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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.38 no.1 Medellín Jan./Apr. 2020

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v38n1e03 

Original Article

Representações sociais de trabalhadoras sexuais sobre sua sexualidade

Pablo Luiz Santos Couto1 

Bianca Pereira Correia Montalvão2 

Arilene Rodrigues Silva Vieira3 

Alba Benemérita Alves Vilela4 

Sérgio Correia Marques5 

Antônio Marcos Tosoli Gomes6 

Núbia Rego Santos7 

Luiz Carlos Moraes França8 

1 Nurse, Master. Professor, Higher Education Center of Guanambi, Brazil. Email: pablocouto0710@gmail.com

2 Nurse, Specialist. Professor, Higher Education Center of Guanambi, Brazil. Email: biancapcm1@gmail.com

3 Nurse, Specialist. Professor, Higher Education Center of Guanambi, Brazil. Email: leneemariana@gmail.com

4 Nurse, PhD. Professor, State University of Southwest Bahia, Brazil. Email: albavilela@gmail.com

5 Nurse, Doctor. Professor, State University of Rio de Janeiro, Brazil. Email: sergiocmarques@uol.com.br.

6 Nurse, Doctor. Professor, Rio de Janeiro State University, Brazil. Email: mtosoli@gmail.com

7 Nurse, Specialist. Professor, Higher Education Center of Guanambi, Brazil. Email: nubia.net12@gmail.com.

8 Nurse, Master. Professor, State University of Rio de Janeiro, Brazil. Email: lcmoraesfranca@hotmail.com


Resumo

Objetivo.

Apreender as representações sociais de trabalhadoras sexuais sobre sua sexualidade.

Métodos.

Estudo qualitativo, fundamentado na Teoria das Representações Sociais. Aceitaram participar 69 mulheres de uma região de saúde do Sertão Produtivo Baiana (Brasil). Para a produção dos dados empíricos utilizou-se as técnicas de Associação Livre de Palavras, e a entrevista em profundidade. As respostas foram analisadas a partir da Análise de Conteúdo por Alvo de Constelação e de Conteúdo Semântica.

Resultados.

Surgiram duas categorias temáticas: “representação negativa da sexualidade” e “meu prazer é o dinheiro”. Para as trabalhadoras sexuais, a sexualidade envolve a representação negativa quando associado à satisfação sexual com o cliente, além da alusão ao sexo como fonte de renda.

Conclusão.

As representações sociais sobre a sexualidade construídas por trabalhadoras sexuais remetem ao sentimento de negação do prazer e a obtenção do dinheiro para a subsistência. Refletir sobre a sexualidade apontam caminhos para repensar o cuidado a um grupo estigmatizado e de vulnerabilidade pela sociedade.

Descritores: feminine; profissionais do sexo; prazer; sexualidade; comportamento sexual; pesquisa qualitativa.

Abstract

Objective.

To know the social representations of female sex workers about their sexuality.

Methods.

Qualitative study based on the Theory of Social Representations. Thirty-nine women from a health region of Alto Sertão Produtivo Baiano - Brazil agreed to participate. For the production of empirical data, the techniques of Free Word Association and in-depth interviews were used. The answers were analyzed based on Constellation Target Content Analysis and Semantic Content Analysis.

Results.

Two thematic categories emerged: “negative representation of sexuality”; “my pleasure is the money”. Therefore, the theme sexuality and meanings derived from the social representations elaborated by the sex workers about sexuality, based on their experiences and daily life, showed that the work involved a negative representation of sexuality when associated with sexual satisfaction with the client, in addition to the allusion to sex as a source of income.

Conclusion.

The social representations about sexuality constructed by sex workers are linked to the feeling of denial of pleasure and obtaining money for subsistence. Reflecting on sexuality points out ways to rethink the care to be provided for a stigmatized and vulnerable group.

Descriptors: female; sex workers; pleasure; sexuality; sexual behavior; qualitative research.

