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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.34 no.3 Medellín Dec. 2016

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v34n3a06 

Articles

Representação e participação em espaços colegiados de integração ensino-serviço em saúde

Carine Vendruscolo1 

Marta Lenise do-Prado2 

Maria Elisabeth Kleba3 

Izabella Barison-Matos4 

1 RN, Ph.D. Adjunt Professor, Universidade do Estado de Santa Catarina. Chapecó/SC, Brazil. email: carine.vendruscolo@udesc.br

22 RN, Ph.D. Professor, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis/SC, Brazil. email: marta.lenise@ufsc.br

33 RN, Ph.D. Professor, Universidade Comunitária da Região de Chapecó. Chapecó/SC, Brazil. email: lkleba@unochapeco.edu.br

44 RN, Ph.D. Professor, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Chapecó/SC, Brazil. email: izabmatos@gmail.com


Resumo

Objetivo.

Analisar a representação e a participação dos segmentos: gestão, atenção, ensino e controle social nos espaços colegiados de integração ensino-serviço em saúde.

Métodos.

Pesquisa qualitativa com abordagem exploratório-analítica que envolveu representantes desses segmentos que participam das instâncias colegiadas da proposta integrada do Pró-Saúde Chapecó, Santa Catarina, Brasil. A coleta de dados ocorreu mediante entrevistas semiestruturadas com 11 membros dos segmentos e observação de seis reuniões das instâncias, entre outubro de 2012 e abril de 2013.

Resultados.

Emergiram as categorias: Representação por meio do diálogo: possibilidade de negociar; Legitimidade da representação: estabelecendo relações fecundas; Disparidade na representação dos segmentos: o quadrilátero em desarmonia.

Conclusão.

É incipiente a participação de alguns segmentos; havendo entendimentos diversos quanto à percepção do significado da representação. Existem conflitos, mas o diálogo prevalece, ainda que os sujeitos necessitem aprimorar sua capacidade de comunicação.

Palavras chave: desenvolvimento de pessoal; sistemas de saúde; política de educação superior; associações profissionais; administração de recursos humanos em saúde; enfermagem.

Abstract

Objective

To analyze the representation and participation of the management, attention, teaching and social control segments in management committees of health teaching-service integration.

Methods

Qualitative research with exploratory-analytical approach that involved representatives of these segments who participate in the management instances of the Pro-Health integrated proposal of Chapecó, Santa Catarina, Brazil. The data was collected through semi-structured interviews with 11 members of the segments and observation of six meetings of instances between October 2012 and April 2013.

Results

The following categories emerged: Representation through dialogue: possibility to negotiate; Legitimacy of representation: establishing fecund relationships; Disparity in the representation of the segments: the four-way approach in disharmony.

Conclusion

It is incipient participation of some segments; there are different understandings as to the perception of the meaning of representation. There are conflicts, but the dialogue prevails, provided that the subjects need improve their communication skills.

Key words: staff development; health systems; higher education policy; professional associations; health personnel management; nursing.

Resumen

Objetivo

Analizar la representación y participación de los segmentos de gestión, atención, educación y control social en los espacios colegiados de integración docente-asistencial en salud.

Métodos

Investigación cualitativa con abordaje exploratorio-analítico realizada con representantes de los sectores que participan de las entidades colegiadas de la propuesta integrada Pro-Salud de Chapecó, Santa Catarina, Brasil. La recolección de datos se realizó, por un lado, mediante entrevistas semiestructuradas a 11 miembros de los segmentos y, por otro lado, observación de las reuniones, entre octubre de 2012 y abril de 2013.

Resultados

Surgieron las categorías: Representación a partir del diálogo: posibilidad de negociar; legitimidad de la representación: el establecimiento de relaciones fructíferas; disparidad en la representación de los segmentos: el cuadrilátero en desarmonía.

Conclusión

Es incipiente la participación de algunos segmentos que tienen diferentes entendimientos con respecto a la percepción de lo que sea representación. Existen conflictos, pero el diálogo prevalece, aunque los sujetos requieren mejorar sus habilidades de comunicación.

Palabras clave: desarrollo de personal; sistemas de salud; política de educación superior; asociaciones profesionales; administración del personal en salud; enfermería.

