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Lingüística y Literatura

Print version ISSN 0120-5587

Linguist.lit.  no.64 Medellìn July/Dec. 2013

 

CANTIGAS INFANTIS EM DIVERSAS LÍNGUAS NO PRIMEIRO ANO ESCOLAR*

CHILDREN'S SONGS IN DIFFERENT LANGUAGES ON THE FIRST SCHOOL YEAR

 

Vera Wannmacher Pereira

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Brasil, vpereira@pucrs.br.

Recibido: 11/02/2013 - Aceptado: 02/05/2013


 

Resumo

Neste artigo, é relatado estudo científico, cultural e pedagógico que teve como objetivo analisar a contribuição de oficinas com cantigas infantis em diferentes línguas para o desenvolvimento da consciência linguística, da leitura e da escrita de alunos no primeiro ano escolar de uma escola pública de Porto Alegre. A metodologia envolveu: seleção de cantigas, organização e aplicação de instrumentos de pesquisa e de metodologia de trabalho explorando aspectos culturais e elementos linguísticos dos planos fônico, morfossintático e semântico-pragmático das cantigas. Os dados coletados indicam aumento nos escores de consciência linguística, leitura e escrita das crianças.

Palavras-chave: cantigas infantis, línguas, alfabetização.


 

Abstract

This article reports scientific, cultural and pedagogical study that analyzed the contribution of workshops with children's songs on different languages for the development of linguistic awareness, reading and writing of students in the first grade of a public school in Porto Alegre. The methodology involved: selection of songs, organization and application of research instruments and methodology of work exploring cultural and linguistic elements of phonic, morphosyntactic and semantic-pragmatic plans of songs. The data collected indicate an increase in the scores of linguistic awareness, reading and writing for children.

Keywords: children's songs; languages; literacy.


 

1. Introdução

O estudo aqui relatado, construído em perspectiva científica, cultural e pedagógica, teve como objetivo examinar a possível contribuição do desenvolvimento de atividades linguístico-pedagógicas com cantigas infantis para a consciência linguística e para o desempenho em leitura e escrita de alunos de 1º ano escolar1.

Para o alcance desse objetivo, foram selecionadas cantigas, cada uma delas apresentada em português, espanhol, francês e inglês, foi construída uma metodologia de trabalho explorando aspectos culturais e os diversos planos linguísticos -fônico, morfossintático e semântico-pragmático- e foram elaborados e aplicados instrumentos de investigação de consciência linguística e desempenho em leitura, escrita.

Na continuidade do texto, são apresentados os fundamentos, a pesquisa e as considerações finais, explicitando o processo desenvolvido e os resultados alcançados.

 

2. Os fundamentos

O estudo está fundado teoricamente em um conjunto de tópicos que se entrelaçam e se apoiam, respondendo a três perguntas centrais: por que cantigas?, por que em diversas línguas?, por que em classe de alfabetização?

Considerando a primeira pergunta, do ponto de vista cultural, há que salientar que as cantigas estão em todos os tempos e em todos os lugares. São crianças com seus cantos por todos os recantos e sempre. Os sons, os ritmos, as harmonias são entoados num processo de passa, passará... Os adultos cantam para suas crianças que cantam para si mesmas, que cantam para outras crianças, que ouvem de outras crianças. É tudo muito simples e complexo ao mesmo tempo -rimas, repetições, jogos semânticos, sintaxe nem sempre usual, tudo numa pragmática que convida à fantasia. Afinal, Frei João, Frère Jacques, Brother John, Martinelo -quem são mesmo? E a memória da criança que se torna adulto e do adulto que volta a ser criança facilmente guarda esses pequenos cantos e espalha-os por mil recantos.

É a arte fazendo a cultura. É a cultura formando o conhecimento. É o conhecimento desenvolvendo a cognição. Vygotsky (1982) refere a importância da arte como elemento capaz de promover o crescimento e o desenvolvimento humano, uma vez que tal processo surge com muita força desde a primeira idade. Para ele, entre as questões mais importantes da psicologia infantil e da pedagogia, figuram a da capacidade criadora das crianças e a do fomento desta capacidade e sua importância para o desenvolvimento geral e para a maturidade da criança. Segundo Mosquera (1984), a arte pode significar maior percepção da realidade e ampliação de quadros pessoais de sentimentos. Para a criança, a arte é uma espécie de instrumento que a faz sentir e conhecer o que vem a se refletir favoravelmente em diferentes estágios de sua aprendizagem. Assim, a arte abre a criança para a subjetividade, propiciando a compreensão do mundo e a construção do conhecimento.