Resumen

Objetivo.

Apreender las representaciones sociales de las trabajadoras sexuales sobre su sexualidad.

Métodos.

Estudio cualitativo, basado en la Teoría de las Representaciones Sociales. Aceptaron participar 69 mujeres de una región productiva bahiana de salud en el Sertão (Brasil). Para la producción de los datos empíricos, se utilizaron las técnicas de Asociación Libre de Palabras y entrevistas a profundidad. Las respuestas se analizaron a partir del Análisis de Contenido por Objetivo de Constelación o de Contenido Semántico.

Resultados.

Surgieron dos categorías temáticas: "Representación negativa de la sexualidad" y "Mi placer es el dinero". Para las trabajadoras sexuales, la sexualidad tiene una representación negativa cuando se asocia con la satisfacción sexual con el cliente, además de la alusión al sexo como fuente de ingreso económico.

Conclusión.

Las representaciones sociales de la sexualidad construidas por las trabajadoras sexuales se refieren al sentimiento de negación del placer y a la obtención de dinero para la subsistencia. Reflexionar sobre la sexualidad aporta caminos para repensar el cuidado a un grupo estigmatizado por la sociedad y con alta vulnerabilidad social

Descriptores: femenino; trabajadores sexuales; placer; sexualidad; conducta sexual; investigación cualitativa.

Introdução

A prática da prostituição tem sido um trabalho vulnerabilizado e marginalizada pela sociedade, pois além de envolver a sexualidade e as práticas sexuais humanas em troca de dinheiro, é permeada por estigmas sociais. As mulheres, atrizes sociais envolvidas com o trabalho sexual, veem-se inseridas num cotidiano, em que recorrem à prática sexual como serviço ofertado, para obter lucro e renda para seus sustento e dos seus familiares.1) Nesse universo de serviço sexual, as trabalhadoras estabelecem limites com os clientes do que é e/ou não é permitido durante o sexo, como uma forma de proteção, visto que algumas se apoiam no sentido de proteção, já que há ausência do Estado na garantia de segurança frente às situações de violência e os possíveis abusos que muitos clientes tendem a cometer. As profissionais do sexo (termo utilizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego às prostitutas) oferecem um serviço que possibilita autonomia e independência financeira, além da satisfação de necessidades pessoais e familiares.1-3

Em decorrência dos contextos sociais em que estão inseridas e da subjetividade que é produto do afeto e da cultura, as trabalhadoras sexuais são inseridas dentro do grupo de populações vulneráveis por diversas instâncias sociais, por utilizarem o sexo como serviço e estarem suscetíveis às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), além dos espaços em que circulam e trabalham serem diversos, desde bares, bordéis, hotéis, praças, ruas e avenidas e não oferecerem segurança.4 Entretanto, as trabalhadoras contestam o modo como a sociedade as inserem nesses grupos vulneráveis, visto que, a maiorias delas, se protegem, se cuidam e se previnem de IST’s.5 O que elas reivindicam é a proteção do Estado, reconhecimento da profissão, garantia dos direitos trabalhistas, segurança e proteção contra os diversos tipos de violência, assim como o respeito ao serviço e a diminuição dos estigmas e preconceitos.1,3

