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Investigación y Educación en Enfermería

Print version ISSN 0120-5307On-line version ISSN 2216-0280

Invest. educ. enferm vol.38 no.1 Medellín Jan./Apr. 2020

https://doi.org/10.17533/udea.iee.v38n1e07 

Original article

Burnout entre estudantes de enfermagem: estudo de método misto

Maria José Quina Galdino¹ 

Laio Preslis Brando Matos de Almeida² 

Luiza Ferreira Rigonatti da Silva³ 

Edivaldo Cremer4 

Alessandro Rolim Scholze5 

Júlia Trevisan Martins6 

Maria do Carmo Fernandez Lourenço Haddad7 

1 Nurse, Ph.D. Professor, Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), Bandeirantes, Brasil. Email: mariagaldino@uenp.edu.br

2 Nursing Graduating. Universidade Estadual do Norte do Paraná UENP, Bandeirantes, Brasil. Email: laioalmeida34@gmail.com

3 Nursing Graduating. Universidade Estadual do Norte do Paraná UENP, Bandeirantes, Brasil. Email: luziaferreirarigonatti@gmail.com

4 Nurse, Ph.D. Professor, Universidade Estadual do Norte do Paraná UENP, Bandeirantes, Brasil. Email: edvaldocremer@uenp.edu.br

5 Nurse, Ph.D Student. Professor, Universidade Estadual do Norte do Paraná UENP, Bandeirantes, Brasil. Email: scholze@uenp.edu.br

6 Nurse, Ph.D. Professor, Universidade Estadual de Londrina (UEL), Londrina, Brasil. Email: jtmartins@uel.br

7 Nurse, Ph.D. Professor, Universidade Estadual de Londrina UEL, Londrina, Brasil. Email: carmohaddad@gmail.com


Resumo

Objetivo.

Investigar a síndrome de burnout entre estudantes de graduação em enfermagem.

Métodos.

Estudo de método misto sequencial explanatório realizado em uma universidade pública do Brasil. Dos 119 alunos de enfermagem, 114 consentiram a participação e responderam a um questionário composto de variáveis sociodemográficas, acadêmicas e o Maslach Burnout Inventory TM - Student Survey, que foram analisados por regressão linear múltipla. Os participantes da fase quantitativa com indicativo/risco de burnout foram entrevistados individualmente (n=21) para fornecer uma compreensão aprofundada das experiências dos estudantes acerca das dimensões da síndrome, cujos dizeres foram analisados pelo Discurso do Sujeito Coletivo.

Resultados.

A prevalência de síndrome de burnout foi de 10.5% entre os pesquisados. Quanto mais avançado o ano letivo maiores foram os escores de exaustão (p=0.003), despersonalização (p<0.001) e baixa eficácia acadêmica (p=0.012). Os estudantes com maior carga horária de disciplinas/matérias também apresentaram maiores pontuações de exaustão (p=0.001), despersonalização (p<0.001) e (in)eficácia acadêmica (p=0.042). A insatisfação com o curso foi relacionada a maior exaustão (p=0.049) e despersonalização (p=0.001). Nos discursos coletivos evidenciaram-se as exigências cotidianas do curso, tidas como intensas, produtoras de sobrecarga e exaustão, que produziam sintomas de adoecimento físico e mental. Assim, houve o distanciamento do estudante das atividades do curso, como uma atitude defensiva, que culminou em sentimentos de incompetência e frustração.

Conclusão.

A ocorrência das dimensões da síndrome de burnout entre os estudantes de enfermagem esteve relacionada às atividades do cotidiano acadêmico. Torna-se premente investir em ações de promoção e prevenção da saúde desses indivíduos no contexto da universidade.

Descritores: esgotamento profissional; estudantes de enfermagem; inquéritos e questionários.

Abstract

Objective.

Investigate the burnout syndrome among undergraduate students in nursing.

Methods.

