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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

versión impresa ISSN 0121-215Xversión On-line ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. v.20 n.1 Bogotá ene./jun. 2011

 

Usos do território e poder do atraso em Barcarena (Pará)

Usos del territorio y el poder del atraso en Barcarena (Pará)

The Uses of Territory and the Power of Backwardness in Barcarena (Pará)

Santos Nahum João*
Universidade Federal do Pará- Belém, Brasil


*Docente da Faculdade de Geografia e Cartografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFPA.
Endereço postal: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFPA, Universidade Federal do Pará. Av. Augusto Correa, 1 Guamá- Belém 66095-780, PA-Brasil. Correio eletrônico: joaonahum@ufpa.br; joaonahum@uol.com.br

Recibido: 29 de abril del 2009. Aprobado: 10 de marzo del 2011.

Artigo de reflexão sobre o uso do território e do poder em Barcarena (PA).


Resumo

Abordamos aqui os usos do território e o poder do atraso em Barcarena, estado do Pará, a partir da década de 1980, momento de implantação do sistema de engenharia produtor de alumínio primário da Albrás/Alunorte. O objetivo deste artigo é expor como na dinâmica territorial barcarenense, modernização e atraso se reproduzem dialeticamente. O texto é composto de duas partes centrais, além da introdução e conclusão. Na primeira parte expomos dados acerca do crescimento das finanças públicas municipais a partir da implantação do grande projeto da Albrás/Alunorte. Na segunda parte, focalizamos na alocação de tais recursos pela gestão pública municipal ações políticas típicas do poder do atraso. Para tanto, analisamos as respostas do poder público às demandas da população, isto é, o clientelismo político e o planejamento tradicional norteador do Plano Plurianual 2002-2005 e 2006-2009.

Palavras chave: poder do atraso, políticas públicas, território.


Resumen

El artículo aborda el uso del territorio y el poder del atraso en Barcarena, estado de Pará, desde 1980, momento de la implantación del sistema de ingeniería de producción de aluminio primario de la empresa Albrás/Alunorte, reproduciendo dialécticamente la modernización y el atraso. En la primera parte se exponen datos relacionados con el crecimiento de las finanzas públicas municipales desde la implantación del gran proyecto de Albrás/Alunorte. En la segunda, se focaliza la distribución de estos recursos por la gestión pública municipal en acciones políticas típicas del poder del atraso. Para esto, se analizan las respuestas del poder público a las demandas de la población, esto es, el clientelismo político y la planificación tradicional, orientadores del Plan Plurianual 2002-2005 y 2006-2009.

Palabras clave: atraso, modernidad, poder, políticas públicas, territorio.


Abstract

The article addresses the uses of territory and the power of backwardness in Barcarena, State of Pará, since 1980, when the production engineering system for primary aluminum was implemented by the Albrás/Alunorte Company, thus dialectically reproducing modernization and backwardness. The first part of the article presents data related to the growth of municipal public finances since the great Albrás/Alunorte project was implemented, while the second focuses on the municipal public management's distribution of these resources to political actions typical of the power of backwardness. To this effect, the article analyzes the public authorities' responses to the demands of the population, that is, political patronage and traditional planning, which served as the guidelines for the Multiannual Plan for 2002-2005 and 2006-2009.

Keywords: backwardness, modernity, power, public policies, territory.


Introdução

Abordamos aqui os usos do território e o poder do atraso em Barcarena, estado do Pará, a partir da década de 1980, momento de implantação do sistema de engenharia produtor de alumínio primário da Albrás/Alunorte. Este evento demarca um período em que grandes projetos mínero- metalúrgicos e energéticos são lançados em propagandas pelos empreendedores e pelo governo federal como indutores da modernização, do desenvolvimento local e, por conseguinte, da melhor qualidade de vida da população de Barcarena.

Partimos da hipótese que o reordenamento territorial que impera, sustenta e estrutura essa modernização é, também, o fundamento para o poder do atraso, isto é, para as ações políticas conservadoras da elite governante municipal, que usa o território como recurso de dominação política.

O objetivo deste artigo é expor como na gestão territorial barcarenense modernização e atraso se reproduzem dialeticamente. Ao veriificar o crescimento das receitas municipais de Barcarena e como são destinadas, constatase que modernização e atraso caminham pari e passu, dado que ações conservadoras reproduzem a modernização que torna viável o uso do território como recurso para garantir os interesses e privilégios de um pequeno círculo de agentes sociais.

