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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

versión impresa ISSN 0121-215Xversión On-line ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. v.20 n.1 Bogotá ene./jun. 2011

 

Desenho urbano inicial das cidades pequenas do sertão da Paraíba: O caso do povoado do Boqueirão do Curema

Diseño urbano inicial de las ciudades pequeñas del Sertão da Paraíba: el caso del Pueblo de Boqueiro do Curema

The Initial Urban Design of Small Cities in the Sertão da Paraíba: The Case of the Town of Boqueiro do Curema

Rita de Cássia Gregório de Andrade*
Pontificia Universidad Católica del Perú

Doralice Sátyro Maia**
Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Brasil


*Mestra em Geografia Urbana - Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora do Departamento de Humanidades da Pontificia Universidad Católica del Perú.
Dirección postal: Pontificia Universidad Católica del Perú. Av. Universitaria 1801, San Miguel, Lima 32, Perú Correo electrónico: ritagandrade@gmail.com
**Doutora em Geografia Humana - Universidade de São Paulo (USP). Professora do Departamento de Geociências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Dirección postal: Universidade Federal da Paraíba, Cidade Universitária - João Pessoa - PB - Brasil - CEP - 58051-900 Correo electrónico: doramaia@ufbp.ccen.br

Recibido: 1 de septiembre del 2010. Aprobado: 15 de mayo del 2011.
Artículo de investigación científica sobre el diseño urbano inicial del pueblo de Boqueirão do Coremas y su estado actual.


Resumo

A cidade de Coremas está localizada no Sertão do Estado da Paraíba. Inicialmente foi um povoado, denominado Boqueirão do Curema. A pesquisa aqui realizada teve como procedimento metodológico o levantamento bibliográfico, leitura das obras selecionadas e análise das atuais plantas das cidades pequenas do interior nordestino. O objetivo principal foi analisar o desenho urbano inicial do povoado do Boqueirão do Curema. Esta análise demonstrou que o traçado deste povoado possui uma lógica inicial que se repete em outros povoados do interior do Nordeste. Isso significa que o desenho urbano dos povoados da área estudada não é desprovido de qualquer ordenamento.

Palavras-chaves: Boqueirão do Curema, cidade pequena, desenho urbano; morfologia urbana; povoado.


Resumen

La ciudad de Coremas está ubicada en el interior del Estado de Paraíba. Su origen remonta al siglo XIX. Coremas se inició como un pequeño pueblo, denominado Boqueirão do Curema. La metodología de este trabajo fue el levantamiento bibliográfico, lectura de las obras seleccionadas, recolección y análisis de los planos actuales de las ciudades pequeñas del interior del Noreste brasileño. El artículo analiza el diseño urbano inicial del pueblo del Boqueirao do Curema, que posee una lógica espacial que se repite en otros pueblos del interior del Noreste. Esto demuestra que el diseño urbano de los pueblos del área en estudio no estuvo totalmente desprovisto de planificación.

Palabras clave: Boqueirao do Curema, ciudades pequeñas, diseño urbano, morfología urbana, pueblo.


Abstract

The city of Coremas is located in the interior of the State of Paraíba. Its origins date back to the 19th century, when it started out as a small town called Boqueirão do Curema. The methodology of this project included the preparation of a bibliographic inventory, reading of selected works, and the collection and analysis of the current plans of small cities located in the interior of northeastern Brazil. The article analyzes the initial urban design of the town of Boqueirao do Curema, which features a spatial logic that recurs in other northeastern Brazilian towns. This demonstrates that some degree of planning was involved in the urban design of the towns in the region under study.

Keywords: Boqueirao do Curema, small cities, town, urban design, urban morphology.


