Introdução
Os canais mandibulares (CM) são estruturas anatômicas localizadas na mandíbula e alojam o plexo vásculo-nervoso alveolar inferior, localizam-se abaixo das raízes dos molares, estendendo-se até o forame mentoniano em cada um dos dois ramos mandibulares - direito e esquerdo. O nervo alveolar inferior (NAI) apresentase como o maior ramo do tronco posterior do nervo mandibular, terceira divisão do quinto par de nervos cranianos (nervo trigêmeo) e corresponde ao território sensorial de dentes inferiores, periodonto, gengiva vestibular de pré-molares, dentes anteriores e lábio inferior de um mesmo hemiarco. Uma forma de identificar o NAI, em radiografias, é a observação do CM1.
O terceiro molar inferior (TMI) é o dente que possui maior relação com o CM, sobretudo quando não está completamente irrompido 2. A exodontia de TMIs é um dos procedimentos mais comuns na clínica odontológica, portanto há a necessidade do conhecimento por parte dos profissionais a respeito da topografia anatômica dos CMs3.
De acordo com a literatura, a frequência de injúria nervosa ao NAI pode variar de 0,5% a 5,3% e, o risco permanente é abaixo de 1%, em relação a cirurgias de TMIs inclusos. Injúrias à artéria e/ou veia alveolar inferior em intervenções cirúrgicas, podem ocasionar hemorragias 4,5,6. Com isso, nota-se a importância de um correto diagnóstico e conhecimento da anatomia do caso.
A radiografia panorâmica (RP) é o exame mais comumente utilizado pelos CDs para avaliar essa relação, pois apresenta como vantagens uma ampla visão dos arcos, facilidade de execução e baixo custo, entretanto, atualmente, a tomografia computadorizada (TC) tem complementado o diagnóstico e planejamento cirúrgico de casos mais complexos, pois permite a visualização de estruturas anatômicas tridimensionalmente, devendo ser indicada com critério e em casos bem selecionados, quando houver indícios de proximidade das raízes de TMIs com o CM 7,8. Existem dois tipos de TCs: as de feixe cônico - TCCB (cone beam) e as de feixe em leque - TCH (helicoidais/ em espiral/médicas) 9.
A tomografia computadorizada cone beam (TCCB) é hoje utilizada em diversas áreas da Odontologia 10 e apresenta como vantagens, segundo Thomé et al. 11, menores doses de radiação, menor tempo de exame, aparelho mais compacto e bom custo/benefício. Apesar disso, a tomografia computadorizada helicoidal (TCH) também pode ser utilizada para diagnóstico odontológico, pois a resolução da imagem da TC multislice, que é a TCH mais moderna, é maior em relação à TCCB, pelo fato dessa última não visualizar tecidos moles em baixas doses de radiação. Chilvarquer, Hayek e Azevedo 12 afirmaram que o feixe e o sensor de área no TCCB não possuem colimação, o que gera uma grande quantidade de ruído durante a aquisição da imagem e faz com que as imagens de baixo contraste (tecidos moles) não se diferenciem tão bem quanto na TCH.
Não existem trabalhos que tragam uma análise descritiva em artigo sobre a topografia anatômica dos terceiros molares inferiores com relação aos respectivos canais mandibulares em tomografias computadorizadas helicoidais. Portanto, o objetivo deste estudo é verificar a topografia anatômica de terceiros molares em relação aos seus respectivos canais mandibulares através de Tomografias Computadorizadas de um banco de dados.
Materiais e métodos
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética (CEP-UFPI), parecer consubstanciado nº 2.379.709, via Plataforma Brasil, conforme anexo 1.
Trata-se de um estudo transversal. A coleta de dados foi realizada em um banco de dados de uma clínica privada de diagnóstico por imagem da cidade de Teresina-PI, uma clínica de referência para os pacientes da universidade, já que na clínica odontológica da mesma não possui tomógrafo.
Foi realizado um estudo-piloto com cinco exames de pacientes que realizaram TCH de mandíbula em 2013, que estavam disponíveis, a fim de identificar possíveis erros nas mensurações, treinar o procedimento de forma a torná-lo padronizado e adequar-se ao uso do programa. Após essa etapa, esses exames foram excluídos e iniciou-se a coleta de dados.
A amostra da pesquisa foi censitária, no período de janeiro de 2016 a outubro de 2017. Um total de duzentos e trinta e quatro (234) pacientes realizaram o exame de TCH na referida clínica. Destes, 48 pacientes com TMIs bilaterais cumpriram os critérios de inclusão, totalizando 96 TMIs analisados topograficamente.