Explanatory sequential mixed method study conducted at a public university in Brazil. Of the 119 nursing students, 114 consented to participate and answered a questionnaire composed of sociodemographic, academic variables, and the Maslach Burnout Inventory - Student Survey, which were analyzed by multiple linear regression. The participants of the quantitative phase with the indicative / risk of burnout were interviewed individually (n=21) to provide an in-depth understanding of the students' experiences regarding the dimensions of the syndrome, whose statements were analyzed by the Collective Subject Discourse.

Results.

The prevalence of burnout syndrome was 10.5% among the surveyed. The more advanced the school year, the higher were the exhaustion (p=0.003), depersonalization (p<0.001) and low academic effectiveness (p=0.012) scores. Students with a higher workload of assignments also had higher scores of exhaustion (p=0.001), depersonalization (p<0.001) and academic (in)effectiveness (p=0.042). Dissatisfaction with the course was related to higher exhaustion (p=0.049) and depersonalization (p=0.001). The collective speeches showed the daily demands of the course, considered as intense, producing overload and exhaustion, which produced symptoms of physical and mental illness. Thus, there was the student's distancing from the course activities, as a defensive attitude, which culminated in feelings of incompetence and frustration.

Conclusion.

The occurrence of burnout syndrome dimensions among nursing students was related to the activities of academic daily life. It is urgent to invest in health promotion and prevention actions of these individuals in the university context.

Descriptors: burnout, profesional; students, nursing; surveys and questionnaires.

Resumen

Objetivo.

Estudiar el síndrome de Burnout entre estudiantes de enfermería.

Métodos.

Estudio de método mixto secuencial explicativo realizado en una universidad pública de Brasil. De los 119 alumnos de enfermería, 114 consentieron en participar y respondieron un cuestionario compuesto por variables sociodemográficas, académicas y el Maslach Burnout Inventory TM - Student Survey. Los participantes de la fase cuantitativa con el indicador de riesgo de burnout se entrevistaron individualmente (n=21) para proporcionar una comprensión profunda de las experiencias de los estudiantes acerca de las dimensiones del síndrome, cuyos testimonios se analizaron con la técnica de Discurso del Sujeto Colectivo.

Resultados.

La prevalencia de sindrome de burnout fue de 10.5% entre los investigados. Cuanto más avanzado el año de estudio del alumno, eran mayores los puntajes de agotamiento (p=0.003), despersonalización (p<0.001) y baja eficacia académica (p=0.012). Los estudiantes con mayor carga horaria de asignaturas también presentaron mayores puntuaciones de agotamiento (p=0.001), despersonalización (p<0.001) e (in)eficacia académica (p=0.042). La insatisfacción con el curso se relacionó con un mayor agotamiento (p=0.049) y despersonalización (p=0.001). En los discursos colectivos se evidenciaron las exigencias cotidianas del curso, consideradas como intensas, generadoras de sobrecarga y agotamiento, que producían síntomas de enfermedad física y mental. Por lo tanto, como una actitud defensiva, hubo distanciamiento del estudiante de las actividades del curso que culminó en sentimientos de incompetencia y frustración.

Conclusión.

La aparición de las dimensiones del síndrome de burnout entre los estudiantes de enfermería estuvo relacionada con las actividades de la vida diaria académica. Es urgente establecer acciones de promoción y prevención en salud para estos individuos en el contexto de la universidad.

Descriptores: agotamiento professional; estudiantes de enfermería; encuestas y cuestionarios.

Introdução

Níveis significativos de distúrbios psicológicos e sofrimento psíquico entre estudantes de ensino superior têm sido relatados mundialmente, dado que durante esses anos há um pico na prevalência muitos transtornos mentais, particularmente de transtorno depressivo maior (18.5% a 21.2%), transtorno de ansiedade generalizada (18.6% a 16.7%) e transtorno por uso de drogas (45.9% a 59.8%).1) Essa alta prevalência é significativa tanto pelo sofrimento que causa em um período de grande transição da vida, quanto pelo prejuízo substancial no desempenho acadêmico,2) bem como pensamentos e comportamentos suicidas.3 Nesse contexto, um distúrbio psicológico amplamente utilizado como indicador de saúde mental nesta população é a síndrome de burnout ou “burnout acadêmico”, que ocorre quando as estratégias de defesa do indivíduo são ineficazes para o enfrentamento do estresse e da sobrecarga provenientes do ambiente acadêmico, afetando a saúde biopsicossocial. (4,5

