SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.21 issue42LOS CONCURSOS UNIVERSITARIOS O JUICIOS SIMULADOS EN EL MARCO DE LA ENSEÑANZA DEL DERECHONOTES ON THE FEDERAL LAW INTRODUCING PUBLIC AND PRIVATE PARTNERSHIPS IN THE BRAZILIAN LEGAL SYSTEM author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Prolegómenos

Print version ISSN 0121-182X

Prolegómenos vol.21 no.42 Bogotá July/Dec. 2018

https://doi.org/10.18359/prole.2798 

Artículos de reflexión

OS LIMITES E AS POSSIBLIDADES SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO CONTRA O TRABALHO DOMÉSTICO DE MENINAS NO BRASIL*

LOS LÍMITES Y LAS POSIBILIDADES DE LAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENCIÓN DEL TRABAJO DOMÉSTICO DE NIÑAS EN BRASIL

LIMITS AND POSSIBILITIES OF PUBLIC POLICIES TO PREVENT GIRLS' DOMESTIC WORK IN BRAZIL

Rosane Teresinha Carvalho Porto** 

Sabrine Dimer Dorz*** 

** Doutora e mestre em Direito, com área de concentração em políticas públicas de inclusão social; especialista em Direito Penal e Processual Penal pela UNISC. Especialização em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Policial militar. Professora de Direito da Infância e da Juventude, na UNISC. Editora da Revista do Direito. Subcoordenadora do curso de Direito da UNISC de Sobradinho, Rio Grande do Sul. Estuda temáticas voltadas à segurança pública, à criança e ao adolescente, à criminologia, ao gênero e à justiça restaurativa. Integrante do grupo Direito, Cidadania e Políticas Públicas, coordenado pela professora pós-doutora Marli Marlene Moraes da Costa. e-mail: rosaneporto@unisc.br

*** Bacharel em direito na UNISC; membro do grupo de pesquisa Direito, Cidadania, Políticas Públicas & Direitos Humanos, coordenado pela professora pós-doutora Marli M. M. Costa e supervisionado pela professora doutora Rosane T. C. Porto, realizado na UNISC, Sobradinho. e-mail: sabrine@mx2.unisc.br


RESUMO

O presente artigo tem como escopo o estudo do trabalho infantil doméstico, em especial de meninas, considerando a idade limite de 18 anos, conforme prevê a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e a Lei Complementar 150 de 2015. Diante disso, questiona-se: o Brasil possui políticas públicas efetivas e de alcance específico para a prevenção e o combate ao trabalho doméstico das meninas brasileiras, com estrutura adequada e meios para sua fiscalização? Dessa forma, serão primeiramente analisados os antecedentes históricos, como o trabalho escravo e sua relação com o trabalho infantil e a deste com o doméstico. Posteriormente, são apresentados alguns fatores e condições do trabalho infantil doméstico, como a cultura, a escolaridade, as questões de gênero e raciais, ademais as possíveis sequelas deixadas pelo ingresso precoce no trabalho. O método é dedutivo, com base em pesquisa bibliográfica.

Palavras-chave: Criança; adolescente; trabalho infantil doméstico; políticas públicas

RESUMEN

El presente artículo tiene como objetivo el estudio del trabajo infantil doméstico, en especial de niñas, teniendo en cuenta el límite de edad de 18 años según lo previsto en la Constitución Federal, el Estatuto del Niño y el Adolescente de 1990 y la Ley Complementaria 150 de 2015. Frente a esto, surge la pregunta: ¿Brasil cuenta con políticas públicas efectivas de alcance específico para prevenir y combatir el trabajo doméstico de las niñas brasileras, con una estructura adecuada y los medios para su supervisión? De esta manera, se analizarán primero los antecedentes históricos, como el trabajo esclavo y su relación con el trabajo infantil y la de este con el trabajo doméstico. Luego, se presentarán algunos factores y condiciones del trabajo infantil doméstico, como la cultura, la escolaridad, las cuestiones de género y raciales, además de las posibles secuelas que deja el ingreso precoz al trabajo. El método utilizado es deductivo con base en una investigación bibliográfica.

Palabras clave: Adolescente; niño; política pública; trabajo infantil doméstico

ABSTRACT

This article aims to study child domestic work, especially by girls, considering the age limit of 18 years as provided for in the Federal Constitution, the Child and Adolescent Statute of 1990 and Complementary Law 150 of 2015. In this regard, a question is posed: Does Brazil have effective public policies of specific scope to prevent and combat Brazilian girls' domestic work, with adequate structure and means for their supervision? Therefore, we will first analyze the historical background, including slave labor and its relationship with child labor and that of the latter with domestic work. Then, we will present some factors and conditions of child domestic work, such as culture, schooling, gender and racial issues, as well as the possible consequences of working at an early age. The method employed is deductive based on a literature review.

Keywords: Adolescent; child; child domestic work; public policy

Introdução

Apesar de ter demonstrado lentidão ante o combate da exploração infantil de modo geral, o qual esbarra na invisibilidade e na indiferença, o Brasil apresenta uma legislação coerente em se tratando de normas que asseguram a proteção dos direitos humanos e a dignidade da pessoa, especificamente quanto ao reconhecimento da criança como um sujeito de direitos, de proteção integral e prioritária, a partir da Constituição Federal de 1988. Assim, diante do tema, questiona-se: o Brasil possui políticas públicas efetivas e de alcance específico para a prevenção e o combate ao trabalho infantil doméstico das meninas brasileiras, com estrutura adequada e meios para sua fiscalização?

Primeiramente, será analisado o arcabouço histórico, relatando brevemente o trabalho escravo e a relação deste com o trabalho infantil, e a deste com o doméstico, correlacionando com as normas destinadas às crianças e aos adolescentes, moldadas pela trajetória cultural, política, econômica e social de transformação do cenário mundial, passando da fase da indiferença à teoria da proteção integral.

Posteriormente, serão apresentados alguns fatores e condições do trabalho infantil doméstico, como a cultura, a escolaridade, as questões de gênero e raciais, ademais as possíveis sequelas deixadas pelo ingresso precoce no trabalho. Por fim, a abordagem quanto às políticas públicas, governamentais e não governamentais que visam garantir a efetividade dos direitos fundamentais de proteção às crianças e aos adolescentes, evidenciando a educação como alternativa para prevenir essa problemática.

O método é dedutivo, baseado em pesquisa bibliográfica. Também foi aplicada na pesquisa a legislação brasileira, com influência dos tratados internacionais, utilizando-se de uma abordagem generalizada, haja vista que o trabalho infantil doméstico é apenas mais uma das espécies de trabalho infantil.

Análise da história do trabalho infantil doméstico no Brasil e a evolução das leis de proteção

O presente capítulo apresenta um breve estudo sobre o trabalho infantil doméstico e suas leis protecionistas, de forma generalizada, ao considerar o trabalho infantil doméstico uma espécie do gênero trabalho infantil. Nesse sentido, imprescindível a averiguação do histórico escravocrata brasileiro, sua relação com o trabalho infantil e, assim, com o trabalho infantil doméstico, demonstrando que suas raízes permanecem ativas nos dias atuais.

Em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) através da Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar, no ano de 2014, conforme divulgado pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fnpeti, 2013), havia cerca de 554 mil crianças e adolescentes entre 5 e 13 anos trabalhando no Brasil. Comparando com o ano de 2013, o número era de 506 mil, ou seja, houve um acréscimo de mais de 9 % em 2014.

Quanto a dados mais específicos referentes ao trabalho doméstico, no ano de 2011, ainda conforme o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fnpeti, 2013), o número de crianças e adolescentes que viviam no Brasil era de 42 milhões, entre a faixa etária dos 5 aos 17 anos, e destes, mais de 3 milhões tinham algum tipo de ocupação, sendo que 258 mil desempenhavam alguma forma de trabalho doméstico, correspondendo a quase 4 % do total dos empregos domésticos do país. Esse percentual é preocupante, apesar dos esforços para erradicar o trabalho infantil por meio de leis, políticas públicas, ações governamentais e também oriundas da sociedade civil.

Conforme Custódio e Veronese (2009), considerate trabalho infantil doméstico mesmo aquele realizado no recinto familiar, pois crianças e adolescentes assumem responsabilidades típicas de adultos, e tomam para si obrigações que vão além de suas próprias capacidades e em prejuízo de seu desenvolvimento. Contudo, o trabalho doméstico prestado para terceiros configura-se o principal elemento de exploração infantil.

Nesse mesmo enfoque, o trabalho infantil doméstico, conceituado pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fnpeti, 2013) é:

[...] toda prestação de serviço continuada, remunerada ou não, realizada por pessoa com idade inferior a 18 anos, para terceiros ou para a sua própria família. São atividades que, mesmo realizadas no âmbito familiar, violam direitos das crianças e adolescentes à vida, à saúde, à educação, ao brincar, ao lazer e ainda, acarretam prejuízos que comprometem o seu pleno desenvolvimento físico, psicológico, cognitivo e moral.

