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Investigación y Educación en Enfermería

versão impressa ISSN 0120-5307

Invest. educ. enferm vol.34 no.2 Medellín jun. 2016

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v34n2a08 

ARTÍCULO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE / ARTIGO ORIGINAL

 

doi:10.17533/udea.iee.v34n2a08

 

Debate interdisciplinar no processo ensino aprendizagem em bioética: experiências de acadêmicos da área da saúde

 

Interdisciplinary debate in the teaching-learning process on bioethics: academic health experiences

 

Debate interdisciplinario en el proceso de aprendizaje en la bioética: experiencias de los alumnos de las carreras del área de la salud

 

 

Jéssica Campos Daniel1; Juliana Dias Reis Pessalacia2; Ana Flávia Leite de Andrade3

 

1Acadêmica do curso de Enfermagem. Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), Campus Centro Oeste Dona Lindu (CCO), Minas Gerais, Brasil. email: jessica_camposdaniel@yahoo.com.br

2Enfermeira, Doutora. Professora Adjunta III da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus Três Lagoas, Brasil. email: juliana@pessalacia.com.br

3Acadêmica do curso de Enfermagem. UFSJ, CCO, Minas Gerais, Brasil. email: anaflavialandrade@hotmail.com

 

Fecha de Recibido: Agosto 18, 2015. Fecha de Aprobado: Diciembre 4, 2015.

 

Artículo vinculado a investigación: Debate multidisciplinar em bioética: percepção de profissionais e acadêmicos quanto às contribuições para o processo ensino aprendizagem.

Subvenciones: Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de Minas Gerais (FAPEMIG), Edital PIBIC nº 002/2013/PROPE/FAPEMIG.

Conflicto de intereses: Ninguno.

Cómo citar este artículo: Daniel JC, Pessalacia JDR, Andrade AFL. Interdisciplinary debate in the teaching-learning process on bioethics: academic health experiences. Invest. Educ. Enferm. 2016; 34(2):288-296.

 


RESUMO

Objetivo.O estudo buscou compreender as experiências de acadêmicos de saúde ao participarem de debates interdisciplinares em bioética e conhecer as contribuições do recurso metodológico mesa interdisciplinar para o processo ensino-aprendizagem na graduação. Métodos. Estudo descritivo, de abordagem qualitativa, em uma instituição de ensino superior pública de Divinópolis, Minas Gerais, Brasil. Participaram 15 estudantes (12 de enfermagem e três de medicina). Resultados. Identificaram-se três categorias de análise: "metodologias ativas na formação de um profissional crítico", "debate interdisciplinar como facilitador da reflexão da bioética" e "sentimentos e atitudes provocadas pelo debate interdisciplinar". Discussão A adoção da metodologia ativa do debate interdisciplinar possibilitou uma melhor reflexão da bioética, contribuindo à formação do futuro profissional.

Palavras chave: bioética; comunicação interdisciplinar; ensino; educação superior.


ABSTRACT

Objectives.The study aimed to understand the health of student experiences to participate in interdisciplinary discussions in bioethics and know the contributions of interdisciplinary methodological resource for the teaching-learning process at graduation. Methods. Descriptive study of qualitative approach in a public higher education institution of Divinópolis, Minas Gerais, Brazil. Results. Three categories of analysis were identified: "active methodologies in the training of a professional critic," "interdisciplinary debate as facilitator reflection of bioethics" and "feelings and attitudes caused by the interdisciplinary debate." Discussion. There was a lack of approach of bioethical contents in the health curriculum, and the adoption of active methodologies provides a better reflection in bioethics, but that requires changing paradigms of teachers and educational institutions.

Key words: bioethics; interdisciplinary communication; teaching; education, higher.