A síndrome de burnout entre estudantes caracteriza-se por um sentimento de sobrecarga, denominado de exaustão emocional; postura distanciada e defensiva em relação ao estudo, os docentes e os colegas de curso, processo conhecido como despersonalização; e a percepção de ser um estudante incompetente que tipifica a reduzida eficácia acadêmica.4,6 Na área da enfermagem a síndrome já foi demostrada entre estudantes,7,8 residentes,9 mestrandos e doutorandos10 devido as várias demandas existentes no processo de formação. Contudo, entre os estudantes não foram explorados os fatores que estão associados à síndrome de burnout, tampouco utilizando uma abordagem mista que engloba a representatividade e a verdade implícita na subjetividade.

Entre as dificuldades vivenciadas pelos estudantes de enfermagem durante sua formação citam-se: os esquemas de estudo; cumprimento atividades em prazos reduzidos; a gerência do tempo; a relação de poder entre professor-aluno; as práticas em serviços de saúde; o contato direto com o paciente, seu sofrimento e a possibilidade de sua morte; dilemas éticos; medo de cometer erros e lidar com as exigências internas,11,12 situações que exigem adaptação do estudante ou podem sobrecarrega-lo e predispor a síndrome de burnout. Isto posto, a síndrome de burnout não deve ser considerada um distúrbio individual, atribuído unicamente ao estudante que adoece, deve-se considerar a responsabilidade da instituição no processo de formação que pode levar ao adoecimento do aluno.13

Neste contexto, analisar a síndrome de burnout entre estudantes de graduação em enfermagem pode fornecer subsídios para que os gestores implementem estratégias de prevenção e manejo em relação a síndrome, a fim de garantir a saúde e o bem-estar durante o processo de formação profissional, bem como propiciar a formação de enfermeiros engajados e preparados para prestar uma assistência de qualidade. Assim, este estudo teve como objetivo investigar a síndrome de burnout entre estudantes de graduação em enfermagem.

Métodos

Estudo de método misto, do tipo sequencial explanatório, que associou as abordagens quantitativa e qualitativa. Neste delineamento, os dados qualitativos (entrevistas) fornecem um quadro mais aprofundado sobre os dados quantitativos (questionários) obtidos inicialmente.14 Pelo caráter de complementaridade, esta integração possibilita neutralizar as limitações e fragilidades de cada abordagem de pesquisa.15

A investigação foi realizada com estudantes de graduação em enfermagem de uma universidade pública da Região Sul do Brasil, desde que atendesse ao critério de não estar afastado das atividades acadêmicas por licenças. O curso forma enfermeiros generalistas por meio de uma matriz curricular com 4490 horas (seriado anual e duração mínima de cinco anos em período integral), que insere o estudante em atividades teóricas, de laboratório e práticas clínicas em serviços de saúde.

A etapa quantitativa foi realizada no período de julho a agosto de 2016, na qual todos os 119 matriculados no referido curso foram convidados a participar do estudo. A coleta de dados foi realizada em sala de aula, onde os participantes foram esclarecidos sobre o estudo e o questionário foi distribuído para 114 (95.8% do total) estudantes que concordaram em participar voluntariamente, dos quais 31 cursavam o primeiro ano, 23 o segundo, 17 o terceiro, 21 o quarto e 25 o quinto ano.

