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Historia Crítica

Print version ISSN 0121-1617

hist.crit.  no.84 Bogotá Apr./June 2022  Epub May 03, 2022

https://doi.org/10.7440/histcrit84.2022.03 

Tema Abierto

Ferrovia e memória: a Companhia Paulista pelo crivo de raça e classe entre 1930 e 1970*

Ferrocarril y memoria: la Companhia Paulista bajo el criterio de raza y clase entre 1930 y 1970

Railroad and Memory: The Companhia Paulista under the Criteria of Race and Class between 1930 and 1970

Lania Stefanoni Ferreira** 

**Universidade Federal do ABC e Centro Universitario FEI, Brasil. Pesquisadora, doutora, colaboradora na Universidade Federal do ABC (ufabc) e Centro Universitário fei. Professora no Centro Universitário FEI. Bacharela em Ciências Sociais (Universidade Federal de São Carlos, Brasil), mestra em Ciências Sociais (Universidade Federal de São Carlos, Brasil) e doutora em Ciências Sociais (Universidade Estadual de Campinas, Brasil). Foi Scholar in Residence pela Fulbright (Massachussetts, Estados Unidos da América). Pertence ao Grupo de Trabalho do Nupe-FCL-Araraquara-Cladin-Lead da Unesp de Araraquara e ao Laboratório de Informações em Rede e Tecnologias Educacionais da ufabc. As publicações em destaque são: Ferreira, L. S. Império e o Sistema Imperialista do capital. Estudos de Sociologia (São Paulo) v. 12 (2008): 51-64; Ferreira, L. S. Ferroviários e sindicalismo: a importância dos ferroviários na formação do sindicalismo brasileiro. Para entender a história v. 2-jun (2011): 1-20, 2011. E-mail: laniastefanoni@gmail.com; lstefanoniferreira@yahoo.com.br


Resumo.

Objetivo/contexto:

este trabalho é resultado de uma pesquisa de doutorado que buscou analisar as trajetórias de ferroviários, negros e brancos, no interior do Estado de São Paulo, Brasil, nas cidades de Rio Claro, São Carlos e Araraquara, entre 1930 e 1970. A pesquisa dedicou-se a uma leitura de como as empresas ferroviárias do século xx, além de interligarem regiões e aproximarem trabalhadores de diferentes raças, influenciaram na ascensão e na mobilidade destes no campo econômico, político, social e cultural ante os outros trabalhadores da época. Objetivou-se analisar as trajetórias e as memórias desses operários, e compreender como trabalhadores brancos e negros se relacionavam no que tange às questões de raça e classe.

Metodologia:

a partir dos conceitos metodológicos de memória e história oral, foram entrevistados cerca de 75 ex-ferroviários da Companhia Paulista; contou-se, ainda, com fontes documentais diretas e indiretas, como livros, artigos, jornais de época e demais materiais impressos na realização da pesquisa.

Originalidade:

o artigo avança nas análises apresentadas, no que se refere às intersecções possíveis permeadas pela história oral pelo crivo da etnia e pela posição ocupada no mundo do trabalho.

Conclusões:

a ideia de família ferroviária adaptou-se ao mito da democracia racial por seu duplo significado: apesar dos conflitos internos que pudessem existir, possibilitava a todos seus trabalhadores o reconhecimento como ferroviários, no ambiente externo ao trabalho. A ambiguidade entre cor e classe coexistia na trajetória desses entrevistados como uma relação de implicação e não de causalidade. A aparência do encurtamento das distâncias por meio da informalidade no convívio teve um fundo emotivo que permeou mesmo aquelas relações que seriam mais caracteristicamente impessoais. O fetiche da igualdade entre os ferroviários funcionou como mediador nas relações de classe que em muito contribuiu para que situações conflitivas frequentemente não resultassem em conflitos de fato, mas em conciliação no interior da ferrovia.

Palavras-chave ferrovia; ferroviários; história oral; memória; relações étnico-raciais

Resumen.

Objetivo/Contexto:

este artículo es resultado de una investigación de doctorado que pretendió analizar las trayectorias de ferroviarios, negros y blancos, en el interior del Estado de São Paulo, Brasil, en las ciudades de Río Claro, São Carlos y Araraquara, entre 1930 y 1970. La investigación se centró en cómo las empresas ferroviarias del siglo xx, además de interconectar regiones y aproximar trabajadores de diferentes razas, influyeron en la ascensión y la movilidad de estos en el campo económico, político, social y cultural, en comparación con otros trabajadores del periodo. El objetivo fue analizar las trayectorias y las memorias de estos trabajadores operarios y comprender cómo trabajadores blancos y negros se relacionaban en lo que se refiere a temas de raza y clase.

Metodología:

a partir de los conceptos metodológicos de memoria e historia oral, fueron entrevistados cerca de 75 exferroviarios de la Companhia Paulista; se contó, además, con fuentes documentales directas e indirectas, como libros, artículos, periódicos de época y demás materiales impresos, para la realización de la investigación.

Originalidad:

el artículo avanza en los análisis presentados, en cuanto a las intersecciones posibles impregnadas por la historia oral bajo el criterio de la etnia y la oposición que se presentaba en el mundo laboral.

Conclusiones:

la idea de familia ferroviaria se adaptó al mito de la democracia racial, por significado doble: si bien los conflictos internos podían existir, posibilitaba a todos sus trabajadores el reconocimiento como ferroviarios, en el ambiente externo al trabajo. La ambigüedad entre color y clase coexistía en la trayectoria de los entrevistados como una relación de implicación y no de causalidad. La apariencia de la reducción de las distancias por medio de la informalidad en el convivio tuvo un fondo emotivo que fue presente aun en aquellas relaciones que serían más característicamente impersonales. El fetiche de la igualdad, entre los ferroviarios, funcionó como mediador en las relaciones de clase, y en mucho aportó a que situaciones conflictivas frecuentemente no resultaran en conflictos de hecho, pero en conciliaciones en el interior del ferrocarril.

Palabras clave ferrocarril; ferroviarios; historia oral; memoria; relaciones étnico-raciales

Abstract.

Objective/context:

this paper is the result of a doctoral research that sought to analyze the trajectories of black and white railroad workers in the interior of the State of São Paulo, Brazil, in the cities of Rio Claro, São Carlos, and Araraquara between 1930 and 1970. The research focused on a reading of how railroad companies in the 20th century, in addition to interconnecting regions and bringing workers of different races closer together, influenced their ascension and mobility in the economic, political, social, and cultural fields in relation to other workers of the period. It aimed to analyze the trajectories and memories of these workers, to understand how black and white workers related to each other considering race and class issues.

Methodology:

based on the methodological concepts of memory and oral history, approximately 75 former Companhia Paulista railway workers were interviewed. Direct and indirect documentary sources such as books, articles, period newspapers, and other printed materials were also used in the research.

Originality:

the article advances the analyses presented in terms of possible intersections impregnated by oral history under the criterion of ethnicity and their position occupied in the world of work.

Conclusions:

the idea of a railway family was adapted to the myth of racial democracy, in its double meaning: although internal conflicts may exist, recognition as railway workers opened the way for all of the workers in the environment outside of work. The ambiguity between color and class coexisted in the trajectory of the interviewees as a relationship of implication, not of causality. The reduction of distances by means of informal cohabitation had an emotional background that was present even in those relationships that would be more characteristically impersonal. The fetish of equality among railroad workers functioned as a mediator in class relations, which contributed to the fact that conflictive situations frequently did not result in factual conflicts, but in conciliations within the railroad company.

Keywords: ethnic-racial relations; memory; oral history; railroad; railroad workers

Introdução

O trabalho por ora exposto é caudatário de uma pesquisa de doutoramento1 que buscou entender a trajetória de trabalhadores ferroviários, negros e brancos, no interior do Estado de São Paulo, Brasil, especificamente nas cidades de Rio Claro, São Carlos e Araraquara, de 1930 a 19702. Assim, as análises apresentadas buscam evidenciar com maior acuidade as entrevistas coletadas em tal pesquisa citada avançando nas análises e nas interpretações a respeito das empresas ferroviárias do século xx; com isso, pretende-se demostrar como a ferrovia, além de interligar regiões e aproximar trabalhadores de diferentes raças, influenciou nas possibilidades de ascensão e mobilidade desses trabalhadores no campo econômico, político, social e cultural ante os outros grupos de operários da época.

