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Revista de la Universidad Industrial de Santander. Salud

Print version ISSN 0121-0807On-line version ISSN 2145-8464

Rev. Univ. Ind. Santander. Salud vol.55  Bucaramanga Dec. 2023  Epub Nov 27, 2023

https://doi.org/10.18273/saluduis.55.e:23010 

Artigo de pesquisa e inovação

Ressignificando o aprendizado acerca do processo de enfermagem para desenvolver raciocínio clínico

Re-signifying learning about the nursing process to develop clinical reasoning

Júlia Valéria de Oliveira Vargas Bitencourt1  * 
http://orcid.org/0000-0002-3806-2288

Andressa Reginatto Percisi1 
http://orcid.org/0000-0001-6908-4263

Priscila Biffi1 
http://orcid.org/0000-0001-5476-5840

Alexander Garcia Parker1 
http://orcid.org/0000-0002-1182-5556

Juliana Baldissera Dors1 
http://orcid.org/0000-0003-4862-2258

Kimberly Lana Franzmann1 
http://orcid.org/0000-0003-4012-2240

1 Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, Santa Catarina, Brasil.


Resumo

Introdução:

A aplicação das etapas do processo de enfermagem na prática clínica requer aperfeiçoamento constante.

Objetivo:

Analisar as ressignificações do aprendizado que enfermeiros, professores e estudantes obtiveram durante oficinas de aperfeiçoamento do processo de enfermagem.

Metodologia:

Pesquisa Convergente Assistencial realizada por meio de cinco oficinas, na qual totalizou 12 participantes. Na análise dos dados, elaborou-se síntese, teorização e transferência para a prática das ressignificações do aprendizado.

Resultados:

Destacou-se que informações insuficientes no instrumento de coleta de dados gera inconsistências na identificação diagnóstica. Enfatizou-se a relevância das taxonomias na etapa do planejamento e incompreensões no manejo da Escala Likert dos indicadores.

Conclusões:

Discutiram-se as etapas do processo a partir da sua aplicabilidade, por se entender ser deste lugar que se devem disparar as discussões desta temática. Conclui-se a necessidade do aperfeiçoamento, por estratégias inovadoras que permitam a participação ativa dos profissionais e valorização dos serviços de saúde, assim como as oficinas produzidas no estudo que se embasaram em um modelo local, potencializando o aprendizado significativo de estudantes e professores.

Palavras-chave: Processo de enfermagem; Terminologia; Ensino; Enfermagem; Raciocínio clínico

Abstract

Introduction:

The application of the steps of the Nursing Process in clinical practice requires constant improvement.

Objective:

To analyze the new meanings of learning that nurses, professors, and students obtained during workshops to improve the Nursing Process.

Methodology:

Convergent Care Research was carried out through five workshops, in which a total of 12 participants. In the data analysis, a synthesis, theorization, and transference to the practice of the learning resignifications were elaborated.

Results:

It was highlighted that insufficient information in the data collection instrument generates inconsistencies in diagnostic identification. The relevance of taxonomies in the planning stage and misunderstandings in the management of the Likert Scale of indicators was emphasized.

Conclusions:

The stages of the process were discussed based on their applicability, as it is understood from this place that discussions on this theme should be launched. It concludes the need for improvement, through innovative strategies that allow the active participation of professionals and enhancement of health services, as well as the workshops produced in the study that were based on a local model, enhancing meaningful learning of students and teachers.

Keywords: Nursing process; Terminology; Teaching; Nursing; Clinical reasoning

Introdução

Uma temática que requer atenção no que tange ao aperfeiçoamento, tanto de estudantes quanto de profissionais, é a aplicação das etapas do processo de enfermagem na prática clínica. Nas Instituições de Ensino Superior é recorrente a queixa dos estudantes dos cursos de graduação em enfermagem acerca da dificuldade em aliar teoria e prática relacionada a esta temática1. Desta forma, consiste em um desafio ao longo da formação do enfermeiro aproximar estas duas dimensões do aprendizado, de modo que estudantes e profissionais consigam reconhecer no processo de enfermagem uma metodologia assistencial que produza efetiva distinção quanto ao desenvolvimento do cuidado. Ademais, cabe destacar que a operacionalização desta metodologia não deve constituir-se em uma prática impositiva tão somente para o cumprimento de questões legais e éticas, conforme resoluções do Conselho Federal de Enfermagem2.