Introdução

As funções gestoras nas áreas da educação e saúde são exercidas entre sujeitos, com diferentes níveis de saber e de poder. A participação e a co-responsabilização dos diferentes sujeitos e segmentos representativos da gestão, atenção, ensino e controle social aplica-se às recentes estratégias de articulação interministerial no Brasil, com vistas à reorientação do ensino na saúde, como é o caso do Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde (Pró-Saúde), lançado em 2005 pelo Ministério da Saúde (MS), em parceria com o Ministério da Educação.1) O MS aposta nessas parcerias, associadas à abordagem integral do processo saúde-doença, com ênfase na Atenção Básica, convencido de que o alto investimento em adequação da rede física, tecnológica e de medicamentos, descolado do real preparo e envolvimento dos profissionais com a proposta do Sistema Único de Saúde (SUS) não é estratégia eficiente para consolidar a Política de Saúde. O Pró-Saúde tem a integração ensino-serviço como essência, mediante movimentos de aproximação da academia com os serviços e da fundamentação na realidade socioeconômica da população.1) Aposta-se em um processo efetivo de integração - práxis2- mediante a participação efetiva de representantes dos segmentos envolvidos no processo, com vistas à construção e implementação de propostas conjuntas no âmbito da formação e desenvolvimento profissional na área da saúde.

Para que seja viável o acompanhamento da implementação do Pró-Saúde como um processo que possa produzir resultados sintonizados à realidade de cada Instituição de Ensino Superior (IES), são recomendadas estratégias autoavaliativas. Nessa direção, é proposto o diálogo entre os diversos sujeitos que integram o Programa: na IES, na Secretaria de Saúde e na comunidade.1) Em 2005, no Estado de Santa Catarina, a Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó), teve aprovado o projeto no edital do MS referente ao Pró-Saúde, em parceria com a Secretaria da Saúde do município. Em 2008 e 2012, teve aprovadas outras duas propostas, incluindo a Gerência Regional de Saúde. Na proposta integrada da Unochapecó e demais estruturas, as instâncias formais (espaços colegiados) criadas para a operacionalização do projeto e para a condução de suas etapas de autoavaliação denominam-se: Comissão Coordenadora Geral (CCG) e Comitê Gestor Local (CGL) do Pró-Saúde.

Estudos sobre o Pró-saúde evidenciam desafios para que a proposta venha a se firmar como um programa de reorientação do ensino a partir da realidade locorregional e da prática dos serviços de saúde, sendo necessário o interesse e a corresponsabilização, por parte de todos os envolvidos (IES, profissionais, gestores e usuários do serviço) no ideário de formar profissionais resolutivos. Dessa forma, ao se estabelecer uma articulação entre esses importantes sujeitos, minimizariam-se os entraves que vão surgindo em sua operacionalização.3,4) O estudo teve como objetivo analisar a representação e a participação dos segmentos que compõem o quadrilátero da formação do SUS (gestão, atenção, ensino e controle social)5 nos espaços colegiados de integração ensino-serviço em saúde.

Métodos

Estudo qualitativo com abordagem exploratória e analítica, do tipo Estudo de Caso6, tendo como cenário os espaços/instâncias CGL e CGC. Participam representantes dos segmentos componentes do quadrilátero da formação do SUS.5 Depois de obter o consentimento da instituição para o estudo, realizou-se observação direta de seis reuniões das instâncias colegiadas, registradas em Diários de Campo. Esse instrumento de observação pré elaborado, continha Notas de Observação Descritivas (NOD), quanto aos aspectos relevantes de organização, planejamento e dinâmica das reuniões; e Notas de observações Reflexivas (NOR). Ao término do momento de observação, seguiu-se o da realização das entrevistas focais6 com 11 sujeitos escolhidos intencionalmente, cinco membros do CGL, três da CCG e três que faziam parte de ambas as estruturas. Todos os participantes foram entrevistados individualmente, em um lugar reservado e tempo de acordo com a sua preferência, mediante coleta da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas foram gravadas e transcritas e, posteriormente, encaminhadas aos participantes para validação. Foi utilizado o critério de saturação dos dados, quando se observou a caracterização de um determinado padrão nas falas, que expressava a suficiência de informações para o estudo.