As situações de vulnerabilidade vivencias e experienciadas por elas, devido da negligência do Estado, faz com que a prática dos profissionais de saúde apareça a dificuldade em reconhecer a sexualidade e a saúde sexual em todos os seus contextos como uma necessidade humana. Salienta-se que o termo vulnerabilidade pode ser conceituado como uma condição na qual as pessoas (como as trabalhadoras sexuais) vivenciam, cujas situações interferem no processo saúde-doença, e em decorrência das falhas na atenção do Estado e da sociedade, o enfrentamento de vida torna-se prejudicado.5 Profissionais de saúde, sobretudo enfermeiros, aqueles que estão na ponta da assistência, focam seu cuidado apenas na prevenção de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), esquecendo-se das questões subjetivas que envolvem a sexualidade, como o prazer e a satisfação sexual5 e os conflitos subjetivos e interpessoais.1,2) As repressões ao serviço sexual e a tudo que remete a sexualidade humano, como o prazer e a prática sexual, como o desempenhado pelas trabalhadoras sexuais, são compreendidas por discursos científicos, médicos e religiosos, cercados de proibições, negações e intervenções sociais na naturalização do sexo.6 A construção social da sexualidade ocorre por diversos processos dentro das relações de poder, dentre eles o poder que a sociedade exerce sobre os corpos (biopoder), determinando as atitudes condizentes com o que se espera de meninos e meninas.7

A satisfação sexual, como um espectro multifacetado da sexualidade, conceituada pela Organização Mundial de Saúde como um indicador de saúde sexual no âmbito da qualidade de vida e dos direitos sexuais e reprodutivos, que abrange questões de ordem fisiológica (funcionamento sexual) e, também, subjetivos sob a égide dos relacionamentos afetivos e a relação com fatores socioeconômicos e culturais.2,8 Neste contexto, a dificuldade em reconhecer a sexualidade como uma necessidade da vida humana é constante na prática dos profissionais de enfermagem, inclusive no desenvolvimento de propostas que beneficiem a saúde sexual das mulheres trabalhadoras sexuais, para além das prevenções das IST’s. A partir dessas reflexões, percebe-se a necessidade dos enfermeiros despertar para a conscientização dessa problemática e assim, a partir das representações sociais elaboradas pelas prostitutas sobre sua sexualidade, identificar significados que regem comportamentos e condutas, e a partir delas, elaborar as práticas de cuidados específicas dos grupos de pertença.8-10

A Teoria das Representações Sociais é necessária para estudos desenvolvidos com populações vulneráveis, como as mulheres que trabalham com a prática sexual, por possibilitar o entendimento de como esses temas são vivenciados no cotidiano de trabalho do grupo, bem como, na forma como o conhecimento é elaborado, compartilhado e difundido entre si.11,12 Destarte, esse estudo objetivou apreender as representações sociais de trabalhadoras sexuais sobre sua sexualidade.

Métodos

Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado na Teoria das Representações Sociais em sua abordagem processual. As representações sociais são instancias de saber prático originados nos sistemas mentais humanos (local que se constroem ideias, significados e são armazenadas no inconsciente - sistema cognitivo) e conduzido para o diálogo e para a percepção do contexto social, material e ideativo de cada pessoa.11,12 Contribuíram com o estudo trabalhadoras sexuais da Microrregião de Guanambi-BA, sede do Alto Sertão Produtivo Baiano-Brasil e que tem em sua região de abrangência 19 municípios, com pouco mais de 400.000 habitantes.13) A amostra, não probabilística por conveniência, foi composta por 69 mulheres que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos e estar desempenhando atos de prostituição no período da coleta. Uma vez que este grupo possui invisibilidade social, há poucos registros oficiais, quer seja em nível regional, quer nacional, dificultando estimar a população. O acesso às mulheres se deu através das Agentes Comunitárias de Saúde que fizeram os convites de modo prévio e ressaltaram o caráter voluntário e anônimo da participação.

