademais, os princípios adotados pela ESF, tais como, a priorização da promoção, da prevenção e da recuperação da saúde, de forma integral e contínua, devem levar os profissionais a refletirem sobre as suas práticas que necessitam ir além da assistência curativa. Nesse sentido, é preciso repensar o modelo de atenção proposto pela ESF, focando no uso de importantes ferramentas como as tecnologias leves ou relacionais, especialmente o vínculo, uma vez que auxilia na melhoria da atenção ofertada pela Saúde Pública. Assim, o atendimento realizado por meio da escuta e o desempenho profissional adequado proporciona o vínculo entre o usuário e o serviço de saúde. Esse vínculo consente no conhecimento dos profissionais sobre os usuários que frequentam o serviço de saúde, considerando as prioridades de cada um. Ademais, a prestação de um atendimento humanizado ao usuário possibilita segurança a este e fortalece a relação com o profissional da saúde, colaborando, portanto, para a melhora da saúde daquele que busca o serviço de saúde.15

Salienta-se que permitir a expressão de abertura dos usuários, manifestando as mais diversas opiniões, tem contribuído para a construção e a negociação do que é importante, tanto para o serviço de saúde, quanto para a comunidade. Nesse aspecto, tem permitido operacionalizar as abstratas diretrizes de participação e de controle social, corresponsabilidade e planejamento ascendente, proporcionando o vínculo, contribuindo assim, para a consolidação do SUS.17 Outro aspecto destacado, no presente estudo, relacionou-se que alguns fatores possam ter contribuído para interromper a construção do vínculo entre usuário-profissional-serviço, sendo que a troca frequente do quadro de profissionais é citada constantemente, constituindo fator relevante para a quebra dos relacionamentos de confiança. Embora a assistência à saúde ocorra com um profissional diferente, isso provoca a descontinuidade do cuidado e a reconstrução do vínculo.

A produção de vínculo é essencial, pois constitui um elemento básico para a área da saúde. Desse modo, o vínculo produzido na área da saúde dá-se no contexto das relações de cuidado. O fortalecimento do mesmo, entre os profissionais da saúde e os usuários, favorece a produção do cuidado, mediante uma relação de confiança e uma partilha de compromissos.8 As ações devem ser planejadas coletivamente entre profissionais da saúde e usuários, contribuindo com o estabelecimento de vínculo e a corresponsabilização, de modo que construam formas adequadas e efetivas para as ações de saúde.18 A ESF tem colaborado para a produção do cuidado, perante o estabelecimento de vínculo entre os profissionais da saúde e os usuários, por meio da escuta e da participação da pessoa no planejamento e na intervenção das ações a serem realizadas. Apropriando-se do uso de tecnologias em saúde que contribuam à autonomia da mesma, substituindo assim, o ato mecânico e frio do cuidado desempenhado pelo profissional.

Algo observado, ainda neste estudo, foi o reconhecimento por parte dos usuários sobre o trabalho realizado pelos profissionais da saúde, sendo essencial para se (re)pensar nas práticas assistenciais desenvolvidas nas UBS que possuem ESF, almejando melhorar, cada vez mais, a qualidade no cuidado. Essa perspectiva de trabalho em saúde, na qual se tem o reconhecimento do trabalho do outro, exige o estabelecimento de uma relação entre os envolvidos.19 Assim como neste, destaca-se a realização de um estudo que objetivou conhecer a visão dos usuários em relação à atuação dos profissionais da saúde de uma ESF, demonstrando que os usuários perceberam nuanças inerentes à dinâmica de trabalho dessa estratégia. Fator esse que se constitui em um aspecto importante para repensar o cuidado produzido pelos profissionais da saúde, no contexto da ESF.18

O vínculo está relacionado à aproximação entre o usuário e o profissional da saúde, constituindo-se em um elemento fundamental para o trabalho nas Unidades de Saúde da Família. A sua presença possibilita o desenvolvimento de relações humanas que visam ações eficazes para o cuidado com a saúde. Os achados deste estudo levam a entender que, o estabelecimento do vínculo entre usuário e profissionais da saúde que prestam assistência na ESF de referência, constitui-se em uma tecnologia leve. Desse modo, possui repercussões para uma atenção de qualidade à manutenção da saúde e o controle de possíveis agravos crônicos relevantes, como a hipertensão e o diabetes. Por fim, salienta-se que o estabelecimento do vínculo é fundamental para que os profissionais da saúde sejam referências para os usuários que utilizam os serviços de saúde. Principalmente para aquelas pessoas que possuem doenças crônicas, como a HAS e o DM, já que são patologias com elevada incidência na população, com possibilidade de levar a consequências graves, quando não tratadas ou acompanhadas adequadamente.

 

 

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