Para obtenção dos dados, os autores elaboraram um questionário semiestruturado contendo variáveis sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, ter filhos e com quem reside), hábitos de vida (atividade física e de lazer) e acadêmicas (ano letivo, número de disciplinas/asignaturas cursadas, carga horária total destinada as disciplinas/asignaturas, horas dedicadas aos estudos extraclasse, receber bolsas de estudo de iniciação científica ou de extensão e satisfação com o curso) para a caracterização dos participantes. Esse questionário foi submetido a um refinamento por meio da avaliação de 5 (cinco) professores doutores com experiência em ensino e saúde ocupacional, que consideraram que esses itens eram suficientes para atingir ao objetivo do estudo.

A síndrome de burnout foi avaliada pelo Maslach Burnout Inventory TM - Student Survey (MBI-SS), um instrumento elaborado por Schaufeli e colaboradores que avalia a síndrome de burnout especificamente em estudantes,4 que foi validado para o português do Brasil em 2006.16 Esta versão apresenta propriedades psicométricas satisfatórias atestadas por análise fatorial e alfa de Cronbach entre 0,65 e 0,94. Trata-se de instrumento constituído por 15 itens que aferem três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e eficácia acadêmica em respostas em escala do tipo Likert de sete pontos (0-6). Considera-se que há indicativo de burnout no estudante que apresentar altos escores em exaustão emocional (≥16 pontos) e despersonalização (≥11 pontos) e baixos escores em eficácia acadêmica (≥10 pontos).

Os dados foram analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences , versão 20.0. Calcularam-se frequências e porcentagens para as variáveis categóricas, e medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis contínuas. Realizaram-se três regressões lineares múltiplas, pelo método stepwise forward, considerando as dimensões da síndrome de burnout como variáveis dependentes e todas as variáveis independentes (características sociodemográficas e acadêmicas) que apresentaram p≤0,20 na análise bivariada por regressão linear simples. Em cada modelo permaneceu o conjunto de variáveis que melhor explicavam o desfecho, sendo aplicados como critérios estatísticos: (1) apresentar significância estatística (p<0,05) e (2) ajustar os valores de β em, no mínimo, 10%.

Na sequência iniciou-se a fase qualitativa, em que foram incluídos apenas os participantes da fase quantitativa que apresentaram indicativo para a síndrome de burnout ou que manifestaram simultaneamente altos escores em exaustão emocional e despersonalização. Os estudantes que atendiam a esses critérios foram inseridos em um sorteio para organizar a sequência das entrevistas, de modo a incluir minimamente dois estudantes por série do curso, a fim de representar os seus diversos momentos. Esses indivíduos foram contatados por telefone e convidados a participar de uma entrevista individual gravada, agendada conforme sua disponibilidade, sendo que não houve recusas. Para determinar o número de entrevistados utilizou-se o critério de saturação teórica dos discursos, isto é, as entrevistas foram cessadas quando não se identificou novos elementos para aprofundar a teorização, o que ocorreu com 21 estudantes. As entrevistas foram realizadas no período de novembro a dezembro de 2016, por um pesquisador treinado e com experiência prévia neste método de coleta. As entrevistas foram norteadas pelas seguintes questões: Conte-me como você caracteriza a sua experiência de ser estudante de enfermagem? Existem atividades do curso que são desgastantes ou promovem exaustão e sobrecarga? Que estratégias você usa para lidar com isso? Como você avalia o seu envolvimento e o seu desempenho no curso?

As fontes produzidas nas entrevistas foram analisadas de acordo com os pressupostos do Discurso do Sujeito Coletivo. Este referencial metodológico foi adotado por ser indicado para desenhos metodológicos mistos e se constituir em uma forma de expressar o pensamento de uma coletividade sobre dado fenômeno, como se fosse uma “pessoa coletiva”.15 Para apoiar a análise dos dados qualitativos, utilizou-se o programa DSCsoftTM, que segue as etapas: análise de discurso, na qual todas as narrativas foram analisadas individualmente; a seguir as Expressões-Chave foram identificadas, isto é, os trechos das transcrições literais com o conteúdo essencial ou as teorias subjacentes; na sequência, as Ideias Centrais foram retiradas de cada expressão chave, descrevendo-as de forma sintética e pontual; posteriormente, foram estabelecidas as Ancoragens, que manifestaram explicitamente a teoria adotada. Finalizada a análise, os depoimentos de diferentes entrevistados que possuíam o mesmo sentido foram reunidos em um discurso-síntese redigido na primeira pessoa do singular.15 Foram elaborados três discursos-síntese: exaustão emocional, despersonalização e reduzida eficácia acadêmica na perspectiva dos estudantes de enfermagem, que são as dimensões da síndrome de burnout nesta população.