Entretanto, nem todas as atividades realizadas por crianças e adolescentes constituem trabalho infantil. A Organização Internacional do Trabalho aduz que eles podem trabalhar, desde que sejam tarefas apropriadas a cada idade, que não apresentem riscos ou interfiram na vida escolar, no descanso ou nas brincadeiras, e sempre supervisionadas pelo olhar de um adulto, não podendo caracterizar, de forma alguma, meio de sustento para a família, conforme é salientado pela Fundação Abrinq (2015, parágrafo 8°),

[...] ajudar a lavar a louça em casa, arrumar a própria cama [...] são atividades de socialização e transmissão de conhecimento. É saudável que crianças e adolescentes colaborem com suas famílias na divisão de tarefas domésticas, fortalecendo o sentimento de solidariedade e responsabilidade com os outros e com o ambiente em que vivem.

Cabe referir ainda, quanto ao desenvolvimento das crianças, que, ao incorporá-las nas tarefas diárias, respeitando os requisitos quanto à idade e aos tipos de atividades efetuadas, há um estímulo e reconhecimento de que são seres capazes de aprender com os desafios; à medida que criam autonomia, descobrem também que a liberdade é acompanhada de responsabilidade (Fundação Abrinq, 2015): "embora o tempo livre seja algo fundamental nessa fase de vida, isso não significa que a infância deva ser blindada de qualquer obrigação de caráter coletivo".

Contudo, a questão do trabalho por vezes extravasa os limites do aprendizado e do desenvolvimento saudável, configurando verdadeira violação dos direitos inerentes às crianças e aos adolescentes, resguardados, acima de tudo, pela Constituição Federal, conforme será tratado ao longo deste trabalho.

Precipuamente no caso de menina, conforme Perez (2003, p. 69), estas ingressam no trabalho doméstico precocemente, em torno dos sete anos de idade, ao desempenharem tarefas como cuidar de seus irmãos mais novos e contribuir com as atividades do lar, para, posteriormente, seguirem no trabalho doméstico remunerado.

Por outro lado, de acordo com Custódio e Veronese (2009), há de considerar-se também a falta de fontes primárias que possam demonstrar a mulher e a criança como narradoras que delatam suas próprias histórias de exploração.

[...] não há como negar que a construção social da infância no Brasil foi secularmente reproduzida pelo olhar adulto, geralmente elitista e reprodutor das condições de desigualdade histórica, colocando a criança no lugar específico e necessário à imposição de seu poder. (Custódio e Veronese, 2009, p. 18)

Dessa forma, a história da infância brasileira está sob o prisma dos ensinamentos dos adultos, o que inclui as normas conceituais, bem como a forma que a criança deveria ser tratada, principalmente as pobres e negras, oriundas das classes trabalhadoras e carentes, objetivando a obediência e almejando um adulto sujeito às imposições de uma sociedade elitista e capitalista.

Para Custódio (2006), há ligação entre o trabalho infantil doméstico e a escravidão, caracterizada pela cultura de exploração do trabalho humano, sob alguma forma coercitiva de condição.

A escravidão no Brasil se deu principalmente pelo comércio de africanos ou de seus descendentes. Eles eram importados e desembarcavam no Brasil para que trabalhassem nos canaviais, depois nas minas e posteriormente nas plantações de café, processo então mais vantajoso do que a tentativa utilizada pelos portugueses de empreender a mão de obra indígena no período de colonização.

Quanto ao trabalho escravo, atualmente, tem-se a Proposta de Emenda à Constituição 438 de 2001, que deu nova redação ao artigo 243 da Constituição Federal (Emenda Constitucional 81 de 2014), com a proposta que determina a expropriação de imóveis urbanos (para habitação popular) e rurais onde seja constatada exploração de trabalho escravo ou de pessoas em situação análoga à escravidão, a qual foi aprovada pelo Senado, em 2014, mas que ainda encontra óbices quanto à sua aplicação, pois a Emenda determina que a expropriação seja feita na forma da lei (Portal Brasil, 2014), isto é, depende de lei complementar que informe o procedimento, para que, na prática, seja realmente aplicada.

Especificadamente quanto à infância negra, devido aos escassos relatos bibliográficos, pouco se sabe de sua condição como escrava, porém, ainda que não fossem preferência do tráfico, estas nasciam a bordo das embarcações ou nas senzalas brasileiras.

Nesse sentido, Custódio e Veronese (2007, p. 35) afirmam:

A transição da escravidão para o trabalho livre não viria a significar a abolição da exploração das crianças brasileiras no trabalho, mas substituir um sistema por outro considerado mais legítimo e adequado aos princípios norteadores da chamada modernidade industrial. O trabalho precoce continuará como instrumento de controle social da infância e de reprodução social das classes, surgindo, a partir daí, outras instituições fundadas e novos discursos.

De acordo com Custódio e Veronese (2009, p. 28), o trabalho infantil doméstico não está dissociado das questões mais gerais relativas ao trabalho infantil, pois se trata fundamentalmente do universo da criança empobrecida, sem cidadania, sem direitos efetivos e sem ludicidade.

A Convenção 138 e a Recomendação 146 da Organização Internacional do Trabalho, que trata sobre a idade mínima para a admissão no emprego, aprovada no dia 27 de junho de 1973, em Genebra, promulgada pelo Brasil, conforme o Decreto 4.134 de 2002, dispõe em seu artigo 2o, parágrafo 3°, que a idade mínima para a admissão no emprego a da conclusão da escolaridade obrigatória ou, ainda, em qualquer hipótese, não inferior aos 15 anos.

Em 1990, após a regulamentação da Constituição Federal de 1988, foi editada a Lei 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que adota expressamente a doutrina da proteção integral, passando então a situação da exploração do trabalho de crianças e adolescentes a ser objeto de maior atenção pública.

A expressão "criança e adolescente" vem ao encontro dessa ampla proteção, que encerra o uso do termo "menor", o qual caracterizava os destinatários da situação irregular, de sujeitos sem o reconhecimento de direitos. É sabido, também, que as possíveis causas que levam ao trabalho infantil doméstico são complexas.

Dentre as variáveis, explica Custódio (2006, p. 92), a condição de exploração da criança e do adolescente tem seu viés na escravidão brasileira, como também nas relações de sujeição de gênero, arraigadas ao longo da história, provenientes do modelo patriarcal de sociedade, variáveis essas que encobrem as violações contra a dignidade feminina, entre outras, a seguir verificadas.

O trabalho doméstico de meninas no Brasil: seus fatores e possíveis sequelas

Consideradas as prováveis causas, verificam-se, posteriormente, os possíveis danos causados pelo ingresso precoce no trabalho, os quais podem se manifestar no abandono da vida escolar, que reprisa o ciclo de pobreza e exclusão social, consolidando as desigualdades de gênero e raça, além de prejudicar o desenvolvimento físico e psicológico saudáveis da criança e do adolescente.

Então, buscando informações dentro da legislação brasileira e internacional, para a classificação de quem é criança e quem é adolescente, tem-se, conforme a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, que criança é todo ser humano com menos de 18 anos de idade, salvo legislação interna que defina a maioridade mais cedo. Nesse sentido, Costa e Porto (2013, p. 2) afirmam: "a condição de 'ser' criança ou adolescente independe, portanto, de um juízo de valor sobre sua maturidade, capacidade ou discernimento", sendo juridicamente então utilizada a questão da idade.

Todavia, a Constituição Federal de 1988, no artigo 227, parágrafo 3°, quando da proteção integral, limita a idade mínima de 14 anos para a admissão ao trabalho, observando o artigo 7°, XXXIII, que permite o labor aos 14 anos na condição de aprendiz, vedando qualquer outra modalidade, salvo aos 16 anos, e proibindo aos menores de 18 anos o trabalho perigoso, insalubre ou noturno, e garantido o acesso à escola para os adolescentes. Isso também está apoiado pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o artigo 2° descreve como criança a pessoa com até 12 anos incompletos e acima dos 12 aos 18 anos, como adolescentes, sendo este o marco limitador de idade que será observado ao tratar as infrações de direitos de crianças e adolescentes.