Os critérios de inclusão foram: TCHs de mandíbulas de pacientes que possuíam idade maior ou igual a 18 anos, dentados, com TMIs com rizogênese completa, e que apresentassem TMIs bilaterais, podendo ser erupcionados e/ou inclusos (/impactados). E aos critérios de exclusão: pacientes desdentados e/ou que possuíssem patologias mandibulares que interferissem na anatomia.
Foram utilizados arquivos digitais obtidos por um aparelho de Tomografia Computadorizada Helicoidal Multislice, 64 canais LightSpeed GE® (General Electric, New York, Estados Unidos) com aquisições volumétricas de 64 imagens por rotação de 0.40 segundo, ou aproximadamente 170 imagens por segundo; kVp - 120; mA - 150.
As imagens foram analisadas, em milímetros, por pesquisador previamente calibrado por um radiologista padrão-ouro, realizando-se mensurações lineares verticais bilateralmente em cortes tomográficos transaxiais em tamanho real 1:1, através do programa Dental Scan/PACS CARESTREAM Vue® versão 11.4.0.1253, na própria clínica, conforme a figura 1.
As mesmas foram registradas através de fotografias e anotações contendo as iniciais dos pacientes, idade, gênero, identificação no banco de dados e as informações relevantes a este estudo. Esses dentes foram avaliados quanto à sua topografia anatômica com relação ao respectivo CM: observou-se a posição das raízes em relação ao CM no sentido vertical e horizontal, a distância das raízes dos TMIs ao CM, a classificação quanto a angulação dos dentes com relação ao dente vizinho, que foi analisada na reconstrução 3D e a posição do CM no sentido vestíbulo-lingual.
As distâncias verticais baseavam-se na presença ou ausência de contato entre as raízes (mesial, distal ou ambas) dos TMIs com o CM e eram classificadas como ao nível do CM (distância nula), superior ou inferior a ele, e então a distância era mensurada, conforme a figura 2A e 2B.
Quanto ao grau de erupção, os dentes foram classificados como erupcionados ou inclusos(/impactados), e os inclusos foram classificados com relação à angulação, segundo Winter 10, em mesioangulados, verticais, horizontais, distoangulados, linguoangulados, vestibuloangulados ou invertidos. Além disso, analisou-se a posição vestíbulo-lingual do CM em: posição vestibular, lingual ou inferior (equidistante). Realizando-se a mensuração nessa distância lateral do CM às corticais ósseas vestibular e lingual, respectivamente, no corte onde as raízes dos TMIs estão mais próximas ao CM, conforme a figura 2C.
Após a coleta, os dados foram digitados e analisados no programa SPSS 20.0 (Statistical Package for the Social Sciences - IBM SPSS®) para Windows e processados de modo a fornecer os resultados dos quesitos levantados, através de uma análise descritiva em tabelas, com valores absolutos e porcentagens. Foi utilizado o Índice Kappa para análise da confiabilidade intraexaminador, após a repetição das mensurações, revelando índices de concordância de κ=0,91. O nível de significância foi estabelecido com p<0,05.
Resultados
Houve predominância do gênero feminino (66,67%). A idade dos pacientes variou de 18 a 59 anos (média: 29,27 anos; desvio padrão: 11,56; coeficiente de variação de 39,49%), mostrando que a faixa de idade é heterogênea.
A amostra foi composta por 62 dentes inclusos (64,58%), e 34 dentes (35,42%) erupcionados. Dos inclusos, a maioria encontrava-se mesioangulada: 25 (40,32%), seguido da angulação vertical: 19 (30,65%) e horizontal: 16 (25,81%), e apenas um caso em cada posição: distoangulado: 1,61% e linguoangulado: 1,61%, nenhum caso de dente invertido foi encontrado nesse período.
Para os TMIs erupcionados, a distância dos ápices radiculares ao CM variou de 0 mm a 4,64mm, a média foi de 1,77 mm, desvio padrão:1,47, sendo a distância(d): 1≤d≤1,99 mm a mais prevalente (38,24%), seguido pela d>3mm (26,47%), conforme observado na Tabela 1.
Para os TMIs inclusos, a distância dos ápices radiculares ao CM variou de 0 mm a 4,48mm, a média foi de 0,56 mm, desvio padrão:0,88, sendo a distância nula - 0 mm a mais prevalente (59,68%), conforme observado na Tabela 2.
A posição das raízes determinada no sentido vertical apresentou na maioria dos casos a posição acima do CM (superior): 51 (53,13%), seguida, da posição ao nível do CM (distância nula): 45 (46,87%), não foram encontradas na amostra nenhuma ocorrência de posição inferior ao CM. No sentido horizontal, a posição mais frequente encontrada das raízes foi a vestibular em relação ao CM (45,3%), seguida das posições ao nível(35,1%) e lingual(19,6%).