Introducão

Este trabalho analisa o traçado urbano inicial de um povoado que posteriormente subiu às categorias de vila e cidade, entre o final do século XIX e o ano 1954. Faz parte da linha de pesquisa "Cidade e Campo: Espaço e Trabalho", desenvolvida por professores e investigadores do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba, os quais conceberam o Projeto de Pesquisa "Estudo das Pequenas e Médias Cidades do Nordeste Brasileiro", com o objetivo de analisar as cidades do interior da Paraíba no que diz respeito a sua dinâmica econômica e cultural. Mais especificamente, o presente artigo divulga os resultados da Dissertação de Mestrado intitulada "A Cidade de Coremas- PB: Geografía Histórica de uma Cidade Pequena", a qual serviu para resguardar a identidade, história e geografia da cidade de Coremas.

Os procedimentos metodológicos utilizados na mencionada pesquisa foram: Levantamento bibliográfico (livros e artigos científicos), documental (coleta de documentos em arquivos históricos) e cartográfico; trabalho de campo (entrevistas, observação da paisagem e levantamento fotográfico) e trabalho de gabinete (análise do material coletado).

Logo, este trabalho está inserido nos estudos da Geografia Histórica, visto que trata de analisar uma espacialidade pretérita. Possui como objetivo analisar o desenho urbano inicial da cidade de Coremas, tendo assim, relevância para conservar a origem de uma cidade tão pouco estudada por este viés de análise.

Por último, cabe mencionar que outras pesquisas vêm sendo desenvolvidas pelos grupos de acadêmicos interessados pelo estudo das cidades médias e pequenas, assim como pela Geografía Histórica Urbana na Universidade Federal da Paraíba. Um exemplo é a atual pesquisa de mestrado da estudante Maria Simone Morais, cujo título é "A Urbanização do Sertão da Capitania da Parahyba na segunda metade do século XVIII", ainda em andamento.

Breve apresentacão da cidade de Coremas

A cidade de Coremas está localizada no Estado da Paraíba, existindo oficialmente desde 1954. Suas vizinhas são as cidades de Pombal (Norte); Piancó (Sul); Emas e Catingueira (Leste) e São José da Lagoa Tapada e Aguiar (Oeste). A figura 1 apresenta o Estado da Paraíba e aponta a localização do Município de Coremas, onde também se encontra a cidade de mesmo nome.

Destacam-se na paisagem os açudes Coremas e Mãe D'Água, reservatórios de água construídos pelo Departamento Nacional de Obra Contra as Secas (DNOCS), da década de 1930 à década de 1950. Estes açudes influenciaram na criação oficial do município e da cidade de Coremas, devido ao consequente aumento populacional e a chegada de vários elementos modernos. Contudo, a partir da década de 1970, toda a estrutura montada pelo DNOCS entrou em processo de decadência e as águas dos açudes não foram aproveitadas em sua potencialidade para o desenvolvimento econômico local.

A população do município de Coremas é de 15.236 habitantes, sendo 69,8% residentes da chamada zona urbana (a cidade de Coremas) e 30,2% da zona rural (IBGE 2007). A partir da década de 1990, a concentração populacional da cidade de Coremas apresentou um maior número que a do campo, fato este ocorrido como resultado do êxodo rural, onde muitos habitantes foram residir, sobretudo, na periferia da cidade.

A cidade de Coremas surgiu como povoado no século XIX e foi elevada a vila no ano de 1938. O povoado inicial foi resultado do processo de ocupação do Sertão da Paraíba, que deu origem a povoamentos em terras doadas à igreja, para a construção de uma capela dedicada a um santo padroeiro.

A cidade de coremas no sertão da Paraíba: origem e contexto histórico

A origem da cidade de Coremas está inserida no contexto do povoamento do Sertão da Paraíba pelos conquistadores portugueses. È importante recordar que o povoamento do Sertão nordestino ocorreu, sobretudo, por razões políticas, isto é, a ocupação efetiva do território brasileiro para a Coroa Portuguesa e interesses econômicos, ou seja, encontrar uma atividade que complementasse a cultura açucareira desenvolvida no litoral. Essa nova atividade econômica correspondeu inicialmente à pecuária, que forneceu alimento e transporte às fazendas de cana-de-açúcar.