Em relação ao trabalho doméstico, regulamentado pela Lei Complementar 150 de 2015, em consonância com a Convenção 182, internalizada pelo nosso sistema jurídico em 2008, fica vedada a contratação de menor de 18 anos para o desempenho das atividades dessa categoria. Portanto, utiliza-se o que preveem as normas vigentes quanto à questão em tela, ou seja, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente. No Brasil, considera-se trabalho infantil aquele realizado antes da idade mínima permitida, ou seja, aos 14 anos, na condição de aprendiz, ou aos 16 anos, salvo em período noturno ou o trabalho insalubre, perigoso ou penoso. Caso contrário, somente aos 18 anos. Entretanto, fica vedado o trabalho antes dos 18 anos, considerado este como infantil, de forma geral, por força da lista das piores formas de trabalho infantil, conforme determina a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho e o Decreto 6.481 de 2008.

As causas para esse fator de exploração são bem abrangentes, pois vão além da pobreza e da exclusão social, e incluem nesse rol as atividades jurídicas e institucionais que responsabilizavam as crianças e os adolescentes pela sua própria subsistência e a da família, além da própria cultura familiar.

O trabalho doméstico dá-se tanto nas próprias residências como em casa de terceiros, tornando-se este, por vezes, mais penoso e com baixa ou nenhuma remuneração, quando há a troca do trabalho por moradia e alimentação: "com os patrões, não há divisão de tarefas nem apelo afetivo [... ] assumem uma carga de trabalho pesada e recebem uma remuneração injusta" (Peres, 2003, p. 69).

Nota-se que o trabalho infantil doméstico apresenta algumas peculiaridades que o tornam de difícil percepção, como seu ocultismo, dentro da privacidade dos lares, não reconhecido como tal, portanto invisível para a sociedade que também o tolera.

Ainda há de ter em mente que a desigualdade no trabalho deve ser combatida não só pela própria sociedade, pois é imprescindível o Estado reconhecer seu papel de responsabilidade quanto às demandas específicas ao gênero feminino, em todos seus aspectos. Conforme Soares (2004, p. 115), o Estado deve assumir, dentro de sua organização, lugar para políticas públicas que visem à disseminação igualitária, entre homens e mulheres, que leve em conta questões de gênero, de raça e de cultura local, para então as demandas públicas se fazerem eficientes também na questão laboral, muito além do que se apresenta na atualidade, em que suas ações, por vezes, ainda disseminam o preconceito.

Nesse ínterim, ao discutir os possíveis fatores determinantes sobre a inserção das crianças e dos adolescentes no trabalho doméstico, para Custódio (2006, p. 93), principalmente no aspecto do labor se dar em casa de terceiros, a decisão estaria atrelada ao ambiente familiar e às oportunidades disponíveis, vinculadas então aos fatores econômicos, culturais, educacionais e políticos, isto é, seriam os próprios fatores ideológicos e as condições materiais da existência que definiriam a incorporação no trabalho infantil.

O trabalho infantil está atrelado, entre outros, a questões culturais, acentuado como um aspecto educativo e moralizador, conforme descreve Custódio (2006, p. 96), fundado nas tradições, nos comportamentos locais: "como um vestígio do passado e com forte resistência à mudança", o que se reflete na vida em família, na comunidade e também na escola, onde a tradição, ao longo da história, se entrelaça com o quesito gênero, objeto do próximo estudo.

Ainda, a exploração do trabalho infantil está arraigada na interferência cultural, quanto ao abuso dissimulado em caridade, na crença de desenvolvimento e educação da criança, que o melhor é a ocupação, gerando mitos, segundo Custódio (2006), como trabalhar é melhor que roubar e trabalhar desde cedo acumula experiência para uma profissão no futuro. Isso, segundo o autor, não se sustenta, e sim demonstra um "perverso caráter legitimador das condições de exploração de crianças e adolescentes, uma vez que oculta as reais consequências do trabalho infantil" (p. 212).

Quanto à família, a cultura ainda deixa a cargo da genitora a responsabilidade de conduzir os filhos no dia a dia, em que o trabalho, em algumas concepções, inclusive das próprias mães, é o único capital cultural que possuem e possível de transmitir aos seus filhos.

Em pesquisa apresentada em março pelo Ministério do Trabalho (2016), sobre a inserção das mulheres no mercado de trabalho, conforme levantamento feito pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considerando um recorte estatístico de 2004 a 2014, com mulheres ocupadas a partir dos 10 anos de idade, em residências de classe média e alta, aponta que a tarefa com os serviços domésticos é quase exclusivamente feminina, ou seja, 92 % dos empregados domésticos são mulheres, o que corresponde a 14 % do total das ocupações funcionais das mulheres no Brasil.

Conforme Costa (1983) citado por Dimenstein e Feitosa (2004, p. 285), a supremacia feminina na função exclusiva doméstica remonta à cultura do Brasil higienista, da organização das tarefas, definindo os papéis da família e da infância, e designando à mulher um papel de destaque no cuidado dos filhos, o que se reproduz para a próxima geração, no caso para as filhas.

Em reportagem realizada pela TV TST (2013), aborda-se o tema do trabalho infantil doméstico na qual informações em nível mundial demonstram que este vitimiza cerca de 215 milhões de crianças e adolescentes, que têm seus sonhos e a própria infância do brincar e estudar suprimidos, deixados de lado pela condição em que se encontram.

Segundo Peres (2003, p. 73), a relação de trabalho geralmente se dá entre mulheres, numa hierarquia: a patroa, a genitora e a menina, em que a mãe decide sobre a vida da filha, e a patroa, requisita, determina e cobra as funções, tudo envolvido sob o mito de proteção e ajuda, numa relação de "madrinhas e afilhadas". Tal situação ludibria as meninas que almejam preencher suas necessidades de inclusão e fugir da condição social que se encontram para não acabarem como empregadas domésticas; dessa forma, deixam-se levar pela ideia de que não o são e que apenas trocam favores, trabalho por moradia.

Mas como identificar o abuso e combater as causas quando aquele se dá no âmbito privado, fora dos radares protecionistas? Na visão da socióloga Isa de Oliveira, atualmente secretá-ria-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, a dificuldade de caracterizar o trabalho doméstico como uma violação dos direitos humanos de crianças e adolescentes dá-se porque a sociedade o considera como uma ajuda, algo natural para as meninas, e não como uma afronta à infância, retirando a oportunidade de um desempenho escolar desejável, muitas vezes resultando em evasão; além de que, considerando tão baixa faixa etária para tanta atividade, em detrimento da educação escolar e do lazer, pertinente se faz considerar que seja trabalho infantil.

E os danos não desaparecem por conta que a menina virou uma mulher adulta, já que ela permanece como uma mistura de dor e indignação, ao se dar conta que a infância já passou. A identidade lúdica da espontaneidade e da criatividade se perde ao deparar-se com tamanha responsabilidade, em tão imatura e frágil idade.

A escolaridade se mostra outro fator de destaque, não só a do infante, mas a de seus genitores, conforme aduz Custódio e Veronese (2009, p. 1): "do mesmo modo, as condições de acesso à escolarização por parte dos pais também influenciam na dimensão do uso do trabalho infantil doméstico e na reprodução das condições de exclusão educacional".

Assim, alertam os pesquisadores sobre a forma como se dá o trabalho infantil, devendo este ser atrelado ao ambiente familiar em que a criança ou o adolescente conviva. Nesse segmento, a pesquisadora Ana Lúcia Kassouk, citada por Peres (2003, p. 39), relata que, conforme o nível escolar da mãe, no máximo até o quarto ano, a porcentagem de ter uma criança que trabalhe na família aumenta; e, acrescentando-se um ano a mais, a probabilidade recua em 0,3 % para meninos e 0,2 % para meninas. Sendo o pai a referência, a redução seria de 0,7 % e 0,2 % respectivamente, ou seja, o nível escolar dos pais impacta diretamente na renda familiar.

A escola outrora já demonstrava a responsabilidade de disciplinar, de forma técnica, para o trabalho, por força do julgamento patriarcal do Estado e de suas normas restritivas. Nesse contexto, torna-se alternativa para a não delinquência infantil o próprio resgate da subcultura que se encontrava nessas responsabilidades.

Nesse segmento, pode-se dizer que a escola reproduzia a vivência da comunidade e dos instrumentos de trabalho, segundo descreve Costa, Porto e Vezentini (2013, p. 80); aprendiam com as experiências dos mais velhos. Posteriormente, passando a educação às mãos dos religiosos, que elitizavam o ensinamento, com certa alienação, às classes mais altas e dominantes. Porém, a ciência prosperou pela modernidade e pelo desenvolvimento, fazendo com que a educação desse espaço também às classes mais baixas; portanto, fez-se necessário um nível básico de educação à massa trabalhadora, para que esta correspondesse à altura que o mercado exigia.

A Organização Internacional do Trabalho, através do Plano de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador (2011-2015), previa como meta eliminar as piores formas de trabalho infantil até o ano de 2015, e, audaciosamente, erradicar na sua totalidade o trabalho infantil até 2020, compromisso ratificado pelo Brasil e pelos demais países signatários do "Trabalho Decente nas Américas: uma Agenda Hemisférica, 2006-2015", apresentado na XVI Reunião Regional Americana da Organização Internacional do Trabalho, realizada no ano de 2006.