Como critérios de inclusão, os participantes das entrevistas deveriam ter participado de uma das instâncias intersetoriais, em um dos quatro segmentos, no período 2006 a 2012, por pelo menos, seis meses. Foram excluídos do grupo de pessoas relacionadas para as entrevistas, aqueles que estavam aposentados ou afastados (licença médica, entre outras) no período da coleta. O estudo contou com a participação de 25 sujeitos no total (dentre os quais, 11 entrevistados e os demais, participantes das reuniões das instâncias). Os dados foram coletados entre os meses de outubro de 2012 e fevereiro de 2013 e analisados a partir da Análise Tematica7, tendo como suporte o referencial teórico do educador e cientista social Paulo Freire.

Este trabalho faz parte de um estudo maior, intitulado: Integração Ensino-Serviço: movimentos das instâncias de gestão nos processos de reorientação da formação profissional na saúde, que obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), sob o número 242.966/2012, atendendo aos critérios da Resolução do Conselho Nacional de Saúde no 466/12.8 Os participantes foram identificados por codinomes que representam personagens de clássicos das histórias literárias e letra correspondente ao segmento representado (gestão - G, atenção - A, controle social - CS e ensino - E).

Resultados

Representação por meio do diálogo: possibilidade de negociar

Compreende-se a negociação como uma ferramenta de participação, no sentido de fomentar a capacidade de decidir, transcendendo a prática mecanicista na direção de uma posição crítica. A participação desperta nos sujeitos a possibilidade de construir a história por meio da responsabilidade social. Nessa perspectiva, o diálogo está associado à ideia de participação dos cidadãos, negociando, decidindo, executando e, finalmente, transformando a realidade.2) Os quatro segmentos representados nas instâncias de gestão do Pró-Saúde concordam que os diálogos estabelecidos durante as reuniões, possibilitam refletir sobre o processo de reorientação da formação, embora hajam dificuldades relacionadas à comunicação entre os sujeitos: [...] ter a possibilidade de sentar com as pessoas e conversar é uma interação mais efetiva, carregada de significado, não fica tão distante. As pessoas têm oportunidade de expressar-se não só pelas palavras, mas tem a comunicação não verbal [...](Capitu - G).

As reuniões oportunizam a exposição de impressões e dificuldades, mediante diferentes olhares, por meio do diálogo, que se expressa na comunicação verbal e não verbal, e de uma interação carregada de significados. Esses aspectos são observados durante as reuniões, de acordo com notas de observação: A respeito dos movimentos de diálogo, estabelecidos durante as reuniões das instâncias, eles ocorrem de maneira ordenada e suscitam novas ideias, períodos de estudo e reflexões sobre as ações estruturantes interministeriais e o movimento de reorientação da formação, além das percepções de cada segmento representado sobre o processo (NOR - pesquisadora). A participação dos estudantes permite a troca de informações e conhecimento entre as diferentes profissões, o que favorece a reorientação da formação: Tem sido legal participar de reuniões, às vezes, eles [membros] dizem: eu não sabia que a enfermagem tinha esse olhar, por exemplo, pra mim enfermagem era outra coisa [...] (Aurélia - E).

A representante do segmento ensino supõe, ainda, que os sujeitos que representam os demais segmentos, durante as reuniões, parecem ter dificuldades de interpretação, relacionadas às diferentes linguagens profissionais que são utilizadas. Isso também ocorre nas interações do dia a dia, numa metodologia - que se pretende - interdisciplinar, no âmbito da IES. Isso porque as pessoas estão impregnadas por concepções que são próprias da sua profissão, o que também bloqueia a comunicação e o diálogo: As pessoas não entendem o que tu estás falando, porque vêm carregado de um conjunto de concepções e ideias que são da profissão […] precisaria de um glossário para poder aprofundar melhor esse diálogo, às vezes, tu achas que comunicaste, mas não comunicaste (Aurélia - E). São abordadas as relações de poder ali desencadeadas, ressaltando o status da universidade como espaço do 'saber' e o do serviço como espaço do 'fazer', na interação entre as entidades. A representante da atenção reforça que o poder está relacionado com a compreensão do processo, que dá voz ao sujeito: [...] sabes: entre o saber e a prática, o poder do saber e o poder da prática? Acho que são relações de poder [...] parece que eu tenho espaço para falar, mas eu não sou escutada! Tenho a impressão de que eu não colaboro, embora eu fale […] porque aquilo já está definido [...] esse diálogo tem que vir para as bases. Que possa chegar à compreensão de cada setor, de cada instituição [...] (Emma - A).