Vinculadas à arte estão as brincadeiras infantis que também favorecem a criatividade e a subjetividade (Vitória, 2003; Montibeller, 2003; Tassoni, 2003). As pesquisas realizadas por Papalia e Sally Olds (1981) revelam que o brincar transcende a todos os níveis da vida de uma criança, engajando as emoções, o intelecto, a cultura e o comportamento. Esse jogo, especialmente o vinculado ao poético, à música, à arte, como é o caso das cantigas, é fundamental para o processo cognitivo, não podendo deixar de estar presente na escola, especialmente com crianças pequenas. É preciso haver um tratamento especial para a arte, para a cultura, para o poético, para a música, para o lúdico, enfim, para todos os materiais linguísticos ao mesmo tempo artísticos, culturais, sonoros, rítmicos e lúdicos. As cantigas infantis vêm a preencher naturalmente e com muita felicidade esse espaço usualmente pouco reconhecido nos ambientes escolares (Martins, 1995; Hernández, 1995; Carrasco, 1995; Barbato, 2007). Cantar e brincar, fazendo arte com os elementos culturais é importante caminho para que as crianças em todos os espaços (e certamente na escola) tenham a oportunidade de estabelecer importantes relações consigo e com o mundo e, com base nessas relações, desenvolver seus processos cognitivos -enfim, aprender. E as cantigas infantis estão disponíveis para isso.

Do ponto de vista científico, mais especificamente neurocientífico, evidenciam-se as relações entre música e cérebro. Bianco et al. (2007) descobriram que as ondas cerebrais e a construção musical apresentam padrões comuns. A análise de canções em relação a harmonia, timbre, ritmo, tom e melodia e de exames com eletroencefalografia indicou que as ondas cerebrais e a construção musical são auto-organizativas e que, provavelmente, a construção da música seja um reflexo da construção da mente de seu compositor. Gaser (2003) analisou o cérebro de músicos profissionais e verificou o acentuado desenvolvimento de algumas estruturas em comparação ao de não músicos.

Segundo Fujioka et al. (2006), a música desenvolve o córtex cerebral, a capacidade de memorização e de atenção e consequentemente tem influência sobre o aprendizado da leitura e da escrita e de conteúdos de áreas exatas. Esse benefício cognitivo decorrente da música ganha ainda dimensão maior no caso das cantigas infantis dadas as diferentes possibilidades culturais (diferentes grupos sociais) e as diferentes manifestações linguísticas (línguas estrangeiras).

Considerando a segunda pergunta, os estudos linguísticos mostram que as características das línguas bem como as semelhanças e as diferenças entre elas, quanto à fonologia, à morfossintaxe, à semântica e à pragmática que as constituem são significativas para este trabalho. Do mesmo modo são relevantes os que examinam os processos utilizados pelos usuários (Baldo, 2006), os que explicitam o aprendizado, considerando a idade dos aprendizes (Simon, 1999), os que tratam do seu ensino (Widdowson, 1991; Soares, 2003), os que fundamentam a importância dos vínculos do ensino de língua com a cultura (Zilles, 2006) e os que tratam da aquisição e das suas relações com o aprendizado.

Em relação a esse último ponto, as hipóteses de aquisição de L2, segundo Krashen (1988), Westphal (1996) e Schutz (2007) contribuem para responder parcialmente a essa pergunta: the Acquisition-Learning hypothesis, the Monitor hypothesis, the Natural Order hypothesis, the Input hypothesis e the Affective Filter hypothesis.

Neste estudo, tem destaque a hipótese de aquisição, que traz consigo como importante a familiaridade com a língua, em relação aos fonemas, à estrutura das frases, ao significado das palavras e à pragmática das situações. Esse conceito subjaz ao trabalho com as cantigas, pois prevê colocar as crianças em situações oportunizadoras de desenvolvimento das percepções linguísticas, especialmente as fônicas. O mesmo ocorre com a hipótese do filtro afetivo, que está vinculada ao acolhimento das situações de aquisição pelo aprendiz. Ela acompanha todo o trabalho, pois o projeto prevê a realização de situações lúdicas, de modo que as crianças participem dele com motivação e sem ansiedade.