RESUMEN

Objetivo.Comprender las experiencias de los alumnos, participantes en los debates interdisciplinarios en bioética, de las carreras del área de la salud y conocer las aportaciones de este recurso metodológico para el proceso de enseñanza-aprendizaje en el pregrado. Métodos. Estudio descriptivo de enfoque cualitativo de tipo análisis de contenido realizado en una institución de educación superior pública de Divinópolis, Minas Gerais, Brasil. Participaron 15 estudiantes (12 de enfermería y tres de medicina). Resultados. Se identificaron tres categorías de análisis: "metodologías activas en la formación de un profesional crítico", "debate interdisciplinario como facilitador de la reflexión de la bioética", y  "sentimientos y actitudes provocadas por el debate interdisciplinario". Se evidenció que existe una falta de enfoque de los contenidos bioéticos en el plan de estudios de la salud. Conclusión. La adopción de la metodología activa del debate interdisciplinario posibilitó una mejor reflexión de la bioética, contribuyendo a la formación del futuro profesional.

Palabras clave: bioética; comunicación interdisciplinaria; enseñanza; educación superior.


 

INTRODUÇÃO

Apesar de a bioética ter surgido, de certa forma, recentemente, a mesma vem crescendo significativamente e conquistando admiração e respeitabilidade em todo o mundo.1 Esta nova área do saber, tem como pressuposto o amplo diálogo das diversas correntes culturais e religiosas, no intuito de alcançar o consenso e o equilíbrio na tomada de decisão envolvendo os problemas bioéticos da atualidade. Tais decisões devem estar pautadas em uma avaliação criteriosa e prudente sobre o que convém incentivar e o que parece desaconselhável ou intolerável para a saúde presente e futura das populações.2 Neste contexto, destaca-se a importância do ensino de bioética em saúde, o qual possui um duplo desafio pedagógico: prover ao estudante recursos para o entendimento das bases conceituais e dos fundamentos da bioética e, ao mesmo tempo, promover a prática da reflexão crítica acerca dos conflitos morais com os quais, provavelmente, irá se deparar em sua atuação como profissional.1

Tal ensino ainda pode se distinguir em dois enfoques: o pedagógico e o socrático. O primeiro é o mais comum e centra-se na transmissão de conhecimentos, enfocando no processo de ensino a partir da elaboração, implementação e avaliação de um programa pré-estabelecido. O segundo enfoque é desafiador, pois, sem descuidar do rigor dos conteúdos, prioriza a transformação do ser, isso era o que os filósofos atenienses buscavam nos diálogos com seus discípulos.2 Assim, mediante aos atuais desafios no ensino de bioética, ressalta-se a importância da adoção de estratégias complementares às tradicionais aulas expositivas dialogadas, dentre elas podemos citar as atividades práticas com a participação efetiva do aluno em sua organização e execução.3 Tal participação propicia que cada um se faça agente de sua própria transformação e das modificações de sua prática, capacitando-se para detectar os problemas éticos que emergem da realidade cotidiana e a buscar soluções originais, criativas, responsáveis e prudentes. Esse tipo de metodologia requer grupos pequenos, interativos e participativos, com abordagens mais práticas que teóricas, incluindo discussões de casos para análise de situações problemáticas da atividade cotidiana em saúde e não somente de dilemas extremos e excepcionais que podem ser raros na prática dos profissionais.2 Portanto, os educadores devem entender que houve mudanças no processo ensino-aprendizagem, e que aquilo que era unilateral e centrado na figura do educador, passou a ser dinâmico, cabendo ao aluno buscar a solução dos problemas e, ao professor, orientá-lo e ajudá-lo a superar dificuldades e limitações.4

A formação da consciência ética não pode ser vista como algo que ocorra espontaneamente. Esta capacidade depende dos estímulos promovidos pela família e pelos instrumentos de inserção social, em particular a escola. Neste sentido, os estudantes deveriam ter contato, desde cedo, com reflexões filosóficas da ética.5 Assim, este estudo buscou compreender as experiências de acadêmicos da área de saúde ao participarem de debates interdisciplinares em bioética e conhecer as contribuições do recurso metodológico mesa interdisciplinar para o processo ensino-aprendizagem de bioética na graduação.