Em audiência pública promovida pela Comissão Parlamentar de Inquérito, em apuração sobre a exploração do trabalho infantil, realizada em agosto de 2016, denominada Trabalho Infantil (2016), a secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil afirma que "o Brasil não deverá alcançar a meta estabelecida pela Organização Internacional do Trabalho de erradicação do trabalho infantil no mundo até 2020", considerando a marcha lenta do país. Um panorama otimista seria para daqui uns 20 anos, isto é, para 2033, pois, conforme exposto no debate, o Brasil, entre os anos de 2000 a 2011, tirou do trabalho infantil apenas 502 mil crianças do total de 3,4 milhões, sendo que 2,9 milhões de adolescentes entre 14 e 17 anos ainda estão trabalhando e, deste total, 1,6 milhão encontra-se fora da escola.

O conceito de gênero, conforme Soares (2004, p. 113), trata-se da relação de poder entre homens e mulheres que vai além da questão biológica e abrange diferenças de papéis na vida social, direitos e oportunidades, as quais se constituíram hierarquicamente, da construção social, em que o homem é visto em patamar superior; uma desigualdade criada ao longo dos tempos, principalmente por fatores culturais relativizados e impostos à civilização, sem ter por base a real capacidade feminina.

Na concepção de Costa, Porto e Vezentini, (2013, p. 23), a diferença quanto ao gênero, ao considerar a crença de que a mulher é um ser inferior ao homem, o que a mantém à margem social, vista como propriedade, sem nenhuma autonomia e liberdade no que se refere a suas vidas, remonta à Antiguidade, quando, na Grécia, as mulheres se equiparavam aos escravos, com a função de reproduzir e cuidar da subsistência masculina. Em seguida, na Idade Média, quando a Inquisição da Igreja Católica perseguiu e matou milhares de mulheres que não agiam de acordo com os moldes impostos na época.

Devido às guerras, as mulheres foram incorporadas ao mercado de trabalho, porém com salários inferiores aos dos homens; nesse ínterim, a primeira greve feminina de tecelãs que reivindicavam direitos como o voto, a educação e o emprego, em oito de março de 1857, resultou na revolta dos patrões; como punição, foram queimadas vivas, o que, posteriormente, ficou marcado como o Dia Internacional da Mulher.

O cenário altera a partir de 1970, com os movimentos feministas, conforme mencionam Costa, Porto e Vezentini (2013, p. 23), formando-se uma consciência a respeito da condição da mulher, expandindo seu espaço na política, na ciência e no meio acadêmico; na década de 1980, elaborou-se o conceito de gênero, com a atuação de países comprometidos com a equidade entre mulheres e homens, como foi a Conferência Mundial de Nairob em 1985, reforçada a ideia pela Organização das Nações Unidas, em 1993.

Entretanto, enquanto os movimentos feministas retiram as mulheres dos muros domésticos, estes se resumiam aos das classes média e alta. A conquista de algumas estava forjada na submissão de outras, ou seja, haveria uma relação entre o incremento da mão de obra feminina em profissões de alto prestígio e o aumento do serviço doméstico (Brites, 2000).

Além de a disparidade de gênero, homem e mulher, estar arraigada num cenário histórico, social e cultural, e apesar da equivalência quanto à escolaridade e à capacidade laboral, não há equiparação em salários, em níveis hierárquicos de gerência no trabalho e, sobretudo, na divisão igualitária das tarefas domésticas.

Nesse sentido, Isa de Oliveira, coordenadora do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (2013), narra que "a sociedade define, por meio das ações culturais, o que é trabalho de menino e o de menina. Até os dezoito anos, os tipos mais comuns de atividade laborativa para elas são o trabalho doméstico e a exploração sexual". Para os meninos, os tipos mais comuns envolvem atividades físicas ou situações que expõem maiores riscos, como trabalho em lavouras ou cuidadores de carros.

Frisa-se ainda que o impacto do trabalho infantil pode se diferenciar quando a menina, além de já realizar algum tipo de trabalho, acumula isso com as tarefas domésticas. Culturalmente, o cuidar da casa é tido como natural para as meninas, e não uma forma de trabalho, diferentemente dos meninos.

Ou seja, na questão cultural da diferenciação de gênero, cabe às mulheres o cuidado com o lar e com a família, além de ter que cumprir com todas as outras atividades cotidianas, como estudar, e contribuir financeiramente para a manutenção de todos, resultando num acúmulo de funções e rompendo qualquer ato que dignifique a classe feminina e as normas protecionistas.

O que cega ante o caso é a cultura de que o trabalho infantil doméstico é visto como uma forma de ajuda, de aprendizado em tempo integral, o qual, sufocado dentro das paredes do lar, não pode ser visualizado ou questionado, nem ao menos existem.

Entretanto, o fator de gênero vem se ajustando, pois é inevitável notar que os homens estão compartilhando as tarefas domésticas, exclusivas até pouco tempo das mulheres, "principalmente a criação da prole, [... ] participando ativamente na educação integral das crianças, o que significa um avanço nas relações humanas e sociais permeada pela desmanteladora cultura patriarcal" (Moraes e Porto, 2016, p. 11).

Todavia, há de salientar que o papel do Estado é de suma importância quanto à construção da igualdade dos gêneros, que, no entendimento de Soares (2004, p. 114), implica não só a regulamentação de leis que vedam a discriminação, como e fundamentalmente, como a agência de alterações culturais que afetam a condição feminina, incorporando ações que considerem as relações de gênero e de raça.

Em dados do IBGE, por meio da Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar (PNAD) no ano de 2013, o percentual do trabalho infantil, de modo geral, considerando a idade entre 5 e 17 anos, era composto por 62,5 % de negros e 37,5 % de outras etnias.

Quanto à questão racial, pelas leis brasileiras, destaca-se a Constituinte de 1823, que, segundo Porto (2008, p. 62),

[... ] no Brasil, após a independência política, quando José Bonifácio apresentou um projeto em prol do menor escravo, [... ] notou-se sobremaneira o remoto início de uma preocupação da sociedade com as suas crianças. Porém, a preocupação assentava-se na manutenção da mão de obra e não com os direitos da criança escrava.

A questão racial relaciona-se fundamentalmente com o aspecto econômico, pois os negros ainda encontram dificuldades na qualificação profissional, devido a óbices quanto ao acesso à educação e à inserção no mercado de trabalho; no caso da mulher negra, também por questão de gênero.

Possíveis sequelas deixadas pelo trabalho infantil

Quanto aos danos causados pela inserção precoce no mercado de trabalho, a escolaridade é um deles, pois quanto mais cedo trabalha, menor é o nível escolar. Segundo o entendimento de Custódio e Veronese (2009, p. 95), ao se deparar com dificuldades no acesso à escola, geralmente pela longa e exaustiva jornada de trabalho, constata-se a falta de rendimento e, muitas vezes, a evasão precoce, prorrogando na história o caso da exclusão educacional.

Nesse contexto, Custódio (2006, p. 212) complementa descrevendo ainda como resultado do trabalho precoce, além das inerentes problemáticas à educação, também as barreiras ligadas à reprodução do ciclo de pobreza e cultural de exclusão, que fortalecem a questão de desigualdade de gênero e raça, o pagamento por meio de bens ou valores irrelevantes, ou a total falta de remuneração, a precária relação de trabalho que rebaixa a média salarial para tal categoria, o reforço da dependência econômica por parte da própria família ao trabalho da criança ou do adolescente, a substituição da mão de obra adulta pela infantil e, consequentemente, maior desemprego dos adultos, o isolamento e cerceamento das possibilidades de usufruir as condições necessárias para o seu desenvolvimento.

Quanto à saúde, o trabalho infantil doméstico é nocivo ao desenvolvimento físico, diante das condições de risco inerentes da própria atividade doméstica, como a insalubridade e a periculosidade, aspectos ergométricos, como a postura inadequada e a condição frágil do próprio corpo em crescimento, provocando o envelhecimento precoce e doenças correlacionadas à fadiga e ao excesso de peso.

As Convenções 138 (sobre a idade mínima de admissão ao emprego) e 182 (sobre as piores formas de trabalho infantil) da Organização Internacional do Trabalho, através das recomendações 146 e 190, respectivamente, advertem pela mútua cooperação e pelo dever dos estados-membros, no caso do Brasil, de adotar medidas em prol do desenvolvimento econômico, programas de erradicação da pobreza e incentivo à educação com vistas à erradicação do trabalho infantil, fazendo-se importantes instrumentos jurídicos na luta contra essa problemática.