Ao analisarem-se os discursos no segmento controle social percebe-se que o exercício da representação ocorre de maneira limitada, pois há uma série de 'desencontros' relacionados à linguagem e à diversidade de projetos apresentados e discutidos. A dificuldade reside, sobretudo, no repasse das discussões que ocorrem nas instâncias para os representados, nesse caso, membros do Conselho Municipal de Saúde (CMS). Considera-se ainda, que a representação precisa ser mais participativa, o que significa expor melhor os fatos junto aos pares: [...] até aquela linguagem que é usada para passar isso para eles, ela fica muito técnica, não fica uma coisa mais objetiva [...]Talvez eles tenham dificuldade de entendimento. Quando é apresentado um projeto, às vezes eu questiono coisas. Mas, eu poderia ser muito mais participativa [...] questionando mais coisas, intervir mais [...] (Alice - CS). Os participantes parecem representar (no sentido de agir em favor de) os segmentos gestão, atenção, ensino e controle social, para que tenham voz, dando vazão à expressão da diversidade, com vistas ao debate e à tomada de decisões.

Legitimidade da representação: estabelecendo “relações fecundas”

No segmento gestão, a representante conta que se sente como 'porta voz' dos sujeitos representados. Em sua experiência junto às instâncias, em alguns momentos, precisou voltar aos seus pares, antes de emitir uma opinião, pois as posições assumidas nesse tipo de estrutura não pertencem ao sujeito que representa, e sim, ao grupo do segmento representado: [...] você vai falar pelo segmento onde estão inseridos os profissionais, os usuários, que vêm em busca dos serviços, onde têm as pressões políticas, enfim, ‘N’ situações que interferem. Quando você fala, a sua fala tem que representar e trazer isso para a mesa. [...] em muitos momentos nós éramos porta-vozes, se tínhamos a informação, estávamos empoderados para poder discutir, argumentar (Capitu - G). Representar, para a gestora, significa defender os interesses do coletivo, o que nem sempre é compreendido pelos participantes da instância. Contudo, afirma que é preciso defender ideias e argumentar quando não há concordância com algo: Quando você representa uma determinada instituição, você está representando alguns interesses do coletivo e isso nem sempre é bem compreendido. [...] Se você põe uma ideia, você precisa defendê-la, precisa justificar. Se você não concorda com uma ideia, também você precisa argumentar o porquê não [...](Capitu - G).

Representar também pressupõe ter liberdade para expor o que lhe foi confiado: Eu acho que se você está representando alguém, é porque as pessoas confiaram em você, então, isso, também, dá liberdade (Alice - CS). De outro lado, é apontada a necessidade e, ainda, a dificuldade de realizar consulta prévia aos pares representados. Desse modo, muitas vezes, fica difícil manifestar uma posição coletiva e esta acaba sendo pessoal ou mesmo, algumas situações impossibilitam expressar opinião: [...] no Conselho [Municipal] de Saúde a gente não tem espaço e também não tem um fórum. Por exemplo: vai ter a reunião do Comitê Gestor, vem a convocação, a secretária repassa, mas a gente ainda não sentou, entre o Conselho, pra discutir o assunto (Mr. Darcy - CS). Esse mesmo sujeito menciona que não consegue pautar a discussão junto ao segmento representado, e que sente falta de uma representação mais atuante. Ele observa que exerce uma representação focada nas questões que fazem parte do seu cotidiano laboral, ou seja, voltadas às demandas de trabalho e na relação que mantém com o Pró-Saúde, ao invés de defender os reais interesses do usuário: [...] não consegui pautar essa discussão no Conselho, enfim, uma série de coisas da dinâmica do Conselho. [...] Talvez, se dentro do CMS tivesse um espaço para fazer essa discussão sobre o projeto [Pró-Saúde], facilitaria (Mr. Darcy - CS).