Esta pesquisa foi realizada em consonância com as normas nacionais e internacionais de pesquisas que envolvem seres humanos, incluindo aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer n. 354.514). Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

Entre os 114 estudantes de enfermagem participantes do estudo, a idade variou entre o mínimo de 17 e o máximo de 40 anos, com média de 21.3±3.5 anos. A maioria dos estudantes pertencia ao sexo feminino (89.5%), era solteiro (96.5%), sem filhos (92.1%), residia com seus familiares (63.2%), realizava atividades de lazer (53.3%), não trabalhava (95.6%) e não praticava atividade física (76.3%).

Quanto à caracterização acadêmica, as disciplinas/asignaturas são ofertadas no formado seriado anual e, assim, os estudantes cursavam, em média, 7 com extremos em 3 e 14, sendo que a carga horária total das disciplinas/asignaturas cursadas no ano letivo variou entre 558 e 960 horas, com média de 783 horas. Além das atividades obrigatórias do curso, dedicavam diariamente, em média, 1.8 horas aos estudos extraclasse, variando entre zero e 6 horas. Verificou-se que 28.9% recebiam bolsas de estudo de iniciação científica ou de extensão e 83,3% manifestaram estar satisfeitos com o curso.

No que concerne as dimensões do MBI-SS, verificou-se que 76.3% dos participantes apresentaram alta exaustão emocional, 31.6% alta despersonalização e 21.1% baixa eficácia acadêmica. Agregando-se essas dimensões identificou-se que 10.5% dos estudantes de enfermagem possuíam indicativo para a síndrome de burnout, bem como 30.7% apresentaram concomitantemente alta exaustão emocional e despersonalização e, portanto, estavam predispostos a desenvolver a síndrome.

A Tabela 1 mostra as análises de regressão linear múltipla realizadas para as três dimensões da síndrome. Os maiores escores de exaustão emocional foram associados aos estudantes de enfermagem sem relacionamento conjugal estável, que cursavam as séries mais avançadas do curso, com maior carga horária de disciplinas/asignaturas e que estavam insatisfeitos com o curso de enfermagem. O segundo modelo indicou que quanto maior a idade do estudante, mais avançado o ano letivo e maior carga horária cursada, bem como estar insatisfeito com o curso, maiores foram os escores de despersonalização; enquanto que os bolsistas de iniciação científica ou de extensão obtiveram os menores escores nesta dimensão. Em relação à eficácia acadêmica, quanto mais avançado o ano letivo, maior a carga horária de disciplinas/asignaturas cursadas e menos horas de estudo diário extraclasse, menores foram os escores apresentados pelos estudantes nesta dimensão.

Tabela 1 Modelos multivariados das dimensões de burnout entre estudantes em enfermagem  

O material empírico produzido pelas 21 entrevistas foi agrupado em três discursos-síntese, que aludem às dimensões da síndrome de burnout entre estudantes: exaustão emocional, despersonalização e reduzida eficácia acadêmica, o que possibilitou uma melhor compreensão sobre como o contexto acadêmico em que estão inseridos pode contribuir para o desenvolvimento da síndrome.

