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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.36 no.2 Medellín May/Aug. 2018

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v36n2e06 

Artigo Original

Sexualidade e prevenção ao HIV: consensos e dissensos de jovens católicos

Pablo Luiz Santos-Couto1 

Mirian Santos-Paiva2 

Jeane Freitas-de-Oliveira3 

Antônio Marcos Tosoli-Gomes4 

Marizete Argolo-Teixeira5 

Elionara Teixeira-Boa-Sorte6 

1 Nurse, Master degree. Professor, Faculdade Guanambi (Brazil). E-mail: pablocouto0710@gmail.com

2 Nurse, Ph.D., Professor. Federal University of Bahia (Brazil). E-mail: paivamirian@hotmail.com

3 Nurse, Ph.D., Professor, Federal University of Bahia (Brazil). E-mail: jeane.foliveira@outlook.com

4 Nurse, Ph.D., Professor, Federal University of Rio de Janeiro (Brazil). E-mail: mtosoli@gmail.com

5 Nurse, Ph.D., Professor, State University of South-west Bahia (Brazil). E-mail: marizete88@yahoo.com.br

6 Enfermeira, Mestra. Professora, Universidade do Estado da Bahia (Brasil). email: naratbsorte@gmail.com


Resumo

Objetivo.

Analisar consensos e dissensos de jovens católicos/as sobre a prevenção ao HIV/aids a partir de suas representações sobre a sexualidade.

Métodos.

Pesquisa quanti-qualitativa, fundamentada na Teoria das Representações Sociais, realizada com 84 jovens católicos, que responderam on-line no Facebook ao Teste de Associação Livre de Palavras e três questão acerca da influência da doutrina católica no livre exercício da sexualidade e na adoção de prática sexuais seguras. Foram utilizadas as técnicas de Análise Fatorial de Correspondência e de Conteúdo Semântica.

Resultados

. Sobre a sexualidade, apenas as jovens com acesso ao ensino superior representaram o termo como uma prática livre que não deve acarretar culpa. Houve consenso quanto a castidade, a virgindade e o sexo dentro do matrimônio como meios eficazes de prevenção ao HIV. Também são consensos representacionais entre os jovens que a prática sexual é prazerosa, entretanto condenada pela igreja e que a AIDS é uma doença que pode ser prevenida As representações sociais revelaram dissensos entre homens e mulheres, enquanto eles consideram que o exercício da sexualidade deve ser restrito ao casamento, elas defendem a liberdade sexual, quanto a AIDS eles representam que a síndrome decorre do preconceito, elas consideram que a vulnerabilidade favorece o contágio.

Conclusão.

Nos consensos entre os jovens estudados, há preconceitos e estereótipos sexistas que influenciam as ações de prevenção do HIV/Aids. Portanto, os profissionais de saúde, sobretudo os de Enfermagem, devem propor que, nas atividades educativas sobre a adoção de práticas preventivas sobre sexo seguro, ações voltadas para essa faixa etária, considerando sempre as representações sociais em torno ao assunto.

Descritores: adultos jóvenes; religião e sexo; sexualidade; comportamento sexual; consenso; dissidências e disputas; síndrome de imunodeficiência adquirida

Abstract

Objective

To analyze the consensus and dissent of Catholics youths about HIV/AIDS prevention from their representations about sexuality.

Methods

This is a quantitative and qualitative research based on the Theory of Social Representations carried out with 84 Catholics youths who answered online to the Free Word Association Test on Facebook and three questions about the influence of Catholic doctrine on the free exercise of sexuality and the adoption of practice safe sex. The techniques of Factorial Analysis of Correspondence and Semantic Content were used.

Results

On sexuality, only the young women with access to higher education represented the term as a free practice that should not lead to guilt. There was a consensus on chastity, virginity, and sex within marriage as effective means of HIV prevention. It is also representational consensus of the young people that sexual practice is pleasurable, however, condemned by the church, and that AIDS is a preventable disease. Social representations have revealed dissent between men and women, while they consider that the exercise of sexuality should be restricted to marriage, they advocate sexual freedom. As for AIDS, they represent that the syndrome stems from prejudice, and they consider that vulnerability favors contagion.