Nesse sentido, o artigo 1° da Convenção 138 incute a ideia de que a norma internacional prioriza o desenvolvimento físico e mental do adolescente:

Todo País-Membro em que vigore esta Convenção, compromete-se a seguir uma política nacional que assegure a efetiva abolição do trabalho infantil e eleve progressivamente, a idade mínima de admissão a emprego ou a trabalho a um nível adequado ao pleno desenvolvimento físico e mental do adolescente.

No aspecto da escolaridade, o artigo 2°, no 3° parágrafo, traz a limitação de idade para a admissão no emprego, como sendo a da conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, não inferior aos 15 anos. Ainda, na Convenção 138, no artigo 3°, demonstra-se a preocupação quanto à saúde e à moral do adolescente, limitando a idade mínima não inferior aos 18 anos para a admissão em emprego ou trabalho que, por sua natureza ou circunstâncias de execução, possa assim prejudicá-lo.

Pela Convenção 182, o trabalho doméstico está elencado na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, exposto como atividade de risco ocupacional, como: esforços físicos intensos, isolamento, abuso físico, psicológico e sexual, longas jornadas de trabalho, trabalho noturno, calor, exposição ao fogo, posições antiergonômicas e movimentos repetitivos, tracionamento da coluna vertebral, sobrecarga muscular e queda de nível.

Quanto aos riscos considerados à saúde, a lista elenca: afecções dos músculos e esqueleto, como bursites e tendinites, contusões, fraturas, ferimentos, queimaduras, ansiedade, alterações na vida familiar, transtornos do sono, deformidades da coluna vertebral, como escoliose, síndrome do esgotamento profissional, neurose profissional, traumatismos, tonturas e fobias.

Em relação aos prejuízos psicológicos, tem-se o mais óbvio, que é a perda da infância, do lúdico, da arte de brincar, "que é a oportunidade de reviver, entender e assimilar os mais diversos modelos e conteúdos das relações afetivas e cognitivas" (Custódio e Veronese, 2009, p. 101), resultando para sua vida a perda da criatividade.

A despeito disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, no seu artigo 6°, sustenta que a referida lei deverá ser compreendida de acordo com os fins sociais, ao encontro do bem comum, respaldados os direitos individuais e coletivos, bem como a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento (Costa e Porto, 2013).

Além dos prejuízos ao próprio infante, oferecidos diante da precariedade das condições em que o trabalho se realiza, com a infração legal, denota uma consequência também social, ao elevar os custos principalmente com a manutenção da saúde pública e com políticas de atendimento voltadas a tentar sanear esse déficit. Vale enfatizar que a criança e o adolescente são reconhecidos universalmente, pelos ordenamentos jurídicos, como sujeitos de direito, cabendo à família, ao Estado e à sociedade a garantia da efetivação de condições adequadas para o perfeito cumprimento dessa proteção.

Conforme Custódio e Veronese (2009, p. 212), o Direito da Criança e do Adolescente, além instaurar um sistema de garantias para tornar efetivos os limites de proteção contra a exploração do trabalho infantil doméstico, promove um reordenamento institucional, com a responsabilização conjunta de família, sociedade e Estado para assegurar esses direitos.

Esse reordenamento institucional traz um conjunto de ações desenvolvidas pelo Estado ou por outros atores sociais, as quais beneficiam a sociedade e visam atacar os problemas públicos, denominados, segundo Porto, Fortes e Diehl (2016, p. 81), de políticas públicas. Esse conceito pode ser analisado sob duas perspectivas: a primeira considera o Estado como o único provedor, e a segunda considera as organizações não governamentais, privadas ou as redes de políticas públicas, em conjunto com o Estado, como as personagens principais quanto ao estabelecimento daquelas.

É importante fazer a diferenciação entre políticas públicas: como atividade de cunho político, vinculadas a programas governamentais, de duração temporária, ou como as que realmente nos interessa, que são aquelas que norteiam as ações estatais, a fim de combater problemas que assolam a população de modo geral e que servem para a melhoria da qualidade de vida da população, constituindo-se, portanto, a política pública como algo que deve atender aos interesses de uma coletividade (Porto, Fortes e Diehl, 2016).

Quanto às políticas públicas, é relevante averiguar como o governo está atuando para a prevenção e erradicação do trabalho infantil, e como a sociedade percebe suas ações, seja por meio de levantamentos das próprias instituições de atendimento, seja por meios estatísticos, o que servirá para o apontamento de alternativas para sua melhor efetivação no caso concreto. Assim orienta a Organização Internacional do Trabalho (2011),

As várias avaliações sobre programas ou políticas voltadas para a eliminação do trabalho infantil mostram que uma das principais dificuldades para o sucesso dessas iniciativas é que, em geral, as pessoas acreditam que o trabalho é bom para as crianças, principalmente para as crianças empobrecidas. Assim, por acreditarem que trabalhar é melhor para elas do que seu envolvimento em atividades como brincar ou participar de atividades socioeducativas, não acham errado que, desde cedo, essas crianças comecem a trabalhar.

Nesse ínterim, as políticas públicas se desdobram como um conjunto de ações e programas destinados a garantir e assegurar as leis de direitos humanos e de dignidade da pessoa humana, seja de ordem difusa, seja para determinado segmento cultural ou econômico; elas podem partir de órgãos governamentais ou da própria sociedade, com a participação de entidades públicas ou privadas.

Atualmente, como legislações brasileiras efetivas quanto à defesa dos interesses de crianças e adolescentes, tem-se a Consolidação das Leis do Trabalho, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, e estas norteiam um sistema descentralizado e organizado, denominado de políticas públicas.

Esse sistema de proteção e garantias dos direitos às crianças e adolescentes, para atingir seu foco, descentraliza-se do poder estatal e constitui um sistema de redes, com responsabilidade compartilhada entre a família, a sociedade e o Estado. No entanto, nem sempre é um sistema bem compassado e enfrenta obstáculos que dispersam suas ações; portanto, aconselha-se a participação conjunta que envolva dinâmicas, conforme Custódio e Veronese (2009, p. 143) afirmam, ações que envolvam política de atendimento, de proteção, política de justiça e de promoção de direitos.

Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 86 e seguintes, a política de atendimento às crianças e aos adolescentes dá-se nos três níveis governamentais, a União, os Estados e o Distrito Federal e Municípios, e inclui articulações não governamentais, com políticas sociais básicas, políticas e programas de assistência social, serviços especiais de prevenção, atendimento, identificação dos genitores ou responsáveis e proteção jurídico-social por entidades de defesa e campanhas de estímulo à guarda daqueles afastados do convívio familiar e que aguardam a adoção. Em outras palavras, o Estatuto prevê a descentralização decisória que considere a participação popular e o trabalho em formação de rede de serviços.

A política de proteção, fundada da universalização dos direitos fundamentais, com a descentralização administrativa do controle exclusivo ao Poder Judiciário, conforme menciona Custódio e Veronese (2009, p. 152): "ao longo da história formatou a política de proteção sob o marco do menorismo e da situação irregular". Então, elege como legitimado para essa função O Conselho Tutelar, descrito pelo artigo 131 ao 140 do Estatuto da Criança e do Adolescente, órgão não jurisdicional, de controle e mobilização na efetivação dos direitos de crianças e adolescentes, entrelaçando a corresponsabilidade entre família, sociedade e Estado.

Quanto à política de justiça, esta diz respeito à tutela jurisdicional, nos casos de violação ou ameaça de direitos da criança e do adolescente, e aplicação de medidas decorrentes dos crimes e infrações administrativas praticados contra estes, conforme previsão do artigo 225 e seguintes, e também a garantia de acesso à Defensoria Pública, ao Ministério Público ou a qualquer outro da justiça, com previsão do artigo 141 e seguintes, também do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Já a política de promoção de direitos, no entendimento de Custódio e Veronese (2009, p. 167), "implica a produção de processos de mobilização comunitária com vistas a sensibilizar famílias, crianças e adolescentes de seu indispensável papel neste movimento de transformação democrática", ou seja, a inclusão e participação de crianças e adolescentes são essenciais para a promoção desses direitos, pois fortalecem seus papéis nas comunidades onde vivem, promovendo a dignidade da pessoa humana sob o enfoque de uma linguagem política de emancipação contra o descaso das instituições, maus-tratos, da exploração, do abuso, da crueldade e da opressão.