Subsequentemente, em fins do século XVIII, a ocupação do Sertão nordestino foi intensificada pela cultura algodoeira. Neste período, Mariz (1978, 15) aponta que já havia lavras regulares e boladeiras para descaroçar algodão, em engenhos rudimentares. Chegando ao século XIX, o algodão ganha o status de "ouro branco". Gonçalves revela que "[...] a cultura algodoeira provocou o surgimento e crescimento de inúmeras vilas, onde se instalavam casas comerciais e pequenos maquinismos -os vapores- para o beneficiamento do produto." (Gonçalves 1999, 31).

Nesse processo de ocupação territorial, os rios1 exerceram um papel proeminente, como é conhecido o caso do Rio São Francisco, onde surgiram as primeiras fazendas de gado e partiram as primeiras expedições de conquistas. Para Horácio de Almeida (1966, 121) eram as expedições as responsáveis por "limpar o terreno" para a posterior instalação de um povoado, ou seja, eram estas expedições, as encarregadas de combater a resistência indígena, um obstáculo para o povoamento pelo colonizador.

Com respeito ao ordenamento territorial, sabese que o incentivo por parte de Portugal para a ocupação colonial veio através da concessão das Sesmarias. No Sertão nordestino, conforme foi dito anteriormente, essas terras eram usadas para a criação de gado, para o cultivo de algodão e complementariamente para o plantio de arroz, feijão, milho e outros gêneros alimentícios de subsistência. Logo, as sesmarias foram a base da estruturação espacial do Sertão paraibano. Estas eram paulatinamente repartidas em fazendas de gado e nestas despontaram povoados, vilas e cidades.

Muitos povoados surgiram no Sertão nordestino a partir da concessão de parte das terras sesmeiras, ou de parte de uma fazenda de gado, à igreja, com o intuito de ser sagrada a algum santo de devoção. A partir dessa doação se construía uma capela, ao redor da qual surgiam as primeiras residências, compondo aos poucos o povoado ou a vila (Duarte Júnior 1999, 571). Estudos de Murilo Marx, sobre a doação e constituição do patrimônio religioso, asseguram que:

    Eram porções de terras doadas nominalmente a uma devoção, a um santo padroeiro. Passava a constituir um patrimônio desse orago, de sua capela, administrado por uma entidade que deveria merecer a autorização da Igreja [...] A terra, alguma outra doação em bens móveis, víveres ou dinheiro representavam o dote inicial, e por muitas vezes periódicos, do santo predileto, transformado em orago da nova capela. Propiciavam, assim, as condições para a construção do templo, para a sua manutenção e reparo, para o seu equipamento litúrgico e funcionamento efetivo. (Marx 1991, 39)

Aroldo de Azevedo também tece comentário que corrobora as afirmativas de Murilo Marx, isto é, com o entendimento de que a origem de muitos povoados sertanejos está ligada à doação de uma porção da terra, por parte do seu dono, à igreja. Dessa maneira, enfatiza Azevedo:

    Dêsse tipo é o patrimônio religioso, pelo qual o proprietário de uma gleba de terras escolhe certa área para doála ao Santo de sua devoção através de documento público em que o beneficiário é representado pela autoridade eclesiástica; assim fazendo, o proprietário torna patente sua fé e demonstra o desejo de vê-la difundida por intermédio da Capela que significará o sinal de posse, ao mesmo tempo que espera auferir lucros com a valorização e a posterior venda dos lotes situados na área que continua de sua propriedade. Nesta hipótese, o doador fixa as bases estruturais do futuro aglomerado, procurando atrair moradores para o local, os que se estabelecerem no chão doado ao Santo patrimínico pagarão seus foros à Diocese e os que se fxarem nas redondezas tornar-se-ão arrendatários ou mesmo proprietários dos lotes ocupados. No primeiro caso, o produto do aforamento destina-se à construção da Capela ou à melhoria da que já existir, à manutenção do culto, ao estabeleimento do Cemitério, etc. (Azevedo 1957, 57)