Conclusion

In the consensuses among the young people studied, there are sexist prejudices and stereotypes that influence HIV/AIDS prevention actions. Therefore, health professionals, especially those of Nursing should propose actions aimed at this age group in educational activities about the adoption of preventive practices on safe sex, always considering the social representations around the subject.

Desciptors: young adult; religion and sex; sexuality; sexual behavior; consensus; dissent and disputes; acquired immunodeficiency; síndrome; social media

Resumen

Objetivo

Analizar los consensos y desacuerdos entre los jóvenes católicos sobre la prevención del VIH/SIDA a partir de sus representaciones sobre la sexualidad.

Métodos

Investigación cuanti-cualitativa basada en la Teoría de las Representaciones Sociales. 84 jóvenes católicos respondieron on-line en Facebook un cuestionario de Asociación Libre de Palabras y tres preguntas sobre la influencia de la doctrina católica en el libre ejercicio de la sexualidad y en la adopción de prácticas sexuales seguras. Se utilizaron las técnicas de Análisis Factorial de Correspondencias y de contenido semántico.

Resultados

Sobre la sexualidad, solamente los jóvenes con acceso a la educación superior, representaron el término como una práctica libre que no debe causar culpabilidad. Hubo consenso en cuanto a la castidad, la virginidad y el sexo dentro del matrimonio como medios eficaces para la prevención del VIH. También fueron consensos representacionales entre los jóvenes que la práctica sexual es placentera, sin embargo es condenada por la Iglesia, además, que el SIDA es una enfermedad que puede prevenirse. Las representaciones sociales revelaron disensos entre hombres y mujeres puesto que mientras que ellos consideraban que el ejercicio de la sexualidad debe ser restringido al matrimonio, ellas defendieron la libertad sexual. En cuanto al SIDA, ellos estiman que el síndrome deriva del prejuicio y ellas consideran que la vulnerabilidad favorece el contagio.

Conclusión

En los consensos entre los jóvenes participantes del estudio hay preconceptos y estereotipos sexistas que influyen en las acciones de prevención del VIH/SIDA. Por tanto, los profesionales de la salud, en especial los de Enfermería, deben proponer que en las actividades educativas sobre la adopción de prácticas preventivas sobre sexo seguro que se realizan en este grupo etário se tengan en cuenta las representaciones sociales sobre el tema.

Descriptores: adulto joven; religión y sexo; sexualidad; conducta sexual; consenso; disentimientos y disputas; síndrome de inmunodeficiencia adquirida; medios de comunicación sociales; mídias sociais.

Introdução

Ao longo da história, as práticas religiosas e toda sua dimensão mística, simbólica e mágica tornaram-se inerentes ao ser humano fomentando a formação de representações socais. Como vários aspectos da vida são norteados pela religião - que influencia tanto a origem de novas ideias e de categorias de pensamento, quanto reafirma os valores existentes -, estes mesmos aspectos tendem a estimular o desenvolvimento das práticas religiosas em um círculo de autopotencialização constante.1

Nesse sentido, a Igreja Católica tem sido formadora de representações e significados a respeito de assuntos cotidianos, sempre com intuito de influenciar os pensamentos e ideias dos grupos sociais e dos indivíduos, a fim de preservar as suas práticas e os seus valores característicos. Diante das várias facetas que a prevenção ao HIV possui nos discursos e práticas que permeiam a sexualidade e o cotidiano da sociedade, há vários/as jovens inseridos/as e vinculados na religião Cristã Católica, encontrados em meio a uma encruzilhada ética e bombardeado/as por significados disseminados por várias esferas da sociedade sobre o que é certo ou não no tocante ao exercício da sexualidade ou prática sexual.2 Portanto, este estudo torna-se relevante pelo auxílio na compreensão de como os/as jovens católicos/as vivenciam a sexualidade e quais comportamentos preventivos para a prevenção ao HIV são adotados. Logo, pode contribuir para ações educativas desenvolvidas por profissionais de saúde, sobretudo por enfermeiras, ao construir um sistema de cuidado que direcione a discussão sobre os cuidados a saúde sexual. Além disso, este trabalho tem sua relevância pelo fato de existir poucos estudos realizados no Facebook voltados à saúde sexual de jovens religiosos.