Na mensuração da posição vestíbulo-lingual do CM, a maior frequência observada foi posição lingual: 76 (79,17%), seguida da posição vestibular: 19 (19,79%) e equidistante: 1 (1,04%). Com relação à distância entre as corticais mandibulares ao CM, verificou-se distância média de 4,27 mm da cortical vestibular e 2,22mm da cortical lingual, como demonstrado na Tabela 3.
Discussão
O presente estudo utilizou para a validação diagnóstica, a TCH. Pois é uma alternativa e tem sido recomendada para demonstrar o relacionamento tridimensional entre essas estruturas com bastante segurança, e prevendo assim o risco de lesões ao NAI, e deficiências neurossensoriais 11.
Injúrias ao NAI podem ser diretas ou indiretas, a primeira é causada por injeção de anestésico ou instrumentação cirúrgica, já as lesões indiretas são resultado da movimentação das raízes em contato íntimo com as paredes do CM, compressão por edema ou hematoma. A posição do dente parece estar diretamente relacionada com lesões do NAI 5.
Os casos de parestesia do NAI que requerem tratamento contam com as modalidades cirúrgica (microneurocirurgia), medicamentosa (vitamina B1, cortisona) ou aplicação de laser de baixa intensidade (GaAIAS- 820 nm). Entretanto, como não há garantias do retorno por completo da sensibilidade, a prevenção ainda é a melhor maneira de lidar com a parestesia 3,6,11.
Loubele et al.13 compararam a eficácia das medidas lineares produzidas pela TCCB e TCH multislice para avaliação da mensuração do osso alveolar em humanos e concluíram que entre o exame de imagens por TCCB e por TC multislice, os resultados das análises são semelhantes em relação à eficácia nas medidas das imagens ósseas alveolares dos maxilares em humanos.
Segundo Jhamb et al. 14, a incidência de parestesia pós-operatória varia de 0,4% a 8,4% em cirurgias de TMIs inclusos e para dentes com proximidade ou em contato com o CM, a ocorrência eleva-se para 35,6%. Fatores etiológicos associados com a lesão do nervo incluem a experiência do cirurgião, a idade do paciente, manipulação de tecido traumático, edema pós-cirúrgico e a proximidade anatômica do nervo com o dente 6.
Tjusi et al. 4 objetivaram investigar a posição e o trajeto do CM utilizando TCs de 35 pacientes com idades entre 15 e 34 anos e constataram que o CM está mais próximo da margem lingual, corroborando com o presente estudo, no qual a maior frequência observada foi na posição lingual: 76 (79,17%), seguida da posição vestibular: 19 (19,79%) e equidistante: 1 (1,04%).
A osteotomia sagital do ramo mandibular tem sido relatada como um procedimento realizado em cirurgias ortognáticas e é eficiente por oferecer excelente exposição do campo operatório e um melhor controle da perda óssea local, com isso, diminuem-se as possibilidades de parestesia labial permanente pelo dano ao NAI, pois a mesma é realizada na região vestibular 15. Portanto, a localização lingual do CM encontrada no presente estudo e na literatura, torna-se favorável nesse caso, já que reduz riscos de lesão ao NAI.
O TM é, em geral, o último dente a erupcionar, fazendo-o habitualmente no fim da adolescência e início da idade adulta (17-21anos). Por isso a faixa de idade utilizada no presente estudo ser a partir dos 18 anos. Geralmente não encontra espaço na arcada e permanece incluso. Segundo a literatura, os dentes que mais se apresentam inclusos são: TMs(90%), caninos superiores(5%), pré-molares superiores e inferiores(5%). Na cirurgia de TMIs, devido a variação no grau e profundidade do dente incluso e sua relação com o CM, alguns pacientes podem ter risco aumentado de danos ao NAI adjacente 2,3,7,8. O que está de acordo com o presente estudo, pois a amostra deste apresenta 62 dentes inclusos (64,58%), e 34 dentes (35,42%) erupcionados, mostrando que a maioria dos terceiros molares permanece inclusa. Para os TMIs erupcionados, a média de distância dos ápices radiculares ao CM foi de 1,77 mm, já para os inclusos, foi de 0,56 mm. Mostrando que os dentes inclusos apresentam menor distância ao CM e maior possibilidade de lesão ao NAI, corroborando com o presente estudo.