 

METODOLOGIA

Tratou-se de um estudo descritivo, realizado a partir de uma abordagem qualitativa, do tipo Análise de conteúdo, na Modalidade Análise Temática. A análise de conteúdo é um grupo de métodos de análise das comunicações, onde são utilizadas formas sistemáticas e concretas para expor o texto das mensagens.6 Foi utilizado como referencial teórico a Pedagogia da Problematização de Paulo Freire, pois a educação problematizadora genuinamente reflexiva, utilizada nos debates multidisciplinares do núcleo de bioética, permitiu aos acadêmicos apropriarem-se da realidade. O pensar crítico capta a realidade como um processo dinâmico, em constante movimento, em oposição ao pensar ingênuo, em que o tempo é estático e normalizado e o sujeito acomoda-se em suas convicções.7 Foi realizado em uma universidade de ensino superior pública, federal, do município de Divinópolis, Minas Gerais, Brasil, a qual possui quatro cursos na área de saúde, sendo estes: medicina, farmácia, enfermagem e bioquímica além de cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu.

O universo de estudo abrangeu todos os acadêmicos da área da saúde participantes das reuniões e mesas de debate interdisciplinar de um núcleo de ensino em Bioética. Este núcleo adota metodologias ativas de ensino, fundamentadas nas concepções da pedagogia libertadora, a qual propõe a emancipação e a autonomia do sujeito e que percebe a educação como um processo que envolve ação-reflexão-ação, capacitando as pessoas a aprenderem.8 O citado núcleo constitui-se por três membros docentes da universidade e por vinte discentes dos cursos de graduação em enfermagem, medicina, farmácia e bioquímica. As mesas são realizadas quinzenalmente, sendo organizadas a partir da escolha de temas atuais de discussão em bioética, tais como: aborto, eutanásia, transgênicos, eutanásia, testes preditivos em saúde, dentre outros. Cada mesa é composta por quatro a cinco participantes, com diferentes formações, segundo o tema a ser abordado, dentre eles: enfermeiros, médicos, psicólogos, advogados, teólogos e farmacêuticos. Os acadêmicos do núcleo participavam como ouvintes das mesas e poderiam, ao término, esclarecer suas dúvidas ou expor suas opiniões junto à mesa e demais participantes.

Assim, adotaram-se como critérios de seleção, os acadêmicos matriculados no núcleo há mais de seis meses e com pelo menos 75% de presença nos debates realizados. As entrevistas foram realizadas no período de novembro de 2013 a fevereiro de 2014 e, estas, foram identificados pelas siglas A1 para "acadêmico 1" e assim sucessivamente. Para a coleta de dados utilizou-se a técnica de entrevista semiestruturada contendo as seguintes questões norteadoras: Qual é sua percepção quanto à contribuição do recurso metodológico mesa interdisciplinar para o processo ensino-aprendizagem de bioética na graduação? Como o debate interdisciplinar contribuiu para a sua reflexão bioética e posicionamento em relação aos problemas bioéticos discutidos na mesa? Quais sentimentos você vivenciou durante as discussões realizadas na mesa de debate interdisciplinar? Os relatos das entrevistas foram gravados utilizando-se um aparelho MP4 e, posteriormente, transcritos na íntegra.

Para o tratamento dos dados, foi utilizada a análise de conteúdo na modalidade análise temática. Para tal, foram seguidas as seguintes etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (inferência e interpretação). Na primeira etapa, procedeu-se a uma leitura flutuante de todo o material transcrito, em seguida, foi realizada a escolha dos índices ou categorias que surgiram a partir das questões norteadoras e a organização destes em temas. Os temas que se repetiram com muita frequência foram recortados do texto em unidades comparáveis de categorização para análise temática. Na segunda etapa, foram escolhidas as unidades de codificação, adotando-se os seguintes procedimentos de codificação: classificação semântica (temas) e categorização. Com a unidade de codificação escolhida, o próximo passo foi a classificação em blocos que expressavam as categorias temáticas. A seguir, agruparam-se os temas nas categorias definidas e tendo sido elaboradas as categorias sínteses, passou-se à construção da definição de cada categoria. Na terceira etapa, a inferência foi orientada pelo instrumento de indução (roteiro de entrevistas) buscando investigar as causas (variáveis inferidas) a partir dos efeitos (variáveis de inferência ou indicadores). As interpretações a que levam as inferências permitiram desvelar os significados dos discursos enunciados em profundidade, atendendo aos objetivos propostos no estudo.6

A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), Campus Centro Oeste Dona Lindu (CCO), recebendo o número de aprovação: 415.211. As entrevistas foram realizadas após o processo de consentimento livre e esclarecido dos participantes, atendendo aos pressupostos da Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 196/96, vigente na época da aprovação do projeto.