Complementando esse entendimento, Porto, Fortes e Diehl (2016, p. 95) definem as políticas públicas de atendimento, elencadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em quatro linhas, como:

A) políticas sociais básicas: compreendidas como os serviços comuns, universais, em larga escala, como saúde e educação, devidos pelo Estado;

B) políticas de assistência social: são os programas supletivos e seletivos, pois atende a quem se encontra em estado de necessidade, seja temporário ou permanente, como os programas de renda familiar, como exemplo, o bolsa família;

C) políticas de proteção especial: abrange quem se acha em situação de risco pessoal e social, como violação da integridade física, psicológica e moral, ou seja, são medidas protetivas, como os programas de acolhimento, que incluem o indivíduo ou famílias em programas socioassistenciais e de transferência de renda, conforme o caso.

D) políticas de garantias de direitos: facilitam o acesso à justiça em busca do ressarcimento e garantia da efetivação dos direitos sociais violados, com a ação do Ministério Público ou demais centros de defesa de direitos.

Conforme destaca Custódio (2006, p. 228), a família tem o dever de sustento, guarda, educação e cuidado das crianças e dos adolescentes, devendo mantê-los afastados de qualquer condição de exploração do trabalho infantil doméstico. Para que isso seja possível, é necessário o reconhecimento da exploração do trabalho infantil como ameaça e violação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente pela família.

Quando a família falha quanto às normas de garantia fundamentais à proteção integral de crianças e adolescentes, para sua efetivação no caso concreto, demonstra-se de suma importância que a sociedade civil, de forma organizada, proponha ações e interfira na política de erradicação do trabalho doméstico, otimizando essa proposta conforme os locais de foco. A erradicação do trabalho infantil deve acontecer nas causas em que a exploração se dá, seja nas residências familiares, seja na de terceiros, e para isso é fundamental conhecer e ter acesso a essas pessoas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê também as disposições quanto às entidades de atendimento, descritas no artigo 90 e seguintes, sejam governamentais, sejam não governamentais, ambas com autorização de funcionamento perante inscrição junto aos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente. Isso se constitui, segundo Rossato, Lépore e Sanches (2012, p. 296), em dois regimes: os que desenvolvem programas de proteção, voltados à colocação das crianças e dos adolescentes em famílias substitutas quando não possível a manutenção na própria, e os programas de medidas socioeducativas.

Esses regimes de atendimento compreendem: orientação e apoio sociofamiliar, apoio socioe-ducativo em meio aberto, ou seja, fora das instituições definidas em lei, como acolhimento e internação, mas destinadas a manter a família de origem; colocação familiar, acolhimento institucionalizado e familiar, prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida, no caso dos adolescentes infratores, na qual incluem terapia, aconselhamento, educação profissionalizante e internação.

Para Custódio (2006, p. 290), a erradicação do trabalho infantil, aqui especificamente, o autor se refere ao doméstico, encontram-se muitos obstáculos e limitações, como a implementação e consolidação do sistema de garantias de direitos, limitadas estruturalmente em face da fragilidade nas políticas públicas e da articulação intersetorial, bem como das fragilidades quanto ao modo vertical de implementação.

Entre os programas e ações governamentais ou oriundos da sociedade civil e particulares, engajados no combate da exploração da mão de obra infantil, em termos gerais, o presente trabalho elenca alguns, de forma exemplificativa, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, como o principal programa em âmbito nacional. A implantação desse programa é de responsabilidade primeira do Município, por estar mais próximo da criança, em conjunto com o Estado e a União, também conhecido por Peti, que funciona como um conjunto articulado de ações que visam à retirada de crianças e adolescentes de até 16 anos das práticas de trabalho infantil, exceto na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos, que ainda encontra dificuldades de implementação quanto à sua estrutura vertical de estruturação. É administrado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em parceria com setores governamentais estaduais, municipais e da sociedade civil.

Conforme dados da Secretaria de Direitos Humanos (2005 a 2011), o Peti compõe o Sistema Único de Assistência Social (Suas) e tem três eixos básicos: transferência direta de renda a famílias com crianças ou adolescentes em situação de trabalho, serviços de convivência e fortalecimento de vínculos para crianças e adolescentes até 16 anos e acompanhamento familiar através do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).

As famílias ficam compromissadas em retirar todas as crianças de até 16 anos de atividades de trabalho e exploração, inclusive os de até 18 anos, pertencentes às atividades listadas na Lista das Piores Formas de Trabalho, na qual se inclui o trabalho doméstico. Devem comprovar matrícula e frequência escolar mínima de 85 %, para crianças e adolescentes de 6 a 15 anos, e mínima de 75 % entre 16 e 17 anos.

A Constituição Federal, no artigo 6°, dos Direitos Sociais: "a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados", demonstra, conforme expõe Coelho (2015, p. 9), a necessidade de se efetivar as políticas públicas, tanto para entes públicos como para a participação da sociedade, exercendo o papel fiscalizador da concretização dessas políticas, para a "efetiva aplicabilidade dos direitos sociais constitucionalmente garantidos, de forma a viabilizar a melhoria de condições de vida dos hipossuficientes e menos favorecidos, garantindo, assim, a verdadeira igualdade e inclusão social" (Coelho, 2015, p. 9), sendo imprescindível a valorização do ensino e do professor.

Entretanto, apesar de todos os esforços para reduzir e erradicar a exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil, o cenário ainda se mostra desfavorável, demonstrado por meio das estatísticas e da constante preocupação por parte dos projetos de ação, governamentais e da sociedade civil, os quais oferecem um leque de opções e oportunidades, incluindo a educação em tempo integral, beneficiando mães que não têm com quem deixar seus filhos enquanto trabalham, a transferência de renda, o atendimento e orientação socioassistenciais às crianças e à sua família, até a aprendizagem profissionalizante aos maiores de 14 anos.

Como fazem notar Cassol e Porto (2006, p. 3.229),

Assim, o que salta evidente no Brasil, é que o jovem encontra uma legislação amplamente protetiva, todavia, de forma contraditória, também encontra uma realidade subjugada pelo poder oculto dos mercados. A profissionalização da mão-de-obra decerto é um caminho regulador que se opera como um fator contra a exploração do trabalho infantil. Entre tantos fatores, impede seu ingresso prematuro no mercado de trabalho.

Destacando o trabalho das escolas, como atores na construção dos direitos das crianças e adolescentes, para que efetivamente sejam sujeitos destes, conforme Porto, Fortes e Diehl (2016, p. 144),

É imprescindível que as concepções pedagógicas adotas estejam baseadas em um novo modelo: a opressão deve ceder lugar à liberdade e os valores inerentes à condição humana devem ter presença garantida nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, [...] necessário que a mudança do sistema educacional seja acompanhada de uma alteração no sistema econômico a fim de acabar com diferenças no acesso à educação formal.

Como exemplo de políticas públicas de incentivo à educação, segundo Coelho (2015, p. 31), tem-se o "Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) do Ministério da Educação", criado com o objetivo de financiar cursos em universidades particulares, como forma de empréstimo, devendo ser restituído aos cofres públicos após a conclusão do curso.

O Programa Universidade para Todos, disposto pela Lei 11.096 de 2005, para a concessão de bolsas de estudo, integrais ou parciais (50 % ou 25 %), para estudantes de graduação e sequenciais de formação específica, oriundos do ensino público ou bolsistas de escolas particulares, em instituições privadas. Também, a política de cotas nas universidades públicas, Lei 12.711 de 2012, estabelece que as universidades, institutos e centros federais devem reservar metade das vagas oferecidas anualmente para esses candidatos cotistas.

Em suma, acolhe que as políticas públicas dispensadas à educação e fornecidas pelo governo carecem de qualidade, em decorrência da falta de investimento maciço nas séries do ensino fundamental e médio, em que a escola pública deveria ser a referência; ainda que as políticas sejam importantes, "não adianta proporcionar a entrada na universidade se o indivíduo não acompanhar o desenvolvimento esperado" (Coelho, 2015, p. 32). Ou seja, a educação é a base de todo o processo de mudança, indispensável para o desenvolvimento do país, o que justifica países desenvolvidos possuírem alto nível de escolaridade.

Conclusão

O presente artigo buscou demonstrar o trabalho infantil doméstico como uma das espécies do trabalho infantil, como parte do contexto histórico do Brasil, enraizado numa herança escravocrata e, posteriormente, em discursos protecionistas que levaram à prática da repressão e moralização das crianças e dos adolescentes.

Além da violação de direitos fundamentais, o trabalho precoce gera danos à saúde física, psicológica, entre outros. Como meio de rechaçar a problemática, pesquisou-se, na bibliografia pertinente, as políticas públicas existentes de prevenção e combate que almejam a erradicação do trabalho infantil, amparadas em leis brasileiras e internacionais, com o apoio da sociedade civil, para sua melhor efetivação.