Logo, levanta-se a hipótese de que o discurso da família ferroviária, criado pela gerência da Companhia Paulista, tenha sido apropriado pelos trabalhadores para amalgamar a classe e utilizado como instrumento na luta por seus direitos. Ele, entretanto, era ressignificado no contexto das relações horizontais e verticais no interior do grupo; relações essas fortemente marcadas por desigualdades étnicas-raciais.

A partir de entrevistas3 com ex-ferroviários, o artigo opta por destacar quais foram e como foram algumas das trajetórias desses trabalhadores do sexo masculino, uma vez que, no período abordado, o contingente de mulheres atuando na ferrovia ainda era relativamente escasso; com isso, compreender como se deram as ascensões econômicas e sociais de negros e brancos, qual a influência cultural e econômica destes e como eram as relações, internamente, na própria ferrovia. Além das entrevistas, cujas análises se baseiam no método da história oral, a pesquisa contou com outros recursos teórico-metodológicos vinculados à memória, como fontes documentais, fotos e jornais de época.

As pesquisas referentes à estrada de ferro no interior paulista, de certa forma, não privilegiam as relações étnicas entre os trabalhadores ferroviários em si, pois destacam, em sua maioria, a importância que a ferrovia teve no contexto socioeconômico brasileiro. Um exemplo que podemos citar é a obra de Odilon Nogueira de Matos4, a qual fornece um excelente histórico do avanço do transporte ferroviário no Estado de São Paulo. Nesse contexto, Wilma Peres Costa5 aborda três temas: a produção cafeeira paulista, a expansão ferroviária e a transição para o sistema assalariado. O significado que as ferrovias tiveram relacionou-se com a hipótese de que a ferrovia tenha se tornado o embrião de um mercado de trabalho assalariado no Brasil, em especial em São Paulo, e que tenha atraído e concentrado mão de obra nacional e estrangeira.

A respeito da relação trabalho-ferroviários, podemos considerar três obras. A primeira, Ferrovias e ferroviários: uma contribuição para a análise do poder disciplinar na empresa, de Liliana Segnini6, aborda a evolução do sistema disciplinar nas companhias ferroviárias. A estação ferroviária e seu relógio demarcam os novos tempos nas cidades, não só na paisagem urbana, mas também nas relações de trabalho. O segundo trabalho é o de Liliana Bueno dos Reis Garcia7, que resgata a introdução na empresa dos métodos de administração científica do trabalho fundado nos princípios tayloristas. Por último, Álvaro Tenca8, que, a partir de narrativas de alunos que passaram pelo curso de ferroviários em Rio Claro, entre 1935 e 1948, investiga a ação racionalizadora e o controle do processo de trabalho imposto pela companhia com a criação de cursos profissionalizantes.

Os principais temas dessas obras são o binômio café e ferrovia, o modo de produção, a racionalização do trabalho e a extensão das técnicas de controle do capital sobre o trabalho, por meio da educação profissionalizante. As análises que enfocam a relação trabalho-ferroviários se restringiram à constituição de mecanismos disciplinares no trabalho da ferrovia e seus efeitos nos comportamentos dos ferroviários. Apesar de privilegiar as falas dos sujeitos, as obras não se preocuparam com a possibilidade de existir outros tipos de relações, ao lado das de trabalho, como as questões étnico-raciais.

O ferroviário foi subsumido à disciplina das companhias, quiçá porque o trabalho no transporte ferroviário retratado nesses estudos esteja associado ao desenvolvimento inicial da industrialização brasileira, e as questões relacionadas às desigualdades de raça ainda não haviam assumido a relevância atual.

O que se propõe neste artigo é entender outros aspectos da vida desses ferroviários (negros e brancos); sua relevância é elucidar quais foram e como foram as trajetórias desses trabalhadores, como se deram as ascensões políticas, econômicas e sociais de negros e brancos; qual foi a influência cultural e econômica dos ferroviários nessas regiões. Assim, visou-se complementar os estudos já feitos e elucidar as relações sociais que tiveram lugar no interior da ferrovia com um ator ainda não estudado, o ferroviário negro, e trazer à tona a diversidade da experiência de ser ferroviário para os trabalhadores negros e brancos da ferrovia por meio de suas narrativas orais e de memórias.

Ferrovia e ferroviários: cotidiano e história de uma classe

Com o desígnio de compreendermos a história das ferrovias e de seus trabalhadores, voltemos, então, ao século xix. A presença de imigrantes no Brasil pode ser notada desde a época de seu descobrimento. Porém, a imigração torna-se um fenômeno de massa nas últimas décadas do século xix e nas primeiras do século xx, em virtude da necessidade de mão de obra9 para a lavoura do café disseminada sobretudo pelo Estado de São Paulo.

A necessidade de transportar o café de maneira eficaz e segura exige uma mobilização tanto do Estado quanto dos cafeicultores da época. Assim, a ferrovia surge “nesta Província, sob o propósito de facilitar o transporte do café do interior para o litoral paulista”10. Com ela, surgiu, no interior paulista, um proletariado concentrado nas grandes e médias empresas ligadas à ferrovia.

O ciclo cafeeiro e a “estrada de ferro transformaram totalmente o panorama geográfico, demográfico, cultural e social do interior paulista”11. Os municípios de Rio Claro, São Carlos e Araraquara incluem-se entre os grandes centros cafeeiros do Estado de São Paulo. Isso exigia o escoamento mais rápido da produção, o que só foi possível com a ferrovia. A ferrovia chegou a Rio Claro em 1876, e a ideia era seguir direto para Ribeirão Preto, sem passar por São Carlos. Então, fazendeiros desta cidade, liderados pelo Conde do Pinhal, empenharam-se em levar a ferrovia para lá em 1884 e, no ano seguinte, a estrada de ferro chegou em Araraquara12.

A necessidade de trabalhadores para a construção da ferrovia atraiu os imigrantes, em maior número, e outros grupos, dentre os quais, os negros libertos. Nesse ambiente, os imigrantes teceram relações sociais com os negros e, em consequência disso, novas identidades, como a da família ferroviária, foram construídas no processo de interação13. Além de provocar nessas cidades mudanças importantes relacionadas à urbanização, a ferrovia colaborou para a ascensão econômica de muitos de seus trabalhadores brancos e negros14. Vários negros que passaram a trabalhar na estrada de ferro, por exemplo, tiveram uma melhora nas suas condições de vida em decorrência da ferrovia e isso viabilizou uma nova imagem do negro15. As referidas cidades tornam-se propícias para a pesquisa por reunir os três fenômenos básicos de interesse: um número significativo de negros que trabalharam nas lavouras de café desses municípios antes da abolição; grande número de imigrantes16 e a construção da estrada de ferro nas décadas de 1870 e 1880. Ainda que a abolição não coincida exatamente com a chegada da ferrovia, muitos dos negros, que permaneceram nessas cidades depois de libertos trabalharam na construção dos ramais que saíam destas e na manutenção e no funcionamento da estrada de ferro, e foram incorporados à mão de obra assalariada17.

O período áureo da ferrovia vai até 1940 e 1950, anos em que começa a ocorrer o declínio do sistema. É importante salientar que vários fatores estão associados ao fim dessa “era”, dentre eles podemos citar as transformações por que passa o setor agrícola, a mudança no formato da empresa ferroviária e a diversidade de bitolas que fragmentava as vias18. Os problemas no setor ferroviário ainda podem ser relacionados à reorientação de políticas governamentais19, que se dirigiram ao incentivo do setor automobilístico, e à adoção do sistema rodoviário em substituição ao ferroviário20.

No contexto de aparente crise, declínio e decadência, o Estado assume a maior parte do ônus dessa situação, por meio da compra, da encampação ou de empréstimos às empresas ferroviárias deficitárias21. Assim, em 1961, o Estado de São Paulo passa a ser o acionista majoritário da última grande companhia férrea privada22. Com a concentração de todas as ferrovias paulistas em suas mãos, o Estado decide agrupar as companhias23 em uma mesma empresa, a Ferrovia Paulista SA, em 1971.

Ser ferroviário no Brasil, pertencer à família ferroviária, significava um privilégio. Esse grupo de trabalhadores foi um dos primeiros a se organizar em sindicatos, conseguir benefícios trabalhistas e sociais. Mesmo assim, a divisão racial, no ambiente interno de trabalho, ou seja, no cotidiano de trabalho, como sugeriram algumas entrevistas, permanecia. Portanto, com uma identidade ferroviária coletiva forte24, caracterizada por ser um grupo de trabalhadores que se diferenciava dos outros trabalhadores da época pela organização sindical e pelas lutas operárias, as entrevistas com os ferroviários evidenciaram que, quando são analisadas as interações face a face entre ferroviários brancos e negros, é possível perceber a presença do preconceito e da discriminação.