A aproximação com as participantes deu-se por intermédio dos profissionais do Centro de Testagem e Aconselhamento Regional do município sede do Alto Sertão Produtivo. A coleta de dados foi realizada pelo coordenador do projeto guarda-chuva, junto a mais duas alunas/orientandas (todos autores do presente estudo), previamente treinadas no modo de como a aplicação dos instrumentos, ocorreu individualmente entre os meses de abril de 2017 a Junho de 2018, com aquelas que aceitaram os convites, em salas fechadas de duas Unidades Básicas das Estratégias de Saúde da Família e de forma simultânea pelos próprios pesquisadores, localizadas próximas ao ambiente de trabalho dessas mulheres. Contudo, como algumas delas não puderam deslocar-se até estas unidades e, por isso, foram agendadas visitas, com autorização prévia do Centro de Testagem e Aconselhamento, para fins de coleta de informações nas residências ou locais de trabalho das participantes. As participantes eram informadas sobre o projeto, os objetivos e as razões/finalidade da pesquisa. Além disso, os pesquisadores se identificavam (principalmente os nomes, filiação institucional). A produção dos dados ocorreu com a aplicação do roteiro elaborado pelos pesquisadores, que continha itens para a caracterização das participantes, estímulos indutores para o Teste de Associação Livre de Palavras (TALP) e três questões abertas para guiar a entrevista em profundidade. As questões estruturadas para caracterização, englobavam as variáveis idade, escolaridade, religião, satisfação com o trabalho e uso de preservativo e anticoncepcional. Logo em seguida, elas falaram imediatamente cinco palavras que vinham à cabeça quando ouviam as seguintes expressões indutoras, uma após a outra: ato sexual; sexualidade; prazer. Salienta-se que das 69 mulheres que contribuíram com o TALP, e destas, 30 aceitaram continuar e participar da entrevista em profundidade, respondendo as perguntas abertas.

Para a entrevista em profundidade, responderam a três questões abertas: ‘Fale-me o motivo de você ter associado essas palavras no teste anterior’; ‘Fale-me como você entende a sua sexualidade no momento em que você está tendo a relação sexual com o cliente’; ‘Fale-me da sua motivação para continuar a ser trabalhadora sexual’. A média de tempo das respostas ao TALP foi de 35 segundos para cada participante. As entrevistas foram gravadas pelos recursos de um aparelho celular e tiveram duração média de 15 a 20 min, sendo posteriormente transcritas na íntegra, através da digitação das falas no Software Microsoft Office Word 2016. Com a entrevista foi possível entender o aprofundamento e as conexões estabelecidas entre as palavras evocadas. Os dados obtidos com o TALP foram analisados pela análise de conteúdo de palavras evocadas por alvo de constelação.14 A análise ocorreu na seguinte perspectiva: análise comparativa de diferentes palavras semanticamente semelhantes; apuração de dualidades internas; organização dos vocábulos em categorias a partir das frequências das palavras em uma figura com círculos, onde as palavras com maiores frequências (foi adotado o mínimo de 04 como ponto de corte para a frequência de repetição de palavras) ou representativas se encontram no interior do círculo e as de menor frequência na periferia.14

Logo na sequência, as falas oriundas da entrevista foram analisadas através da análise de conteúdo semântica,15 iniciada com uma leitura flutuante e depois uma leitura crítica do material selecionado para classificação dos códigos e unidades de texto para a construção de inferências e interpretações. Posteriormente, procedeu-se à análise temática, descritiva e qualitativa, que permitiu identificar as semelhanças e divergências semânticas nos conteúdos dos resultados interpretados, e, trianguladas com o resultado das evocações oriundas da TALP.15

Este trabalho seguiu aos princípios éticos da Resolução nº 466/2012 que envolve pesquisas com seres humanos, o qual foi submetido à Plataforma Brasil para a apreciação e análise no comitê de ética em pesquisa, e foi aprovado com protocolo número 2.007.080/2017.

Resultados

Do total das participantes, a maioria das participantes deste estudo tinha idade entre 18 e 35 anos (78.2%), possuía baixo nível de escolaridade (53.6%); declarou-se negra (59.4%), católica (55.1%), trabalhava há menos de 05 anos (68.1%), não estava satisfeita com a profissão (58%), usavam preservativos nas relações sexuais (63.8%) e anticoncepcional (66.7%). Através da triangulação da análise das falas evidenciadas na TALP e nas entrevistas, bem como da convergência por aproximação semântica das mesmas, fez emergir duas categorias temáticas: ‘Representação negativa da sexualidade’; ‘Meu prazer é o dinheiro’. Essas categorias revelam aspectos oriundos do inconsciente (região no cérebro das pessoas onde as representações são elaboradas, e que remete ao sistema cognitivo e memória simbólica) das mulheres profissionais do sexo sobre a sua sexualidade, que são responsáveis pela formação de significados, ideias e memória e, portanto, constructos das representações sociais.