Cabe salientar que o objetivo das oficinas é colocar as crianças em contato com outras línguas, além da sua materna, para que ouça e produza sons e estruturas variadas em associação a artes e a culturas, de modo a observar os traços próprios de cada língua, as semelhanças e as diferenças entre as línguas, ampliar ludicamente suas capacidades de discriminar sons, significados e estruturas em situações musicais e, assim, desenvolver o interesse em conhecer outros idiomas.

Contribuem, também, para responder a essa segunda pergunta as afirmações de Vygotsky (2003) sobre a construção do conhecimento. Segundo ele, a interação social é fundamental para o desenvolvimento da linguagem e esta, para o desenvolvimento cognitivo. Desse modo, o trabalho com crianças desenvolvendo a linguagem contribui para que elas tenham favorecidos seus processos cognitivos. Na sequência dessas concepções, o autor faz análises sobre a importância do aprendizado de outras línguas para as vivências culturais e para o desenvolvimento da própria língua materna. Esse entendimento pode ser também encontrado em estudos que tratam das relações entre L1 e L2, especialmente os que defendem uma abordagem pedagógica em que, durante o uso da L2, o falante faz com frequência associações fônicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e pragmáticas com a L1. Ao ouvir e cantar cantigas em outras línguas é natural a correlação linguística e a realização de inferências pelas crianças, o que certamente contribui para a consciência sobre o funcionamento da língua materna.

É necessário considerar também a organização linguística das cantigas, cuja exploração favorece à criança o desenvolvimento da consciência linguística, constituindo-se em importantes referências os trabalhos de Gombert (1992), Baars (1993), Morais (1996) e Dehaene (2009, 2011, 2012). Na pesquisa que dá sustentação ao presente artigo, consciência linguística consiste na capacidade de dirigir a atenção para um tópico linguístico de observação e de explicitar o processo de atenção e observação realizado. Esse tópico consiste num dos elementos que compõem os planos de funcionamento da linguagem -fônico (relações fonema/letra, rimas, aliterações...); morfossintático (estrutura vocabular, estrutura e ordem dos versos, coesão gramatical) e semântico-pragmático (léxico, coesão lexical, coerência, situação de uso). A esse respeito, são importantes os estudos de Ketzer (2008), Pereira (2010a, 2010b) e Ketzer e Pereira (2011).

Considerando a terceira pergunta, responder a ela exige uma análise das dificuldades de alfabetizar e de ser alfabetizado que hoje, especialmente, estão a preocupar as escolas, os órgãos oficias, a sociedade em geral e cujas causas podem estar numa sucessão histórica de decisões teórico-metodológicas sobre o tema (Pereira, 2002).

Os anos 50 e 60 foram marcados, no que se refere à alfabetização, pelo ensino através de letras que representam fonemas. O ponto de vista da época era o de que o aprendizado se dava linearmente, logo, havia a necessidade de estabelecer um caminho progressivo. Assim, as cartilhas eram organizadas em lições que sequencialmente apresentavam as sucessivas relações fonema/ letra. Era também ponto de vista o de que a leitura constituía-se em elemento indispensável. Daí, abriam-se duas linhas de texto escrito: a do texto para alfabetizar e a do texto para proporcionar lazer e desenvolvimento cultural. O texto para alfabetizar consistia num conjunto de frases construídas com vocábulos fonologicamente selecionados, do que decorria uma organização linguística, mas não uma organização sociocomunicativa. O contato das crianças da época com a leitura ocorria, então, através dos textos da cartilha e através dos contos literários clássicos de Andersen, Perrault, Grimm. Tais textos não estavam diretamente vinculados à alfabetização e não se constituíam em objeto exclusivo do trabalho escolar. Estavam, na verdade, ligados à cultura e ao lazer, transitando livremente na vida familiar e na vida escolar, com um espaço privilegiado para as bibliotecas em geral.

Entre os anos 60 e 70, surgiram cartilhas com o método do conto. O ensino da leitura e da escrita devia partir de um texto, isto é, de um chamado «conto», que seria decomposto em frases, palavras, sílabas e letras. A preocupação com a apresentação progressiva das relações fonema/letra permanecia, mas os «contos» não eram mais marcados tão rigidamente por esse recorte. Esse material de leitura apresentava um maior número de traços que o configuravam mais como um texto do que o anterior: um eixo temático, desenvolvendo-se através de tópicos verossímeis, dando conta mais claramente da coerência; campos semânticos e algumas sinonímias construindo a coesão lexical; algumas referências armando a coesão gramatical. No entanto, não se caracterizava também como um texto genuíno, pois não era resultado de uma situação comunicativa com um lugar social, tratando-se, na verdade, de uma produção de finalidade exclusivamente didática. Nesse período, a leitura esteve mais nitidamente integrada ao processo de alfabetização, iniciando-se, no entanto, um processo de perda da leitura como dado cultural e de prazer. O folclore infantil e a literatura clássica começaram a perder espaço para uma literatura de consumo, mais facilmente digerível, para fazer frente à televisão que avança.

Na passagem dos anos 70 para os anos 80, houve um retorno ao processo de alfabetização com direção ascendente, situando-se, no entanto, o ponto inicial não propriamente nas letras, mas nos fonemas que elas representam. Era o chamado «método da abelhinha». Nessa perspectiva, o fonema /z/ permitia a formação de sílabas por ele iniciadas, que, por sua vez, compunham palavras.

A passagem dos anos 80 para os anos 90 fez o desvelamento do processo de construção da pré-escrita (Ferreiro e Palácio, 1987; Ferreiro, 1992, 1996), explicitando as etapas de produção da palavra, que vão dos grafismos ao domínio das relações fonema/letra, relações essas que não se dão mais linearmente, mas simultaneamente, disso decorrendo a eliminação do usual caminho serial. A investigação centrada no processo de escrever acabou por colocar a escrita no eixo da alfabetização. Diante desse postulado, foi sendo construída uma metodologia tendo, como pontos de referência, a apresentação simultânea do alfabeto através da letra inicial de palavras significativas do mundo infantil e integradas a um tema gerador, o processo de análise e síntese vocabular, a escrita de frases e o texto do tipo relatório, predominantemente coletivo.

Essa perspectiva situou a escrita como eixo da alfabetização e a leitura como um processo inerente a essa escrita. O texto de leitura passou a ser, então, o próprio texto escrito coletiva ou individualmente. O texto genuíno não apareceu mais como elemento diretamente integrado à alfabetização, mas como elemento de ação paralela a esse processo.

Uma passagem rápida pelo tempo mostra uma sucessão de tentativas teóricas e metodológicas para solução dos problemas da alfabetização. Há uma verdade nisso, que é a busca humana de fazer ciência e resolver, através dela, necessidades sociais. Mas há também uma verdade de que tais investimentos não têm dado conta dessa primeira verdade. Basta ver os índices de exclusão escolar, notadamente no 1º ano, bem como os índices gerais de analfabetismo no Brasil, assim como em outros países. É claro que também há uma terceira verdade, que se refere ao conjunto de circunstâncias que fazem o entorno dessas buscas. Mas, de qualquer modo, há uma quarta verdade a ser encarada, que é o fato de que os caminhos teóricos não estão dando conta do que a eles exclu sivamente caberia, em decorrência de reflexão escassa sobre pontos nucleares que claramente estão a exigi-la.

Nesse contexto de poucos sucessos, os estudos sobre o cérebro mostram como se dá o aprendizado da leitura e da escrita e a importância do trabalho das unidades menores para as maiores. Surgem então as pesquisas sobre consciência fonológica - uma habilidade metalinguística que se refere à representação consciente das propriedades fonológicas e à capacidade de refletir sobre a própria língua, especificamente sobre os sons da fala e sua organização na formação das palavras. Os estudos de Lamprecht (1993), Moojen et al. (2003), Adams (2006), Freitas (2004), Cardoso-Martins (1996) e Molicca (1998), por exemplo, têm contribuindo significativamente para a retomada da importância do trabalho com os sons, com os fonemas. Da mesma forma, os de Costa (2003) e Costa-Ferreira (2007), pelo viés do processamento auditivo, trazem importante contribuição em relação a essas ideias. Tais estudos indicam a conexão entre nível de consciência fonológica e nível de escrita da criança em alfabetização. Paralelamente, surgem também estudos sobre consciência sintática, consciência semântica, consciência pragmática, compondo a consciência linguística -Capovilla (2002, 2006, 2011); Bublitz (2011) que apontam a associação entre nível de consciência, compreensão leitora e produção escrita.

No estudo aqui relatado, esse conjunto de pesquisas sobre o tema da consciência linguística, principalmente da fonológica, esclarece teoricamente a associação entre trabalho com cantigas, especialmente em língua estrangeira, e alfabetização.

Como pode ser constatado através da exposição até aqui realizada, é produtivo a crianças em alfabetização cantar e ouvir cantigas em línguas diversas, através de um trabalho lúdico envolvendo arte, cultura e exploração dos planos linguísticos que as constituem.