O preconceito estava presente nas brincadeiras citadas por alguns entrevistados; a discriminação, por sua vez, pode ser evidenciada no fato de que negros e brancos tinham a percepção de que quem conseguia ascender profissionalmente na empresa eram os brancos. Apesar de não incluir dados estatísticos, a pesquisa qualitativa, realizada por meio de entrevistas, sugere que o preconceito informal e institucional perpassasse as relações de sociabilidade constituídas no interior da empresa e toda a hierarquia, incluindo os chefes, especialmente quando selecionavam quem deveria ser promovido.

Não podemos perder de vista o contexto histórico desta análise, que se inicia no período de reorganização dos blocos de poder no Brasil, ou seja, na instauração do “Estado novo” (1930-1945), perpassa o chamado período “Populista” (1945-1964), e o Regime Militar (1964), e tem como ano limite 1970. A referência a esse contexto se torna mais importante quanto mais levamos em consideração que os ferroviários participaram ativamente dos acontecimentos desse período e tornaram-se sujeito histórico central das transformações políticas e sociais que ocorreram naquele momento. Apesar da forte intervenção estatal no cotidiano e nas práticas políticas do movimento operário, de 1930 a 1964, apresentam-se como fundamentais para a classe trabalhadora, em especial para os ferroviários, na medida em que políticas importantes foram conquistadas nesse período, como a introdução das leis trabalhistas. As organizações sindicais brasileiras, nessa época, eram vinculadas ao Estado, apesar de corporativas e com características paternalistas, mostraram-se capazes de garantir aos trabalhadores conquistas importantes e direitos básicos no que tange ao trabalho25. Havia certo poder de organização da classe operária, malgrado, é claro, os limites impostos pelo Estado26.

No período pós 1964, o Estado aumentou o poder de fiscalização sobre os sindicatos, reduzindo-os a órgãos assistencialistas e burocráticos. O Estado militar reprimia quaisquer sinais de mobilização ou de vida combativa por parte do movimento operário e utilizava todos os meios possíveis de repressão para controlar os trabalhadores. Nesse período, o enfraquecimento dos ferroviários foi significativo, visto que a repressão política se somava ao desmantelamento do sistema ferroviário brasileiro, além dos incentivos governamentais que migraram para o setor rodoviário e as mudanças e as orientações na organização das empresas ferroviárias, como já citado. Após 1968, o espaço do movimento operário praticamente desaparece, a repressão e a violência impõem o silêncio e coíbem-se as greves, que retornariam no final dos anos 1970, quando as figuras centrais do movimento operário já não seriam mais os ferroviários27, período em que se encerra as análises deste artigo.

Sociologia e memória: explorando lembranças narradas

A memória tem um papel central neste estudo. A partir dela, resgatamos sociológica e historicamente os comportamentos dos ferroviários, as representações sociais, as relações de trabalho, o prestígio, as experiências sindicais e tantos outros sentidos suscitados pelos relados dos trabalhadores da Companhia Paulista de Estrada de Ferro.

Além disso, é fundamental, considerar o valor que os lugares têm como referenciais para as pessoas, que lhes dão um sentido de pertencimento, com base em sua cultura e em sua história. Esses referenciais vinculam os indivíduos aos lugares e criam identidades variadas. Consequentemente, não podemos desconsiderar os significados históricos e as relações sociais presentes nesses espaços; eles são arenas políticas, territórios em litígio, lugares onde se disputam o passado, o presente e o futuro.

As ferrovias animavam as vidas e as cidades nascidas em sua função; com suas oficinas, estações e barracões, empregaram gerações de trabalhadores. Dessa forma, este estudo busca balizar e sistematizar os fragmentos dessa história e relacionar o passado com o presente. Relação caracterizada por dois momentos: de um lado, pelo tempo e pela experiência marcados pelo trabalho, pela posição social, pelo movimento e pelo dinamismo, característico dos ferroviários; de outro, pelo tempo atual, determinado por uma memória feita de experiências, na qual o trabalho é somente o da memória, que tenta transmitir-nos, pelos relatos, seu saber adquirido na prática, nas experiências compartilhadas entre os próprios trabalhadores em ferrovias. Em sua entrevista, o senhor Guilherme (declara-se branco) evidencia esse tempo que interliga passado e presente, de modo a relacioná-los e significá-los para o ato de rememorar:

Na cidade nós éramos bem tratados. Rio Claro foi criado pela Paulista. Ser ferroviário era um bom emprego naquela época. Porque era um emprego garantido, ordenado não tinha problema, não atrasava. O carrinho ia na estação, era uma perua com o pagamento da gente e lá nós recebíamos. Parece que eu tô vendo o carro de pagamento aqui na minha frente enquanto falo com você. Tudo isso vem na minha mente, agora28.

A capacidade de lembrar evoca imagens, sons, cheiros, texturas. Elas resultam da interação entre o indivíduo que recorda e o meio em que está inserido. É a preservação do passado armazenado no inconsciente que interfere e interage permanentemente com o presente. Talvez por isso, ao ser perguntado sobre seu trabalho, o senhor Guilherme consegue até mesmo imaginar o carro de pagamento à sua frente, o que faz desse passado um presente vivo na sua memória.

A noção de “classe trabalhadora ferroviária” adotada neste artigo é compreendida sem que esteja referida a uma cultura única, visto que o universo ferroviário abrange diversas funções, desde aquelas consideradas de menor prestígio até as de postos de comando, cada qual com sua especificidade. No entanto, as diversas narrativas e depoimentos revelam um conjunto particular de comportamentos com relação à empresa, aos sindicatos e a outros aspectos da vida fora do trabalho, o que possibilitou incluir padrões e graus de identidades parecidos. A ideia do ferroviário utilizada está pautada pelas diferentes práticas de vida dos sujeitos e de vivências de proletarização, à semelhança da ideia de experiência de Edward Palmer Thompson29: “um termo médio necessário entre o ser social e a consciência social: é a experiência (muitas vezes a experiência de classe) que dá cor à cultura, aos valores e ao pensamento”.

Dessa forma, concebemos, conforme Edward Palmer Thompson, classe tal qual pelos próprios homens ao viver sua história, uma classe histórica que se constitui a partir de um processo social vivido ao longo do tempo. Assim, as classes não existiriam como entidades separadas; são agentes que se encontram em uma sociedade estruturada, em modos determinados, que experimentam a exploração, identificam pontos de interesses comuns e começam a lutar por essas questões e, nesse processo de luta, descobrem-se enquanto uma classe30.

O depoimento do senhor César (declara-se branco) exemplifica como o ser ferroviário, naquele contexto das cidades pesquisadas, trouxe para estes personagens sentidos e significados que os constituíram enquanto uma classe, na esfera pública, ante outros grupos de trabalhadores daquele período.

Nós, naquele tempo, eu vou te falar uma coisa, quando a gente saia na rua, os outros da cidade falavam: “Olha, este aí trabalha na Paulista”. Porque, nós lutamos para conseguir nossos direitos e nós tínhamos passe, tínhamos médico, tínhamos tudo. E depois outra, não era assim amanhã o patrão manda você embora.

Nós éramos bem-vistos em todas as cidades, por todas as pessoas e pelos outros trabalhadores de categorias diferentes. Os empregados da Paulista eram bem visto. Porque o serviço era firme, não tinha como ser mandado embora; só por briga, roubo, ou bebedeira, só isto. (...) Todos nós éramos bem tratados, em qualquer cargo era assim nas cidades. Ah, nós todos éramos sim! Não tinha preferência de cargo não, quando se falava que era trabalhador da ferrovia, tinha acesso. O salário naquele tempo era bom, era melhor salário que tinha na praça.

Pergunta: Até mesmo os trabalhadores que ocupavam cargos mais baixos eram tratados desta forma?

Resposta: Oh, e como, qualquer um era tratado assim na cidade, frente aos outros tipos de trabalhos, não importava cor nem cargo ((risos))31.

Tal percepção é evidenciada nos depoimentos dos entrevistados que se declaram negros, como do senhor Fernando:

Por conta da Companhia Paulista nós éramos mais gente. Nós tínhamos médicos, hospitais, convênio, armazém, como eu posso falar mal disto? Só posso chorar de ter acabado isto. Estas coisas são coisas que eu nunca esqueço, de como eu era visto pelos outros na cidade. E naquele tempo quem era ferroviário era o homem mais feliz que tinha no mundo, era o homem que andava de cabeça erguida em qualquer lugar na cidade. Era o funcionário que tinha mais valor. A gente tinha crédito em qualquer lugar, então eles achavam que ser ferroviário era o que de melhor existia32.

