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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

versión impresa ISSN 0121-215Xversión On-line ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. v.20 n.2 Bogotá jul./dic. 2011

 

Contribuições da sociología rural norte-americana e europeia aos conceitos de rural, urbano e suas relações

Aportes de la sociología rural norteamericana y europea a los conceptos de rural, urbano y sus relaciones

Contributions of North American Rural Sociology to the Definition of the Concepts of Rural and Urban and Their Relationships

Clécio Azevedo da Silva*
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Fernando Goulart Rocha**
Instituto Federal de Santa Catarina, Brasil


*Graduado em Agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1986), mestre em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1995) e doutor em Geografia Humana pela Universidad de Barcelona (2000). Atualmente é professor adjunto do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina.
Endereço postal: Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciencias Humanas, Departamento de Geociencias, Programa de Pós-Graduação em Geografia. Campus Universitário, Trindade. CEP: 88040 -970.
Correio electrônico: clecio@cfh.ufsc.br
**Graduado em Geografia (2001), mestre em Geografia (2004) e doutor em Geografia (2010) pela Universidade Federal de Santa Catarina. Atualmente é professor de Ciências Humanas do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina.
Correio electrônico: fernandogr@ifsc.edu.br

Recibido: 1 de septiembre del 2009. Aceptado: 29 de junio del 2011.
Artículo de reflexión sobre los estudios rurales-urbano desde enfoques teóricos de la sociología rural.


Resumo

O artigo trata da epistemologia dos estudos rural-urbanos e a maneira como o tema tem sido abordado nas pesquisas em Geografia. Nessa direção, demonstra a importância das abordagens teóricas precursoras da Sociologia Rural sobre os conceitos de rural-urbano e de suas relações. Além disso, apresenta os desdobramentos analíticos no tratamento da questão no contexto das Ciências Sociais. Dessa maneira, considera sobre a dinâmica espacial e a exigência de aproximações teóricas sofisticadas para apreensão das relações rural-urbanas na atualidade.

Palavras-chave: epistemologia, rural, sociologia rural, urbano.


Resumen

El artículo trata de la epistemología de los estudios rurales-urbanos y la manera como el tema ha sido abordado en las investigaciones en Geografía. En esa perspectiva, remite a la importancia de los enfoques teóricos precursores de la Sociología Rural, acerca de los conceptos de rural-urbano y de sus relaciones. Además, presenta los desdoblamientos analíticos en el tratamiento de la cuestión en el contexto de las Ciencias Sociales. De esa manera, se reflexiona acerca de la dinámica espacial y la exigencia de aproximaciones teóricas sofisticadas para la comprensión de las relaciones rural-urbana en la actualidad.

Palabras clave: epistemología, rural, sociología rural, urbano.


Abstract

The article discusses the epistemology of urban-rural studies and the way in which the topic has been addressed in geography. In this sense, it highlights the importance of the theoretical approaches of the forerunners of Rural Sociology to the concepts of rural and urban and their relationships. Additionally, it presents analytical developments in dealing with the issue in the context of the social sciences and carries out a reflection on spatial processes and the need for sophisticated theoretical approaches for the understanding of current rural-urban relations.

Keywords: epistemology, rural, rural sociology, urban.


Introdução

Estudos voltados à compreensão das relações rurais-urbanas têm recentemente merecido atenção da Geografia Rural, sobretudo no que diz respeito às novas configurações espaciais e à adoção de categorias propriamente geográficas capazes de explicá-las. A literatura acadêmica contemporânea acerca do rural demonstra o esforço dos pesquisadores em abarcar as transformações do respectivo espaço, utilizando-se de diferentes conceitos e categorias de análise. Nesse sentido, é inequívoco notar que, a utilização de conceitos e categorias revisitadas para análise do rural, se coloca como sintoma dos complicadores evidenciados no referido espaço, os quais exigem dos estudiosos interpretações e referenciais distintos para qualificá-lo. Para tanto, entre os cientistas sociais que partilham da tarefa de desvelar o sentido atual do fenômeno rural junto aos geógrafos, estão economistas, historiadores e sociólogos rurais.