Em virtude disso, em uma cidade do Oeste Catarinense, Instituições de Ensino Superior que ofertam cursos de graduação em enfermagem aliaram-se ao hospital escola da região, com a finalidade de desenvolver pesquisa e extensão envolvendo a temática em questão. A partir daí, foi delineada a oferta de oficinas de operacionalização das etapas do processo de enfermagem para enfermeiros, professores e estudantes, apropriando-se do modelo de implementação do método adotado no serviço. Para tanto, foi utilizado o modelo de Histórico de Enfermagem e os Sistemas de Linguagem Padronizadas NANDA International (NANDA-I) para Diagnósticos de Enfermagem, Nursing Outcomes Classification (NOC) para os Resultados de Enfermagem e Nursing Interventions Classification (NIC) para as Intervenções de Enfermagem.

Assim, o estudo tem como objetivo analisar as ressignificações do aprendizado que enfermeiros, professores e estudantes obtiveram durante as oficinas de aperfeiçoamento e operacionalização das etapas do processo de enfermagem, por meio da Pesquisa Convergente Assistencial.

Metodologia

Trata-se de uma Pesquisa Convergente Assistencial (PCA), a qual caracteriza-se por provocar mudanças, na prática assistencial, elucidando relações entre teoria e prática, além de contribuir para a resolução de conflitos e problemas3. Visa à afirmação dos critérios de estudos qualitativos e credibilidade dos dados, exemplificado neste estudo pela submissão ao Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). A PCA constitui-se de quatro diferentes fases, quais sejam: concepção, instrumentação, perscrutação e análise. Na fase de concepção, quando o pesquisador delineia o problema de pesquisa, desenvolve uma síntese de conhecimento em relação ao tema de pesquisa através da revisão de literatura, com objetivo de refinar o que efetivamente deseja pesquisar, e também o que almeja modificar na prática. Assim, nesse momento é definido o suporte teórico e metodológico, onde pesquisar e com quem pesquisar. Não obstante, considerando a perícia dos pesquisadores com a temática em foco, tanto no campo da pesquisa quanto no da extensão universitária, o recorte para o estudo a partir dessa vivência lhes permitiu identificar elementos da prática que necessitam de modificação. Na instrumentação, o pesquisador define o espaço da pesquisa e a aproximação com o cenário da prática. Logo, posto que o produto do estudo envolve formação, a opção pelo ambiente acadêmico harmoniza a proposta. Ademais, neste espaço os participantes integram-se à proposta de aperfeiçoamento, negociam e definem os instrumentos para coleta de dados. Na fase de perscrutação, etapa essencial, o pesquisador explora sua capacidade de examinador, exaltando habilidades efetivas na investigação dos elementos da pesquisa que serão factíveis para a análise durante a instrumentação, e que serão considerados para a análise propriamente dita. Por fim, na fase de análise, o pesquisador, de posse das sínteses do processo de perscrutação, realiza a apreensão dos dados, a síntese e a teorização, finalizando com a transferência para a prática3.

Frente ao exposto, o estudo foi realizado em uma universidade da região oeste do estado de Santa Catarina, no segundo semestre de 2019, por meio de cinco oficinas de aperfeiçoamento sobre a operacionalização das etapas do processo de enfermagem, empregando-se para tal a quatro fases da PCA descritas anteriormente.

Participaram do estudo enfermeiros, professores e estudantes de graduação em enfermagem, mediante a divulgação e formalização dos convites para as oficinas de aperfeiçoamento junto à instituição hospitalar e de ensino vinculadas ao respectivo projeto de pesquisa e extensão.