Para alguns integrantes do ensino, a representação desse segmento ocorre mediante outros diálogos, estabelecidos entre os pares, durante as discussões dos Planos de Ensino e dos PPC ou por meio da troca de informações entre o grupo representado: Essa comunicação ocorre na discussão dos Planos de Ensino, dos PPC. Tem o grupo só do ensino, importante também, nós fomos observando essa necessidade de estruturar esse grupo dentro da universidade” (Guiomar - E). Esses parecem ser os grandes desafios para exercer a representação: apropriar-se do processo e compartilhar com os pares e encontrar nestes um real interesse. A representante do ensino considera que garantir espaços de discussão junto aos seus pares é difícil, pois envolve investimento em carga horária e tempo: [...] a gente tem tentado garantir algumas reuniões para essas discussões, ou nas reuniões que não são especificas pra isso: trazer informes e tentar envolver outros professores, mas é muito complicado, difícil. Acho que requer um investimento, assim no sentido de carga horária, de disponibilidade (Aurélia - E).

Outra questão diz respeito ao modo como são designados os representantes de cada segmento. Isso aparece no discurso da representante do segmento atenção, ao considerar que não exerce representação de fato e que se sente desconfortável perante os colegas mediante a sua escolha para integrante do CGL: [...] como é que eu faço esse repasse? Além de não fazer, eu acho que eu vivi uma coisa assim: ‘Por que tu?’ E isso tem um outro peso institucional [...] Pareceu que eu tinha ocupado um espaço [...] aí já entram as relações internas (Emma - A). Esse dado reforça a possível necessidade de um espaço interno de diálogo, em nível de cada instituição ou segmento representado, a fim de esclarecer a proposta.

Disparidade na representação dos segmentos: o quadrilátero em desarmonia

Quanto à representação dos quatro lados do quadrilátero, é possível perceber que a figura é prejudicada pela ausência de alguns segmentos e isso tem a ver com o tempo e a capacidade de apropriação do processo, e da compreensão dos papéis de cada um: […] você não percebe a participação efetiva de todos os segmentos [...] sempre está faltando alguém (Anna Karenina - G). A participação no processo pode estar assegurada pelas representações dos segmentos ensino - representado pelos docentes e estudantes - e gestão - representado por coordenadores setoriais - que sempre estão presentes nas discussões, ou seja, são os que se fazem representar, portanto, participam do processo: [...] nós tínhamos a questão da participação assegurada pelas representações. Então, o que a gente percebia: que sempre a Unochapecó estava presente e sempre a Secretaria estava presente. As outras instituições nem sempre, às vezes por dificuldade, de troca de profissionais ou por não entendimento da proposta, enfim, a gente tinha um pouco mais de dificuldade de trazer essas pessoas para a roda (Capitu - G).

Chama atenção a ausência de alguns elementos, como o Secretário da Saúde, nas reuniões das instâncias, sendo este representado por outros gestores do serviço. Isso fica claro, também, ao observar-se as reuniões, das quais tomou-se nota da fala de alguns presentes e quando se menciona a dificuldade de 'convencer' o gestor sobre a importância da integração ensino-serviço: Os tempos necessários ao entendimento da proposta são diferentes. O excesso de demandas do Pró-Saúde atrapalha. É preciso jogo de cintura para convencer o gestor sobre a importância dessa articulação (NOD - representante do segmento gestão). A participação dos gestores no processo de reorientação da formação, tanto no componente atenção, quanto no componente ensino, figura-se na articulação política de sujeitos, que representam dirigentes dos docentes, do movimento estudantil e do setor saúde. Seu envolvimento e, sobretudo, sensibilização com o processo é fundamental para a efetivação das propostas.

A maciça presença de representantes do controle social, que são trabalhadores e gestores, torna frágil a defesa dos usuários e fortalece a defesa dos interesses da gestão e dos trabalhadores: [...] a participação social não é efetiva ainda; as pessoas vêm porque a gente convida. [...] A conselheira que representava era uma pessoa, que também era da gestão, que também era profissional de saúde, [...] pela dificuldade de trazer os usuários para dentro da roda (Capitu - G). Em relação ao segmento ensino, a incipiente participação de estudantes nas estruturas colegiadas também aponta para tal disparidade: Os representantes vão mudando e têm aqueles que se envolvem mais. Hoje um problema bem importante é a pouca participação do controle social e dos estudantes […] (Guiomar - E).