Analogicamente aos estudos de Edward Palmer Thompson, os ferroviários foram se constituindo enquanto classe no viver desses homens sob determinadas relações de produção, ao experimentar suas situações dentro do conjunto de relações sociais, com uma cultura e uma expectativa herdada, ao modelar essas experiências em formas culturais em contextos reais. E a nós, somente pelas memórias desses trabalhadores, foi possível compreender esse passado, repleto de sentidos e representações, tanto no que diz respeito às relações de trabalho quanto às relações sociais e étnico-raciais.

Sabemos das dificuldades de se pesquisar e estudar grupos profissionais quase em extinção; por isso, a necessidade de se apresentar e justificar os usos dos depoimentos como suporte de informações imprescindíveis e apontar os limites que envolvem essa metodologia. Reaver os fatos, os mais efêmeros e importantes, possibilita compará-los ao existido, uma vez que recorremos ao hipotético. O estudo sociológico da memória por meio de entrevistas e informações do passado comum a um grupo, no caso os ferroviários, apela às dimensões desgastadas pelo tempo e por aquilo que foi selecionado pelos narradores.

A rememoração é um processo em que o passado penetra na estrutura do presente não como símbolo vago, mas como tempo reconstituído. A memória narrada, relativa aos aspectos da vida social dos indivíduos de uma cultura específica, passa por um processo de valorização e está envolvida por incertezas. Ao ser descrita, propõe uma continuação entre passado, presente e futuro que se esboça como uma condição imposta pela linearidade do pensamento e se esforça em atribuir às lembranças um caráter contínuo que valoriza aquilo que é “merecedor” de ser narrado.

Nos estudos sociológicos, a memória é problematizada de acordo com sua relevância científica e objetividade para a compreensão da sociedade contemporânea33. Para Fernandes34, a sociologia estuda a interação, observa-a, interpreta-a, descreve-a, como parte e expressão da maneira pela qual se organizam e se modificam os vários tipos de unidades sociais, no seio das quais ela transcorre. Cabe ao sociólogo lidar simultaneamente com os aspectos dinâmicos e culturais das diversas unidades de investigação, com o intuito de não reduzir a análise ao estudo da personalidade, como base ou produto das estruturas e dos processos centrais para a explicação sociológica, como afirma Bourdieu35. Logo, o estudo da memória depara-se com dificuldades ao recorrer às lembranças individuais, elementos insuficientes para a compreensão mais ampla da estrutura social.

No entanto, estudiosos, como Queiroz36, entendem que a memória peculiar de um indivíduo é decorrência da interação entre suas especificidades, todo seu ambiente e todas as coletividades em que se insere. A memória é social na medida em que opera numa estrutura de conhecimento do mundo que, por sua vez, é a expressão de pertencimento do sujeito a uma cultura. Consequentemente, o relato oral é considerado uma fonte humana de conservação e difusão do saber, o que vale dizer: uma fonte de dados para as ciências em geral.

Queiroz afirma que a história oral é uma técnica por excelência, válida pela vivacidade dos sons e opulência dos detalhes. “A palavra parece ter sido, senão a primeira, pelo menos uma das mais antigas técnicas utilizadas para tal, mais tarde a escrita, quando inventada, não foi mais que uma nova cristalização do relato oral”37.

Por isso, a contribuição do relato oral para o conhecimento social advém do fato de ser a expressão não da individualidade ou da singularidade, mas de uma determinada inserção social. A pretensão do pesquisador ao utilizá-lo é apreender a visão e ou a vivência de ator(es) social(is) a partir de sua(s) posição(es) na estrutura social. Nessa acepção, “os relatos são tomados como referência de um movimento social mais amplo, são trajetórias que se inserem em uma conjuntura enquanto produto e produtora de uma determinada estrutura”38. Alguns depoimentos, como o do senhor Pedro (declara-se branco) e do senhor Gustavo (declara-se negro) exemplificam tal concepção mencionada por Queiroz, no que tange às relações étnico-raciais e às percepções de discriminação e preconceito, de como se davam tais estruturações no ambiente interno da ferrovia.

Pergunta: O senhor ouviu falar de discriminação ou preconceito com os trabalhadores da ferrovia?

Resposta: Esse Felipe que você foi à casa dele é preto, não é? ((risos)). No nosso serviço de trem não tinha preconceito, nós brincávamos com os negões que tinham, sabe? Aquelas brincadeiras de chamar e tal! Eram aquelas brincadeiras de chamar de negão, dizer que, quando não faz na entrada, faz na saída, esse tipo. Mas, nos outros setores tinha muito preconceito. Com os maquinistas, trabalhadores, porque essa raça é terrível, você sabe. Na soca, por exemplo, se o mestre de linha era preto, ou o feitor era preto, hummm... -- os empregados subalternos tinham raiva de ser mandado por pretos.

Pergunta: O que eles faziam?

Resposta: Falava que não gostava daquela raça. Mas, tinha que obedecer aos pretos, porque eles eram os feitores. Essas pessoas quando pega um cargo eles querem mandar, querem aparecer. Você pode ver, se tem um negão mandando, ele não gosta do branco. Essa raça sempre foi discriminada. Se você está conversando com dois pretos, se você chega para conversar, eles viram e começam a conversar entre eles39.

Depoimento do senhor Gustavo:

Toda vez quando chegava a hora do Rafael subir de cargo, quem era indicado era um branco; sempre era um branco que passava na frente dele. Mesmo sabendo menos do serviço, quem subia era um branco40.

Nesse contexto, o depoimento do senhor Otávio (declara-se negro) apresenta que, na estrutura interna da Companhia Paulista, em alguns lugares, não era permitida a entrada de negros:

O acontecimento que aconteceu comigo, que eu fiquei frustrado, foi quando eu saí da escola ferroviária da Paulista. Quando eu saí da escola, havia naturalmente a formatura e a formatura, todas elas foram feitas no Grêmio Paulista. Então na época, o Grêmio tinha o preconceito, nós de cor, não havíamos possibilidade, por exemplo, de entrar. Eu fui chamado no escritório, então veja bem, eu não tinha nem dezessete anos, estava começando, eu não tinha um..., não tinha..., entende? Não tinha experiência assim, vamos dizer. Eu fui chamado no escritório, na época sr. Argemiro era presidente do Grêmio e ele me disse que eu podia participar da formatura e me ia ser dado um convite para a pessoa que fosse como minha madrinha, um convite para meu pai e um convite para minha mãe. Mas eu pensei comigo, eu trazer em uma formatura desta, só meu pai, minha mãe e minha madrinha? Nem meus irmãos podem ir. O presidente do Grêmio disse que eu poderia participar, mas que só receberia o convite a madrinha, o pai e a mãe. Isto por causa da cor, aí ele deixou claro, que pretos não entravam lá. Naquela época era assim, e para não criar problema, então eu pensei... e eu falei para ele que ia pensar. Mas eu saí já com o pensamento. Eu não vou participar, eu não vou fazer isto. Eu queria levar meus irmãos! Queria levar meus irmãos! Eu tinha colegas, eu não poderia fazer isto com eles! Eu tinha colegas e eu não poderia convidar? Isto foi um baque para mim, foi um choque, choque mesmo! O presidente deixou claro para mim, falou claramente. E eu não fiz minha formatura, não fui, não compareci. Isto me chocou bastante, porque os outros, alguns foram, e eu não quis participar. (...) Passou ali um tempo e a gente ficou com isto na cabeça. Naquela época não tinha negro no Grêmio, o Grêmio nunca teve gente de cor. Hoje, hoje está mais ou menos misturado, hoje tem um diretor que é até negro. Mas isto só veio bem depois, na minha época não houve possibilidade. Eu gostaria né, porque é como a noiva, né! É a posteridade, a fotografia, entende? Puxa vida, o negro não poder subir o degrau lá. E eu falei: “não é possível isto e eu não vou” e eu não fui. Eu não participei da festa da minha formatura41.

A utilização de relatos orais possibilita o conhecimento e a reflexão do que se quer investigar na voz dos próprios protagonistas do tema em questão. A história oral é importante pelo papel que exerce na interpretação do imaginário e na análise das representações sociais. Paul Thompson42 ressalta que é preciso preservar não somente a memória física e espacial, como também descobrir e valorizar a memória do homem. A memória de um pode não pertencer apenas a este e ser a memória de muitos. Para Ecléia Bosi43, “a velhice é uma categoria social. Por meio dos velhos, um mundo social que possui riqueza e diversidade pode ser descoberto quando são resgatadas suas memórias”.