Assim, ao longo da história, houve uma evolução quanto ao tratamento dispensado para as crianças e os adolescentes, passando então da fase da total indiferença, quando não faziam parte das normas jurídicas, logo pela fase da imputação criminal, com o primeiro Código Penal Brasileiro, de 1830, que fixava a idade de imputabilidade penal para 14 anos, recolhidos a casas de correção, até o limite dos 17 anos, até a fase tutelar, com a ideia de que o Estado deveria assistir a criança e o adolescente, formulando uma legislação específica para menores, como foi o Código de 1927, que estabelecia as suas normas àqueles com idade entre 14 a 18 anos, na condição de abandonados ou ainda que se encontrassem em estado habitual de vadiagem, mendicidade ou libertinagem. Além disso, o Código Penal de 1940, que estabelecia aos menores de 18 anos sujeições corretivas pedagógicas. Em 1942, foi criado o Serviço de Assistência aos Menores, de origem correcional-repressiva, por meio de internatos, casas de correção e reformató-rios, além do segundo Código de Menores, de 1979, encerrando então a teoria do "menor em situação irregular", ou seja, aqueles menores de 18 anos, abandonados materialmente, vítimas de maus-tratos, com desvio de conduta ou infratores penal.

Rompendo com o termo "menor", o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 vem em defesa da proteção integral para todas as crianças (até 12 anos incompletos) e adolescentes (de 12 aos 18 anos incompletos), sem distinção, reconhecendo-os como destinatários de direitos e garantias, considerando-os como pessoas em desenvolvimento e merecedoras de atendimento prioritário.

Quanto ao trabalho doméstico, em atendimento à Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho, internalizada pelo nosso sistema jurídico em 2008, e à Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil, o trabalho doméstico vem elencado como possível causador de riscos à saúde física e psicológica das crianças e dos adolescentes, sendo então expressamente vedado aos menores de 18 anos.

Avançando ainda quanto à legislação pertinente, o contrato doméstico foi regulamentado recentemente, pela Lei Complementar 150 de 2015, equiparando-o em direitos com o trabalho formal.

Entretanto, a evolução legislativa não bastou para que a violação das garantias fundamentais deixasse de existir, como as desigualdades quanto à distribuição de tarefas, atribuídas principalmente pela questão de gênero, corroborada pela cultura, seguida por salários inferiores, comparados com os pagos aos homens nos mesmos níveis de instrução, assim como as jornadas de trabalho exaustivas e o acúmulo de funções.

Variados e complexos são os fatores que podem desencadear o trabalho infantil doméstico contemporâneo; além do econômico, verificou-se o histórico cultural do povo brasileiro, advindo de um sistema escravocrata dominado pelo imperioso crescimento capitalista, do qual o Brasil, último país ocidental a abolir a escravidão, em 1888, admite vivenciar nos dias atuais a escravidão moderna, na forma do trabalho forçado ou exaustivo, na servidão por dívidas ou pela exploração sexual, podendo ainda a liberdade ser tomada por qualquer outra pessoa, seja via violência, coerção, fraude, seja por abuso de poder.

Diretamente com o fator de servidão humana, está a questão racial, evidenciada em dados estatísticos que demonstram a superioridade da raça negra em trabalhos domésticos.

Seguindo nas possíveis causas, a cultura se apresenta como fator relevante, pois reflete a tradição de determinada comunidade, por vezes, resistente às mudanças, gerando mitos favoráveis à ocupação precoce das crianças e dos adolescentes, estando entrelaçada às questões de gênero.

A desigualdade de gênero é da mesma forma, histórica, em que os papéis entre homens e mulheres eram distintos, cabendo a estas a criação dos filhos e os cuidados com a casa e o marido. Ainda pela condição feminina de subjugação, recolhida entre as paredes do lar, restringe-se igualmente a visibilidade quanto à exploração do trabalho infantil doméstico.

Todos esses aspectos repercutem diretamente no desempenho escolar da criança e do adolescente, tanto no baixo rendimento quanto no total abandono, em decorrência das jornadas exaustivas de trabalho, da difícil locomoção e principalmente da falta de incentivo, pois as consequências se dão em cadeia, ou seja, o acesso à escolarização por parte dos pais também influencia na dimensão do uso do trabalho infantil doméstico e na reprodução das condições de exclusão educacional.

O trabalho infantil doméstico apresenta sequelas decorrentes de sua precoce inserção, como as inerentes à educação, fundamental a todo processo de mudança cultural de um povo e ao desenvolvimento de um país. Além disso, estão as sequelas ligadas à reprodução do ciclo de pobreza e de exclusão, que fortalecem questões de desigualdade de gênero e raça, rebaixando a média salarial para a categoria dos domésticos, causando maior dependência econômica por parte da própria família ao trabalho da criança ou do adolescente e aumentando a taxa de desemprego dos adultos, em consequência da substituição da mão de obra pela infantil.

No que se refere à saúde, o trabalho infantil doméstico se mostra nocivo ao desenvolvimento físico, ante as condições de risco inerentes da própria atividade doméstica, como a insalubridade e a periculosidade, aspectos ergométri-cos, como a postura inadequada e a condição frágil do próprio corpo em crescimento, provocando o envelhecimento precoce e doenças correlacionadas à fadiga e ao excesso de peso, além do cerceamento das possibilidades de alterar a própria história de vida. Essas situações levam a criança e o adolescente a seguir o provável caminho que sua mãe trilhou, orientada pela avó, perpetuando uma subcultura entre as gerações.

Como perspectiva de combate e erradicação da exploração do trabalho infantil doméstico, o Brasil adota um sistema ordenado, com a responsabilização conjunta entre família, Estado e sociedade, para que as garantias fundamentais sejam respeitadas e aplicadas com efetividade, conforme as demandas locais, apoiadas a priori na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, e essas normas em conformidade com as internacionais de proteção da dignidade humana, dos direitos das crianças e dos adolescentes, além dos direitos trabalhistas.

Esse reordenamento estrutural e descentralizado quanto às decisões do Estado no que tange às políticas de atendimento incluem a participação de articulações não governamentais, em formação de redes de atuação nas políticas sociais básicas e programas de assistência social, nos serviços especiais de prevenção, atendimento, identificação dos genitores ou responsáveis, e proteção jurídico-social por entidades de defesa e campanhas de estímulo à guarda daqueles afastados do convívio familiar, denominadas de políticas públicas.

Porém, esse sistema de garantias e de participação popular é recente no Brasil. Decorre das alterações normativas ante a crise mundial, a partir dos anos 1980, resultando na Constituição Cidadã e, posteriormente, no Estatuto da Criança e do Adolescente, que reafirma a teoria da proteção integral e, por consequência, encontra dificuldade de implementação e efetividade das políticas públicas no combate do trabalho infantil doméstico, em face da fragilidade das ações sociais e da articulação in-tersetorial, ainda limitadas estruturalmente ao modo vertical decisório.

Outrossim, fica evidenciada a importância da educação pública de qualidade, em todos os níveis, garantida pela Constituição Federal, nos direitos sociais, como formadora dos sujeitos e forma de prevenção à violação de direitos.

Apesar da lentidão, esse novo modelo de ge-rencialismo, dado pela ação em conjunto do Estado com demais atores sociais para a efetivação das políticas públicas, tem demonstrado resultados positivos, como o envolvimento da mídia na função de aperfeiçoar as informações públicas sobre a promoção dos direitos das crianças e dos adolescente, estabelecendo o diálogo entre os envolvidos, além do comprometimento interligado de ministérios, secretarias, órgãos da justiça, delegacias civis e projetos não governamentais.

Em destaque, pode-se citar o Peti, conjunto articulado de ações em parceria com setores governamentais estaduais, municipais e da sociedade civil, com vistas à retirada de crianças e adolescentes de até 16 anos das práticas de trabalho infantil, assegurando às famílias a transferência de renda e apoio socioassistencial, em contrapartida de comprovarem a matrícula e frequência escolar das crianças e dos adolescentes.

Também os Conselhos Tutelares, criados pelo Estatuto da Criança e Adolescente, órgãos autônomos, não vinculados ao judiciário, com campo de atuação nos municípios, que representam o envolvimento da comunidade local na composição, com a função de receber reivindicações e reclamações que assegurem o cumprimento das garantias de direitos às crianças e aos adolescentes estabelecidos normativamente, encaminhando as denúncias e ameaças de violação de direitos ao órgão competente, podendo solicitar a inclusão dessa criança em programas sociais públicos, como auxílio para sua família.

Diante disso, pode-se concluir que há um relevante avanço, começando pelo reconhecimento da exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil, decorrente da união de fatores históricos, como a escravidão, das fases de invisibilidade e de situação irregular. Isso posto, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente rompem com essa indiferença ao reconhecer a necessidade de amparo integral e prioritário às novas gerações, estabelecendo projetos de ação em parceria com todos os demais atores sociais envolvidos, incluída a opinião das crianças e dos adolescentes quanto à efetivação das políticas ofertadas, no que diz respeito às demandas específicas, aperfeiçoando estas demandas, formando um sistema de garantias que interliga as políticas de atendimento, de proteção, de justiça e de promoção de direitos.