Representação negativa da sexualidade

A Figura 1 apresenta as palavras com maiores frequências (repetições) que foram evocadas pelas mulheres, e que são estatisticamente significantes para a formação das representações sociais. Assim, destacam-se sexo, prazer e ruim, evidenciando como o grupo representa a sexualidade, que tem seu significado fortemente ancorado na prática sexual.

Figura 1 Alvo de constelação de atributos do estimulo 2: ‘Sexualidade’. 

Essas palavras também estão presentes nas falas do grupo e expressam o pensamento consensual, evidenciando a conformação da pertença enquanto mulheres profissionais do sexo e, portanto, para a construção das suas representações sociais: Não sei, como assim sexualidade? [Profissional do sexo 22]. Quando eu penso em sexualidade, não penso em coisas boas, é sempre ruim [Profissional do sexo 3]. Não é prazerosa, um lixo, eu só estou nessa pra conseguir dinheiro, sexualidade é muito ruim, é necessidade mesmo, serviço [Profissional do sexo 10]. Eu tenho que dar a cara, a vida tem altos e baixos, eu não me entrego, tenho medo de me apaixonar, medo de ser agredida novamente, por isso, me preocupo em terminar logo [Profissional do sexo 1]. Sexualidade é o sexo, na profissão envolve o dinheiro, e no relacionamento o sentimento, eu sei separar os dois momentos, é diferente no trabalho e com meu companheiro. [Profissional do sexo 16]. É sempre ruim. Já fui violentada por um tio meu, quando eu era mocinha, então quando qualquer homem encosta em mim, não sinto nada, daí prefiro pensar no dinheiro, porque se não for isso nem um homem toca em mim [Profissional do sexo 13].

Meu prazer é o dinheiro

As evocações que apresentaram maior significância para o termo ato sexual foram dinheiro, não gosto e sexo, como pode ser observado na Figura 2. Para o termo indutor prazer associaram dinheiro, parceiro e nada, como demonstrado na Figura 3.

Figura 2 Alvo de constelação de atributos do estimulo 2: ‘Ato Sexual’. 

Figura 3 Alvo de constelação de atributos do estimulo 3: ‘Prazer’. 

As representações sociais desse grupo de pertença, que foge à visão da sociedade de que o fato do trabalho sexual, por si só já desperta o prazer, se difere da visão apresentada pelo grupo estudado, pois elas compreendem que o prazer está associado ao sentimento de amor e à afetividade, e estes elas desenvolvem por seus companheiros. Com os homens com os quais elas praticam a prostituição, o intuito é garantir lucro e, consequentemente o dinheiro para a sobrevivência, para adquirir bens e possibilitar qualidade de vida para elas e seus familiares. Algumas delas, inclusive, apontam que quando não querem não estão gostando do momento com o cliente, anseiam pelo término do programa o mais rápido possível, como perceptível nas falas a seguir: Quando faço programa, é profissional, não escolho o homem que está comigo, em casa me divirto com meu namorado [Profissional do sexo 19]. Sexo aqui é para o sustento dos meus filhos, preciso pagar minhas contas, comprar roupas. Se não fosse as necessidades, não faria [Profissional do sexo 12]. Eu não posso esperar até o fim do mês para ter dinheiro, e um salário mínimo não paga minhas contas! Eu até trabalhei em um restaurante, mas me sinto bem aqui [Profissional do sexo 7]. Às vezes o cara não quer só transar, ele vem para conversar comigo, pra eu aconselhar, e eu faço isso, pensando apenas no dinheiro, as vezes até prefiro. [Profissional do sexo 20]. Naquele momento penso no dinheiro, no que eu quero para minha vida, meu prazer está no dinheiro que vou ganhar, e quando não está legal, fecho os olhos e só penso nisso [Profissional do sexo 9].