O texto é composto de duas partes centrais, mais a introdução e a conclusão. Primeiro expomos dados acerca do crescimento das finanças públicas municipais a partir da implantação do grande projeto da Albrás/Alunorte. Em seguida focalizamos a alocação de tais recursos pela gestão pública municipal, ações políticas típicas do poder do atraso (Martins 1999). Pensando nisso, mostramos elementos do clientelismo político e do planejamento tradicional nas respostas do poder público às demandas da população.

O território viável para Albrás/Alunorte

As ações do Estado brasileiro, mormente àquelas consubstanciadas na Operação Amazônia de 1966, promovem políticas de desenvolvimento que torna viável o território para empreendedores transformarem a região em produtora de commodities de origem mineral e energética, sem perspectiva de verticalização da produção e de formação de arranjos e sistemas produtivos inovadores.

Os "enclaves" extrativistas, de produção do alumínio, do ferro, da bauxita, dentre outros, consubstanciam-se em eventos que desorganizam a dinâmica territorial dos lugares, mudando a posição das coisas e a natureza das relações de poder que decidem acerca da gestão do território (Santos 2006). Tais vetores de um padrão de modernização reinventaram a Amazônia, atribuindo-lhe outra função no processo de produção e reprodução do capital, quer na forma produtiva ou especulativa.

O governo federal oferece aos empreendedores da Albrás/Alunorte atrativos visando atrair para a região a planta industrial de alumínio. Dado o preço e a maneira de oferta deste insumo, a energia é um atrativo. Em setembro de 1973ª ELETRONORTE -Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A- foi criada para ampliar a exploração do potencial energético da região e construir um grande sistema de engenharia, a Usina Hidrelétrica de Tucuruí fornecedora de energia aos Grandes Projetos de produção mínero- metalúrgicos.

O Estado brasileiro, além da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, ainda custeia sistemas de engenharia de transporte no setor hidroviário e rodoviário, um porto graneleiro e de carga geral para navios de grande calado, além do núcleo urbano de Vila dos Cabanos.

O leque de benefícios concedidos pelo Estado aos empreendedores do alumínio é ampliado quando o projeto Albrás/Alunorte, que nasce no âmbito do III Plano de Desenvolvimento da Amazônia 1980-1985, passa, em 1981 a integrar o conjunto dos empreendimentos do Programa Grande Carajás - PGC, recebendo assim tratamento especial pelos órgãos e entidades da Administração Federal. (Lobo 1996).

Portanto, ações governamentais financiam e criam condições infraestruturais e normativas para a Albrás -Alumínio Brasileiro S/A- se firmar numa fração do território barcarenense. Tais ações são imposições exógenas e corporativas, portanto, privando o lugar de autonomia política. Desta forma também, "o Estado prepara as condições para que as maiores empresas, sobretudo as estrangeiras, possam apropriarse da mais- valia social local, que elas mandam para fora ou utilizam para incrementar seus ativos e aumentar assim, suas possibilidades de ampliar a própria mais- valia" (Santos 2005, 45-46).

Empresa produtora de alumínio primário de maior capacidade instalada no Brasil, a Albrás foi Implantada na década de 1980, resultado de um acordo binacional entre os governos do Brasil e do Japão. O empreendimento tem como acionistas a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) com 51% do capital, representada por sua subsidiária Vale do Rio Doce Alumínio -S/A ALUVALE- à época a CVRD não era totalmente privatizada, o que ocorreria em 1997; e a Nippon Amazon Aluminium Co. Ltda- NAAC, uma associação de 32 empresas japonesas, com 49% do capital. O investimento total para implantação da Albrás foi de US$ 1,5 bilhão.

A área definida para a instalação do complexo industrial produtor de alumínio em Barcarena, localizado a 7 km da sede do município, ocupa 40.000 ha, distribuídos da seguinte forma: a) a área industrial: compreende o porto localizado em Ponta Grossa, na Vila do Conde; a área da Alunorte, próximo ao porto; a área da Albrás, situada em frente ao porto e contínua ao lote da Alunorte; a área da Eletronorte, situada próxima ao lote da Albrás destinada a instalação da subestação rebaixadora de tensão, que chega da hidrelétrica de Tucuruí; e a área de expansão, colocada à disposição da Companhia de Distritos Industriais do Pará- CDI, para a instalação do Distrito Industrial; b) a área de expansão urbana: reservada a atender a demanda de lotes industriais; c) a área de transição: destinada à proteção da Reserva Ecológica e apoio das atividades diversificadas, de natureza industrial; d) a área de implantação do Novo Núcleo Urbano de Barcarena: onde estão instaladas as residências dos trabalhadores da Albrás/Alunorte.