Conclui-se que, mesmo que a letra da lei pareça não ser suficiente para combater e erradicar o trabalho infantil doméstico no Brasil, esta serve de apoio às estratégias de intervenção governamental, como se projeta este trabalho em sua conclusão, que, ao compartilhar seu plano de ação com a sociedade, formam uma rede integrada e articulada, no intuito de efetivar as políticas oferecidas pelo Estado.

Assim, ainda que morosa a caminhada para a erradicação do trabalho infantil doméstico no Brasil, este vem sendo combatido nas diversas instâncias, ao envolver, na prática, a família e a sociedade com o Estado. Este último também atua na vigilância quanto à deficiência da fiscalização governamental no que concerne aos próprios projetos implantados.

Referências

Brasil. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Rio de Janeiro, 1934. [ Links ]

______. Constituição (1967). Emenda Constitucional n° 1 de 17 de outubro de 1969. [ Links ]

Emenda à Constituição da República Federativa do Brasil, de 14 de janeiro de 1967. Poder Legislativo, Brasília, 1969. [ Links ]

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 2008. [ Links ]

______. Código Criminal do Império do Brasil, de 16 de dezembro de 1830. Recuperado de <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LIM/LIM-16-12-1830. htm>. Acesso em: 22 mai. 2016. [ Links ]

______. Decreto n. 5.452, de 01 de maio de 1943. Consolidação das Leis do Trabalho. In: Vade Mecum.11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. [ Links ]

______. Decreto Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Recuperado de <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado. htm>. Acesso em: 10 nov. 2016. [ Links ]

______. Lei n. 4.513 de 1 de dezembro de 1964. Autoriza o Poder Executivo a criar a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, incorporando o patrimônio e as atribuições do Serviço de Assistência a Menores, e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 1964. [ Links ]

______. Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979. Institui o Código de Menores. Revogado pela Lei n. 8.069 de 1990. Recuperado de <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/128333/lei-6697-79. Acesso em: 22 mai. 2016. [ Links ]

______. Lei n. 8.060, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo, Brasília, DF,1990. [ Links ]

______. Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Recuperado de <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/L9394.htm>. Acesso em: 22 ago. 2016. [ Links ]

______. Lei Complementar 150 de 01 de junho de 2015. Dispõe sobre o trabalho doméstico e dá outras providências. Recuperado de <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp150.htm>. Acesso em: 22 ago. 2016. [ Links ]

Brites, Jurema. Afeti, desigualdade e rebeldia: bastidores do serviço doméstico. 2010. Recuperado de < Recuperado de http://repositorio.unisc.br/jspui/handle/11624/711 >. Acesso em: 02 out. 2016. [ Links ]

Coelho, Ana Chistina Soares Penazzi. Direitos sociais: o artigo 6° da Constituição Federal e sua efetividade. Livro eletrônico. Organizado por: Clésia Oliveira Pachú. Campina Grande: EDUEPB, 2015. [ Links ]

Costa, M. M. M. da; PORTO, R. T. C. Revisitando o ECA: novas críticas e observações relevantes. Curutiba: Multideia, 2013. [ Links ]

Costa, M. M. M. da; PORTO, R. T. C.; DIEHL, R. C. Homens autores de violência de gênero e a justiça restaurativa enquanto política pública de prevenção ao feminicídio. Porto Alegre: Imprensa livre, 2016. [ Links ]

Costa, M. M. M. da; PORTO, R. T. C.; VEZENTINI, S. C. Direito, cidadania e políticas públicas VII. Porto Alegre: Imprensa livre , 2013. [ Links ]

Custódio, André Viana. A exploração do trabalho infantil doméstico no Brasil contemporâneo: limites e perspectivas para sua erradicação. Florianópolis, 2006. [ Links ]

Custódio, A. V.; Veronese, J. R. P. Trabalho Infantil: a negação do ser criança e adolescente no Brasil. Florianópolis: OAB/SC, 2007. [ Links ]

Diário de pernambuco. Recuperado de < Recuperado de http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/brasil/2013/11/27/interna_brasil,476242/forum-diz-que-brasil-nao-conseguira-erradicar-trabalho-infantil-ate-2020.shtml >. Acesso em: 16 agosto, 2016. [ Links ]

Faders. Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência e com Altas Habilidades no Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Recuperado de < Recuperado de http://www.portaldeaces-sibilidade.rs.gov.br/servicos/28/1258 >. Acesso em: 28 ago. 2016. [ Links ]

Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil 2013: Banco de Dados do .../Pnad. Recuperado de < Recuperado de htpp://fnpeti.org.br/biblioteca/ver/401o-trabalho-infan-til-domestico-no-brasil.html >. Acesso em: 21 mai.2016. [ Links ]

Fundação abrinq. Ajudar em casa é trabalho infantil? Empresa Brasil de Comunicação S/A. 2015. Recuperado de < Recuperado de http://www.ebc.com.br/infantil/voce-sabia/2015/08/ajudar-em-casa-e-trabalho-infantil >. Acesso em: 10 nov. 2016. [ Links ]

Inpacto. Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo. Projetos. Recuperado de Recuperado de http://www.inpacto.org.br . Acesso em: 05 nov. 2016. [ Links ]

Lépore, Paulo Eduardo; ROSSATO, Luciano Alves. Direitos trabalhista das crianças, adolescente e jovens. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais , 2011. [ Links ]

Lima, Miguel M. Alves. O Direito da Criança e do Adolescente: fundamentos para uma abordagem principiológica. Tese Doutorado em Direito. Curso de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000. [ Links ]

Nações Unidas Do Brasil. Trabalho escravo. Brasília, 2016. Recuperado de Recuperado de https://nacoes-unidas.org/wp-content/uploads/2016/04/position-paper-trabalho-escravo.pdf . Acesso em: 05 nov. 2016. [ Links ]

Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente Trabalhador. Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil. 2. ed. Brasília : Ministério do Trabalho e Emprego, 2011. p. 6. Recuperado de < Recuperado de http://www.oiT.org.br/sites/default/files/topic/ipec/pub/plan-prevencao-trabalhoinfantil-web_758.pdf >. Acesso em: 16 out. 2016. [ Links ]

______. Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC).Links ]

Brasília: OIT-Secretaria Internacional do Trabalho. Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), 2007. 120 p. [ Links ]

______. Convenção n. 138, sobre idade mínima de admissão ao emprego. Brasília, OIT, 2002. [ Links ]

______. Convenção n. 182, sobre piores formas de trabalho infantil e ações imediatas para sua eliminação. Brasília: OIT, 2001. [ Links ]

Perez, Andréia. Crianças invisíveis: O enfoque da imprensa sobre o Trabalho Infantil Doméstico e outras formas de exploração. São Paulo: Cortez, 2003. [ Links ]

Porto, Rosane Teresinha Carvalho. A justiça restaurativa e as políticas públicas de atendimento a criança e ao adolescente no Brasil: uma análise a partir da experiência da 3a Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre. Santa Cruz do Sul, 2008. Recuperado de < Recuperado de http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp060751.pdf > Acesso em: 15 out. 2016. [ Links ]

Porto, R. T. C.; Fortes, F. S.; Diehl, R. C. O Direito na atualidade e o papel das políticas públicas. A criança e o adolescente no centro da agenda política. Curitiba: Multideia, 2016. [ Links ]

Sanches, R. C.; Lépore, P. E.; Rossato, L. A. Estatuto da criança e adolescente comentado: Lei 8.069/1990: artigo por artigo. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais , 2012. [ Links ]

Soares, Vera. Políticas públicas para igualdade: papel do Estado e diretrizes. Prefeitura municipal. Coordenadoria Especial da Mulher. Secretaria do Governo Municipal. In: Políticas públicas e igualdade de gênero. Tatau Godinho (org). Maria Lúcia da Silveira (org.). São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher, 2004, 188 p. Cadernos da Coordenadoria Especial da Mulher, 8. (p. 113-126). [ Links ]

* Artigo de reflexão que faz parte dos resultados das pesquisas realizadas no grupo de pesquisa Direito, Cidadania, Políticas Públicas & Direitos Humanos, da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Sobradinho, Brasil.

Forma de citación: Porto, R. T. C. & Dimer, S. (2018). Os limites e as possiblidades sobre as políticas públicas de prevenção contra o trabalho doméstico de meninas no Brasil. Revista Prolegómenos Derechos y Valores, 21(42), 11-31, DOI: https://doi.org/10.18359/prole.3889

Recebido: 03 de Março de 2017; Revisado: 15 de Março de 2018; Aceito: 03 de Abril de 2018

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons