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Semestre Económico

versión impresa ISSN 0120-6346

Semest. Econ. vol.21 no.47 Medellín abr./jun. 2018

https://doi.org/10.22395/seec.v21n47a1 

Editorial (Português)

Interpretando um processo complexo: o ciclo de governos do kirchnerismo na Argentina

Martín Schorr* 

Víctor Ramiro Fernández* 

* Editores invitados


O início deste século encontrou a formação de um cenário de resposta a projetos neoliberais na América Latina, que foi disseminado fortemente durante o período de protagonismo das estratégias econômicas e institucionais associadas ao Consenso de Washington. Desde então, sob o que alguns chamam de “Onda Rosa” (Pink Tide), um grupo de governos da região convergiu para reintegrar a ideia de promover projetos inspirados em uma maior autonomia nacional e, para isso, no fortalecimento dos mercados internos e uma renovada intervenção estatal, recorrendo em muitos casos a processos de renacionalização e, em praticamente todos, a políticas de redistribuição de renda por meio de gastos públicos. No ano de 2010, a Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Uruguai e Venezuela apresentaram governos que, além da especificidade de suas experiências, compartilhavam essas características.

Inserido nesse contexto, o recente ciclo de governos kirchneristas na Argentina (2003-2015) suscitou e ainda suscita uma série de controvérsias no âmbito acadêmico e em muitas outras áreas da vida social. Isso, em grande parte, porque foi um processo extremamente complexo por várias razões, entre as quais queremos destacar quatro.

  • O kirchnerismo é filho de uma das crises mais profundas, regressivas e multidimensionais que o país já experimentou na sua história e, dentro desse quadro, parte das conquistas que algumas variáveis sócio-econômicas relevantes vivenciaram, o que estabeleceu justamente uma relação com a saída desse contexto crítico.

  • Assim como outras experiências latino-americanas, foi um momento histórico marcado por algumas rupturas importantes nos critérios ordenadores de intervenção estatal em relação à fase neoliberal. Mas também, por ação ou omissão, pela recuperação de alguns postulados típicos da tradição da economia clássica.

  • Em um contexto internacional pujante por vários anos (com termos de intercâmbio favoráveis), um conjunto de novos processos foi implantado internamente, dada a história prévia: a vigência dos superávits gêmeos (fiscal e externo); o chamado “desendividamento”; um crescimento econômico considerável sob a liderança de setores produtivos; e a criação de empregos e obtenção de melhorias significantes na distribuição de renda (nos dois últimos casos, devido ao piso muito baixo deixado pelas formas assumidas pela resolução do colapso do regime de conversibilidade).

  • Apesar das rupturas existentes, muitas linhas de continuidade com o neoliberalismo também podem ser reconhecidas, dentre as quais se destacam: a consolidação de um perfil de especialização e inserção internacional, ancorado principalmente nos setores de processamento de matérias-primas; o predomínio do capital estrangeiro e de todo um quadro normativo funcional às suas operações no ambiente doméstico (legislação do investimento estrangeiro, tratados bilaterais de investimento etc.); a fuga de capital local para o exterior; e a consolidação do problema da dependência tecnológica e da heterogeneidade estrutural característica do setor industrial.

Entre o final da década passada e o princípio da atual, esses elementos de continuidade foram articulados com outros que surgiram na fase analisada nesta edição (principalmente a crise energética) e, também, uma guinada que ocorreu no cenário global. Assim, as bases foram lançadas para o início de uma fase diferente da economia argentina. No final do segundo mandato presidencial de Cristina Fernández de Kirchner, o país vinha de uma alternância de anos de baixo crescimento com outros de estagnação e queda no nível de atividade (em um quadro de redefinição de lideranças setoriais); e, contrário aos primeiros anos de mandato, a economia apresentava vários desequilíbrios macroeconômicos (restrição externa, desequilíbrio fiscal, inflação elevada) e uma diminuição considerável no que se refere à criação de empregos e à capacidade de recomposição dos salários, com as consequentes tensões distributivas. Ao mesmo tempo, houve uma presença renovada e incidência do capital financeiro.

Nesse contexto econômico adverso, agravado por um confronto cada vez mais aberto do kirchnerismo com certos segmentos do capital concentrado (muitos dos quais já haviam internalizado lucros muito altos e reforçado sua centralidade estrutural), o governo buscou expandir o ajuste. Como isso se tornou inevitável, no âmbito das políticas aceitáveis da coalizão governista, buscou-se reconciliá-la com algumas compensações às classes subalternas afetadas por essa medida. No conjunto, isso impôs um cenário de crescentes contradições nos resultados e, inclusive, nas próprias políticas públicas.

A descrição anterior mostra a grande complexidade da experiência de kirchnerista na Argentina. No entanto, é comum que essa complexidade seja relegada da análise, que termina à mercê de ideias como “década vencida” ou “década perdida”, com as quais os defensores e detratores do kirchnerismo costumam caracterizar o período, ambos sempre a partir de perspectivas muito distorcidas e com poucas fundações.

SOBRE O CONTEÚDO DESTA EDIÇÃO

Para tentar sair dessa superfície analítica e fornecer evidências sólidas para pensar o kirchnerismo como o que realmente foi (um processo marcado por rupturas e continuidades, contradições e conflitos), nas próximas páginas os leitores enocontrarão um conjunto de trabalhos que vão abordá-lo de diferentes ângulos. Apesar da diversidade de temas abordados, é possível identificar um denominador comum para todos os estudos: a tentativa de apreender a singularidade histórica do kirchnerismo a partir de uma abordagem que se baseia no campo da economia política.

No primeiro dos artigos, Pablo Chena, Demián Panigo, Pablo Wahren e Leandro Bona analisam as várias etapas pelas quais a economia argentina passou entre 2003 e 2015, bem como a mudança de orientação das políticas econômicas. Da mesma forma, com uma abordagem semelhante do caráter da intervenção estatal, o trabalho de Alcides Bazza e Víctor Ramiro Fernández problematiza a natureza e os principais resultados das políticas de desenvolvimento produtivo-industrial e de âmbito regional.

A partir de diferentes abordagens, mas que se complementam, a inserção internacional da Argentina constitui o eixo da pesquisa de Andrés Wainer (que procura identificar os fatores estruturais mais relevantes que ajudaram a explicar a transição de uma situação de folga para uma restrição externa), Martín Abeles, Pablo Lavarello e Haroldo Montagú (a restrição externa do ponto de vista das brechas tecnológicas), e Pablo Nemiña (a política financeira externa implantada pelo governo e a relação estabelecida com o Fundo Monetário Internacional).

Além disso, também contamos com a contribuição de Silvia Gorenstein, Jorge Hernández e Delia de la Torre, que analisam o estudo do desenvolvimento de dois setores econômicos fundamentais, dada a matriz de especialização e as modalidades de inserção internacional que se instalaram na época do kirchnerismo: a produção de soja e derivados e a mineração de metais.

Profundamente conectados às pesquisas mencionadas até o momento, Lorenzo Cassini, Gustavo García Zanotti e Martín Schorr analisam a dinâmica estrutural da cúpula empresarial local (as 200 maiores empresas do país) e a forma em que impactaram macro e mesoeconomicamente as estratégias de acumulação realizadas pelas diferentes frações que coexistem no interior do poder econômico local. Por fim, Agustín Arakaki, Juan Graña, Damián Kennedy e Matías Sánchez realizam um diagnóstico da trajetória do mercado de trabalho durante o período kirchnerista , com base em diferentes variáveis de trabalho e renda. A principal conclusão é que, embora muitos empregos tenham sido criados (basicamente nos primeiros anos), a população trabalhadora fechou a etapa atravessada por mudanças em suas condições de reprodução mais profundas do que as existentes no passado.

Sem a pretensão de uma unidade discursiva ou metodológica, senão, justamente, por meio do reconhecimento das especificidades analíticas dentro do amplo espectro da economia política heterodoxa, o conjunto de trabalhos que compõem esta edição pode ser analisado como uma abordagem que, focada no complexo processo que ocorreu recentemente na Argentina, pode contribuir para estimular outros esforços acadêmicos, destinados a considerar outras experiências nacionais que formam o mutável e sempre desafiador cenário latino-americano.

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