Outra questão a ser problematizada, tem a ver com o poder atribuído à universidade no processo e à importância diminuída dos demais: [...] eu vejo as pessoas dizendo: eu não podia vir, eu faltei tantas [...]como se tivessem que mostrar para a universidade, ou porque são representantes das instituições, então elas tem que estar lá […] (Emma - A). Assim, ocorre que os dois segmentos mais ausentes são: os usuários, como ‘beneficiários’ finais das melhorias da atenção; e os estudantes, foco principal do processo de ensino-aprendizagem, sobre e com os quais se deve fazer a mudança.

Discussão

Representar pressupõe participar e, nesse sentido, Paulo Freire2,9) compreende a participação como exercício de ter voz, de ingerir, enquanto direito de cidadania, numa relação direta e necessária com a prática educativa-progressista. Ele relaciona o nível de participação com a democratização das estruturas sociais, possível mediante as relações dialógicas entre os sujeitos e o alcance do 'inédito viável' - algo que não é claramente conhecido e vivido, mas que quando percebido por aqueles que pensam utopicamente, deixa de ser um sonho e pode tornar-se realidade.10 Nessa perspectiva, a instância intersetorial 'coloca na roda' quatro segmentos - gestão, atenção, ensino e controle social -, cuja interação entre eles é apresentada a partir do ideário do 'quadrilátero da formação', definido como uma proposta de organizar a educação por meio da ação na realidade para operar mudanças, mobilizar caminhos, convocar protagonismos e detectar o movimento de indivíduos, coletivos e instituições, como cenário de conhecimentos e invenções.5 Parte-se do pressuposto que um espaço colegiado requer horizontalidade, cuja representação e participação constituem a base do processo, que se deseja democrático.

Na primeira categoria apresentada, nota-se que o diálogo ocorre na comunicação entre os sujeitos, num encontro, que se realiza na práxis, na ação com reflexão, e que se fundamenta no compromisso com a transformação social.2 Isso pressupõe que os sujeitos estejam desarmados, abertos a outras possibilidades, que as disputas de poder não prevaleçam no espaço de discussão. O fato de cada sujeito fazer uso da palavra possibilita a relação dialógica. É a partir de uma relação respeitosa que se constitui a interação, permitindo aos sujeitos sociais complementarem-se, não necessariamente com as mesmas ideias e posições, mas enriquecendo o diálogo por meio da diversidade de pensamentos, sentimentos e trajetórias que os caracterizam.2

A reorientação somente repercutirá na atenção quando todas as instâncias estiverem comprometidas, o que vem se apresentando como uma dificuldade em outros estudos nessa natureza.11 O ideário da 'roda', a ser caracterizada para a gestão colegiada, tem uma natureza política e crítico-refexiva, ou seja, os executores das ações devem ser cada instituição integrante da roda, numa articulação que não é meramente um arranjo gerencial, mas que opera processos dialógicos e pedagógicos de ordenamento da rede de atenção.5) Com essa interpretação sobre o movimento que ali se processa, é preciso atentar para não deixar escapar a dimensão da criatividade, congelando as relações na homogeneidade de posições, sem dar vasão ao livre movimento dos indivíduos, mediante seus diferentes pontos de vista.12) É nessa direção que se embasa a discussão sobre a segunda categoria que emergiu dos dados.

Tomando por base o papel da participação efetiva no exercício da representação, houve certa homogeneidade nas respostas: o conjunto dos entrevistados considera o diálogo e a participação como ferramentas para efetivá-la e ressalta a necessidade de reportar-se aos representados, embora isso nem sempre seja tarefa simples. Há o entendimento, quase consensual, da representação como apropriação de uma pauta que será 'repassada' aos segmentos representados. Esses achados, sobretudo na segunda categoria, apontam para a maneira de legitimar a representação, encontrada pelos sujeitos sociais que 'agem para' os representados. O estudo de Abers e Keck12) problematiza a dinâmica de algumas instâncias colegiadas em relação aos laços recíprocos, supostamente, mantidos entre os membros representantes e os grupos representados, sinalizando que a legitimidade dependeria de uma relação de delegação e retorno entre ambos, na qual o representante deve ser capaz de reconstruir o raciocínio dos representados, defendendo-o de maneira eficaz. Essa parece ser uma noção mais ativa e dinâmica de representação. Ao significar ao ato de representar uma conotação de confiança e liberdade, os representados contribuem com um processo mais democrático e criativo.12 Vale lembrar que o conceito de democracia, nesse estudo, está associado à ideia de participação dos cidadãos, decidindo, executando e, em última análise, transformando a realidade.9