Discussão

Verifica-se que as representações sociais desse grupo de pertença em relação a sua sexualidade estão construídas com base em vivências e significados, onde relacionam a sexualidade com o ato sexual e as práticas que ocorrem no seu cotidiano de trabalho. A sexualidade do grupo, no ambiente do trabalho sexual, se expressa no contexto da prática profissional para o atendimento das necessidades de ambos os envolvidos: as trabalhadoras diferenciam tanto seu serviço sexual, quanto a identificação (para elas) de quem são ou podem ser seus clientes, como devem ser estabelecidas suas relações com eles. Além disso elas determinam a duração do trabalho, a quantia e as formas de pagamento. Assim, os relacionamentos e o prazer, na esfera da sexualidade, é determinado pelas profissionais do sexo, no qual o pagamento do dinheiro representa o modo com que o relacionamento se apresenta tanto para o fornecedor (prostitutas) quanto para o consumidor (clientes).16 Nesse contexto, ela é realizada sem culpa por algumas (as que são empoderadas e tem em sua jornada na profissão enfrentamento diante das adversidades e consegue controlar as situações), mas qualificada como negativa, ruim, não prazerosa por outras, em virtude das vulnerabilidades que essas prática laboral as expões, em decorrência de estigmas sociais e ausência/falta de proteção do estado, a exemplo do medo da violência.17

Reitera-se que a sexualidade humana e, em seu contexto, a saúde sexual, tem sido um desafio para grupos associados a estigmas sociais e populações vulneráveis, o que oferece importância à compreensão deste fenômeno e ao levantamento de hipóteses à centralidade representacional de profissionais do sexo sobre sua satisfação sexual.18-20 As representações sociais são elaboradas a partir do entendimento que elas possuem sobre prazer e como este é sentido e vivenciado com clientes ou parceiros fixos em alguns casos, mas na maioria dos casos a satisfação sexual com conotação negativa. As trabalhadoras sexuais estabelecem limites simbólicos aos próprios corpos sobre vida pessoal e profissional, do que elas determinam do que pode ou não durantes as relações sexuais. E, dentre desses limites insere-se a satisfação sexual associada ao prazer, uma vez que a satisfação é vivenciada ou no espaço privado com o companheiro ou por algum cliente que despertou nelas algum sentimento (vida pessoal); a relação profissional desenvolvida pelos demais clientes, cujo intuito é fazer com que eles alcancem o prazer e elas ganhem o valor por elas estabelecido, remete-se a vida profissional e ao ‘contrato sexual’ firmado com os homens.21

Contudo, o fato de poder ter acesso a bens de consumo e o suprimento das necessidades, tem o prazer representado no lucro obtido com o trabalho sexual,22 apresentado também estudo desenvolvido na França, sobre prostitutas francesas, quando é problematizado o fato da sociedade considerar aceitável a troca do prazer sexual por juras de amos e fantasias , mas não poder valorar o sexo e cobrar pela satisfação alcançada por ele.23 É no sexo que o dinheiro adquire sinônimo para tesão, amor, lazer e diversão, não como uma ferramenta que permite a compra ou a troca, mas que ganha a forma de objeto de desejo e objeto de troca sexual.24