 

3. A pesquisa

A pesquisa exigiu a seleção de cantigas (cada uma delas em português, espanhol, francês e inglês), a elaboração de planos para desenvolvimento das oficinas com as crianças, a capacitação de acadêmicos de Letras para exercerem a função de monitoria nas oficinas, a elaboração de instrumentos de pesquisa, o desenvolvimento das oficinas, a aplicação dos instrumentos de pesquisa , a análise dos dados coletados e a socialização com professores alfabetizadores.

Constituíram-se em instrumentos de pesquisa:

  1. Pré e Pós-teste de Leitura: para verificar a competência em leitura das crianças, utilizando, para isso, cartelas com palavras e uma frase.
  2. Pré e Pós-teste de Escrita: para verificar a competência em escrita das crianças, utilizando, para isso, ditado de palavras e de uma frase.
  3. Pré e Pós-teste de Consciência Linguística: para verificar o nível de consciência fônica, morfossintática e semântico-pragmática das crianças.

Os planos de oficinas foram constituídos de: a) introdução -uma atividade inicial (na maioria das vezes, uma brincadeira), dando início à oficina e introduzindo o tema principal do encontro, definido de acordo com a cantiga do dia; b) vídeos e materiais com elementos culturais associados às canções selecionadas; c) cantigas em diversas línguas -cada oficina com uma cantiga norteadora das demais atividades, sendo ensinada para os alunos e cantada com eles em português, espanhol, francês e inglês; d) atividades de exploração da cantiga em seus planos linguísticos, de modo a desenvolver a consciência linguística das crianças -fônica, morfossintática e semântico-pragmática; e) brincadeiras -todos os momentos da oficina foram desenvolvidos de forma lúdica, sendo realizadas com materiais reais e virtuais, vinculadas, da mesma forma, ao tema central. A aplicação dessa metodologia implicou a utilização de diversos meios para possibilitar às crianças a compreensão dos conceitos de língua, diversidade linguística, cultura e diversidade cultural, a reflexão sobre a construção linguística das cantigas e o desenvolvimento da consciência linguística.

O trabalho com as crianças (16) foi realizado em 20h de trabalho, em encontros de 2h, sendo que, desses, os primeiros e os dois últimos foram reservados para aplicação dos instrumentos de pesquisa (pré e pós teste). A professora da turma acompanhou as oficinas, tendo ocorrido, desse modo, uma capacitação paralela sobre conteúdos e metodologia para trabalho com cantigas.

Para as oficinas, foram escolhidos dois grupos de canções, dentre as várias catalogadas, para aplicação. Esses encontros foram organizados da seguinte forma: oficinas 1 e 2 -aplicação de pré-testes; oficina 3 -cantiga «Frei João/Brother John», explorando português e inglês; oficina 4 -cantiga «Frei João/Martinelo», explorando português e espanhol; oficina 5 -cantiga «Frei João/Frère Jacques», explorando português e francês; oficina 6 -a mesma cantiga nas quatro línguas já trabalhadas como forma de revisão; oficina 7 -cantiga do elefante, explorando português e inglês; oficina 8 -cantiga do elefante, explorando português e espanhol; oficina 9 -cantiga do elefante explorando português e francês; oficina 10 -cantiga do elefante explorando as quatro línguas já trabalhadas como forma de revisão; oficinas 11 e 12 -aplicação de pós-testes.

As oficinas foram realizadas de modo que os alunos desenvolvessem a consciência sobre os diversos planos constitutivos das línguas, observando suas semelhanças e diferenças, como por exemplo: no plano fônico -os traços fônicos semelhantes e os diferentes, as rimas, as aliterações, as reproduções de sons da realidade; no plano morfossintático -a estrutura dos versos, a ordem dos constituintes de cada verso, as marcas de coesão gramatical; no plano semântico-pragmático -o léxico, o significado das palavras, a situação de uso. Essas análises foram feitas por meio de processos comparativos entre as línguas. Foram desenvolvidas também oficinas de capacitação com acadêmicos de Letras para o exercício da função de monitoria das crianças.

Como última atividade, foi realizado um evento final de socialização do trabalho, contando com a presença de mais de 80 professores da rede estadual de ensino, atuantes nos anos iniciais. Na oportunidade, foram desenvolvidas concepções teóricas e metodológicas do trabalho realizado.