A escolha dessa área levou em consideração: 1) a relativa proximidade das fontes de seus principais insumos- bauxita e energia elétrica; 2) a possibilidade de construção e utilização de um porto que permitisse a atracação de navios de grande capacidade, acima de 40.000 toneladas; 3) as características de solo com topografia plana e do subsolo bastante favorável para o suporte de fundações da fábrica; 4) a existência de água com qualidade e volume para uso industrial; 5) a disponibilidade de mão-de-obra barata; 6) área com baixa densidade de ocupação e, ao mesmo tempo, próxima de um grande centro urbano, neste caso Belém. Após análise dos fatores e diante das alternativas existentes, foi definido que o complexo ficaria na área de influência de Belém. Barcarena era o território que reunía muitas dessas características vantajosas (figura 1).

A planta industrial, os sistemas de abastecimento de energia e matérias- primas, a rede de transporte, o porto, o núcleo urbano e as áreas de expansão, enfim todo esse sistema de objetos técnicos forma o que podemos, com Santos (2005, 134), chamar de "um ponto ou mancha de meio técnico- científico- informacional". Esta parte da configuração territorial de Barcarena, de conteúdo marcadamente moderno, está associada ao tempo do mundo, "que é o tempo das empresas multinacionais e o das instituições supranacionais" (Santos 1999, 111). Enquanto para a maioria da população restam os mesmos e velhos problemas dado o uso desigual do território. Se de uma parte o território se moderniza como recurso para a riqueza de uns poucos, de outra parte a maioria sofre com a falta de investimentos sociais. Tudo isso concorre para acentuar os usos desiguais do território ao mesmo tempo em que se aprofunda a divisão entre as classes sociais.

Os sistemas técnicos implantados com a Albrás/Alunorte atraem para uma fração do território de Barcarena outras empresas como Pará Pigmentos (caulim), Imerys Rio Capim Caulim S/A (caulim), Alubar Metais S/A (fo de alumínio), colocando Barcarena no seleto grupo de 7% dos municípios paraenses que têm seu PIB (Produto Interno Bruto) sustentado, predominantemente, na atividade industrial.

Este município contribui com 8,0% do PIB estadual, sendo que, no valor da arrecadação municipal, a atividade da indústria de transformação participa com 72,3%, seguido pelo setor de serviços com 27,3%, e pela agropecuária com 0,4% (Governo do Pará 2006). Em 2006, o município teve a segunda maior participação no PIB do Estado do Pará, (R$ 3.564.035mil), atrás de Belém (R$ 12.520.322 mil) (Governo do Pará 2006). Nas receitas do município, estão incluídos repasses de impostos provenientes desses complexos industriais. No segundo semestre de 2007, por exemplo, a cota parte do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para Barcarena foi de 6,18 (Governo do Pará 2007), o que lhe permitiu dispor da maior renda per capita do estado do Pará, R$ 46.851 (Governo do Pará 2006).

Gestão do Território e o Poder do Atraso em Barcarena

Na gestão territorial de Barcarena se manifesta o poder do atraso. Assim, em vez de programar e realizar ações para gerar emprego, renda, qualidade de vida e justiça social, enfim, políticas públicas que respondam positivamente às demandas dos segmentos sociais mais sacrificados pela lógica desenvolvimentista mineral que aporta no município, a elite governante realiza assistencialismo social em detrimento de políticas públicas.

O assistencialismo, seja por meio da cultura do favor ou do clientelismo político, constitui a resposta frequente do poder público municipal às demandas imediatas da população. Isso porque o mandato é sempre um mandato em favor de quem está no poder, pois é daí que vêm as retribuições. A troca de favores políticos por benefícios econômicos se faz presente não importa em que escala (Martins 1999).