 

RESULTADOS

Foram entrevistados os 15 acadêmicos participantes das mesas de debate interdisciplinar. Dos 15 acadêmicos participantes, 12 eram do curso de enfermagem e três eram do curso de medicina. Dos acadêmicos de enfermagem, 10 eram do sexo feminino e dois do sexo masculino, com faixa etária entre 19 a 23 anos. Dos acadêmicos de medicina, todos eram do sexo masculino e com a faixa etária entre 21 a 22 anos. As entrevistas foram transcritas e o material foi submetido à análise de conteúdo, a qual permitiu a identificação de três categorias de análise temática que refletem a experiência dos alunos ao participarem dos debates, sendo elas: ‘Metodologias ativas na formação de um profissional crítico', ‘Debate interdisciplinar como facilitador da reflexão bioética' e ‘Sentimentos e atitudes provocadas pelo debate interdisciplinar'.

Categoria 1. Metodologias ativas na formação de um profissional crítico

Esta categoria foi definida a partir das falas de 11 acadêmicos, que relataram deficiências no ensino de bioética na graduação, tanto no que diz respeito aos conteúdos quanto aos recursos metodológicos utilizados. Os alunos enfatizaram nesta categoria que a participação nas mesas debatedoras propiciou o aprendizado a partir de questões envolvendo situações reais da prática profissional, superando, desta forma, o modelo tradicional fundamentado no ensino teórico. Pode-se observar isto, através de dois excertos extraídos das entrevistas realizadas: [...] é muito interessante a metodologia de debate interdisciplinar, no caso da bioética, por se tratar de um assunto que no meu curso é pouco explorado... o debate também nos proporciona conhecer e explorar mais aquele assunto e não ficarmos fechados a questões teóricas, revisões de literatura, ficando uma coisa cansativa (A2); Eu acho isso bem interessante e é... Se fizesse isso em sala de aula [Graduação], é ... eu acho que muitos alunos não voltariam pra casa com dúvidas (A11).  

Outros relatos demonstram que o recurso debate interdisciplinar enriquece o processo ensino-aprendizagem em bioética e a formação do posicionamento ético do acadêmico: [...] ela dá oportunidade pra gente poder observar um debate entre essas pessoas e a partir daí poder construir nossa própria opinião, o nosso próprio posicionamento, uma vez que teremos que utilizar isso na vida profissional (A10); [...] com o debate, a gente pôde, perceber, os vários pontos de vista em relação ao dilema, e como a gente pode se posicionar melhor (A12); é.. através dos debates eu pude ter uma opinião, formar minha opinião, né? (A6).

Outras falas apontam que o debate propicia vivências sobre situações reais que os acadêmicos poderão se deparar na prática profissional:  [...] a gente meio que vivenciou aquilo que um dia a gente pode ter dúvida, tendo oportunidade de crescer em determinados assuntos através da experiência dos profissionais que já atuavam na área (A14); Bom, eu acho que ajuda pra se perceber, até quando.. quando você tiver um conflito no meio do seu trabalho, pra gente já ter uma ideia de qual.. de que lado eu vou ficar (A5).