A Teoria das Representações Sociais foi aporte teórico adotado, por permitir a compreensão das construções sociais e mentais, bem como dos significados construídos sócio-cognitivamente, tornando-se adequada para este estudo. A rede de significações, que é compartilhada entre indivíduos, os aproximam formando os grupos de pertencimento.3 Neste aspecto, este artigo discorre sobre os conteúdos que emergem do campo cognitivo que originam as representações sociais de jovens católicos/as, pertencentes à Renovação Carismática Católica, a qual mantém os discursos condizentes aos preceitos católicos romanos, renovando as práticas dos ritos e da mística da igreja.4 Destarte, analisar consensos e dissensos de jovens católicos/as sobre a prevenção ao HIV/Aids a partir de suas representações sobre a sexualidade foi o objetivo traçado para o desenvolvimento deste estudo.

Métodos

Trata-se de uma pesquisa de abordagem quanti-qualitativa, logo um estudo com métodos e técnicas mistas, que utiliza os pontos fortes das pesquisas qualitativa e quantitativa, ajudam a romper com os paradigmas positivista e interpretativo, fundamentada na Teoria das Representações Sociais. A produção dos dados ocorreu no período entre fevereiro e março de 2015, na internet, com 84 jovens adultos/as católicos/as, com idade entre 18 a 24 anos, de ambos os sexos, que participaram da Jornada Mundial da Juventude e tornaram-se membros do grupo na rede social denominada como Facebook, que se constituiu como cenário de pesquisa. Na seleção das/dos participantes foram considerados também a informação de frequentar regularmente uma paróquia e integrar um dos grupos ligados à Renovação Carismática Católica. Não houve necessidade de aplicar critérios de exclusão.

Para produção dos dados foram utilizadas três técnicas adequadas à pesquisa fundamenta na Teoria das Representações Sociais, aplicadas em momentos distintos. O questionário de caracterização e a Técnica de Associação Livre de Palavras foram respondidas por 84 participantes, que aceitaram contribuir com a pesquisa após serem convidados a partir de um convite coletivo feito aos jovens, que eram membros da página da Jornada Mundial da Juventude, no Facebook e haviam participando do evento no ano de 2013. O questionário de identificação/caracterização dos participantes era composto pelas seguintes variáveis: sexo, idade, cidade/estado, escolaridade, cor autodeclarada, com que frequência iam a igreja, participação em grupos de jovens católicos, orientação sexual, início da relação sexual, quantidade de parceiros, uso de preservativo durante a atividade sexual. Os estímulos utilizados para a associação livre de palavras foram: Exercício da sexualidade; Exercício da sexualidade e religião católica; AIDS; AIDS e religião católica. Por fim, as questões utilizadas nas entrevistas e as sub-questões que comporam os desdobramentos foram: 1- A partir de sua vivência e das trocas de informações e conhecimentos dentro do grupo católico do qual pertence, fale-me sobre como é visto e discutido o exercício da sexualidade entre vocês e como você se posiciona nessa questão. 1.1- Ainda em relação a sua vivência em seu grupo de pertencimento, fale-me como você se posiciona à respeito das diversas práticas sexuais. 2- A igreja católica defende a abstinência sexual antes do casamento, como forma de evitar a gravidez indesejada e a infecção por doenças sexualmente transmissíveis ou pelo HIV. Fale-me como você se posiciona em relação à abstinência sexual. 2.1. Comente sua opinião sobre um(a) jovem que professa a fé católica, ter múltiplos parceiros - independente da orientação sexual - como uma forma livre do exercício da sexualidade? 3- Ainda baseado nos discursos da igreja católica e do que é discutido em seu grupo, fale-me sobre a sua visão de sexo seguro. 3.1- Comente sua opinião sobre a camisinha e a aids e como esse tema é debatido em seu grupo. 3.2- Fale um pouco da sua posição sobre a política interna da igreja católica no que se refere à sexualidade e à prevenção da Aids.