A política dos despachos exemplifica a cultura do favor. Entenda-se por despachar o atendimento pelo prefeito, na sua residência ou no seu gabinete, aos membros da administração direta e, especialmente, a população. No território de Barcarena, despacha-se como se as estruturas e recursos públicos pertencessem ao domínio privado do agente público. A gestão pública assume conotação pessoal, "como se" o gestor estivesse administrando sua casa, unindo, como expõe Da Matta (2001), "a lei com a realidade social diária". Nesta prática política, tal como no patrimonialismo examinado por Faoro (1991), dissolvem-se limites entre os interesses da instituição pública e os interesses particulares. Por conseguinte, sem o reconhecimento desses limites o bem comum torna-se uma falácia, assim como o espaço público, a esfera pública, a gestão pública, e, portanto, a cidadania no território torna-se quimera.

O poder do atraso se manifesta nos mecanismos de controle e fiscalização da gestão pública. Estes funcionam influenciados pelo comportamento dos gestores que administram os recursos municipais de acordo com as suas próprias convicções e interesses (Nahum 2008a). A atividade política reduzse ao gerenciamento de interesses individuais. Isso lhes permite, por exemplo, não priorizar a cobrança de tributos municipais, principalmente o Imposto Predial Territorial Urbano- IPTU, o que também constitui prática clientelista.

Em 2000 a receita do IPTU foi projetada em R$ 876.370,00 e sua arrecadação foi de R$ 921.583,00. Em 2001 houve uma previsão de arrecadar R$ 1.000.000,00, projetandose uma inadimplência de 50% e 2% de isenções, arrecadouse R$ 743.895,00. A estimativa de arrecadação para o ano de 2002 foi somente 40% do previsto no ano anterior. Ainda que se saiba na elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias para o exercício de 2002, a receita do IPTU havia alcançado quase o projetado para o exercício de 2000. Na tabela 1 do PPA 2006-2009 (Barcarena 2006) de Receitas Realizadas 2002-2004 e estimadas 2005-2009, a arrecadação estimada de IPTU para 2009 é de R$ 1.911.000, enquanto que a arrecadação realizada em 2005 foi de R$ 6.384.000.

Instrumentos de planejamento, como o Plano Plurianual, são utilizados, tão somente, para mostrar onde e como seriam aplicadas as receitas municipais. No PPA 2002-2005 temos o programa "Saúde Para Todos" da secretaria municipal de saúde e consta entre suas metas a implantação de 04 leitos de UTI no Hospital Municipal e a construção e aparelhamento de Unidade de Saúde com 30 leitos na sede do município. Para o período de 2002-2005 o primeiro projeto prevê alocar R$ 600.000,00 e o segundo, R$ 500.000,00. A cidade, no entanto, até dezembro de 2007 dispunha de 121 leitos, sendo 59 em hospitais privados e 62 (Ministério de Saúde do Brasil 2009) em hospitais públicos; em se tratando destes últimos, um leito a mais que em 2005, quando contava 61 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE 2009).

Algumas metas do Programa de Educação parecem as de um programa da secretaria de infraestrutura:

  1. Construção de Escola Técnica e Universidade, para o período de 2002-2005 este projeto tem alocado R$ 246.000,00;

  2. construção, implantação e manutenção de um Instituto de Nível Superior. Para o período de 2002-2005 este projeto tem alocado R$ 340.350,00;

  3. construção e manutenção do prédio para o Conselho Municipal de Educação. Para o período de 2002-2005 este projeto tem alocado R$ 50.000,00;

  4. construção e manutenção do prédio próprio da Secretaria Municipal de Educação. Para o período de 2002-2005 tem alocado R$ 395.820,00.

Estas metas de "construção" da Secretaria de Educação não foram alcançadas. De acordo com dados do (IBGE 2009) sobre o ensino, matrículas, docentes e rede escolar em Barcarena, até o ano de 2005 a rede pública municipal não contava com escola de ensino superior, nem docente e aluno; também não tinha escola técnica pública municipal e instituto de ensino superior, nem docente e aluno. A construção e manutenção do prédio do Conselho Municipal de Educação é outra meta não realizada; sequer existe lei municipal para instituir o Conselho Municipal de Educação; ademais a Secretaria Municipal de Educação funciona em prédio próprio, ocupando o mesmo prédio da Câmara Legislativa.