Consideraram-se como critérios de inclusão ser enfermeiro com atuação no serviço hospitalar parceiro, e já ter passado pelo período de experiência. Com relação aos critérios estabelecidos para os professores, estabeleceu-se a formação de nível superior em enfermagem e a efetividade na docência. Quanto aos estudantes, observou-se a obrigatoriedade em estar cursando minimamente a terceira fase do curso. Como exclusão adotaram-se os seguintes critérios: enfermeiros de outros serviços de saúde; professores enfermeiros substitutos e professores efetivos não enfermeiros; estudantes cursando a primeira e segunda fases do curso. Totalizaram, portanto, 12 participantes, os quais assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, com vistas a preservar o anonimato, foram identificados alfa numericamente de OF1 a OF12. Para a coleta de dados, combinou-se com os oficineiros que as sessões seriam audiogravadas.

Do ponto de vista de coleta de dados, a PCA se estrutura com base nos seguintes atributos: dialogicidade, onde pesquisadores e participantes dialogam sobre a temática e compartilham ideias buscando ampliar concepções, para uma potencial transformação; a expansibilidade, outro conceito importante da PCA que denota a relação dos aspectos discutidos durante a dialogicidade, expandindo-se assim da prática assistencial para a investigativa com os respectivos aprofundamentos teóricos; a imersibilidade, conduzindo o pesquisador a uma imersão consistente na proposta de pesquisa de modo que este assuma uma postura de agente da prática assistencial, ao mesmo tempo, em que segue sua atividade de pesquisador. Esta é uma condição relevante, pois o coloca em condição de perspectivar a mudança ensejada; e a simultaneidade, possivelmente o maior desafio da PCA visto que as ações investigativas e da prática assistencial entrecruzam-se não exibindo dominância entre uma e outra. Logo, é quando efetivamente se captura a transformação no contexto da pesquisa e da prática3.

Com base nos atributos da PCA organizaram-se as oficinas de aperfeiçoamento, denominadas "Oficinas de instrumentalização do processo de enfermagem", com duração de três horas por encontro, ocorrendo a cada 30 dias, num intervalo de cinco meses. Os temas das oficinas foram respectivamente: 1a oficina - Coleta de dados - Histórico de Enfermagem e Evolução Diária; 2a oficina - Diagnósticos de Enfermagem; 3a oficina -Resultados de Enfermagem; 4a oficina - Intervenções de Enfermagem e 5a oficina - Estudos de caso para a aplicação de todas as etapas do processo de enfermagem e desenvolvimento do raciocínio clínico.

Desta forma, em cada uma das oficinas as concepções basais da PCA descortinaram-se. Logo, na dialogicidade foram realizadas explanações gerais sobre a base legal, ética, teórica e metodológica do processo de enfermagem. Consideraram-se também as resoluções, o Código de Ética da Enfermagem e explanações específicas acerca dos Sistemas de Linguagens Padronizadas NANDA-I, NOC e NIC, distribuídos nas oficinas conforme as etapas correspondentes do processo.

Foi proposto também, em cada uma das oficinas, o desenvolvimento prático das etapas do processo de enfermagem e, para tal, adotou-se uma história de saúde de um indivíduo internado em uma instituição hospitalar, servindo de base para a realização das oficinas que trataram das etapas específicas do processo de enfermagem. Para tanto, disponibilizou-se o acesso aos Sistemas de Linguagem Padronizadas eletrônica e fisicamente, onde os oficineiros foram divididos em subgrupos com quatro participantes cada, totalizando três subgrupos.