O sentido atual do debate acerca do conceito de rural torna evidente um quadro de alterações que compreende diferentes investidas, alterando a maneira como historicamente as formas de organização desse espaço foram reconhecidas. Entre as transformações que declaram a exigência de novas considerações a respeito do respectivo espaço, encontram-se o aumento das atividades não-agrícolas sobre as áreas rurais (Schneider 1997; Graziano Da Silva 1999), a expansão urbana sobre tais áreas (Maia 1994; Heidrich e Stramare 2003; Tulla 2008), a redução do isolamento da população rural diante das facilidades de mobilidade e de acessibilidade oferecidas pela oferta de serviços, de informações e de infraestruturas (Claval 1984; Teixeira e Lages 1997), e o aprofundamento da divisão territorial do trabalho engendrada pela difusão do meio técnico-científico-informacional e suas consequências, tanto no campo como nas cidades (Elias 2003; Lopes 2006; Santos 2006).

No bojo das problemáticas citadas, a Geografia Rural tem procurado se aliar às demais disciplinas, a fim de contribuir para a construção de um referencial com o desafio de formular ensaios explicativos, que deem conta de avaliar os processos espaciais resultantes das relações rural-urbanas. Nesse contexto, o presente trabalho procura analisar o percurso das idéias fundadoras dos conceitos de rural e urbano e o conteúdo inerente às reflexões acerca das relações entre tais espaços. Para tanto, recuperam-se as concepções de rural elaboradas pela Sociologia norte-americana e européia, a fim de destacar que as pesquisas realizadas atualmente sobre o assunto, especialmente na Geografia, permanecem de alguma maneira, fundamentadas pelo aparato conceitual disseminado por essas duas escolas.

As idéias fundadoras

Foi provavelmente a Sociologia Rural que inaugurou no século passado uma reflexão mais cuidadosa sobre o conceito e o sentido das relações rurais-urbanas. Para tanto, uma das preocupações dessa ciência foi a compilação de categorias que pudessem qualificar e compreender a essência dos espaços rurais, em oposição às lógicas da sociedade urbana. Na Sociologia voltada aos estudos do mundo rural tais categorias receberam, entretanto, diferentes tratamentos e abordagens, sendo que, no desenvolvimento dessa ciência, podem-se distinguir pelo menos duas tendências: a francesa e a norte-americana. A primeira voltada aos problemas do desenvolvimento ou à Sociologia Agrária, ao comportamento da população rural face ao progresso, às relações comunitárias de vizinhança, solidariedade e cooperação, ao associativismo rural e aos estudos sobre os objetivos do planejamento local e regional. A segunda, a norte-americana, direcionada à definição e à explicação do mundo rural a partir de suas especificidades sociais, demográficas e produtivas, ao estudo comunidade, extensão e difusão de práticas agrícolas, avaliação de programas governamentais de saúde, previdência social rural e assim por diante.

A escola norte-americana

Nos Estados Unidos, a trajetória acadêmica da Sociologia Rural foi contemporânea ao momento de intenso vigor dos estudos em Ecologia Urbana, capitaneados pela Escola de Chicago. Em razão disso, tornou-se evidente a influência dos conceitos e métodos elaborados por essa escola no interior da Sociologia dedicada à compreensão do rural. A projeção dos princípios norteadores das pesquisas sobre os problemas urbanos, os quais evidenciaram vários estudiosos de Chicago (P. Park; E. Burgges; L. Wirth, entre outros), contribuiu para o surgimento de uma vertente dos estudos rurais que os espelhassem. Nesse sentido, pode-se dizer que alguns sociólogos apegados aos referenciais da Ecologia Urbana, mas preocupados com a sociedade rural da época, foram os responsáveis por inaugurar a Sociologia Rural norte-americana, muito ligada em seu "nascimento", pelo contexto em que surgiu, às bases científicas dos estudos urbanos.

Apesar disso, não se descarta que, desde o início houve a preocupação particular da Sociologia Rural, em delinear sua episteme e o campo teórico-metodológico de sua reflexão acadêmica. Considerando tal relação, a emergência de um corpo de estudos sobre a sociedade agrária sustentou, para alguns sociólogos, a definição da Sociologia Rural como parte da Sociologia Geral e seu objeto de estudo, definida por Smith, segundo Rios, como "o gênero sistematizado de conhecimentos que resultam da aplicação do método científico ao estudo da sociedade rural, de sua organização e de seus processos" (1979, 76). Para Larson "a preocupação central no estudo sociológico da sociedade rural era a de sua organização social - os sistemas sociais ou subsistemas e suas interrelações dentro da sociedade rural, com a sociedade urbana e a sociedade global" (1968, 81).