O mérito da história oral não é o de evocar necessariamente, esta ou aquela postura política, e sim trazer à consciência que a reconstrução da memória se pratica, dentro de um contexto social e que tem implicações políticas44. “Ela torna possível acrescentar, unificar, diferenciar e corrigir a memória de seus membros; com o tempo ela é incorporada a cada membro permanecendo dentro deles”45.

A partir dos relatos de um grupo, podemos perceber não somente as continuidades, como também as rupturas; a procedência desses narradores, suas visões de mundo, a maneira como vivem seus papéis de sujeitos históricos. As rupturas originadas pelo tempo vivido são mais significativas quando nos damos conta de que o passado não é um tempo morto, esquecido nas páginas viradas do livro da existência, mas tempo vivo, pulsante, atual. Walter Benjamin46 assinala que o que passou não constitui matéria estagnada e sim algo pronto a irromper, com toda a força, no curso da vida presente. Portanto, o passado não possui apenas a dimensão do já acontecido. Ao contrário, pode anunciar-se com possibilidades de vir a ser. As reflexões sobre memória e a concepção de história são fundamentais na reafirmação da importância das lembranças dos indivíduos. Segundo Walter Benjamin, “o cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história”47.

O modo de lembrar é tanto individual quanto social. O grupo transmite, retém e reforça as lembranças. “Mas, o entrevistado, ao trabalhá-las, vai lentamente individualizando a memória comunitária e, no que lembra e como lembra, faz com que fique somente o que tem significado para ele”48. Consequentemente, por mais que a história do indivíduo seja contada por um personagem em torno deste e pareça ser subjetiva, sabemos que o que existe de individual e único numa pessoa é excedido por uma infinidade de influências que nela se cruzam e às quais não se pode escapar de ações que sobre ela se exercem e que lhe são inteiramente exteriores. O que nos remete à noção de que as representações são constitutivas da memória do grupo.

Para Halbwachs49, toda ideia social é uma lembrança da sociedade, e o pensamento social é essencialmente memória; assim, não podemos pensar em nada, não podemos pensar em nós mesmos, senão pelos outros e para os outros. As entrevistas demonstram tais representações quando relacionadas a questões de desigualdades raciais e construção de identidades. Um exemplo é a entrevista do senhor Flávio (declara-se branco):

O serviço era para aquele que tinha mesmo vontade e veja bem: o negro, queira ou não queira, ele é mais forte que o branco, nisso eu me curvo, porque, eu reconheço que o negro é mais forte que o branco. Então, para fazer aquele trabalho ele era excelente50.

A memória é constituída por acontecimentos vividos pessoalmente e acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade ao qual a pessoa se sente pertencer. Halbwachs51 afirma: “a memória coletiva é o passado que se perpetua e vive na consciência. Não é a história aprendida, é na história vivida que se apoia nossa memória”. Na opinião do senhor Marcos, negro, que teve condições de estudar e fazer carreira na ferrovia, ele não passou por nenhuma dificuldade por ser negro. Acreditava que sempre tinha convivido com os brancos nas mesmas condições; mesmo assim, em seu depoimento, ele afirma que era preciso “apresentar serviço” para ser reconhecido.

Eu nunca percebi isso, não havia preconceito, não. São Carlos era uma cidade bastante racista, mas na Paulista eu não via isso. Eu estudei na escola e eu não vi o preconceito, mas só tinha eu e mais dois ou três negros. Eu sempre vivi no meio dos brancos, convivia com eles. Os negros da minha época viviam perto do mercado e exerciam trabalho braçal. Eu também só namorei branca, mas eu não era racista.

O negócio era a gente apresentar serviço, que uma hora a gente era reconhecido. Dentro da Paulista, eu nunca observei isso. Eu não sofri preconceito lá, eu não senti pelo menos. Mas, a turma as vezes fala, você sabe. Muitos falavam que tinha preconceito, mas eu não senti. As portas para mim estavam abertas. Algumas coisas sempre existem, mas eu falo o que aconteceu comigo. Eu era vaidoso, orgulhoso, tinha as minhas coisas, meus mimos. O que ocorreu era que tinha muitos que vinham da fazenda; o meu encarregado, por exemplo, não tinha nem curso primário. O meu serviço era leve, não era trabalho braçal; eu exercia minha função no escritório. Eu fiz Escola Industrial, então eu trabalhava no escritório52.

Contudo, os outros que trabalharam com ele (senhor Marcos) o consideravam uma pessoa “metida”, com a qual os demais trabalhadores não gostavam de conviver. O senhor Gustavo (declara-se negro) assim se refere a ele:

Pergunta para o Marcos como ele foi odiado nessa ferrovia. Pode ser que ele fale que foi bem quisto, mas eu desminto. Eu corrigia muito o Marcos. Quando ele vinha com uma peça da subestação, ele era um ótimo torneiro mecânico, ele era estudado. Ele vinha com calça boa, sapato engraxado, ele vinha todo alinhado. A turma olhava e dizia que lá vinha o negão, lá vinha o convencido. Ele gostava de andar bem arrumado e a turma não podia ver o Marcos, não queria nem assunto. Ele ia lá no escritório comigo, passava no depósito. Então ele vinha, ele passava e falava: “Oi, tudo bem?” Ninguém respondia, eles tinham inveja dele. Eles faziam uma rodinha lá no fundo e ficavam falando, xingando ele de negão metido, falava que tinha que mandar ele embora. Ele, o Marcos, cumprimentava todos com educação, falava “oi” e “tchau”, e ninguém respondia. Certeza porque ele era preto e tinha estudo53.

Ao privilegiar as lembranças de velhos ferroviários, por meio da história oral, é privilegiada a interpretação do imaginário e a análise das representações sociais desse grupo. Dado que a memória de um pode ser a memória de outros, considera-se que a memória coletiva é social, ou seja, quem lembra são os indivíduos que estão inseridos em grupos. Os indivíduos possuem suas memórias individuais e suas memórias coletivas; contudo, essas memórias não se opõem, encontram-se imbricadas: “cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo e este lugar muda segundo as relações que mantenho com outros meios”54.

Halbwachs55 trouxe da obra de Durkheim56 os elementos para enquadrar teoricamente o uso da memória e sua aplicação nas pesquisas sociológicas. Para ele, a memória deveria ser tratada como coisa, ou seja, exterior ao indivíduo, e salientar as funções positivas exercidas pela memória comum, de reforçar a coesão social pela adesão afetiva do grupo. A memória, assim, apresenta-se como uma construção social e é estimulada a partir de referências sociais. Logo, a memória deveria ser entendida como um fenômeno coletivo e social, como um fenômeno constituído coletivamente, submetido a flutuações, transformações e mudanças constantes.

Com base em Halbwachs57, compreendemos que o trabalho da memória é essencialmente uma elaboração da experiência, a partir do reconhecimento e da reconstrução da lembrança. Vivemos dentro de quadros sociais. Nossas lembranças são retomadas a partir dessa referência coletiva, ou seja, a partir do grupo com o qual comungamos uma visão de mundo. A permanência de um vínculo afetivo permite atualizarmos essa identificação com a sociedade de referência -esteja ela presente, esteja ausente- e nos entendermos numa perspectiva histórica social.

Essas reflexões são importantes porque nos permitem apreender a memória coletiva dos ferroviários, presente em vários momentos da sua experiência, como nas greves e nas reivindicações coletivas. Elas não nos ajudam, contudo, quando levamos em consideração que as relações raciais passam por uma memória subterrânea que só vem à tona com o passar do tempo, pois se referem a vivências e sentimentos que não encontravam lugar para se expressar naquele meio, como as relacionadas aos preconceitos e às discriminações.

Ao retomarmos o depoimento citado do senhor Marcos, temos que ele, ao não abordar em seu depoimento o preconceito que sofreu, remete-nos àquilo que Pollak58 chama de “indizível”, aquilo que o sujeito confessa a si mesmo e aquilo que transmite ao exterior. Por isso, a memória também é seletiva, nem tudo fica guardado, registrado. A memória em parte é herdada. A memória sofre flutuações em função do momento em que ela é articulada e expressa. As preocupações do momento constituem um elemento da estruturação da memória. Não se trata mais de trabalhar com os fatos sociais como coisas, mas analisar como os fatos sociais se tornam coisas e como e por quem eles são solidificados e dotados de duração e estabilidade: “a fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, separa uma memória coletiva subterrânea da sociedade civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada que assume a imagem que uma sociedade majoritária deseja passar e impor”59.