Na imersibilidade e simultaneidade, ao final de cada encontro, explanaram-se as percepções sobre o desenvolvimento das etapas do processo de enfermagem, as dificuldades e facilidades encontradas, com base no modelo utilizado no hospital. E, na última oficina, uma nova história de saúde foi disponibilizada com a finalidade da realização do processo de enfermagem na íntegra, permitindo assim aos participantes demonstrarem as abstrações dos conhecimentos básicos para a utilização dos Sistemas de Linguagem Padronizadas, bem como o desenvolvimento das etapas do processo de enfermagem e a elaboração do raciocínio clínico intrínseco.

Através da utilização da PCA, ficam demonstradas na análise a apreensão e interpretação diante da proposta de pesquisa. Para tal, os pesquisadores elaboraram uma síntese da análise, teorizando e finalizando com a transferência do construto desenvolvido para a prática. Neste caso, reconhece-se como constructo o aperfeiçoamento quanto à operacionalização das etapas do processo de enfermagem com base nos Sistemas de Linguagem Padronizadas NANDA-I, NOC e NIC, e a produção do raciocínio clínico capaz de transformar a qualidade da visão e ação clínica de estudantes, professores e enfermeiros no cotidiano da assistência. Logo, constroem-se significados e descobertas, que proporcionam novas concepções aos profissionais, ressignificando seus conceitos e produzindo assim a consequente melhoria do processo de trabalho4-5.

Esta pesquisa seguiu os princípios éticos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, do Conselho Nacional de Saúde, apreciada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos com parecer de número 4.008.628/2020, e o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética de número 11945519.6.3001.5564.

Resultados

Quanto aos 12 participantes da pesquisa, 11 eram do sexo feminino e um do sexo masculino, com idades entre 19 e 40 anos. Desses, um era professor, quatro eram estudantes respectivamente da 3a, 4a e 5a fases do curso de enfermagem, e sete eram enfermeiros da atenção hospitalar.

Os resultados oriundos do estudo denotam as impressões dos oficineiros e suas ressignificações quanto ao aprendizado acerca do processo de enfermagem, com relação ao exercício teórico e prático para o desenvolvimento de suas etapas, e o raciocínio clínico subjacente.

Resultados quanto as etapas do processo de enfermagem

Problematização referente à 1a e 2a etapas do processo de enfermagem: O que mais pesou foi a questão do histórico que estava preenchido!!! Faltava muita informação, não tinha como imaginar como o paciente realmente estava (OF1). Por onde começar!!! Tentamos identificar o diagnóstico com foco no estado de risco, depois a gente viu que não dava, porque ele ia começar com promoção de saúde (OF2).

Os oficineiros ressignificam concepções sobre estas duas etapas: Na conversa ao final do exercício foi possível perceber a importância da primeira etapa do processo de enfermagem, a falta de informações sobre o estado de saúde dos pacientes, sinais e sintomas. Enfim, dificulta ao profissional compreender a sua condição de saúde, e essa situação pode levar a uma escolha errada de diagnóstico. Uma etapa depende da outra, fica clara a relevância de se realizar um bom exame físico e anamnese e como esta ação reflete na segunda etapa do processo de enfermagem (OF8).

Quanto às demais etapas, discutiram a taxonomia NOC: Para você ir olhando os indicadores, na evolução do paciente, porque vai aplicando isso na medida em que permanece na unidade. (...) Por exemplo, um paciente de saúde mental, ao longo do tempo quando eu vou aplicando esses resultados, eles vão me ajudando a definir onde eu quero chegar com o meu paciente me dando uma visão muito realista para o meu cuidado. Eu quero chegar nesse ponto aqui objetivamente, eu vou avaliando se os indicadores vão se mexendo, se ele tá no 1 e vai para 2, ou se de repente ele estava lá no 3 e regrediu para o 2, eu consigo olhar esse progresso e o quanto também esse cuidado pode estar tendo lacunas, ele te permite olhar muito ampliadamente. Eu também não fico despendendo energia com coisas que eu não sei se vão dar certo. Quanto cuidado a gente fica aí lançando mão de uma forma intuitiva (OF3).