Exaustão Emocional. Neste discurso coletivo, evidenciou-se que os estudantes de enfermagem perceberam as exigências cotidianas do curso como intensas, produtoras de sobrecarga e de exaustão física e emocional, bem como indicaram sintomas de adoecimento físico e mental: Eu me sinto extremamente exausto e sobrecarregado! A carga horária é muito alta, quase sem intervalos e são muitas as atividades exigidas pelo curso e pelos professores: durante o dia são aulas teóricas e de laboratório; a noite eu deveria estudar, pois curso várias disciplinas [asignaturas] e cada uma exige algo diferente: trabalhos, seminários, monitorias e provas, mas eu chego em casa extremamente cansado física e emocionalmente, não tenho ânimo para fazer mais nada, a única vontade que tenho é ir para meu quarto e descansar. Quando tem as aulas práticas nos diferentes setores dos hospitais e das unidades básicas de saúde é pior ainda, a gente não pode errar, pois estamos lidando com pessoas! Eu tenho que me adaptar a rotina da unidade, desenvolver uma carga de trabalho intensa, lidar com determinadas situações que estou despreparado e os professores cobram a todo momento o que vi na teoria e nas outras disciplinas [asignaturas]. Quanto mais avança o curso, mais é exigido. Embora seja bom para a minha formação, alguns professores agem de modo grosseiro, arrogante e pejorativo, dificultando o meu desempenho. Tudo isso repercute na minha saúde, com frequência tenho dor de cabeça, dores musculares, insônia, fadiga, estresse e irritação. (Discurso do Sujeito Coletivo 1)

Despersonalização. Pode-se perceber neste discurso o distanciamento do estudante de todas as atividades do curso, desvelando-se que a desmotivação esteve atrelada ao sentimento de exaustão e sobrecarga como uma atitude defensiva, de distanciar-se do que lhe causa sofrimento: Toda essa rotina do curso me deixa bem desmotivado, porque eu não tenho tempo para me alimentar direito, para o lazer e fazer as coisas que gosto. Sinceramente, não tenho a mínima vontade de ir às aulas de algumas disciplinas [asignaturas], por mais que sejam relevantes não quero ouvir, tampouco estuda-las; então eu administro as faltas para não reprovar, mas em todas as aulas eu chego atrasado. As práticas são um choque de realidade, me fez perceber o quanto o sistema de saúde está falido, não há materiais e recursos suficientes para atender bem o paciente. Aquele atendimento holístico e de acordo com os princípios do SUS fica só na teoria. Também não imaginava o tamanho do sofrimento alheio, dos pacientes e de suas famílias, no começo chorava todo dia quando lembrava das cenas, agora procuro não me envolver, é muito sofrimento. Alguns professores fazem muita pressão quando você está no serviço de saúde e eu não reajo muito bem a pressão, não tinha vontade de ir, quando ia chegava em casa e chorava, e isso me fez repensar sobre a profissão, até porque me desanima quando penso no quanto a enfermagem é uma profissão desvalorizada e mal remunerada. Então não sei se quero isso para mim pelo resto da vida. (Discurso do Sujeito Coletivo 2)

Reduzida Eficácia Acadêmica. Destaca-se neste discurso-síntese que a reduzida eficácia acadêmica foi relacionada ao sentimento incompetência, em que o estudante se sente frustrado por acreditar que poderia ter um desempenho melhor, entretanto não consegue se envolver novamente com os estudos devido a sua exaustão e desmotivação: O ambiente acadêmico é muito competitivo e isto é incitado pelos professores. Eu me sinto incompetente por não conseguir notas boas, passar sem exame e ter um bom desempenho nas práticas clínicas. Não consigo ser bolsista de iniciação científica, porque essas coisas são para os melhores alunos, aqueles proativos. Além disso, os professores motivam só os bons alunos, a gente que tem mais dificuldade parece que é invisível ou é tratado como caso perdido e incapaz. Ainda assim, eu me sinto culpado quando vejo que eu podia ter estudado mais, porém me deixei levar pelo cansaço. A área da saúde é muito complexa e me deixa angustiado não ser um bom estudante, apresentar um desempenho ruim e, por consequência, não ser um bom enfermeiro. (Discurso do Sujeito Coletivo 3)