Para Pollak60, rememorar é um ato que acontece no presente e é provocado pelo presente; do passado retornam os acontecimentos que correspondem às preocupações atuais. Logo, os quadros sociais da memória referem-se aos estímulos presentes que conduzem à rememoração e à localização no passado do que o presente suscitou. Os quadros da memória não se resumem a datas; simbolizam correntes de experiências e de pensamentos, no qual é reencontrado o passado conforme este foi atravessado por cada um.

Os relatos orais demonstram que as lembranças são transmitidas no quadro familiar, profissional, em associação, em redes de sociabilidade afetiva e/ou política. Os quadros de rememorar ocorrem em resposta a outro grupo. É enquanto membros de um grupo que cada um se apresenta. Os grupos com os quais se está em relação são os grupos que, mais do que outros, estruturam a memória.

Mas, se certas lembranças não existem mais, estão esquecidas, é porque estavam em um sistema de relações que não se encontram mais no presente. O “compromisso” entre os quadros da memória e as lembranças acontece mesmo quando há incompatibilidade entre os aspectos dessas lembranças e as relações atuais, posto que as relações que compõem os quadros são feitas de lembranças, tanto quanto os acontecimentos, fatos ou pessoas lembradas. Isso leva a uma característica básica do passado reconstituído pela memória, o de ser sempre uma reconstrução; por mais detalhes que apresente, é sempre uma reconstrução feita a partir do presente61.

Ao dizermos que a memória é um fenômeno construído social e individualmente, pode-se propor que haja uma ligação muito estreita entre a memória e o sentimento de identidade, de modo que esse sentimento de identidade é a imagem de si, para si e para os outros, ou seja, a imagem que constrói e apresenta aos outros e a si própria, para acreditar na própria representação e para ser percebida como quer pelos outros.

É como membros de alguns grupos que nós nos representamos. A menção ao outro leva à consideração do sentimento de identidade como consequência de um processo de mudança e de negociação, de conflitos sociais e intergrupais. “A construção da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade e o que se faz por meio da negociação direta com os outros”62. E, como a memória é continuamente reconstruída, tem-se a contínua reconstrução do sentimento de identidade. Pollak assevera: “ninguém pode construir uma autoimagem isenta de mudanças, de negociação, de transformação em função do outro, memória e identidade podem perfeitamente ser negociadas”63.

Há três elementos essenciais na construção da identidade, para Pollak64, primeiro a unidade física, ou seja, o sentimento de ter fronteiras físicas, no caso do corpo da pessoa, ou fronteiras de pertinência a grupos no caso de um coletivo; segundo, a continuidade dentro do tempo, não somente no sentido físico da palavra, mas também no sentido moral e psicológico; terceiro, o sentimento de coerência, ou seja, de que os diferentes elementos que formam um indivíduo são efetivamente unificados. Dado isso, a memória é um elemento constituinte de sentimento de identidade, tanto individual quanto coletiva, pois a memória é um fator importante no sentimento de continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo na reconstrução de si e de seu sentimento de pertencer ou não a grupos.

Como citado, ser ferroviário no Brasil daquele período representava ter uma profissão relevante. Todos os entrevistados afirmavam seu orgulho pela profissão e diziam que eram tratados com muito respeito e prestígio no ambiente externo a ferrovia (as cidades); eles comentavam que possuíam crédito no comércio, devido à ferrovia. Muitas vezes, a identidade do trabalhador ferroviário era mais perceptível do que a identidade étnica e racial. Isso exigiu um laço intenso de aproximação com os entrevistados para que eles pudessem realmente falar a respeito das relações étnico-raciais. No grupo dos entrevistados brancos, certamente a identidade de trabalhador ferroviário era mais aflorada. Para os trabalhadores negros, isso se misturava com o que Pollak chama de “memória subterrânea e indizível”, que só conseguiu ser atenuada com a aproximação do pesquisador e do pesquisado. A seguir, o depoimento do senhor Adriano (declara-se negro) exemplifica bem essa questão da identidade ferroviária sob o crivo de raça e classe e os laços de proximidades construídos entre pesquisador e depoente.

Pergunta: O senhor se identificava como negro quando o senhor trabalhava na ferrovia?

Resposta: Eu me identifico até hoje, isso não muda na vida. Preta, minha cor é preta. Eu não tenho vergonha de ser preto, eu me orgulho da minha cor. Mesmo sendo negro eu consegui consideração na minha vida, eu fui da Companhia Paulista.

Pergunta: Como eram as relações entre os brancos e os negros dentro da Companhia Paulista?

Resposta: Com diferença. Porque, quando você estava lá, eles conversavam, aí foi para a rua, passam do seu lado e nem olha na sua cara, se estava com um branco, nem conhecia você. E isso é preconceito, mas eu sempre tratava bem os que me tratavam bem; os que me davam bola, eu considerava. Quando você estava com uma roupa ruim, uma calça meio velha, como esta que eu estou, eles viam você e dava um jeito de fugir, se você não estivesse com traje de passeio. Se tivesse cinco ou seis pessoas e tinha um preto no meio, eles não conversavam com o preto; se o preto falasse algo, eles não respondiam. Lá no serviço, eles não conversavam com a gente direito e tudo isso me ensinou a viver no mundo, eu notei que ensinou. Depois, eu tinha que aprender; era solução! ((silêncio)). Ah, (...) os brancos faziam diferença. Havia preconceito, havia diferença. Os patrões faziam menos, porque eles precisavam dos trabalhadores, mas, se era um mais ou menos, já fazia diferença.

Eu sofri preconceito sim, não vou negar. Só no escritório da ferrovia que eu não sofri, tinha umas moças que tinham uma certa instrução e me tratavam bem... Era “sim senhor”, “não senhor”, eu me sentia até acanhado do jeito que me tratavam no escritório. Mas, na parte da oficina, no depósito, tinha preconceito. Quando era para subir de cargo na ferrovia, os chefes já telefonavam para Jundiaí ou Campinas para dizer o nome de quem deveria subir; ia indicado na ficha do funcionário e eles davam cobertura. Os chefes não colocavam guarda de trem preto, em trem de passageiro, no passageiro não punha. Quem passava era quem tinha parente na superintendência, nem que fosse menos capacitado, mas era bem bonito, cabelinho alvo, louro, filho do senhor fulano de tal...

Alguns pretos que subiram, foi à custa de muito serviço. Nas estações grandes eles queriam apresentar os brancos, os bacanas. Eu, graças a Deus, não tive inimigo branco; acho que não tinha uma pessoa que não ia com a minha cara. Eu tinha amizade com todos, mas eu era mais amigo dos pretos. Eu nunca briguei, podia xingar, falar o nome que quisesse, inventar o que quiser. Eu não sei brigar, não sei ficar de cara feia com ninguém, acho que por isso que me dei bem, deixava sempre passar65.

Inferimos que a possibilidade de apreender o antecedido partindo de memórias dos sujeitos, o passado existido por um grupo de vivência social comum, permite-nos, ao menos, entender como eles representam o passado. Portanto, o que está em questão é a própria existência social presente e o sentido que o passado tem para os sujeitos da memória. A existência ao ser rememorada volta como representação e isso implica uma série de questões sociais e históricas. Consequentemente, as representações e os valores ocasionados pelas narrativas são dados satisfatórios para a apreciação da memória dos sujeitos, certamente baseado em um estudo aprofundado da história social da realidade versada na pesquisa, como apresentado.

Conclusões

Percebemos como a ferrovia criou um “novo” vocabulário e uma relação inédita entre máquina e civilização, transformou percepções, sentimentos, hábitos e formas de sentir. Além disso, a velocidade dos trilhos fascinou multidões e colocou uma nova maneira de ver o mundo, de vivenciar o deslocamento no espaço/tempo, e proporcionou a distinção do trabalhador ferroviário. Esse orgulho construído de ser ferroviário persiste na história das famílias ferroviárias do interior paulista, pois auxiliou na constituição do mundo do trabalho livre na sociedade brasileira.

As análises presentes neste artigo avançam com relação à pesquisa da qual é caudatária por evidenciar como a ferrovia figura nos relatos enquanto palco do desenrolar da trajetória de cada um dos personagens entrevistados. A memória desses depoentes está intimamente ligada ao exercício da profissão nos trilhos; ela é o alicerce daquilo que eram. Para os ferroviários, os trilhos, os trens e a estação constituem partes de suas trajetórias, configuram o imaginário e a lembrança de um passado que nunca deixa de se fazer presente, que pode ser compreendido à luz das questões étnico-raciais quando foram discutidas sob tal intersecção.