Ainda sobre a NOC, dialogou-se sobre o uso da EscalaLikert: Escolhemos o indicador pressão arterial para o paciente, sendo que a pressão basal dele era 150/90, e isso seria o quanto de ruim em relação à Escala Likert deste indicador? ...Então classificamos como NOC 4 (OF4). Porque a pressão normal é considerada 130por 90 não é? Então aí a gente ficou na dúvida se 150 por 90 era moderado ou era leve (OF5).

As ressignificações de aprendizado sobre a NOC são esboçadas: Contar com a taxonomia NOC para o processo de enfermagem é muito bom, antes quando não se tinha indicadores não se conseguia mesmo saber de que forma o paciente estava evoluindo, era tudo muito incerto, notava-se que melhorava ou não, mas sempre nos sentíamos inseguros. Agora não! Conseguimos realmente ter esta convicção, e ainda mais sabendo que tudo o que planejamos em termos de resultados e intervenções é baseado nas melhores evidências científicas. Isso nos causa tranquilidade, assegurados de que as intervenções são eficazes. Claro, nota-se também que é importante ter definições dos indicadores, pois realmente às vezes temos dúvidas, quando está descrito no indicador, por exemplo; moderadamente comprometido ou levemente comprometido, nos perguntamos qual a diferença? (OF12).

A Figura 1 sintetiza as impressões dos oficineiros e as ressignificações extraídas das falas expostas anteriormente:

Figura 1 Impressões e ressignificações dos oficineiros referente às etapas do processo de enfermagem. 

Resultados quanto ao desenvolvimento do raciocínio clínico

O exercício do raciocínio clínico concorrente às etapas do processo de enfermagem, destacando-se na última oficina: "Diagnóstico: Risco de lesão e Integridade tissular de pele e mucosas; o resultado é: Integridade tecidual e novos tecidos; a intervenção: prevenção de lesão por pressão e as atividades: Utilizar as ferramentas de avaliação de risco, a escala de Braden, monitorar intensivamente as áreas avermelhadas, documentar o estado da pele na admissão, diariamente e girar a cada duas horas de modo apropriado (OF6). O nosso paciente teve um aneurisma e ele está internado, sedado, então algumas coisas nos restringem por conta disso. O diagnóstico então que nós tínhamos: Risco de perfusão tissular cerebral ineficaz, e daí como resultado eu consegui mensurar então a pressão tissular cerebral e os indicadores: Pressão arterial sistólica. Aí, como intervenção, a gente colocou a monitoração neurológica e como atividade monitorar o tamanho da pupila, forma, simetria e reatividade, monitorar os sinais vitais (temperatura, pressão arterial, pulso e respiração), evitar atividades que aumentem a pressão intracraniana e espaçar as atividades de enfermagem que aumentem a pressão intracraniana" (OF7).

Na ressignificação do aprendizado da operacionalização das etapas do processo, surge o raciocínio clínico: Este exercício permitiu perceber o encadeamento de todas as etapas do processo de enfermagem, como que uma deve estar relacionada com a outra, como que uma depende mesmo da outra. Então a coleta de dados desencadeia o diagnóstico, aí a partir da situação de saúde, pensando nos fatores relacionados do diagnóstico e em suas características definidoras pensamos nos resultados que queremos atingir e, junto disso, temos que pensar como vamos avaliar se estes resultados foram atingidos ou não por meio dos indicadores. Estes resultados precisam estar linkados ao diagnóstico. Depois pensamos o que vamos fazer, como vamos cuidar do paciente, e então planejamos as intervenções que devem ter relação com o diagnóstico, mas, ao mesmo tempo, devem ter relação com os resultados e indicadores que permitirão avaliar se foram efetivas ou não. Tudo isso, mostra o raciocínio clínico dentro da operacionalização do processo de enfermagem (OF10).

A Figura 2 sintetiza as impressões e ressignificações em relação ao raciocínio clínico, concorrente às etapas do processo de enfermagem, abordadas pelos oficineiros:

Figura 2 Impressões e ressignificações dos oficineiros referente ao raciocínio clínico, concorrente às etapas do processo de enfermagem. 