>Categoria 2. Debate interdisciplinar como facilitador da reflexão da bioética

Em algumas situações relatadas nas entrevistas, contatou-se que o recurso metodológico debate interdisciplinar possibilitou aos acadêmicos um espaço de reflexão bioética, possibilitando aos mesmos obter uma melhor compreensão acerca da complexidade dos assuntos debatidos, percebendo que tais questões envolvem diferentes aspectos e que, dividem opiniões. Assim, esta categoria remete às falas de oito acadêmicos que contemplaram a importância do debate interdisciplinar para a compreensão e reflexão crítica acerca dos problemas bioéticos da atualidade. Podemos verificar isso através das falas: [...] isso nos possibilitou a refletir, pensando que são temas bem polêmicos debatidos na mesa e me ajudou a pensar que eu não vou poder ficar em cima do muro, eu vou ter que ter um ponto de vista (A 14); Então, é...eu acho que a metodologia de debate é importante, por... apresentar... divergências quanto ao modo de ver o mesmo assunto (A7); Que faz a gente refletir faz a gente pensar mais sobre determinados assuntos eu acho que é o que acontece, é fundamental mesmo (A15).

Outra fala demonstra a preocupação dos acadêmicos com os embates que permeiam o código de conduta profissional com as suas próprias crenças e valores e com as das outras pessoas envolvidas: [...] eu tinha muitas dúvidas em relação ao posicionamento ético, porque eu tenho um código que tem as normas, só que eu estou lidando com pessoas e também eu tenho os meus valores, tenho as minhas crenças... no núcleo eu pude ver a contribuição do trabalho em equipe pra você poder discutir e posicionar, e chegar a uma conclusão sobre os dilemas (A8).

Pode-se afirmar que o debate interdisciplinar contribuiu para a reflexão bioética do acadêmico enquanto futuros profissionais de saúde, como enfatizam os seguintes relatos: [...] o debate interdisciplinar me ajudou como uma futura profissional, porque esses dilemas que vivenciamos a gente vai começar a vivenciar isso e me colocou num espaço em saber como eu me posicionaria, qual seria a minha decisão (A4); [...] a gente aprende os dilemas, como lidar com cada um deles, na situação que a gente pode, ter, vivenciar, na nossa... na nossa profissão (A9).

Categoria 3. Sentimentos e atitudes provocadas pelo debate interdisciplinar

A participação nas discussões das mesas de debate interdisciplinar possibilitou o despertar de sentimentos e atitudes nos acadêmicos relacionadas às experiências vivenciadas. Portanto, esta categoria aborda os relatos de 10 acadêmicos sobre estes sentimentos e as repercussões destas vivências na mudança de atitudes frente ao processo ensino-aprendizagem. A participação nas mesas proporcionou emoções e sentimentos novos nos acadêmicos, pois os mesmos referiram não ter vivenciado tais experiências práticas em nenhum momento na graduação, tal como descrito nos relatos abaixo: [...] eu vivenciei muitos sentimentos...mas eu sempre saía de lá com um sentimento bom , de que eu aprendi (A8); Ansiedade, euforia...dá um sentimento mais assim(pausa)...de acho que é isso, ansiedade, de euforia na verdade. Acho que é isso...(A13); [...] é uma experiência nova, por não ter em nenhuma outra matéria da graduação (A2).

As mesas também despertaram nos acadêmicos curiosidade sobre os diversos temas abordados e, isso possibilitou uma melhor interação dos mesmos com os profissionais participantes das mesas, estimulando o questionamento ao término dos debates. Tais curiosidades também provocaram mudanças de atitudes relacionadas ao processo ensino aprendizagem, onde os acadêmicos relataram o desejo de buscar mais conhecimentos sobre o assunto, conforme as falas de dois acadêmicos: [...] me deu muita curiosidade de saber a posição de cada um sobre determinado tema, acho que isso fez com que eu entendesse mais sobre bioética e buscar mais conhecimentos sobre aquele determinado assunto (A1); Apreensão, nervosismo, tensão, um alívio... eu ficava ansiosa pra ver o que cada membro iria argumentar... adorei todos os dias, e adquiri novos conhecimentos (A3).