Após o convite, os 84 jovens que aceitaram participar da produção de informações, responderam on-line e instantaneamente a um roteiro de entrevista em profundidade na própria ferramenta da rede social disponibilizada para diálogo e troca de informações entre as pessoas, conhecida como ‘in box’ ou simplesmente ‘caixas de bate papo’, que continha as três questão norteadoras (além dos questionamentos que se desdobraram durante a entrevista) acerca da influência da doutrina católica no livre exercício da sexualidade e na adoção de prática sexuais seguras. Reitera-se que a entrevista foi desenvolvida on-line e individual, uma vez que os questionamentos eram feitos um seguido do outro, após cada resposta dada pelo participante, até o momento em que entrevistador ficava satisfeito com as informações fornecidas. Esta técnica contou com a participação de 19 internautas. Os dados obtidos por meio da Teoria das Representações Sociais foram codificados e organizados no Mapa Fatorial de Correspondência originado pelo software Tri-Deux Mots versão 2.2 e analisados conforme a Análise Fatorial de Correspondência. Por sua vez, as verbalizações emergidas a partir das entrevistas em profundidade foram copiadas das ‘caixas de bate-papo’ na íntegra e depois organizadas e analisadas conforme semelhança semântica do conteúdo das falas com as evocações, quando foi possível o cruzamento das respostas com consequente identificação de consensos e dissensos.

Na análise fatorial de correspondência visualizaram-se variações de palavras frente à organização espacial das evocações (variáveis de opinião) para os estímulos indutores, acima descritos. A análise expôs aproximações e distanciamentos das variáveis fixas (sexo, raça, procedência e nível de escolaridade) e as variáveis de opinião nos dois fatores que conformaram o mapa fatorial.

A pesquisa obedeceu a todas as etapas recomendadas na Resolução n°466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal da Bahia, com número de protocolo 878.042/2014. O TCLE foi encaminhado on-line através das ferramentas disponibilizadas pela rede social, e, após a leitura, os/as participantes confirmavam a participação com a assinatura digital.

Resultados

As características gerais dos 84 participantes podem ser apreciadas na Tabela 1. Se identificaram como homem 51.2%. Sobre a faixa etária predominou certo equilíbrio entre a quantidade de participantes, de 18 a 21 anos foi 46.4% e de 22 a 24 anos 53.6%. A maioria era procedente do estado da Bahia (42.8%) seguido por Minas (14.3%). Com relação a escolaridade, prevaleceu o nível superior (38.1%), com cursos concluídos. Aproximadamente a metade dos participantes se autodeclarou de cor branca (48.8%) e a outra metade preta/parda (51.2%). A maioria informou estar solteira (72.6%). Quanto a orientação sexual, 21.4% dos jovens declaram-se homossexuais e 9.5% bissexuais. Sobre à prática do sexo seguro com camisinha, 38 (45.2%) não utilizaram (destes, 21 declaram-se virgens e 17 fizeram sexo sem proteção). Do total de participantes, 73.8% informaram que frequentavam a igreja entre 2 a 3 vezes por semana e 26.2% restante entre 4 e 5 vezes.

Tabela 1 Características gerais dos 84 participantes do estudo 

Na análise fatorial de correspondência a variância total das evocações foi explicada com a soma dos valores percentuais das correlações emergidas com o processamento dos dados pelo software Tri-Deux Mots (Figura 1), um total de 63.5%, o que demonstra fidedignidade dos parâmetros estatísticos (considerando a análise qui² possibilitada pela análise fatorial de correspondência), consistência das respostas, possibilitando uma análise significante. Para este estudo considerou-se a frequência mínima de 8 palavras, em decorrência da pluralidade do campo semântico elaborado pelos participantes; foram evocadas 1 637 palavras para 4 estímulos, sendo 313 diferentes.