Em Barcarena, a gestão dos recursos, norteada pelo poder do atraso, origina um projeto de numerosas obras. No entanto, o que esconde tal projeto é o uso do território como recurso para manutenção de um estilo político de administrar o município distante das demandas primárias da população. Nunca há orçamento suficiente para terminar as obras, e elas funcionam como propaganda das ações governamentais ou quando são terminadas, são apresentadas como uma doação dos próprios governantes à sociedade. Há que se afirmar que o orçamento dessas obras é dinheiro público, portanto da própria sociedade e que não é presente deste prefeito ou daquele vereador.

Mas a inauguração é solene, momento no qual o "benfeitor" se apropria da "obra", batizandoa e "presenteando" a sociedade barcarenense. Lê-se no jornal Diário do Pará de 23 de abril de 2002: "Os moradores de Barcarena receberam, ontem, um presente, durante a comemoração dos 46 anos do prefeito Laurival Magno Cunha (PMDB)". Foi o início das obras de construção do cais de arrimo, parte de um grande complexo turístico projetado para orla local.

Assim, a elite governante municipal mostra o poder do atraso, quando usa o território como recurso e reproduz sua hegemonia, cuja lógica particularista reproduz em Barcarena práticas clientelistas, que vivificam a economia do voto e a política de alianças eleitorais entre as famílias; o mandonismo político opressor do funcionário público contrário às posições políticas da gestão dominante e o patrimonialismo que dissolve os limites entre patrimônio público e interesse privado.

Resultado dos usos e abusos do território pela ação empresarial e das elites locais é a formação, nos arredores da Albrás/Alunorte, de lugares de ocupação espontânea, que não obedecem ao reordenamento territorial arquitetado pela lógica das empresas e expõem as desigualdades territoriais (Nahum 2006). Nos momentos iniciais de formação destes lugares tem-se indefinição na jurisdição administrativa, nem as empresas nem as elites governantes responsabilizam-se por urbanizá-los. A população aí reside precariamente sem infraestrutura, alguma fica na dependência do assistencialismo de vereadores, da secretaria de assistência social ou mesmo do prefeito.

No atendimento imediato dessas demandas, a gestão municipal transforma os órgãos de administração, mormente a secretaria de assistência social e a câmara de vereadores, em centrais de atendimento e suprimento de uma gama de solicitações.

O "Programa Plantão Social", contido no PPA 2002-2005 desenvolvido pela secretaria de ação social, realiza atendimentos emergenciais com concessões variadas, de acordo com a necessidade da demanda existente. Auxílio funeral, certidão de nascimento, encaminhamento de 2ª via de carteira de identidade, ajuda de custo para famílias imigrantes, cestas básicas de alimentos, ofertas de medicamentos com prescrição médica dentre outros, bem como encaminhamentos diversos da população carente para entidades públicas e privadas. Esse programa continua no PPA 2006-2009, que

    […] atender famílias em situação de vulnerabilidade social funciona através de abordagem técnica individualizada, semanalmente com objetivo de garantir suprimento de necessidades básicas emergenciais tais como: cestas básicas, passagens, materiais de construção, medicamentos, gás, ajuda de custo para geração de renda, entre outros benefícios, de acordo com as necessidades apresentadas pelo usuário (Barcarena 2006, 18).

A pobreza nesses lugares cumpre a função de garantir a continuidade da elite no poder. Esses territórios justificam as políticas sociais e impedem a realização de políticas públicas. È um círculo vicioso, "as chamadas 'políticas sociais' seriam 'focalizadas e não necessariamente públicas', consistindo tão somente num instrumento de funcionalização da pobreza" (Oliveira 2004, 41).

Os agentes hegemônicos da política têm essa parte do território municipal como um recurso, um lugar privilegiado para difundir suas ações assistencialistas. Nos lugares de ocupação espontânea, como Bairro Novo, Novo Horizonte, Bairro Laranjal, além das áreas rurais e ribeirinhas das ilhas, a maioria da população aí residente enfrenta o desemprego, condições precárias de habitação e até alimentação.