Em todas as trajetórias narradas, encontramos características fundamentais do “ser ferroviário”, sejam aquelas expressas em uma precoce iniciação no mundo do trabalho, sejam aquelas que indicam a existência de carreiras funcionais, ou ainda a constituição de uma consciência de ofício que permeava a vida social e as sociabilidades, possibilidades e oportunidades dessa classe. A identidade ferroviária, o sentimento de pertencimento a uma família são os argumentos recorrentes utilizados pelos funcionários quando necessitavam de aumentos, licenças ou contratação de parentes. Também lançavam mão desse vínculo com a empresa para se distinguir de outros trabalhadores que não compartilhavam da mesma posição, o que funcionava como uma moeda de troca em suas estratégias e no estabelecimento de relações sociais.

A ideia família ferroviária adequa-se ao mito da democracia racial por seu duplo significado: apesar dos conflitos internos que pudessem existir, ela possibilitava a todos trabalhadores reconhecerem-se como ferroviários, no ambiente externo ao trabalho. A ambiguidade entre cor e classe coexistia na trajetória dos entrevistados como uma relação de implicação e não de causalidade, principalmente para os trabalhadores negros.

A família ferroviária entendida a partir do crivo de raça e classe que perpassa pelos sentidos foi um importante fator mediador das relações sociais. A aparência do encurtamento das distâncias sociais por meio da informalidade no convívio teve um fundo emotivo que permeou mesmo aquelas relações que seriam mais caracteristicamente impessoais. O fetiche da igualdade entre todos os ferroviários funcionou como mediador nas relações de classe que em muito contribuiu para que situações conflitivas frequentemente não resultassem em conflitos de fato, mas em conciliação no interior da ferrovia. De um lado, a integração do grupo, de outro, a separação. Essa diversidade ou pluralidade é o que caracterizava a família ferroviária tal qual no mito da democracia brasileira, assimilacionista, feito de recortes e não de sínteses, de peculiaridades e identidades.

Identidades que eram sempre negociadas e renegociadas de acordo com os critérios econômicos, políticos, culturais e relações de poder em contextos sociais específicos. O processo de construção de identidade para Goffman66 está relacionado à diferenciação. O indivíduo constrói sua identidade com o mesmo material do qual os outros já construíram sua imagem67. Portanto, o indivíduo constrói sua identidade com referência ao outro68. O ato da construção de identidade no indivíduo, assim, é resultado de suas várias experiências sociais ao longo da vida.

Consequentemente, a identidade é algo não inato ao indivíduo, não fixo, mas sim constituído em um espaço de tempo69. A identidade é fluida e produzida em momentos particulares, como aconteceu com brancos e negros que trabalharam na Companhia Paulista de Estrada de Ferro; ora a identidade evidenciada era uma identidade étnico-racial, como a que fez surgir a necessidade da criação do Clube Flor de Maio70, em São Carlos, lugar onde os ferroviários negros tinham momentos de lazer e divertimento, que corroborou com a construção de uma identidade negra; ora era uma identidade de uma classe de trabalhadores que lutava por seus direitos em greves e paralisações. Assim, é impossível entender os ferroviários separados da noção de luta de classe histórica, porque foi no processo dessa luta que ela se definiu e se concretizou.

Mas, como em todo grupo social, os depoimentos descrevem a hierarquia entre os integrantes da comunidade ferroviária e os privilégios dos quais apenas alguns desfrutavam. Os sacrifícios, as agruras de algumas funções são igualmente destacados, bem como episódios de benevolência, e até mesmo complacência, no tratamento preconceituoso entre colegas.

Nas situações de convivência dentro do ambiente de trabalho era preciso que os negros não ultrapassassem as barreiras do socialmente permitido e desejável em relação aos brancos, para que fosse assegurada a continuidade das estruturas sociais existentes. Eles poderiam até viver juntos aos brancos desde que “conhecessem seu lugar”, conforme muitas das narrativas transcritas demonstraram. Logo, a inclusão social do negro trazia no ambiente de trabalho ferroviário uma exclusão social não demarcada, indefinida, ambígua, repleta de divergências e convergências.

As entrevistas evidenciaram que, quando analisamos as interações face a face entre esses dois grupos, é possível perceber a presença do preconceito e da discriminação. Esse preconceito estava presente, por exemplo, nas brincadeiras citadas pelo senhor Pedro (branco) ou na fala do senhor Gustavo (negro), quando menciona o fato de o senhor Rafael (negro) não ser indicado a melhores cargos, pelos chefes, por ser negro. A discriminação, por sua vez, pode ser evidenciada no fato de que ambos os entrevistados tinham a percepção de que quem conseguia ascender de cargo na Companhia Paulista eram os brancos.

Apesar de esta pesquisa fundamentar-se em métodos qualitativos, não baseada em amostras estatisticamente representativas, as entrevistas nos induzem a concluir que o preconceito informal acabava por influenciar os chefes quando escolhiam quem deveria ser promovido, conforme foi assinalado por muitos depoentes, ainda que os poucos negros que tiveram acesso à educação profissionalizante mantida pela Companhia Ferroviária tenham ascendido a cargos de mando.

Os entrevistados também afirmaram que os negros não subiam de cargo porque não tinham estudo e, assim, consequentemente, não passavam nos exames. No entanto, os exames eram práticos, o que exigia muito mais experiência do que escolaridade, o que sugere que a alegação da falta de estudo não se sustente.

Nos anos 1940, quem se referia ao trem ou transporte ferroviário remetia a um imenso e rico complexo sociocultural. Portanto, a ferrovia também representou para seus operários, brancos ou negros, probabilidades e ensejos que qualquer outro grupo de trabalhadores da época dificilmente possuía.

A noção de “família ferroviária” igualmente à de “mito da democracia racial”, com suas ideias de ausência de preconceito e discriminação, pode ser encarada como ideologia de uma representação mais ampla sobre o caráter nacional brasileiro, que inclui noções como do “homem cordial”71, “povo pacífico” e a tendência à conciliação e ao compromisso. A imagem harmônica étnico-racial como parte de uma concepção ideológica mais geral da natureza humana do “brasileiro” associa-se a um mecanismo de legitimação destinado a absorver tensões, bem como antecipar e controlar áreas de conflito social. E onde as distâncias sociais são mais pronunciadas, quase gritantes, às vezes, é onde vamos encontrar mais presente esse fetiche da igualdade, com as exceções necessárias para confirmar a regra.

Logo, as reflexões desta pesquisa avançam em relação à pesquisa realizada no doutoramento por trazer uma análise de maior acuidade no que tange à intersecção entre memória, raça e classe, o que vai ao encontro das ideias de “racismo à brasileira”, delineada por Telles72, pois a qualidade e o tipo de relações que se conformaram entre os ferroviários brancos e negros foram fortemente marcados ora por relações horizontais de sociabilidade inter-racial, ora por relações verticais entre diferentes classes sociais, que envolvem relações de poder socioeconômico, mobilidade social e, nesse caso, também a noção de família ferroviária. Portanto, as práticas de inclusão e exclusão observadas nas interações entre os próprios ferroviários e entre estes e o meio que os cercavam confirmam que é somente a partir da união das perspectivas de mistura e segregação, característica da sociedade brasileira, que podemos entender a complexidade do nosso sistema racial.

Bibliografia

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*Este artigo deriva da tese de doutorado “Entroncamento entre raça e classe: ferroviários no centro-oeste paulista, 1930-1970”, desenvolvida na Universidade Estadual de Campinas (Brasil) em 2010

1Lania Stefanoni Ferreira, “Entroncamento entre raça e classe: ferroviários no centro-oeste paulista 1930-1970” (tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas, 2010).

2Teremos a década de 1930 como data de início da pesquisa por ser o período a partir do qual possuímos as primeiras entrevistas. O ano limite será 1970, visto que até esse momento as companhias ferroviárias, embora sob o controle do Estado, ainda mantinham suas características originais e não estavam agrupadas em uma mesma empresa; isso ocorre no ano seguinte, 1971, com a criação da fepasa s. a.