DISCUSSÃO

Os relatos da Categoria 1 assinalam para as deficiências no ensino de Bioética na graduação, principalmente, por se tratar, na maioria das vezes, de modelos pedagógicos tradicionais, pautados na transmissão de conhecimento entre o docente e o aluno, através de disciplinas teóricas. Os acadêmicos ressaltaram a importância da adoção de modelos baseados na interlocução entre teoria e prática e que problematizem situações reais da prática profissional. A aproximação da teoria com a prática, seja na forma de estágios supervisionados, seja na forma de atividades práticas realizadas por todas as unidades curriculares, constitui uma estratégia pedagógica importante. Assim, tão importante quanto a incorporação de uma disciplina de bioética nos currículos dos cursos, é imprescindível o resgate da reflexão ética por todos os que se dedicam à tarefa de ensinar, visto que as atitudes éticas devem ser exercitadas como um hábito, que se tornará tanto mais fácil quanto mais for praticado.9 Neste contexto, destaca-se a relevância de os currículos lançarem mão da problematização como método para o processo ensino-aprendizagem, tal como no núcleo de bioética que foi campo deste estudo, por proporcionar oportunidades de reflexão crítica sobre a prática profissional, os serviços e o sistema de saúde, permitindo questionar se as normas jurídicas e administrativas respondem de forma ética aos problemas de saúde da população.10

A educação problematizadora nega o ato de transferir, narrar ou transmitir conhecimentos aos educandos e, impõe uma organização em torno da visão do mundo destes educandos. Desta forma, urge trabalhar esses conteúdos não como pacote que se entrega aos alunos, mas como atividade deliberada, que busca soluções para problemas contextualizados e relevantes na vida dos educandos.7 Esta acredita que o conhecimento é movido pelo desequilíbrio das certezas e pela invenção ativa de soluções.11 Um aspecto importante a considerar no contexto da educação problematizadora aplicada à saúde é o fato de não ocorrer, na maioria das vezes, ação imediata de mudança de comportamento. Essas mudanças vão acontecer em processos contínuos, na intermediação dos saberes, em que não será mais o saber profissional e o saber do cliente, mas a construção de um novo saber.12

Portanto, a ação das instituições formadoras necessita ser direcionada para melhorar as transformações sociais e de saúde da população, pois a escola deve ser um espaço crítico que proporcione uma visão holística e dialética dos problemas de saúde.13 Os docentes devem se apropriar da realidade com envolvimento, intencionalidade compartilhada com outros docentes e estagiários, para analisá-la e questioná-la criticamente, à luz das teorias disponíveis.10 Quando estes aspectos da aprendizagem são negligenciados, novos desafios morais e éticos emergem. Isto é especialmente verdadeiro no contexto cultural atual da nossa sociedade, em que os desafios morais e culturais são discerníveis.14Observa-se também a partir dos relatos, que a utilização de metodologias ativas de ensino, enriquecem o processo ensino-aprendizagem e a formação do posicionamento ético do acadêmico, pois, se as estratégias pedagógicas se restringirem à transmissão de informações e ao treinamento de habilidades, o pensamento crítico não será plenamente desenvolvido. O ensino da bioética na graduação deve possibilitar a reflexão dos acadêmicos sobre vários temas que se relacionam ao impacto das novas tecnologias sobre a vida e deve partir da exposição de valores e princípios que servem como ‘instrumentos' para o pensar criticamente, para a compreensão e a tomada de decisões diante de desafios éticos.10

Os relatos presentes na Categoria 2 revelam que este tipo de metodologia possibilita uma melhor apreensão dos conteúdos de bioética pelo acadêmico, de forma a transpor o mesmo para situações envolvendo problemas bioéticos da prática profissional, fortalecendo assim a sua formação crítica enquanto profissional de saúde. A educação problematizadora genuinamente reflexiva, utilizada através dos debates interdisciplinares do núcleo de bioética, permitiu aos acadêmicos apropriarem-se da realidade. Estimular a criatividade e a problematização da realidade é o grande desafio do professor. Quanto mais bem sucedido nessa tarefa, mais a compreensão dos acadêmicos tornar-se-á crítica e não alienada. O pensar crítico capta a realidade como um processo dinâmico, em constante movimento, em oposição ao pensar ingênuo, em que o tempo é estático e normalizado e o sujeito acomoda-se em suas convicções.7 Os relatos também mostram que o debate ajudou-os a compreender e a respeitar os valores e as crenças das pessoas.éimportante que o acadêmico compreenda e incorpore o pensamento de que a harmonia do relacionamento entre o profissional e o paciente esta alicerçada principalmente na confiança mútua e que isso é resultado de um relacionamento pautado em princípios éticos e de respeito às crenças e valores.10