Figura 1 Plano fatorial para Análise Fatorial de correspondência. F1 Variáveis fixas contribuintes: F1+ Mulheres jovens, F1- Homens jovens; F2 Variáveis fixas contribuintes: F2+ Negros/as com faixa-etária de 22 a 24 anos, F2- Brancos/as com faixa-etária de 18 a 21 anos) 

O estímulo que ofereceu maior contribuição de vocábulos para o jogo de oposições foi o estímulo 3 (Aids), possivelmente, devido a sua maior difusão, propagação e propaganda, na mídia e nos ambientes de convívio social. Sexo, faixa etária e raça revelaram-se as variáveis fixas com maior contribuição. Ao correlacionar a variável fixa sexo com as variáveis de opinião, houve dissensos na formação das representações. Assim, percebeu-se a oposição dos homens e das mulheres de raça negra na faixa etária de 22 a 24 anos, e dos/as jovens brancos/as de 18 a 21 anos. Evidenciou-se também na formação das representações que os homens não expressaram evocações estatisticamente significativas para o estímulo1 (e1) exercício da sexualidade, possivelmente demonstrando o caráter traumático do estímulo para estes jovens. Entretanto, ao serem estimulados pela expressão acrescida da religião católica estímulo2 (e2), verbalizaram as palavras repressão, pecado, respeito e doutrina, revelando a defesa psicológica, sucedida do controle sexual exercido pela igreja.

As falas dos participantes ratificam essas objetivações: (...) eu penso e entendo o propósito da igreja e acho uma postura consciente, ela só quer proteger os jovens, ensinando que o sexo antes do casamento pode gerar consequências ruins como a gravidez indesejada, doenças [E.3; sexo masculino]. O estímulo Aids (e3) foi objetivado nos vocábulos irresponsabilidade e preconceito, por sua vez, quando estimulado por religião católica e Aids (e4) mencionaram doutrina. Eles apresentaram consensos nas representações para esses estímulos. Os depoimentos a seguir apresentam relação com as evocações elaboradas: Concordo com a igreja católica, pois ela dá indicações coerentes com a bíblia, e ela é a verdade. Devemos acreditar nela, pois as coisas e as doenças que acontecem no mundo se devem às pessoas que não seguem o que a igreja mãe ensina [E.10; sexo masculino]. O sexo seguro para nós é dentro do casamento. No casamento há segurança. Mas, se um dos parceiros tiver DST terão que usar camisinha, pois só é permitido para casais, em que um dos parceiros contraíram Aids ou outras DST’s [E.18; sexo masculino].

Em dissonância dos homens, as mulheres evocaram para o (e1) exercício da sexualidade as palavras orientação e práticas (sexuais). Para o estímulo 2 religião católica e exercício sexualidade emitiram preconceito. Trechos das entrevistas de algumas participantes reforçam essas representações: Falamos sim sobre a sexualidade, mas não é profundo, tudo muito superficial (...) e o que temos que fazer é resistir, venho lutando para resistir a tudo isso, às vezes consigo (...) mas como todo pecado, tento resistir mesmo sendo difícil [E.4; sexo feminino]. Eu tenho outra visão (...) visto que a igreja proíbe certos posicionamentos sobre a diversidade na prática sexual (...) a católica não se adaptou ao mundo moderno onde o sexo se tornou algo comum [E.17; sexo feminino].

Ao serem indagadas sobre o estímuo3 (e3) Aids, representaram os termos vulnerabilidade, medo e prevenção. Quando estimuladas pela expressão religião católica e Aids (e4) referiram-se, mais uma vez, à prevenção, desta vez, associando os princípios católicos (castidade, matrimônio) na prevenção para a infecção ao HIV. Os conteúdos obtidos nas respostas das participantes complementam as palavras objetivadas: (...) A camisinha é uma aliada na prevenção de doenças e da Aids principalmente, porque é uma doença grave (...) mas para o sexo depois do casamento não é necessário. Eu prefiro a fidelidade [E.1; sexo feminino].