Ao tomarmos a relação entre representantes e representado, é possível perceber que se confundem duas interpretações: uma, quase unânime, em que representar pressupõe defender interesses do grupo representado e outra em que é preciso haver liberdade para o representante expor suas ideias, pois o grupo representado deposita-lhe confiança. Na primeira, pode-se considerar um agir em nome dos ausentes, tendo que lhes prestar contas, sem considerar a individualidade de cada sujeito e as relações que se estabelecem naquele espaço; na segunda, leva-se em conta a liberdade de expressão e a dimensão da criatividade individual de cada sujeito. Essa última, além de fomentar a participação e a democratização, a partir das relações dialógicas entre os sujeitos em busca do 'inédito viável', também é percebida como um processo de 'interação inovadora' entre sujeitos com diferentes pontos de vista, que se confrontam e que fazem esses espaços dialógicos estarem em constante movimento. Os movimentos podem implicar uma combustão criativa, que produz inovação de ideias, de formas diversas, ou seja, são “relações fecundas”,12 originárias de elementos que não são fruto do pensamento de um ou de outro, mas sim, inovadoras.

Observa-se com destaque a disparidade na representação dos segmentos participantes das instâncias de gestão do Pró-Saúde que deveriam estar representados os quatro vértices do quadrilátero que as movimenta, assim como os ajustes dentro de cada um desses vértices, fazem supor que faltam elementos para encaixar os vértices ou que há intervenção de elementos. Isso dificulta a participação efetiva de todos os segmentos implicados com os processos de formação. Existe um déficit de compreensão da proposta e isso dificulta a participação, sobretudo dos segmentos que não são atuantes nas atividades práticas do Pró-Saúde, ainda que sejam também beneficiados e corresponsáveis por elas, como é o caso do controle social. O motivo pode residir na questão de que o sujeito que representa esse segmento nem sempre defende os interesses do usuário. A apropriação do processo implica a participação efetiva9,13 e, no caso estudado, são os representantes do segmento ensino e gestão os mais envolvidos com o movimento de reorientação da formação, em detrimento, sobretudo, do controle social.

Conclui-se, a partir desse estudo, que a representação e a participação dos quatro segmentos nos espaços colegiados de integração ensino-serviço expressa-se no diálogo, mediante a disposição de ouvir, de interpretar outras linguagens, o que gera movimentos na direção do aprendizado de sujeitos com um objetivo comum. Assim, as instâncias tornam-se arenas de mediação de conflitos, consensos, reconhecimento de poderes, negociação e representatividade. A legitimidade da representação sucede na medida do significado que os sujeitos atribuem a ela: ora como defesa de interesses do grupo representado, e aí o desafio maior está em apropriar-se do processo e compartilhar com os representados; ora como liberdade de expressão dos representantes, num processo democrático no qual há reciprocidade na confiança entre as partes, viabilizando o processo mais criativo. A representação e a participação expressam-se de maneira desarmônica, mais veementemente no ensino, representado por docentes, e na gestão, representada por profissionais. Também, é incipiente a representação do controle social, sobretudo com participação do usuário do serviço. Recomenda-se, portanto, a reflexão sobre o significado e possibilidades de participação e de representação em espaços colegiados que integram ensino e serviço em saúde. Quando em intersecção, esses espaços particulares transmutam-se em algo novo, como uma imagem objetivo, podendo originar novos fatos. Para ocorrer essa transformação da realidade, os sujeitos que fazem parte das instituições formadoras e do mundo do trabalho em saúde precisam estreitar relações, dialogar entre si e planejar momentos de cogestão do processo de aprendizagem.

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Recebido: 19 de Novembro de 2015; Aceito: 28 de Abril de 2016

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