Deve-se ter em mente que a ‘moralidade' de crenças e princípios cognitivos irá se transformar em comandos formais e legais. A criação de uma base de crenças morais e cognitivas deve ser considerada como um gesto complementar; o que deve ser mantido em mente desde o início de qualquer processo de aprendizagem.14 O objetivo de integrar a ciência e a ética numa configuração educacional, permite que os alunos comecem a desenvolver as habilidades de pensamento crítico e conhecimentos necessários para identificar e enfrentar os desafios da bioética para suas profissões escolhidas.15 Nesse contexto, é importante refletir sobre o conteúdo e a metodologia docente, isto é, ‘o que' e ‘como' ensinar. Aulas magistrais e teóricas de bioética se mostram claramente insuficientes. é fundamental mostrar ao aluno que a formação em bioética é um componente medular na sua futura profissão. As discussões em torno dos problemas bioéticos devem levar em consideração os desafios e a complexidade do mundo real.16

Em função das mudanças sociais que vêm ocorrendo nos últimos anos, faz-se necessária a revisão do processo formativo em Bioética, uma vez que, atualmente se exige a inserção de modelos pedagógicos mais contextualizados às novas características da estrutura e da dinâmica social. Neste sentido, o ensino da ética deve abandonar o modelo tradicional baseado em uma visão deontológica, prescritiva, normativa e centrada no docente para um modelo mais criativo e flexível, que estimule a autonomia e a reflexão discente, atributos estes que ainda se encontram escassos à estrutura de algumas universidades.1 Consideram-se, ademais, neste processo de mudança social, as novas exigências do Sistema único de Saúde (SUS) brasileiro, que implicam em substanciais diferenças no processo de formação profissional, enfatizando a necessidade de habilitar o educando a compreender a importância dos princípios éticos para o fortalecimento e legitimação do sistema na sociedade.4

Observamos o impacto que temas como aborto, eutanásia, direito de decidir, direito de escolha, entre outros, causam nos acadêmicos, ávidos pelas disciplinas práticas e estágios. Aquele falso universo de onipotência que culturalmente se instalou na cabeça de muitos estudantes começa a ruir, levando-os a perceber o quanto estão fragilizados diante da possibilidade de ter que decidir por outra pessoa, doente, vulnerável e que muitas vezes não consegue dimensionar os riscos agregados a sua doença.4 A experiência permitiu constatar que no modelo atual o papel do docente deve ser de um mediador, que promova ações que despertem novo olhar e interesse na construção coletiva do conhecimento. O professor também é visto como um modelo, gerando padrões de comportamento estimuladores no aluno.17 Portanto, os relatos desta categoria apontaram para a necessidade de se implementar metodologias de ensino que problematizem os conflitos bioéticos da prática profissional, confrontando o acadêmico com os diferentes sistemas de valores e crenças, estimulando a reflexão e a autocrítica do mesmo na formação do posicionamento ético. A metodologia de aprendizagem baseada em problemas (PBL) tem sido destacada como facilitadora no desenvolvimento de habilidades e atitudes para questões éticas, facilitando o raciocínio ético e de tomada de decisão do aluno. A aprendizagem baseada em casos reais é uma forma de captar a atenção dos alunos para o ensino e a reflexão acerca de questões bioéticas de grande relevância para a prática clínica.17