Tais lugares testemunham as desigualdades territoriais produzidas a partir do novo que aí se instala com a chegada, por exemplo, de um grande empreendimento, a Albrás/Alunorte. Todo o processo de reordenamento territorial exigido para a implantação dessas empresas, tais como a construção de sistemas de produção, energia, transporte e comunicação, um núcleo urbano planejado, os lugares de ocupação espontânea e o crescimento das receitas do município, tudo integra uma modernização fabulosa feita de simulações e artifícios, mais preocupada em parecer moderna do que em ser moderna, posto que esconde o sistema de ações políticas conservadoras que usa o território como recurso para garantir os interesses do pequeno círculo dos agentes decididores, as empresas e a elite governante municipal (Nahum 2008b).

Conclusão

A dialética entre modernização e poder do atraso, como vimos, tem contornos mais nítidos a partir do reordenamento do território de Barcarena em função da implantação do sistema de engenharia produtor de alumínio primário. Este evento demarca dois períodos geográficos na dinâmica territorial de Barcarena. Analisamos o período posterior à implantação da Albrás/Alunorte, singularizado por ações políticas estatais e empresariais que comandaram o processo de implantação desse moderno sistema de engenharia de produção; toda a dinâmica do território barcarenense se transforma.

De orçamento dependente de repasses do Estado e da União, o montante do orçamento de Barcarena torna-se dependente da arrecadação e repasse de impostos provenientes da implantação do sistema de engenharia da Albrás/Alunorte. O fato de ter uma fração do território comandada por essas empresas é compensado, por assim dizer, pelo crescimento da receita municipal através do aumento das transferências constitucionais.

A gestão municipal de 2001-2004 distribuiu essas receitas entre os muitos programas do Plano Plurianual (2002-2005), elaborados como vimos, de forma centralizadora. Programas nos quais o verbo "construir" é o mais usado, alardeando um empreendedorismo transformador da cidade num canteiro permanente de obras que são inauguradas ou em ano eleitoral ou em datas festivas, tão-somente com finalidades e interesses próprios da classe hegemônica e politicamente dominante.

As obras são entregues à população como presente, uma generosidade do governante. Essa imagem é ainda reforçada pela política de despachos e pelas ações assistencialistas. Assim, o sistema de ações conservadoras reproduz a imagem de que o prefeito e o vereador são os padrinhos, os compadres, os patrões da população, a quem o morador da cidade, o colono camponês, o ribeirinho e o migrante devem recorrer.

Essas expressões da cultura política tradicional não são exclusivas de Barcarena, mas ali estrutura um sistema de ações conservadoras que define os usos desse território de acordo com os interesses de um pequeno grupo, uma elite que se reveza nos governos do município. È assim que podemos afirmar que, à despeito das novas e modernas normas de regulação da gestão dos gastos públicos, a elite governante reproduz em Barcarena o poder do atraso analisado por Martins (1999), pois é através do sistema de ações conservadoras que os vetores de modernização da gestão territorial, vetores que estabelecem a descentralização e a democratização, são implantados de modo que atendam interesses particulares.

A elite governante cria e recria mecanismos para manter seus privilégios econômicos e políticos. Esse tipo ação que não passa de um discurso fabuloso de modernização tem aprofundado a dependência da população em relação às ações assistencialistas e às políticas de despachos. Modernizar, mas conservando a lógica de dominação do sistema; conservar a lógica de dominação do sistema, usando dos processos de modernização. Em ambos, modernizar significa então garantir os privilégios e a realização dos fins estabelecidos, consiste, principalmente, em usar o território de modo mais eficiente para realização das finalidades de poucos em detrimento da maioria.

Modernidade assim parece significar mesmo subdesenvolvimento. O subdesenvolvimento brasileiro é parte da nossa formação histórica construída pela luta de classes em cada pedaço do território e pelas influências dessas sobre outros territórios (Oliveira 2003). A luta de classes está no centro do subdesenvolvimento e é considerando o uso que as classes fazem do território que podemos entender as aparentes "dicotomias entre o moderno e o tradicional" na dinâmica territorial brasileira.

Urge revermos o projeto de modernização excludente e conservador implantado no Brasil e que tem se reproduzido, com maior ou menor intensidade, em Barcarena; questionar seus objetivos, assim como a que interesses e que usos do território essa tal modernização tem legitimado. Sem isso, todo um sistema de ações conservadoras será reproduzido a cada ato de modernização e reforçará o poder do atraso, posto que será capturada pelos interesses tradicionais daqueles que não enxergam outra dimensão da vida que não o status quo. Nesta monumental tarefa é imprescindível a análise do uso do território.


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