Em pesquisa realizada com 30 mulheres profissionais do sexo, na cidade de Barcelona na Espanha, as autoras evidenciaram, a partir das vivências das participantes, que abordar as experiências da prática da prostituição transcende preocupações ambientais e pessoais.6 Estas são problemas estruturais, onde a sexualidade é relacionada com experiências ruins da prática profissional, e refletem a interpenetração destas estruturas nas vidas do indivíduo, tanto no seu contexto social e histórico, com a associação de negação ao prazer orgástico no ato sexual com os clientes.6 Em outro estudo produzido com 40 mulheres profissionais do sexo, entre 15 e 25 anos, em Cabo Verde, no Rio Grande do Sul, foi identificado que elas buscam em seus parceiros, inclusive na prática da prostituição, não apenas o desejo, que muitas vezes não encontram, mas meios econômicos para sustentar a família. Elas pontuam que o prazer não é sustentado nesse de tipo relação, por representarem a uma profissão.25 Essa representação da relação com o cliente possivelmente tem sua origem ainda na infância, por parte de algumas, em decorrência das vulnerabilidades adquiridas como a exposição a promiscuidade e o incentivo indireto à prática da prostituição, contudo, ressalta-se que a maioria delas estão no trabalho sexual por vontade própria, por enxergar um profissão que possibilitará ter acesso a bens e serviços que muitas vezes é negligenciado pelo Estado, fugindo do estereótipo criado na sociedade, que as profissionais do sexo não tem outra opção de profissão; na verdade muitas têm, entretanto as condições subumanas propostas pelos empregadoras chegam a ser um afronte para as necessidade delas.26

O consenso representacional da sexualidade, seja em função do lucro e da negativa para o prazer sexual, apreendida na memória coletiva das trabalhadoras sexuais, está associada com o ato sexual e se coaduna com os discursos representacionais de trabalhadoras sexuais da zona boêmia localizada no centro de Belo Horizonte.27) Entretanto, conforme observado nos elementos positivos, como autoestima, bom, carinho, clima e sentimento, mesmo que o orgasmo em si seja raro com os clientes, estudos sugerem que ele pode ocorrer quando há um vínculo maior entre prostitutas e parceiros fixos ou entre clientes por quem desenvolvam uma relação mais afetiva.1,28 Esta visão está alinhada ao pensamento das feministas que adotaram o conceito de empoderamento e desfaz os discursos de opressão às vítimas e à ausência de capacidade de resistência das mulheres. Então, essas discussões assumem um papel essencial para o entendimento contextualizado da prostituição como uma construção social, tanto para a análise da constituição de micropoderes na produção de discursos sobre sexualidade e subjugamento da mulher, que tem a sexualidade exposta e seu corpo como moeda de troca7 quanto nas representações sociais,12 que são construídas pela experiência enquanto grupo e pelo senso comum, as quais interferem nos comportamentos.

Em relação aos efeitos, esse tipo de estigmatização mostra que a forma como elas vivenciam essas questões em seu cotidiano de trabalho interfere no conhecimento da sexualidade, destoante do que o meio científico pensa como elas significam, sobretudo por não terem descoberto ou despertado em si e reverberam nas representações acerca da sexualidade em alusão ao lucro.29) Para entender a divisão entre o universo profissional e o pessoal é necessário compreender a unidade da atividade profissional que essas mulheres denominam de ‘programa’, ou seja, uma unidade elementar da atividade das profissionais do sexo. Sua execução requer acordos sobre três questões: as práticas inerentes ao trabalho, o valor a ser cobrado e o tempo da atividade. Essas práticas referem-se tanto ao ato sexual remunerado, quanto ao fato do cliente apenas ocupar um determinado tempo com a profissional para conversar, sem realizar qualquer atividade considerada sexual. E isto é o que diferencia a sexualidade da vida profissional dessas mulheres, assim como daquilo ligado à sua vida afetiva.29,30