Assim, a formação do patrimônio religioso foi uma nova prática de estruturação terrtorial, como destaca Juliano de Carvalho, em relação à ocupação de várias áreas da Zona da Mata, mas que também pode ser aplicado às áreas sertanejas: "Se até então, as únicas estruturas territoriais existentes no local eram, por um lado, a cidade real, e, por outro, as sesmarias com suas fazendas e engenhos, agora aparece outra estrutura, diferente de ambas, com base religiosa." (Carvalho 2007, 5).

Por conseguinte, nos núcleos urbanos iniciais, o primeiro elemento a surgir e determinar a configuração espacial e a vida social foi a Igreja, erguendo-se, na maioria das vezes, na forma de uma simples capela. O povoado do Boqueirão do Curema surgiu de uma parte de uma fazenda doada à Igreja pelo português Manuel Gonçalves Piranha.

A historiografia tradicional aponta a doação de parte das terras de Gonçalves Piranha à Igreja, num total de 300 braças. Este fazendeiro, em viagem à Europa, foi vítima de um naufrágio que o levou a fazer uma promessa à padroeira de sua terra natal, Santa Rita. Esse voto consistiu na doação de parte de sua terra à Igreja, para ser sagrada à Santa Rita, caso sobrevivesse. A terra doada foi chamada "Data de Curema" ou "Santa Rita do Curema", onde foi construída a Capela de Santa Rita, erguida em 1860 à margem direita do Rio Piancó.

Assim, o povoado do Boqueirão do Curema, pertencente ao território de Piancó, surgiu na margem direita do Rio Piancó em meados do século XIX. A partir dessa capela, aos poucos foi se configurando o povoado, possuindo características comuns a muitos outros povoados surgidos no Brasil, como tão pertinentemente descreve Azevedo:

    As habitações que os constituem (sempre em pequeno número - umas poucas dezenas) são bastante modestas, sendo representadas por palhoças, casas de tábuas, casas de barrote ou de tijolos, caiadas ou não. Também reduzida é sua população, em geral de algumas dezenas de habitantes. Comum é o caso da existência de uma só rua, prolongamento do caminho ou paralela à margem de um rio, embora possam existir duas, três ou até mesmo um largo rudimentar, onde se ergue a Capela ou pequena Igreja. Mal definida é a sua função, se bem seja frequente a predominância da função comercial, modestamente representada pela presença de umas poucas casas de comércio - a "venda", a loja de armarinhos e artigos domésticos, mais raramente a farmácia. Ao seu lado, porém, costuma aparecer com importância a função religiosa, que é representada pela Capela ou Igreja e manifesta-se aos domingos e sem dias de festas religiosas, congregando a população rural circunvizinha. (Azevedo 1957, 33)

Enfim, o povoado do Boqueirão do Curema, assim como muitos povoados do Sertão nordestino, surgiu a partir de uma capela. Esta, além de determinar a vida social e cotidiana, definiu o traçado inicial e os primeiros arruamentos.

Traçado inicial da cidade de Coremas

Este trabalho tem a intenção de refetir sobre a morfologia urbana, especificamente ao nível do desenho urbano, tomando o caso do povoado do Boqueirão do Curema como amostra principal. Nesta senda, ressalta-se que a grande maioria das atuais cidades pequenas do interior nordestino, antigos povoados e vilas, conserva em sua forma urbana atual o traçado de sua origem.

Quando se fala em morfologia urbana, vem-se em mente elementos como o desenho urbano, a forma das construções, os planos municipais, a legislação em termos de planejamento urbano, etc. Assim, para estudar a morfologia urbana, é importante levar em conta que "los aspectos fundamentales del estudio geográfico de la morfologia han sido el plano, los edificios, los usos del suelo e el estudio morfológico integrado de áreas concretas de la ciudad" (Capel 2002, 22).