Os jovens de 18 a 21 anos que se declararam negros objetivaram prazer, liberdade, amor para o estímulo exercício da sexualidade; e o vocábulo proibido para o (e2), religião católica e exercício da sexualidade. Meu posicionamento com relação à sexualidade é de total respeito. As pessoas devem escolher sua prática sexual (...) entendo o exercício da sexualidade como liberdade de escolha de praticar e com quem praticar [E.14; jovem negra; 22 anos]. Nossos dogmas nos ensinam a viver o sexo com a pessoa amada (...) A igreja ensina a viver a castidade. A castidade é para viver com a pessoa amada, a igreja ensina isso (...) a castidade é você viver a relação apenas com a pessoa que você de fato ama [E.19; jovem negra; 24 anos].

Ao serem estimulados/as pela palavra Aids (e3) verbalizaram doença, irresponsabilidade, homossexualismo, prostituição, tratamento e tristeza. Entretanto, não emitiram nenhuma evocação para a expressão religião católica e Aids (e4), possivelmente, por bloquearem das suas redes de cognição a associação entre os termos. As falas a seguir reforçam as representações também expressas nas evocações: A Aids é uma doença muito triste e causa muito sofrimento (...) a camisinha tem um problema, que apesar das muitas campanhas a favor do uso, os jovens com quem eu me relaciono fora e dentro da igreja não usam (...) há o esquecimento de se falar sobre a responsabilidades, a pessoa é responsável por adquirir uma doença [E.8; jovem negro; 23 anos]. Por sua vez, os/as jovens brancos/as com idade entre 22 e 24 anos representaram para a expressão exercício da sexualidade (e1) a palavra sexo. Quando estímulo foi acrescido da expressão religião católica (e2) evocaram virgindade e família. Assim, o conteúdo das entrevistas reforça o discurso heteronormativo e católico do sexo para fins procriativos: (...) a igreja orienta que a pessoa se case para depois ter sexo, nós fomos criados sob essa interpretação. A mulher que não fosse virgem deveria ser apedrejada pois era taxada como pecadora [E. 13; jovem branco; 19 anos]. Existe um bloqueio, somos chamados a viver a castidade e que deixemos a sexualidade para depois do casamento [E.18; jovem branca; 21 anos].

O (e3), Aids, foi associado às palavras África, promiscuidade, camisinha. Ao serem induzidos/as com o (e4), religião católica e Aids, emitiram vocábulos com conotação religiosa: culpa, fé e empatia. Os discursos a seguir reforçam tais evocações: Sinto que a igreja tem dificuldades em falar claramente sobre esses assuntos, apesar de defender seus valores. Penso que as pessoas devem se proteger e proteger o outro, seja de qual forma for [E.9; jovem branca; 18 anos].

Discussão

A Análise Fatorial de Correspondência realçou as oposições significativas para as variáveis fixas sexo, faixa etária e raça/cor. Quanto à procedência dos/as participantes (capital/região metropolitana ou interior) não foram demonstradas oposições significativas entre as representações sociais dos/as jovens, o que reforça a noção de que a internet, em especial, as redes sociais, quando utilizadas, fomentam a formação de grupos de pertencimento, promovem uma “cultura cibernética” e, consequentemente, aculturam os grupos.5,6 Nessas relações em rede há a formação de grupos de pertencimento que compartilham de ideias, crenças e religiões, aspectos semelhantes de vidas, favorecendo, portanto, a produção de representações sociais. Em oposição aos homens, as mulheres incluem em sua rede de significações críticas quanto à forma como a igreja católica trata a sexualidade, por ela considerar que a prática sexual livre é pecaminosa, cujos discursos são condenatórios contra quem a exerce. Isso revela consenso entre elas, uma vez que a maioria foram inseridas no ensino superior, tendo contato com o conhecimento científico, ao passo que suas representações revelam dissensos frente aos homens, que em sua maioria, apresentaram nível de escolaridade mais inferior que os das mulheres.