A necessidade de uma epistemologia para os estudos rurais era emergente porque, enquanto a Ecologia Urbana já havia delimitado a cidade e o modo de vida da população urbana como seus objetos de estudo, o mesmo não acontecia com a Sociologia dedicada às investigações do mundo rural. Assim, por incontestável que pudesse parecer a idéia do rural como formação específica, a referida noção se colocava, em termos teóricos, como argumento in suficiente para o desenvolvimento de um ramo específico da Sociologia voltado a sistematizar e compor um corpo da disciplina dedicado a seu estudo.

De acordo com Rios (1979), a Sociologia Rural não se fundou como especialização da Sociologia Geral pelo simples fato de haver uma população que vive numa área de características ecológicas e geográficas distintas da cidade, mas pela existência de fenômenos e processos sociais específicos da vida rural, além da agricultura, que se constituem no objeto próprio da disciplina: o tipo de povoamento, a natureza dos títulos de propriedade e demarcação da terra, os sistemas agrícolas e toda série de traços culturais ligados à propriedade e ao trabalho agrícola, aos quais se atribui o adjetivo agrário (Rios 1979).

Quanto à questão, importa notar que mesmo nos Estados Unidos onde desde o século XIX a pesquisa agrícola foi institucionalizada e medidas governamentais dirigidas à modernização do campo foram correntes, o convencimento de que o mundo rural deveria ser analisado mediante referenciais próprios, diferentes dos adotados nos estudos urbanos, não se deu espontaneamente. Segundo Youngblood (1949), entre as dificuldades em defesa de uma área específica de pesquisa sociológica sobre o rural estava, primeiramente, o convencimento de que esse ramo das ciências sociais se preocupava com um objeto de estudo à parte. Conforme o autor, tratava-se de mostrar que a Sociologia Rural ao mesmo tempo em que não se confundia com as ciências naturais, também não se encontrava plenamente resguardada pelas formulações teóricas dos demais domínios da Sociologia. A problemática exposta serviu para sustentar as propostas de demarcação da Sociologia Rural como parte da Sociologia Geral e do seu objeto de estudo, as quais, segundo Solari, puderam ser classificadas em três grupos:

    Em primeiro lugar se encontram as definições que vinculam a Sociologia Rural à Sociologia Geral, e que lhe atribuem o mesmo objeto que àquela, circunscrito, todavia, a um meio especial: o rural. Em segundo lugar estão as definições que vinculam a Sociologia Rural à política ou à reforma social [...]. Em terceiro lugar as definições que procuram unir os dois critérios anteriores. (Martins 1986, 24)

Na perspectiva de Solari (1971), de acordo com Martins, "a Sociologia regional estava então orientada em duas direções: a Sociologia Rural e a Urbana, sendo que o desenvolvimento da Sociologia, naquele momento, estava vinculado à mudança social e a uma situação de crise" (1986, 24). A crise apresentaria duas dimensões: de um lado, a migração do campo para a cidade, de outro a invasão do campo pela cidade que conduzia à urbanização do meio rural.

Assim, o surgimento da Sociologia Rural norteamericana como disciplina acadêmica aconteceu num contexto de crise, caracterizado pelo despovoamento do campo em razão da migração para as cidades e da urbanização das áreas rurais. De acordo com Rios (1979), tal despovoamento remeteu a uma série de preocupações filosóficas e humanísticas, pois era impossível ignorar os fatores sociais que atingiam contundentemente as instituições rurais, especialmente escolas e igrejas. A fim de avaliar as causas e consequências dos elementos da crise, ministros de várias religiões iniciaram o movimento que visava ao estabelecimento de cursos sobre os problemas sociológicos rurais em várias universidades. Portanto, de acordo com Rios, "é bem característico que o mundo rural entrou na área das preocupações científicas, primeiro como um problema" (1979, 90).