Paralelamente às oficinas, antes de seu início e após seu término, foram aplicados os instrumentos elaborados, o que permitiu a obtenção de dados que estão apresentados nas tabelas e quadros a seguir.

Os dados expressos na tabela 1 indicam crescimento das crianças nos três níveis linguísticos examinados. Observando os dados do pré-teste, as crianças apresentaram desempenho mais alto no nível semântico-pragmático. No entanto, comparando pré e pós-teste, o crescimento maior ocorreu no nível fonológico. Esse fato pode ser explicado pela natureza da cantiga que associa palavras e música e pelo trabalho com línguas diferentes.

A tabela 2 disponibiliza os dados obtidos por meio da aplicação dos Testes de Leitura, estando as categorias apresentadas na legenda que está abaixo. O campo «Predomínio» expressa a classificação que foi recorrente em cada caso.

Conforme os dados da tabela 2, houve crescimento de quatro sujeitos, com relação ao predomínio das categorias. Na leitura da frase, cinco sujeitos apresentaram desempenho mais positivo no pós-teste, podendo-se também considerar esse mesmo nível de evolução das crianças com relação às palavras isoladamente. Cabe registrar uma especial dificuldade com a palavra «chá».

Com relação aos dados da tabela 3, percebe-se um crescimento de cinco sujeitos, evoluindo de níveis iniciais de classificação para níveis melhores, sendo que os valores mais altos representam melhor classificação.

A satisfação desse grupo de sujeitos com o trabalho (quadro 1) foi analisada com base nas respostas a cinco perguntas formuladas a eles. As respostas, sumarizadas e analisadas qualitativamente, indicam que houve um ótimo nível de satisfação, tendo as crianças entendido o trabalho como uma agradável brincadeira. Isso foi constatado também nas manifestações espontâneas, na disposição para realização das tarefas, no envolvimento e na participação continuada.

Quanto à satisfação dos professores que participaram do evento de socialização, as respostas ao instrumento disponibilizado e apresentadas no quadro 2 indicam um alto nível de acolhimento à proposta de trabalho lúdico de exploração cultural e linguística de cantigas infantis em diversas línguas com crianças do 1º ano escolar.

 

Considerações finais

No presente artigo, foi relatado um estudo que estabeleceu relações entre arte, cultura, ciência e ensino, tomando como eixo cantigas infantis em classe de 1º ano escolar.

O referido estudo esteve fundamentado em concepções psicolinguísticas e neurocientíficas sobre consciência linguística, em definições linguísticas sobre os níveis constitutivos de cantigas em português, espanhol, francês e inglês, em compreensões culturais do contexto das cantigas e em princípios pedagógicos do trabalho interativo e lúdico.

Com base nesses fundamentos, o trabalho construiu e desenvolveu em formato de oficinas com crianças de 1º ano escolar uma metodologia linguístico-pedagógica com cantigas infantis em diferentes línguas, explorando ludicamente os elementos culturais, fônicos, morfossintáticos e semântico-pragmáticos próprios de cada língua e examinando suas semelhanças e suas diferenças.

O estudo foi assim organizado com a expectativa de que contribuiria para o desenvolvimento da consciência linguística, da leitura e da escrita das crianças e, desse modo, para o avanço na alfabetização.

Para tanto, foram preparados instrumentos que permitissem obter dados confiáveis e extrair conclusões e recomendações para os professores que têm a tarefa de alfabetizar crianças.

E assim aconteceu, permitindo concluir que é produtivo trabalhar com cantigas em línguas diversas, pois fortalecem as condições necessárias para a alfabetização. Tal conclusão permite recomendar que os professores incluam em seu planejamento diário a exploração de cantigas dessa natureza -cultural, inserindo as crianças no mundo; musical, favorecendo a ativação de áreas do cérebro e o seu desenvolvimento cognitivo; e linguística, estimulando sua consciência sobre os traços fônicos, morfossintáticos e semântico-pragmáticos que constituem essas cantigas.

 

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Notes
* O presente texto decorre dos projetos «Crianças, cantos e recantos: cantigas em diversas línguas abrindo caminho para a alfabetização» e «Crianças e cantigas: cantando em diversas línguas no primeiro ano escolar», que contou com apoio da FAPERGS, do CNPq e da PUCRS (2008 a 2011).
1 Informações sobre o trabalho desenvolvido encontram-se no site da EDIPUCRS no seguinte endereço: http://ebooks.pucrs.br/edipucrs/cantigas/.

 

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