Essas novas representações sobre a sexualidade, reveladas pelas mulheres difere do que é disseminado pela igreja católica aos/às fieis praticantes, e, expõe um (re)pensar na sexualidade que proporcione prazer, não acarrete culpa, ao mesmo tempo em que não os/as façam desviar da castidade, realçando dissensos nas representações do grupo estudado. O controle exercido sobre os corpos, denominado como biopoder, visa reprimir a sexualidade por meio de discursos reificados permeados de proibições, negações e intervenções sociais, sobretudo da sexualidade feminina. O biopoder é adotado por normas morais da religião católica, cujos dogmas são reforçados em nome de Deus de modo a tornar o sexo como pecado carregado de consequências.2,7

As ideias que aqui se contrapõem às doutrinas católicas ganham força quando é proposto que os/as jovens podem ser bons católico/as, mas discordar do posicionamento hierárquico e impositivo da Igreja. Mesmo que tenham a necessidade e o desejo de seguir as normas da igreja, todos/as sentem que é necessária a liberdade para distinguir o que é essencial à sua fé ou não.2) Tanto a castidade e a virgindade, quanto o sexo praticado apenas matrimonialmente, configuram consensos no conteúdo representacional, principalmente nas representações sociais apreendidas com homens católicos do grupo do estudo, por pensarem ser os meios mais eficazes para se prevenir do HIV, ainda que haja a disponibilidade da camisinha. Além disso, associaram às condutas de cada indivíduo como a principal causa de infecção pelo HIV, reforçando as representações hegemônicas sobre as formas de prevenção e a causa para contaminação com o vírus (os comportamentos de risco).

Estudo realizado com adolescentes sobre as concepções de homossexualidade em seu contexto social, os mesmos apresentaram representações que se coadunam com as apreendidas no grupo dos/as jovens católicos, uma vez que as práticas homossexuais masculinas são representadas como uma prática discriminada pela sociedade, muitas vezes associadas à infecção pelo vírus.8 Este conteúdo representacional acerca da Aids, expresso tanto pelos jovens católicos, quanto pelos adolescentes do estudo citado, possui elementos que subsidiam o processo de estigmatização das pessoas que vivenciam a liberdade sexual e individual, como reflexo de uma sociedade machista, patriarcal, incorporada por um estado que deveria ser laico.9

A representação do medo pode estar associada à ideia de rejeição, principalmente nos ambientes de convívio social, pela probabilidade de sofrerem insultos e atitudes discriminatórias. Em alguns estudos a representação do medo teve associação a ideais equivocadas advindas do inconsciente acerca da Aids, pautada na sexualidade e na morte10 ou pela impotência de muitas mulheres em terem dificuldades de negociar com seus companheiros o uso do preservativo, dificultando proteção da infecção pelo HIV.10,11 A representação da Aids como uma síndrome que é passível de tratamento, configura-se em outro consenso entre os jovens católicos/as deste presente estudo e, já fora destacado em outros estudos com diversos grupos investigados, como adolescentes, mulheres e pessoas em processo de envelhecimento.11,12 O tratamento é importante para a longevidade com qualidade de vida.

As palavras homossexualismo e prostituição tiveram alta frequência, revelando-se em consensos no conteúdo representacional deste estudo. Isto é corroborado em outro estudo que analisou os elementos estruturantes de representações sociais acerca da Aids, quando os termos homossexuais e prostitutas tiveram conotação discriminatória aos grupos tidos como de risco.13 Essas representações que permanecem no imaginário, remetem a este consenso sobre um estigma difuso e naturalizado com a história do início da epidemia, que continua permeando entre os jovens católicos, possivelmente pela doutrina tradicional católica no país. Outra representação hegemônica da Aids que se fez presente com significância estatística nas palavras evocadas pelos/as jovens deste estudo foi a associação com a África, possivelmente pela relação a um conhecimento difundido na década de 80, ainda no início da epidemia, quando se propagava que o vírus causador da Aids advinha do macaco e era transmitido pela prática sexual do ser humano com estes primatas no continente africano.