Discussão

Primeiramente, como limitações do estudo, pontua-se a sua abrangência considerando o número de oficineiros, o que sugere a necessidade de replicação da oferta das oficinas e a coleta de dados por meio da PCA. Esta medida visa atingir a totalidade de enfermeiros, professores e estudantes que vivenciam, no serviço pesquisado, a aplicabilidade das etapas do processo de enfermagem por meio das taxonomias NANDA-I, NOC e NIC.

Concernente à contribuição do estudo para a prática, ao se estabelecer a integração ensino e serviço se fortalece a interlocução dos aspectos teóricos discutidos na academia e a prática vivenciada nos serviços de saúde. A implementação do processo de enfermagem requer aprendizado contínuo, constituindo ainda uma importante lacuna na assistência realizada em muitos serviços. Esta pesquisa demonstra caminhos possíveis a serem utilizados em outras realidades, para imersão dos estudantes na vivência prática da operacionalização do processo de enfermagem, bem como um espaço para os profissionais elucidarem dúvidas e encontrarem caminhos para viabilizar a sua implementação.

A primeira etapa do processo é conhecida como coleta de dados, e possibilita ao enfermeiro obter os dados clínicos necessários ao registro do Histórico de Enfermagem. Este, por sua vez, é utilizado para descrever as informações relativas ao primeiro contato que o profissional tem com o paciente na atenção hospitalar, no primeiro dia da internação e, a partir do segundo dia, o registro é realizado nas evoluções de saúde. A coleta de dados é constituída do levantamento das necessidades de saúde dos pacientes, com base em situações problemas, de risco ou de promoção da saúde, ou bem-estar.

Para que essa etapa se torne operacional e atinja os objetivos, é essencial a elaboração de um instrumento norteador, uma espécie de roteiro, que auxilie os enfermeiros no registro das informações coletadas. Busca-se com isso facilitar a transcrição para os modelos de Histórico de Enfermagem e evolução de saúde instituídos no serviço. Nesse sentido, os serviços que trabalham com o processo de enfermagem optam muitas vezes por criar estratégias, como os questionários, os quais podem auxiliar na organização da coleta de dados. Porém, é necessário que o instrumento seja de fácil compreensão para que os profissionais que não participaram da sua elaboração consigam entender o significado de cada pergunta, daí a importância da utilização de um roteiro norteador6.

Evidenciou-se neste estudo a dificuldade dos participantes quanto à compreensão da condição clínica dos pacientes, a partir das informações registradas no Histórico de Enfermagem disponibilizado nas oficinas. Tal constatação retrata a realidade de muitos serviços, quanto ao preenchimento do histórico, com destaque para a inconsistência de informações, as quais podem inviabilizar a acurada realização das etapas subsequentes, principalmente a segunda etapa do processo de enfermagem, que consiste na identificação dos Diagnósticos de Enfermagem.

Dessa forma, na 2a oficina enfatizou-se a complexidade no estabelecimento de prioridades quanto à seleção dos Diagnósticos de Enfermagem. Discute-se atualmente o uso coerente desta etapa, evitando excesso no quantitativo de diagnósticos cujas intervenções tornam-se inviáveis para o período de abrangência implicado na avaliação precedida. Cabe destacar que a referida avaliação, nas unidades de internação hospitalar, deve ser refeita a cada 24 horas, justamente para garantir a sua implementação no cotidiano da assistência7.

Na definição dos diagnósticos a partir da taxonomia da NANDA-I, taxonomia adotada no serviço, tem-se o indispensável desenvolvimento do pensamento clínico do enfermeiro envolvendo os dados obtidos através da primeira etapa. Assim, a utilização dos diagnósticos, além de guiar a assistência para a individualidade do cuidado, possibilita a expressão do conhecimento científico dos profissionais baseados na anatomia, fisiologia, fisiopatologia, bem como nas ciências sociais, psicológicas e espirituais, fundamentando a essência do cuidado seguro e integral ao paciente8.