Discussão

Os dados sociodemográficos dos participantes desta pesquisa em relação ao sexo, estado civil e ausência de prole também foram observados por outros estudos, em que identificou-se uma tendência da atividade feminina na profissão, bem como esses estudantes priorizaram a formação profissional e estabilidade financeira, para posterior constituição de família, visto que pode ser uma tarefa árdua para a mulher conciliar as atividades acadêmicas em período integral e a vida pessoal.17,18 Verificou-se que 10,5% dos participantes deste estudo possuíam indicativo para a síndrome de burnout, resultado que foi inferior àqueles obtidos por investigações realizadas com estudantes de enfermagem no Brasil e no exterior, que variaram de 24,7% a 41%.7,8 Tais achados ratificam que a síndrome pode acometer os indivíduos ainda no processo de formação profissional, o que pode resultar em enfermeiros recém-graduados com menor domínio das tarefas ocupacionais, menor utilização de investigação na prática clínica diária, com intenção de deixar a profissão,7 menos empáticos e desatentos às necessidades de usuários dos serviços de saúde, podendo interferir na qualidade da assistência prestada. Considerando este contexto, torna-se necessário que as instituições de ensino superior implementem ações para promover a saúde mental dos seus alunos, por meio de uma abordagem proativa dos estressores e dos mecanismos de enfrentamento,19 pois a saúde e o bem-estar dos estudantes são fortemente influenciados pelo contexto organizacional.20 Nesse sentido, há uma iniciativa internacional denominada "Universidades Saudáveis", em que as universidades se comprometem com a promoção da saúde e do bem-estar dos estudantes e funcionários por meio de uma cultura organizacional que as pessoas se sentem valorizadas, respeitadas, ouvidas, capazes de contribuir e compartilhar suas opiniões.13

Devido à natureza do delineamento de pesquisa mista explanatória sequencial, os achados da fase qualitativa apoiaram os achados quantitativos, mas também forneceram significados contextuais. Demonstrou-se que 76.3% dos pesquisados apresentaram alta exaustão emocional. Esta é a primeira dimensão da síndrome a se manifestar, reflete a falta de energia e de recursos psicológicos para lidar com a sobrecarga acadêmica vivenciada e pode trazer repercussões nefastas para a formação profissional, por se relacionar ao declínio da saúde mental e interferir na capacidade de concentração e aprendizado do indivíduo.6,7,18

Neste estudo a exaustão emocional foi associada aos estudantes solteiros, que cursavam as séries mais avançadas do curso, com maior carga horária de disciplinas/asignaturas e estavam insatisfeitos com o curso. Além de corroborar esses achados, o discurso-síntese elucidou que as fontes de sobrecarga física e mental foram oriundas das aulas teóricas e práticas, o volume de trabalhos acadêmicos, leituras e avaliações, que os acompanha diuturnamente. Também referiram a sobrecarga emocional e física presente na prática da assistência e que não estão preparados psicologicamente para enfrentar tais situações, fazendo com que o seu cotidiano seja marcado por sintomas somáticos peculiares a exaustão e sentimentos de dúvida, decepção, ansiedade, medo, tristeza, raiva e angústia. Essas informações são importantes por mostrarem a exposição dos estudantes à longos períodos de atividades acadêmicas, particularmente em relação a carga de trabalho percebida e também as demandas emocionais de trabalhar com pessoas que estão doentes. Estudo indicou que é essencial diminuir a sobrecarga acadêmica desnecessária e ajudar os alunos a desenvolver habilidades para melhor gerenciar seu tempo. Contudo, também se refletiu que as horas investidas na formação são fundamentais e sugere que os cursos sejam bem projetados para que as longas horas de estudo do aluno não são percebidos como uma algo monótono e sem relevância.19