A classificação de Winter 10 é utilizada para facilitar a análise da inclinação dos TMIs e estabelecer a técnica cirúrgica mais adequada. O trabalho de Santos Tunirat al. 16 avaliou exclusivamente a prevalência da posição e inclinação de TMIs e encontrou uma incidência maior de dentes mesioangulados(57,07%), seguidos dos verticais(17,64%) e horizontais(8,86%), distoangulados(7,36%), linguoangulados(0,07%) e vestibuloangulados(0,71%); no trabalho de Sedaghatfar et al. 6, a prevalência foi de: mesioangulados(52%), verticais(35,2%), horizontais(10,4%), distoangulados(2,4%); Miloro e Dabell 17, encontraram: mesioangulados(34%), verticais(21%), horizontais(12%), distoangulados(7%), irrompidos(26%), corroborando também com o estudo atual que mostra que dos inclusos, estavam mesioangulados: 25 (40,32%), seguido da angulação vertical: 19 (30,65%) e horizontal: 16 (25,81%), e apenas um caso em cada posição: distoangulado: 1,61% e lingualizado: 1,61%.
Miloro e Dabell 17, também avaliaram a distância entre os TMIs e o CM. A distância média entre o ponto mais inferior dos TMIs erupcionados até o CM foi de 0,88. Santos Tunirat et al 16 foi de 1,24mm, já no presente estudo a média foi de 1,77 mm. Pode-se inferir que a distância vertical dos TMIs ao CM quando erupcionados apresentava-se na maioria dos estudos, superior ao CM.
Santos Júnior et al 18, avaliaram a topografia do CM com relação aos ápices dos TMIs através de imagens tomográficas de 25 humanos de banco de dados, bem como a relação do ápice radicular de TMIs com o teto do CM. A maioria dos pacientes foi do gênero feminino (68%), corroborando com a maioria dos estudos pesquisados 4,6,8 e predominando a faixa etária de 20 a 30 anos, o que está de acordo também com o estudo atual que a maioria era de pacientes do gênero feminino e a média de idade geral foi de 29,27 anos.
No presente estudo, a posição das raízes em relação ao CM determinada no sentido vertical apresentou na maioria dos casos a posição superior em relação ao CM: 51 (53,13%), seguida, da posição ao nível do CM: 45 (46,87%), não foi encontrada na amostra nenhuma ocorrência de posição inferior ao CM. Tais resultados diferem daqueles encontrados por Neugebauer et al 8., onde verificou-se na TCCB maior frequência de posições ao nível (43,8%) do CM, seguida respectivamente das posições radiculares superior (28,1%) e inferior (27,1%). Talvez o resultado se justifique porque na presente amostra foram utilizados tanto dentes erupcionados como inclusos e na do outro autor somente dentes inclusos.
No sentido horizontal, a posição mais frequente encontrada das raízes foi a vestibular ao CM (45,3%), seguida das posições ao nível(35,1%) e lingual(19,6%). Estas frequências estão de acordo com os resultados obtidos por Neugebauer et al 8. No estudo realizado por estes autores, a posição mais frequentemente encontrada foi vestibular ao CM (41,3%), seguida das posições ao nível (35,8%) e lingual (22,9%).
Com relação à distância entre as corticais mandibulares ao CM, verificou-se distância média de 4,27 mm da cortical vestibular e 2,22mm da cortical lingual. Estes resultados confirmam outros encontrados na literatura 15,19,20. Como por exemplo, Miloro e Dabell 17 verificaram que a média da distância do CM à cortical lingual foi de 2,25 mm, variando de 1 a 5 mm na região do terceiro molar inferior, corroborando com os resultados do presente estudo.
Conclusão
A TC é um importante método utilizado para a complementação diagnóstica da relação de TMIs com o CM quando há sinais de contato entre eles. Apesar de hoje a TCCB ser a mais moderna e mais utilizada, quando não se tem esse tipo de tomógrafo, o tomógrafo helicoidal pode ser uma alternativa, mostrando-se satisfatório quanto às mensurações.
Com esse estudo pode-se concluir que TMIs erupcionados apresentavam uma maior distância vertical em relação ao CM quando comparados com os inclusos. A maioria dos dentes inclusos encontravam-se na posição mesioangulada. Houve maior prevalência de distância nula dos ápices radiculares ao CM quando os TMIs encontravam-se inclusos e superiores ao CM quando estavam erupcionados. Os ápices radiculares encontravam-se mais frequentemente na posição superior no sentido vertical, já no sentido horizontal, a posição mais frequente encontrada das raízes foi a vestibular em relação ao CM. E o CM encontrava-se mais prevalente na posição lingual em relação às corticais ósseas mandibulares.