No entanto, há que se problematizar os relatos de enfermeiros na prática clínica quanto à grande dificuldade encontrada para a realização do processo de enfermagem envolvendo os critérios para a seleção dos diagnósticos, principalmente por não terem clareza para elegê-los8. Por isso, muitas vezes os critérios de escolha diferem-se entre os profissionais, com alguns alicerçando-se na experiência prévia através do uso de taxonomías, como, por exemplo, a NANDA-I. Outros, por sua vez, baseiam-se na condição de risco que o indivíduo será submetido devido à internação, e há também aqueles que consideram os exames laboratoriais para elaborá-los8.

A constatação dos oficineiros quanto à essencialidade da primeira etapa do processo de enfermagem no sentido de direcionar as etapas subsequentes, em especial a seleção dos diagnósticos, foi um ganho, pois no cotidiano da assistência por vezes a coleta de dados pode ser banalizada e, consequentemente, prejudicar a sequência da aplicação da metodologia na totalidade9.

Na terceira etapa se delibera sobre o Planejamento de Enfermagem, configurando o momento em que os profissionais definem e pactuam junto aos pacientes os resultados de enfermagem almejados e as respectivas ações a serem implementadas2, reportando-se neste estudo à atenção hospitalar.

A taxonomia NOC, utilizada na terceira etapa, consiste em uma padronização dos Resultados de Enfermagem, sendo amplamente utilizada na prática clínica. Esta taxonomia se estrutura em três níveis: Resultados de Enfermagem, Indicadores e Escalas Likert10. Este sistema de classificação é um método utilizado para padronizar as terminologias empregadas, organizar o conhecimento e o cuidado, auxiliando o enfermeiro na tomada de decisão para o alcance dos resultados selecionados11. Já no contexto das ações a serem implementadas, a taxonomia da NIC caracterizase por ser uma linguagem padronizada e universal que possibilita deliberar sobre as intervenções desempenhadas pela enfermagem, fundamentando o cuidado no julgamento e no conhecimento clínico que o enfermeiro propõe visando à atenção à saúde resolutiva junto ao paciente12.

Sobre estas duas taxonomias, as quais os profissionais apropriam-se na terceira etapa do processo, verificou-se ao longo das oficinas que os participantes demonstraram estar convictos quanto à importância do uso da taxonomia da NOC, ao colocar em prática o "raciocínio clínico" para o planejamento do cuidado. A possibilidade de avaliar, através dos indicadores, a efetividade das ações ou possíveis "lacunas" no cuidado, este que vem alicerçado pela NIC, permite alterar, caso necessário, as intervenções selecionadas com base na cientificidade e não mais de forma intuitiva, contribuindo sobremaneira para a integralidade e segurança da assistência de enfermagem. Assim, os indicadores e a Escala Likert da NOC viabilizam a avaliação contínua do estado do paciente13, com o intuito de acompanhar criteriosamente o progresso, ou não, da sua condição clínica.

Neste contexto, de utilização da NOC, se reforça para o cotidiano da assistência a prática baseada em evidências, já que esta taxonomia permite um acompanhamento da evolução do paciente por meio de uma classificação padronizada, possibilitando demonstrar a responsabilidade e a contribuição da enfermagem no tratamento de saúde10.

Evidenciou-se no estudo a dificuldade dos oficineiros em selecionar a magnitude operacional dos indicadores presentes na Escala Likert, a qual possui índices que variam de um a cinco, sendo que devido ao caráter subjetivo resultante da ausência de definições para cada índice da escala, pode ocasionar divergências entre os profissionais quanto à seleção do valor numérico que melhor representa a condição de saúde do paciente.