A despersonalização é uma resposta psicológica adaptativa na qual o aluno se afasta do estudo porque lhe causa sofrimento e sobrecarga,18 e neste estudo verificou-se que quanto maior a idade do estudante, mais avançado o ano letivo, maior carga horária cursada, estar insatisfeito com o curso, maiores foram os escores de despersonalização. Esses resultados são semelhantes aqueles encontrados no ambiente ocupacional dos enfermeiros, em que os mais enfermeiros mais jovens e menos satisfeitos com seu trabalho têm níveis mais elevados de despersonalização, devido ao período de transição que vivenciam entre suas expectativas idealistas e a prática cotidiana.21

Identificou-se que ser bolsista de iniciação científica ou de extensão foi fator de proteção para não se distanciar-se do curso. A participação dos acadêmicos em projetos de pesquisa e de extensão promove o fortalecimento de sua identidade e autonomia profissional, e forma um enfermeiro mais crítico, reflexivo, comprometido com a assistência prestada, e melhor preparado para atuar nas diferentes áreas de atuação profissional22 e assim, este estudante se envolve muito mais com seus estudos. O distanciamento do estudo também foi relacionado ao processo de trabalho árduo do enfermeiro, que é repleto por demandas física e psicológicas, relações interpessoais complexas, falta de reconhecimento, autonomia e desvalorização da classe, além do convívio diário com o sofrimento, o que é amplamente relatado pela literatura.23,24 Assim este estudante não vislumbra uma recompensa satisfatória para o seu esforço atual e manifesta seu descontentamento com o curso e desejo de abandoná-lo.

Por fim, a baixa eficácia acadêmica também se acentuou nos anos letivos mais avançados, com maior a carga horária cursada, o que repercutiu em menos horas de estudo diário extraclasse. Identificou-se que os estudantes se sentiam culpados por não conseguirem estudar mais e manifestam sentimentos de incompetência, impotência e inferioridade ao se comparar com seus pares. Ainda, verificou-se o papel que atribuem ao professor enquanto (des)motivadores nesse processo, o que já foi observado em investigação realizada na Finlândia, cujos ainda demonstraram que um relacionamento interpessoal positivo entre professor-aluno promove a autoconfiança e a motivação no estudante, além de um processo de aprendizagem mais efetivo e com menor estresse.25

Em diversos instituições de ensino superior ainda predomina o pensamento de que a saúde e o engajamento do aluno são responsabilidades exclusivas do indivíduo e não da universidade, assim não se valoriza, respeita, escuta e investe no aprimoramento do aluno que possui uma postura desinteressada, todavia essa mudança de paradigma é necessária, e deve partir da alta gestão por meio de políticas institucionais.20

Como limitações citam-se o uso de medidas de autorrelato que são propensas a respostas socialmente desejáveis, o delineamento transversal, no qual, as causalidades não podem ser inferidas, bem como deve-se considerar o viés transversal do estudante sadio, pois aqueles que desenvolveram a síndrome podem estar afastados do curso, o que aumentaria a prevalência. Os resultados obtidos não podem ser generalizados, visto que retratam o contexto vivenciado por estudantes de enfermagem de uma universidade pública brasileira. Contudo, este estudo fornece uma compreensão mais profunda da natureza complexa deste fenômeno, como também subsídios aos gestores das universidades e professores para que desenvolvam estratégias eficazes para promover a saúde mental e bem-estar dos seus alunos e, por consequência, para aumentar o engajamento e o sucesso do estudante.

O estudo de método misto possibilitou analisar a amostra de forma aprofundada e integral, pois apesar do resultado quantitativo de estudantes com indicativo para a síndrome de burnout ser inferior ao padrão nacional relatado na literatura para estudantes de enfermagem a abordagem qualitativa pode demonstrar a fragilidade nos métodos de enfrentamento, sofrimento mental e a frustração relacionada a auto cobrança diante da vida acadêmica. Portanto, as instituições de ensino superior devem aderir a modelos de gestão com políticas de suporte emocional, por meio de programa de assistência estudantil que contemple aspectos biopsicossociais, sobretudo estratégias de manejo e enfrentamento dos estressores acadêmicos.

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Recebido: 09 de Junho de 2019; Aceito: 07 de Fevereiro de 2020

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