Ainda que haja invisibilidades, os homens as percebem, por considerá-las ‘depravadas sexualmente’, e por esse motivo, as procuram para satisfazer as suas necessidades, já que as esposas ou mulheres ‘normais’ não podem satisfazê-los, reafirmando a representação judaico-cristã da satisfação sexual associada a um ato pecaminoso e desviante.26 Portanto, especificamente nesse estudo, foi homogêneo nas representações sociais das mulheres o prazer despertado pelo dinheiro e não pelo companheiro, o que revelam facetas e nuances da sexualidade desse grupo de mulheres, que está além do que a sociedade machista coloca, como um corpo a ser utilizado com intuito meramente sexual. Nas falas das mulheres percebeu-se particularidades em relação a seu trabalho, conforme as representações apreendidas sobre a fonte de prazer durante o ato sexual: o corpo representado como objeto de trabalho para a obtenção do dinheiro. O corpo e suas bordas são legitimadores das relações e parcerias estabelecidas tanto dentro quanto fora da prostituição, corpo este que transversaliza a função exclusivamente sexual para construir significados sociais de ser/estar no mundo público e privado.30

A prática da prostituição contribui para a formação do pertencimento de um grupo carregado de estigmas sociais, que têm em seus sistemas de cognição representações acerca da sexualidade distintas da sociedade e, específico, por vivenciarem o sexo como trabalho . A sexualidade é um tema cheio de contradições, que envolve sentimentos, sentidos e significados, e por isso, qualquer profissional de saúde não poderá ficar indiferente. De forma a diminuir a exclusão e o estigma associados à prostituição, é imprescindível que através de estudos científicos se produza diferença na forma de agir, pensar, sentir e acreditar sobre as particularidades associadas a esta prática.9,26

Conclui-se que as representações sociais elaboradas pelas trabalhadoras sexuais desse estudo revelam a forma como essas mulheres vivenciam a sexualidade e o aluguel de seus corpos no cotidiano de trabalho, bem como as significações apreendidas/percebidas dos seus inconscientes imaginários. Elas significam a sexualidade em alusão ao ato sexual, praticado com os clientes como fonte de renda e lucro para obtenção de bens e suprimento de suas necessidades. Contudo, o prazer voltado à satisfação sexual é ancorado no afeto e nas emoções desenvolvidos com os companheiros fixos ou por sentimento negativo quando associado a algum cliente.

A disputa entre sentidos subjetivos (prazer) e práticos (obtenção de renda) do cotidiano da prostituição, auxilia na compreensão da importância que os sentidos e os significados atribuídos pelas profissionais do sexo no tipo de trabalho que desempenham, influencia na constituição e formação das representações sobre a sexualidade, especificamente há associação ao dinheiro.

A contribuição desse estudo reside no fato de profissionais de enfermagem, sobretudo enfermeiros, voltar seu olhar e suas práticas para os significados da sexualidade, originados nas representações sociais elaboradas pelas trabalhadoras sexuais. Assim, poderão repensar suas estratégias assistenciais para a saúde sexual desse grupo de mulheres, englobando em suas condutas não apenas a prevenção de IST’s, mas também à subjetividade que circunda a sexualidade, como a satisfação sexual, o prazer, as emoções e os sentimentos imbricados. Mulheres essas, em decorrência do seu trabalho (sexual) são estigmatizadas e marginalizadas socialmente, enfrentam a vergonha e o preconceito institucional, e por isso não acessam serviços de saúde.

Este estudo teve sua limitação no quantitativo de mulheres e por ter ocorrido em uma região carente no Nordeste do Brasil, o que impossibilita fazer generalizações, uma vez que as mulheres e as pessoas, em geral, têm perfis e condições de vida distintas, que variam conforme a cultura e a localidade. Entretanto, ressalta-se a importância de ampliar estudos voltados à saúde das mulheres profissionais do sexo, sobretudo os qualitativos, uma vez que o cotidiano, as vivências e experiências variam entre elas, o que pode contribuir para a obtenção de diversos contextos, significados e representações.

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Recebido: 26 de Abril de 2019; Aceito: 07 de Fevereiro de 2020

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