A noção de que a Aids originou-se na África, revela a ideia de que esta IST é ‘uma doença do outro’, que advém da pobreza, ou seja, apenas as pessoas vulneráveis e/ou livres sexualmente são as mais propensas em serem infectadas. Tal ideia se refere ao fato da Aids ser associada a comportamentos sexuais considerados desviantes, como a zoofilia, por grupos do continente mais pobre do mundo, onde as desigualdades sociais são mais acentuadas.14 Esta noção parte do preconceito da sociedade ocidental à sociedade africana, que a considera não civilizada por adotar práticas sexuais pouco usuais, que é vista como desviante pela igreja católica. Essa constatação demonstra outro dissenso, uma vez que, apenas parte do grupo associou o HIV/Aids como uma infecção relacionada à às pessoas marginalizadas socialmente. Ou seja, tudo o que se apresenta destoante dentro da lógica da normalidade sócio religiosa, é tido como anormal, o que descortina o estigma social sobre pessoas que conformam os grupos populacionais de minorias sexuais.15

Portanto, não se pode compreender as representações sociais sobre a sexualidade e a prevenção do HIV/Aids de forma isolada, pois demanda um entendimento de como os processos mentais se constroem socialmente, nesse sentido, acerca dos comportamentos socais, como as práticas sexuais e os papéis desempenhados pelo homem e pela mulher na sociedade.16 Pondera-se que os consensos e os dissensos presentes nas representações dos/as jovens católicos/as leva a percepção de que há, tanto influência da religião católica quanto do conhecimento científico sobre as representações dos/as fiéis acerca da sexualidade, quando alguns apresentaram conceitos de culpa e pecado nos momentos que não seguiam as doutrinas para as práticas sexuais. Outros, entretanto, sobretudo os/as que possuem acesso ao ensino superior (as mulheres em sua maioria), não revelaram culpa nas suas práticas, apontando inclusive a camisinha como um meio importante para a prática do sexo seguro.

A conclusão desse estudo é que o consenso representacional entre os jovens é a que a prática sexual é prazerosa, contudo é condenada pela igreja católica. Quanto a Aids, é consenso na representação social deles que é uma doença que pode ser prevenida. Por sua vez, os dissensos são evidenciados quando os homens representaram a prática sexual fora do que é proposto pela doutrina da igreja como pecaminoso (nesse caso, fora do casamento), demonstrando respeito à religião e as mulheres representaram o preconceito, considerando que a igreja e os membros dela estigmatizam quem opta pela liberdade no exercício da sexualidade. No que tange à Aids, o dissenso foi perceptível quando os objetivaram preconceito e irresponsabilidade, ancorando essas representações no estigma e no preconceito social que muitas pessoas construíram acerca da doença; as mulheres, por sua vez, objetivaram prevenção e vulnerabilidade, demonstrando na representação social que possuem sobre a Aids uma visão progressista em consonância com os conhecimentos científicos atuais.

Ainda assim, nos consensos entre os homens, há preconceitos e estereótipos sexistas defendidos pelas igrejas cristãs, como a católica, revelando influências nas ações de prevenção ao HIV. As desigualdades de gênero foram reforçadas, com a propagação e reafirmação das construções sociais da sexualidade e do HIV entre os/as jovens. Portanto, a contribuição deste estudo está no fato de que profissionais de saúde como os da Enfermagem, possam propor atividades educativas sobre sexo seguro, a partir das representações sociais, o que torna este estudo relevante, uma vez que o conhecimento dos direitos sexuais é fundamental para a adoção de práticas preventivas. O estudo tem sua limitação na baixa adesão de jovens à coleta de dados, visto que o universo das redes sociais tem inúmeras possibilidades para recrutamento de participantes.

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Recebido: 09 de Maio de 2017; Aceito: 31 de Maio de 2018

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