Este achado, relacionado à dificuldade na seleção dos índices de indicadores da NOC, está em consonância com outros estudos. Logo, considerando a lacuna existente, alguns pesquisadores têm trabalhado na construção e validação de definições conceituais (constitutivas) e operacionais dos indicadores da NOC, visando à implantação dessa classificação na prática clínica de forma mais acurada e com menor subjetividade, possibilitando ao enfermeiro avaliar com efetividade as suas intervenções13.

Assim, com base neste aprendizado gradual, os oficineiros tiveram a oportunidade de explorar o raciocínio clínico presente na aplicação da metodologia do processo de enfermagem. Não obstante, diante desta temática subjazem as concepções relativas à estruturação de Práticas Avançadas de Enfermagem, obtidas através da formação clínica como meta mundial na atenção à saúde. Esse modelo de formação para a atuação, na prática, é o conhecimento especializado utilizado por um profissional enfermeiro qualificado, capaz de tomar decisões complexas e de pôr em prática as habilidades clínicas necessárias à implementação da Prática Avançada na assistência à saúde, envolvendo teoria, prática, ensino, pesquisa, liderança e gestão14.

Ao conceituar o modelo de Práticas Avançadas de Enfermagem, identifica-se a proximidade conceitual com o processo de enfermagem, principalmente diante da exigência do raciocínio clínico qualificado na gestão do cuidado. Tal exigência conduz com maior resolutividade as ações que devem ser tomadas, objetivando a atenção às necessidades de saúde dos pacientes. Complementarmente, devido à habilidade em raciocinar clinicamente, possibilita-se a ruptura da prática do cuidado mecanizado, tornando-o algo pensado e sustentado pelo saber científico, garantindo uma assistência eficiente e segura ao paciente15.

Por fim, é possível destacar que o raciocínio clínico é um importante instrumento de trabalho para o enfermeiro, uma vez que fundamenta o processo de enfermagem, aumentando a credibilidade, autonomia e visibilidade da enfermagem16. Neste ínterim, a percepção dos participantes quanto ao encadeamento presente entre as etapas do processo, concomitante ao desenvolvimento do raciocínio clínico, foi transformador, visto que a materialização desta entidade cognitiva que envolve a assistência de enfermagem e, precisamente, a partir desta metodologia para o cuidado, tende a fomentar o uso do processo de enfermagem tanto quanto empoderar o profissional17.

Conclusões

O estudo em questão permitiu discutir as etapas do processo de enfermagem por meio de oficinas de aperfeiçoamento, e perceber as ressignificações construídas pelos participantes da pesquisa a partir da sua aplicabilidade, por entender ser deste lugar que se devem disparar as discussões para esta temática. Ao aplicar as etapas do processo, o profissional, docente ou estudante pode capturar a linha de raciocínio clínico que se desenha neste cenário e conjecturar sobre a acurácia e assertividade na seleção dos diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem. Conclui-se, portanto, a relevância existente no emprego desta metodologia para a assistência, aliada às atividades de aperfeiçoamento, não só teóricas como práticas, por estratégias inovadoras de ensino que permitam a participação ativa dos profissionais.

Ademais, a integração ensino e serviço tem demonstrado maior resolutividade nas atividades propostas, por possibilitar a imersão acadêmica na realidade dos serviços de saúde, e o embasamento necessário para a realização das oficinas através de um modelo local, potencializando o aprendizado significativo aos estudantes e professores.

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Citação: Bitencourt JVOV, Percisi AR, Biffi P, Parker AG, Dors JB, Franzmann KL. Ressignificando o aprendizado acerca do processo de enfermagem para desenvolver raciocínio clínico. Salud UIS. 2023; 55: e23010. doi: https://doi.org/10.18273/saluduis.55.e:23010

Financiamento Nenhum financiamento foi recebido para a elaboração deste artigo.

Recebido: 08 de Fevereiro de 2022; Aceito: 30 de Setembro de 2022

* julia.bitencourt@uffs.edu.br

Conflito de interesses

Os autores declaram que não houve conflito de interesses.

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