As experiências descritas na Categoria 3, sinalizam para certo fascínio dos estudantes ao se aproximarem das questões de Bioética. Tal sensação é característica desta nova área de conhecimento, a qual se caracteriza por desencadear sentimentos contraditórios nas pessoas que dela se aproximam. Entretanto, os sentimentos contraditórios desencadeados, tais como o fascínio e a repulsa, são paradigmáticos para compreender a própria disciplina. O fascínio social e acadêmico pela bioética aponta para a compreensão de que a bioética se constitui mecanismo legítimo de mediação nos conflitos morais, podendo proporcionar a solução para tais conflitos na área da saúde. Já o sentimento de repulsa poderia ser explicado, em alguma medida, pela negação, mediante à impossibilidade da disciplina tornar-se resposta definitiva para tais conflitos, reafirmando seu caráter incerto ou mesmo arbitrário. Ou seja, o sentimento de fascínio identificado a partir da fala dos acadêmicos representa uma aposta na eficácia do discurso bioético na tomada de decisão frente aos conflitos bioéticos em saúde.18 Um estudo apontou a importância das emoções no julgamento moral de estudantes frente a questões bioéticas da atualidade, apontando que as emoções atreladas ao raciocínio moral contituem-se importantes marcadores para o julgamento moral.19 Esse tipo de metodologia pode contribuir para o próprio sistema de avaliação do aluno, o qual consegue medir seu aprendizado, reconhecendo-o como conhecimento construído e o incorpora com mais facilidade, sendo um modelo que estimula os estudantes a atitudes voltadas para a busca de suas próprias respostas éticas.16

As atitudes podem ser ensinadas por meio da prática reflexiva, que inclui quatro etapas: detalhar uma situação; indicar as virtudes relevantes; determinar os princípios, os valores e os quadros éticos e, por último, a variedade dos cursos de ação aceitáveis. Esse método também ensina o aluno a solucionar problemas éticos, além de promover o profissionalismo.20 Dessa forma, para resgatar o sentido das relações humanas, há necessidade de discussão sobre os novos desafios bioéticos que surgem na sociedade e que, aos futuros profissionais, seja dada a oportunidade e o incentivo para que possam não apenas vivenciar o contato com o paciente, mas também, exercitar juízo crítico sobre essas experiências.

Apesar de a bioética ter surgido recentemente, vem crescendo e exigindo práticas pedagógicas específicas e, com isso, é evidente a necessidade de abrir seus horizontes para os espaços acadêmicos, promovendo atitudes que contribuam para o processo ensino-aprendizagem nos cursos de graduação da área de saúde. Neste estudo, enfatizou-se a importância da utilização de metodologias ativas para o processo ensino aprendizagem, que capacitem o acadêmico a aprender e a refletir acerca dos problemas bioéticos em saúde. Destacou-se a metodologia da problematização como estimuladora da autonomia do aluno, ensinando-o a transformar a própria realidade e a buscar soluções para os problemas bioéticos que irão se deparar na prática profissional. A partir do relato de acadêmicos dos cursos de Enfermagem e Medicina, participantes de mesas de debate interdisciplinar, identificou-se que tais metodologias propiciam a formação de um profissional crítico e consciente de suas crenças e valores. E, ao permitirem aos acadêmicos o exame de autoconsciência e de seus valores e princípios, contribuem para a formação do posicionamento ético do futuro profissional. Além disso, vislumbrou a complexidade dos problemas bioéticos e a necessidade de o acadêmico buscar mais conhecimentos acerca destas questões, para um posicionamento consciente e fundamentado.

No entanto, sabemos que a adoção deste tipo de metodologia requer mudanças de paradigmas de docentes e instituições de ensino, sendo necessários maiores investimentos em tecnologias, espaços e interlocuções com os diversos setores de saúde. Para tal, faz-se necessário o abandono do modelo tradicional de ensino de bioética, focado em aspectos normativos e prescritivos, tendo como foco principal o professor. é preciso compreender a importância da participação ativa do aluno no processo ensino-aprendizagem, vislumbrando metodologias que o coloque em contato com a prática profissional e que possibilite o exercício da reflexão e da autocrítica mediante aos problemas bioéticos da atualidade.

 

REFERÊNCIAS

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