No princípio do Período Colonial, quando povoados, vilas e cidades começavam a despontar no Brasil, as ruas eram predominantemente sinuosas e o desenho urbano era simples. As atividades econômicas e a vida social nesses núcleos tinham pouca expressão, visto que a dinâmica maior estava centrada no meio rural. Por conseguinte, como reflexo da sociedade, o desenho urbano surgiu e cresceu com características simples e quase perdido no meio rural circundante. Esta discussão faz ainda lembrar as palavras de Capel:

    El análisis integrado de áreas concretas de la ciudad permite asimismo al geógrafo considerar, como en el estúdio regional, la morfologia urbana en tanto que reflejo de combinaciones complejas: evolución histórica, funciones econômicas, recursos de los habitantes, tradiciones culturales, etc. (Capel 2002, 23)

No território brasileiro, algumas cidades surgiram por ordem direta do reino português, enquanto que outras surgiram espontaneamente ou planejadas pelos governos locais. Quanto ao plano de urbanização, não havia um que fosse válido para todos os povoados, o que havia eram as Ordenações do Reino.

Sabe-se que ao analisar as cidades latino-americanas dos países de colonização portuguesa e espanhola, há uma discussão sobre a diferenciação dos modos de fazer cidade. Na primeira, as cidades apresentavam obediência ao relevo e desobediência a um plano preestabelecido e na segunda as cidades eram planejadas. Todavia, aponta Vasconcelos:

    De fato, a situação não é tão simples, e cidades reais, como Salvador, assim como as cidades construídas no período pombalino, mostram uma concepção planejada, e mesmo um traçado em quadrícula. A noção de plano, portanto, mantém seu interesse no período. (Vasconcelos 2001, 28)

Igualmente, Teixeira demonstra que o urbanismo português, ou seja, aquele que também foi implantado em terras brasileiras, foi marcado por duas vertentes, que ele chama de vernácula e erudita:

    Uma das principais características das cidades portuguesas é serem o resultado da articulação de duas componentes distintas: por um lado uma componente erudita, por outro lado uma componente vernácula. A componente erudita tem a ver com os princípios de ordem e de regularidade que em todas as épocas se encontram nas cidades portuguesas, expressando-se muitas vezes através de malhas ortogonais. A componente vernácula, por sua vez, tem a ver com a capacidade de o urbanismo português entender o território em que se implanta e de se moldar a ele. Ainda que partindo de um plano, ou de uma idéia de plano, a cidade de origem portuguesa é sempre projectada com sítio, atendendo de perto às suas características físicas. (Teixeira 2004, 23)

Evidentemente, com o passar do tempo, chegando ao século XVIII, essa tradição urbana sofreu alterações, com uma maior importância dada à regularidade dos traçados urbanos, especialmente através das reformas pombalinas2. Porém, permaneceu a coexistência da vertente vernácula com a erudita.

No Sertão da Paraíba e do Nordeste, as cidades passaram a ser mais planejadas após as intervenções urbanísticas de influencia pombalina. Todavia, não era um processo que se dava com a mesma intensidade em todos os lugares e, dessa maneira, no século XIX, ainda surgiam povoados com características do urbanismo colonial português.

Para se estudar o desenho urbano das cidades brasileiras, é preciso considerar a importância do sítio e, por fim, levar em conta uma lógica preestabelecida. Neste contexto, ressalta-se aqui a importância do sítio para o estudo da morfologia urbana, sobretudo se o foco principal de atenção é o desenho urbano.

Sabe-se que o sítio é considerado nos estudos da Geografia Urbana desde os tempos da Geografia Clássica, sobretudo através dos estudos de Ratzel. Sobre este conceito, Vasconcelos diz que "no caso das cidades do passado escravista, o exame dos sítios urbanos é importante, uma vez que ele era levado em conta para a escolha do local de implantação da cidade, como nos casos dos sítios em acrópoles (Salvador e Rio de Janeiro) ou de sítios planos (Recife)" (Vasconcelos 2001, 26).