3Ao todo, foram realizadas 76 entrevistas, coletadas durante minha pesquisa de doutorado, porém foram utilizadas, neste artigo, aquelas consideradas de maior relevância e coerência para as discussões das temáticas propostas (memória/história oral e relações étnicas/identidade). Do número total de entrevistas feitas, 37 dos entrevistados declaram-se brancos; os outros 39 declaram-se negros, sendo, em média, 20 depoimentos por cidade. Vale salientar que os trechos dos depoimentos citados no corpo deste artigo tiveram, sempre, os nomes de seus entrevistados trocados, seus sobrenomes, para garantir a privacidade e o anonimato destes evitar constrangimentos entre os entrevistados que se conhecem pessoalmente.

4Odilon Nogueira de Matos, Café e ferrovias: a evolução de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira (São Paulo: Pontes, 1990).

5Wilma Peres Costa, “Ferrovia e trabalho assalariado em São Paulo” (dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas, 1975).

6Liliana Rosfsen Petrilli Segnini, Ferrovia e Ferroviários: uma contribuição para a análise do poder disciplinar na empresa (São Paulo: Editora Autora Associados/Cortez, 1982).

7Liliana Bueno dos Reis Garcia, “Rio Claro e as Oficinas da Companhia Paulista de Estrada de Ferro: Trabalho e vida operária (1930-1940)” (tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas, 1992).

8Álvaro Tenca, “Nos Trilhos da memória: racionalização, trabalho e tempo livre nas narrativas de velhos trabalhadores, ex-alunos do Curso de Ferroviários da Companhia Paulista de Estrada de Ferro” (dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, 2002).

9É evidente que o país contava nesse momento com um contingente bastante grande de mão de obra disponível, sobretudo aquela liberada da escravidão a partir de 1888. Contudo, a discriminação racial atuou como um elemento importante entre os empregadores brasileiros que preferiram estimular a vinda de europeus a contratar mão de obra negra, o que marginalizou essa população do mercado de trabalho por pelo menos três décadas. George Reid Andrews, Negros e brancos em São Paulo (1888-1988) (São Paulo: EduSC, 1998).

10Matos, Café e ferrovias, 23.

11Segnini, Ferrovia e Ferroviários, 47.

12Osvaldo Truzzi, Café e indústria: São Carlos 1850-1950 (São Paulo: ufscar, 2000).

13Karl Monsma, Reprodução do racismo: fazendeiros, negros e imigrantes no oeste paulista, 1880-1914 (São Carlos: edufscar, 2016).

14Ferreira, Entroncamento entre raça e classe, 59.

15Monsma, Reprodução do racismo, 30.

16Claudia Silvana Costa, “Os imigrantes e seus descendentes no poder local — o caso de São Carlos” (dissertação de mestrado, Universidade Federal de São Carlos, 2001).

17O censo de 1907 de São Carlos demonstra que a maioria dos trabalhadores da Companhia Paulista era de portugueses e brasileiros brancos nessa época. A inserção de negros como trabalhadores nessa companhia se dá nas décadas posteriores e, a partir daí, a ferrovia constitui uma via de mobilidade para vários trabalhadores negros. Monsma, A reprodução do racismo, 37.

18Flávio Azevedo Marques de Saes, As ferrovias de São Paulo: Paulista, Mogyana e Sorocabana (1870-1940) (São Paulo: Hucitec, 1981).

19Warrean Dean, A industrialização em São Paulo (Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1991).

20Fernando Azevedo, Um trem corre para oeste (São Paulo: Melhoramentos, 1980).

21Matos, Café e ferrovias, 30.

22A companhia em questão é a Cia. Paulista de Estrada de Ferro, responsável pela ligação de Rio Claro, São Carlos e Araraquara.

23Companhia Mogiana, Companhia Sorocabana, Companhia Paulista de Estrada de Ferro, São Paulo, Minas e Araraquarense, todas sob intervenção estatal.

24Maurice Halbwachs, A memória coletiva (São Paulo: Vértice, 1990).

25Paul Singer, A formação da classe operária (São Paulo: Atual, 1987).

26Leôncio Martins Rodrigues, Partidos e sindicatos: escritos de sociologia política (São Paulo: Ática, 1989).

27Antônio Paulo Rezende, História do Movimento Operário no Brasil (São Paulo: Ática, 1986).

28Guilherme (carpinteiro da oficina), em discussão com a autora, 9, junho, 2007.

29Edward Palmer Thompson, A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser (Rio de Janeiro: Zahar, 1981), 112.

30Edward Palmer Thompson, A miséria da teoria, 121; Edward Palmer Thompson, A formação da classe operária inglesa: a árvore da liberdade (Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1987).

31César (trabalhador de oficina), em discussão com autor, 10, março, 2007.

32Fernando (chefe de tráfego), em discussão com autor, 15, junho, 2007.

33Marco Henrique Zambello, “Ferrovia e memória: estudo sobre o trabalho e a categoria dos antigos ferroviários da Vila Industrial em Campinas” (dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, 2005).

34Florestan Fernandes, Revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica (São Paulo: Zahar, 1975).

35Pierre Bourdieu, Questões da Sociologia (Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983).

36Maria Isaura Pereira de Queiroz, Variações sobre a técnica do gravador no registro da informação viva (São Paulo: T. A. Queiroz, 1991).

37Queiroz, Variações sobre a técnica do gravador, 3.

38Queiroz, Variações sobre a técnica do gravador, 28.

39Pedro (praticante de tráfego - trem), em discussão com autor, 14, abril, 2007.

40Gustavo (foguista de tração - locomoção), em discussão com autor, 16, abril, 2007.

41Otávio (mestre de oficina), em discussão com a autora, 8, junho, 2007.

42Paul Thompson, A voz do passado: história oral (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992).

43Ecléia Bosi, Memória e sociedade: lembranças de velhos (São Paulo: Schwarcz, 1994), 21.

44Thompson, A voz do passado, 46.

45Bosi, Memória e sociedade, 28.

46Walter Benjamin, “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”, em Magia e Técnica, arte e política, Benjamin Walter (São Paulo: Brasiliense, 1987), 198-221.

47Benjamin, “O narrador”, 219-220.

48Bosi, Memória e sociedade, 32.

49Halbwachs, A memória coletiva, 31.

50Flávio (maquinista de tração), em discussão com a autora, 18, setembro, 2007.

51Halbwachs, A memória coletiva, 60.

52Marcos (torneiro de locomoção da oficina), em discussão com autor, 10, abril, 2007.

53Gustavo (foguista de locomoção - tração) em discussão com autor, 16, abril, 2007.

54Halbwachs, A memória coletiva, 51.

55Halbwachs, A memória coletiva.

56Emile Durkheim, As regras do método sociológico (São Paulo: Martin Claret, 2001).

57Halbwachs, A memória coletiva.

58Pollak, Memória e identidade social, 208.

59Pollak, “Memória, esquecimento, silêncio”, 8.

60Pollak, “Memória, esquecimento, silêncio”, 6.

61Maria Inês Rauter Mancuso, “A cidade na memória de seus velhos” (tese de doutorado, Universidade de São Paulo, 1998).

62Pollak, Memória e identidade social, 204.

63Pollak, Memória e identidade social, 205.

64Pollak, Memória e identidade social, 205

65Adriano (ajudante de tráfego), em discussão com autor, 19, setembro, 2007.

66Erving Goffman, Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada (Rio de Janeiro: Zahar, 1995).

67Tomas Tadeu da Silva, Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais (Rio de Janeiro: Vozes, 2000).

68Roberto Cardoso de Oliveira, Caminhos da identidade: ensaio sobre etnicidade e multiculturalismo (São Paulo: Editora Unesp, 2006).

69Stuart Hall, A identidade cultural na pós-modernidade (Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2000).

70O Grêmio Recreativo e Familiar Flor de Maio congregava a comunidade negra do município, principalmente os trabalhadores da Companhia Paulista de Estradas de Ferro; fundado em 4 de maio de 1928, era considerado clube dos empregados negros da Paulista. Márcio Mucedula Aguiar, “As organizações negras em São Carlos: política e identidade cultural” (dissertação de mestrado, Universidade Federal de São Carlos, 1998).

71Sergio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil (Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1988).

72Edward Telles, Racismo à brasileira: uma perspectiva sociológica (Rio de Janeiro: Relume Dumará- Fundação Ford, 2003).

Cómo citar: Stefanoni Ferreira, Lania. “Ferrovia e memória: a Companhia Paulista pelo crivo de raça e classe entre 1930 e 1970”. Historia Crítica, n.° 84 (2022): 57-78, doi: https://doi.org/10.7440/histcrit84.2022.03

Recebido: 09 de Maio de 2021; Aceito: 25 de Agosto de 2021

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