Por seu turno, a situação, igualmente um conceito presente na Geografia Tradicional desde Ratzel, foi considerada por Vasconcelos, quando este aponta em um subtítulo os termos situação, posição e localização:

    [...] são de caráter regional, na medida em que trabalham a localização precisa da cidade em relação a outros pontos. A localização da cidade era importante, por vários motivos, inclusive do ponto de vista das correntes marítimas, num período de dependência da navegação à vela. (Vasconcelos 2001, 25-26)

O desenho urbano dos povoados do interior do Nordeste caracterizava-se primeiramente pela simplicidade, sendo que a tipologia aqui analisada tinha como ponto de partida uma capela, edificada em um local mais elevado, sem esquecer-se da presença do rio, principal elemento na escolha do sítio. Ao mesmo tempo, não eram povoados estabelecidos na ausência de qualquer lógica em seu desenho. Esta lógica em seu plano denota uma herança colonial da tradição urbana portuguesa, possuindo pouca obediência ao relevo, porém com um plano inicial que se repetiu em muitos povoados e vilas.

Assim, no Sertão nordestino, este traçado perdurou no decorrer dos séculos, assemelhando muitos povoados e vilas no que toca à configuração inicial. Nestes povoados e vilas, nota-se, pela conformação e localização da capela, do adro que se configurou subsequentemente e da disposição das ruas, a obediência a certo modo de fazer cidade, herança dos portugueses. Esta realidade corresponde ao que Teixeira afirmou ser uma mescla de uma constituição do espaço citadino em obediência às condições geomorfológicas com um plano de construção preestabelecido.

Vale salientar que, em muitos aglomerados urbanos, primeiro existiu o largo, para depois construir-se sobre este, uma praça:

    Um dos processos habituais era através de um acumular de intervenções graduais realizadas ao longo do tempo. È dessa forma que muitos terreiros medievais se estruturam progressivamente como praças urbanas, à medida que a cidade se ia expandindo e ultra- passando os seus antigos limites. (Teixeira 2004, 27)

Para além de sua determinação na morfologia urbana, a praça vai influenciar toda a cidade pelas "funções religiosas, funções de mercado, funções políticas e administrativas, funções militares" (Teixeira 2004, 27).

O povoado aqui em tela surgiu às margens do Rio Piancó, com a presença central da capela, construída em terreno relativamente elevado, poucas ruas traçadas e edificações modestas e esparsas. Percebe-se uma adequação às condições topográficas da área e uma irregularidade geométrica das ruas. Assim, a capela e o largo, e posteriormente a praça3, vão determinar a morfologia urbana e, concomitantemente, vão demandar os eventos religiosos e sociais.

A configuração do povoado do Boqueirão do Curema expressa, através da obediência ao relevo e da semelhança com o plano de outros povoados do Sertão nordestino, a vertente vernácula e erudita explicada por Teixeira. Em suma, o traçado do povoado do Boqueirão do Curema é uma amostra de uma morfologia de povoados e vilas configuradas no século XIX e que expressa uma tradição portuguesa de fazer povoados em terras brasileiras desde o início da colonização.

Elencando rapidamente, as semelhanças nesses traçados eram a escolha do sítio às margens de um rio; a construção da capela, que se estrutura como o núcleo inicial de povoamento, a formação de um adro em frente da mesma e a configuração dos primeiros arruamentos, com o traçado delineado em função da capela e do rio. A figura 2 apresenta em destaque o traçado inicial da cidade de Coremas:

Enquanto na figura 3, uma imagem atual da cidade de Coremas, permite visualizar o antigo traçado do Boqueirão do Curema, com a forma sua morfologia conservada.

Observando a planta da atual cidade de Coremas e também sua paisagem, conclui-se que não há uma área da cidade que se possa chamar de histórica, tal qual acontece com cidades maiores. Todavia, o que se pode encontrar de histórico, além de algumas edificações, é o desenho inicial da cidade, que testemunha a forma de construir as cidades sertanejas de tempos passados, cujo traçado permanece até os dias de hoje. A imagem mostra a morfologia inicial, com a linearidade conservada, ao mesmo tempo em que demonstra as transformações da paisagem, expressas através do aumento do número de ruas, apontando as várias dimensões do "urbano" que se constitui. Nesta morfologia estão as primeiras e principais ruas da cidade de Coremas.

Para aclarar o que vem sendo explicado, a seguir são expostos alguns exemplos de plantas de antigos povoados do Sertão da Paraíba. São plantas dos antigos povoados que formaram respectivamente as cidades de Pombal, Catingueira e S. João da Parnaíba, nas quais podem ser vistas a semelhança dos seus traçados iniciais (figura 4, 5 y 6).

Portanto, percebe-se uma semelhança na escolha do sítio e na configuração do traçado entre vários povoados. Porém, em alguns povoados e vilas, devido às condições do sítio serem muito particulares, alguns pontos se diferenciam, como podemos ver por exemplo, no traçado da cidade de Aguiar, na Figura 7. Neste, nota-se a proximidade do rio e a capela com o largo na parte central, porém, não aparece o eixo estrutural, devido às condições geomorfológicas do local em que foi assentado o povoado. O que demonstra que os povoados surgem dentro de certa lógica, mas também na dependência de particularidades do sítio onde se estabelecem.

Teixeira (2004), ao discutir a morfologia urbana no Brasil, aponta exemplos de cidades como Salvador, Rio de Janeiro ou as cidades do ciclo de ouro das Minas Gerais. Porém, em outro contexto econômico- social, pode ocorrer a construção de uma cidade seguindo uma lógica de plano idealizado e uma adaptação ao relevo. O desalinho de ruas ocorre também por conta da falta de Códigos de Posturas. Por seu turno, Azevedo escreve sobre o plano urbano dos aglomerados coloniais, caracterizando o tipo de plano urbano:

    Tudo parece indicar que os aglomerados "criados", que resultaram de um propósito deliberado das autoridades coloniais obedeciam, em suas origens, a um plano regular e geométrico, se bem que adaptado às características topográficas. Sem demora, porém, deixava-se de lado essa preocupação urbanística e a expansão passava a se realizar de maneira espontânea, sem obedecer a nenhuma diretriz, daí resultando a irregularidade no traçado das ruas, tortuosas quase sempre. (Azevedo 1956, 61)

Portanto, a estrutura espacial do povoado do Boqueirão do Curema ocorre inicialmente seguindo determinada lógica, ditada pela tradição portuguesa e obedecendo ao relevo local. E foi a capela, edificada às margens do Rio Piancó, o núcleo original, a partir do qual outras edificações e espaços surgiriam, dando início ao pequeno povoado. Posteriormente, as novas ruas que surgiam, apresentavam uma maior espontaneidade e desalinho, por conta da ausência de Códigos de Posturas Municipais.


Pie de página

1Além dos rios, outro elemento importante para a ocupação do interior nordestino foram as estradas, muitas das quais foram formadas a partir dos caminhos das boiadas. Até o século XIX, eram através delas que se podia fazer a articulação entre os povoados e as vilas. Na Província da Parahyba do Norte, as estradas faziam a articulação entre as povoações do sertão e a Cidade da Parahyba, contribuindo para a formação de uma rede urbana.
2Nesta política, o Marques de Pombal implantou uma nova administração nas colônias, onde houve a diminuição da interferência da Igreja nos assuntos da Coroa. Neste contexto, vilas e cidades foram fundadas levando-se em conta um projeto urbanístico que alterou a paisagem urbana dos tempos coloniais, especialmente através da regularidade do desenho urbano, com o alinhamento de praças, ruas e edifícios.
3As praças foram construídas posteriormente a década de 1960, portanto, fora do marco temporal deste trabalho.


Referências

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