A crise da sociedade agrária evidenciou de outra maneira, o modo como as novas configurações espaciais trazidas pela urbanização e rebatidas sobre a população residente nas áreas rurais, contribuíram para a reformulação dos paradigmas sobre o mundo rural, no momento do surgimento de complicadores que não permitiam ser explicados pelas proposições teóricas em vigor. Por longo tempo, a sociedade rural foi apreendida pelos referenciais da Sociologia Geral, sendo desconsiderada a possibilidade de compreendêla por meio de referenciais particulares. Em virtude do momento de crise, entretanto, houve um redirecionamento da reflexão e concepções sobre o rural e, em função disso, um aprofundamento das questões inerentes à sociedade e ao espaço respectivo, tomadas através de categorias específicas.

Mediante o referido contexto pode-se compreender o movimento da Sociologia Rural na construção da "identidade" de seu objeto. Inicialmente qualificando e contrapondo o teor de suas preocupações científicas em relação à Ecologia e à Sociologia Urbana; mais tarde procurando colocar-se como um campo de estudos particular da Sociologia Geral dedicado aos problemas da sociedade e das comunidades rurais. Assim a Sociologia Rural tratou de desencadear um processo contestatório dos referenciais homogêneos que não davam conta de explicar plenamente o mundo rural e, para tanto, reforçou as proposições que assinalavam as particularidades da organização social rural em relação aos sistemas globais, bem como as diferenças entre o rural e o urbano.

Para tanto, de acordo com Schneider, para demarcar as diferenças, "a dicotomia rural versus urbano deixou de ser apenas uma área de concentração dos estudos para ser tomada como a própria delimitação do objeto específico da disciplina" (Schneider 1997, 228). A preocupação sociológica da dicotomia rural-urbano estava alicerçada na compreensão e formulação de uma teoria de explicação do rural a partir do urbano, tendo em vista ressaltar as particularidades que o definissem.

Assim, de maneira geral, a definição do rural em contraponto ao urbano, proposta pelos sociólogos rurais da época, consistia num encaminhamento metodológico similar aquele feito pelos sociólogos preocupados em estudar os indivíduos e a vida social nas cidades. Veja-se nesse sentido o emprego de metodologias de pesquisas qualitativas semelhantes, fundamentadas na etnometodologia, na pesquisa participante e na história de vida.

Porém a partir de meados da década de 1930, tal similaridade entre os estudos rurais e urbanos passou a ser questionada por parte dos sociólogos rurais, na medida em que não se viam nos temas e abordagens dos trabalhos que vinham sendo realizados pela "Sociologia Rural", diferenças em relação aos estudos feitos por pesquisadores das sociedades urbanas, a não ser em função do ambiente empírico ou geográfico (Schneider 1997).

Dessa maneira, embora alguns defendessem a Sociologia Rural como parte da Sociologia Geral, a ruptura entre a primeira e a segunda foi resultado do "grau" de cientificidade atribuída a cada uma delas. Mais precisamente, de acordo com Schneider (1997), as razões para a separação entre uma e outra foi a postura ateórica com a qual conviveu a Sociologia Rural americana em seus primeiros tempos, decorrente dos métodos de pesquisa empregados, suas relações com a igreja e o arcabouço conceitual adotado. Nesse momento, conforme Blume (2004), a disciplina estava assentada nos fundamentos mais sólidos do que passaria a ser conhecida como Rural Sociology. Essa escola de pensamento sociológico sobre o rural foi marcada, principalmente, pela elaboração de teses que tiveram como perspectiva teórica a obra de Tönnies, privilegiando os estudos da "comunidade", da problemática social e das condições de vida da população rural na Sociologia norte-americana1.

Obviamente que havia razões claras para esse direcionamento. A proposta de uma dicotomia rural-urbana era amplamente difundida pelos estudos de Tönnies, os quais apontavam para a identificação da organização social rural, a fim de distinguir essa comunidade como realidade específica e independente da sociedade urbana. Para Tönnies, a comunidade rural poderia ser identificada por características como a coesão emocional, profundidade, continuidade e conservadorismo. De outro modo, a sociedade urbana era reconhecida pelo individualismo, pelo racionalismo e pelas idéias contratualistas. Dessa forma, ao longo dessa polarização, surgia a idéia de um continuum entre o estádio comunitário (propriamente rural) e o societário (propriamente urbano), segundo a continuidade e intensidade das relações que se estendiam entre os dois pólos (Newby 1983).

Em 1929, o artigo publicado por Sorokin, Zimmerman e Galpin (Martins 1986) no clássico intitulado "Diferenças fundamentais entre o mundo rural e o mundo urbano", apresentou outra concepção, baseada não na idéia de um continuum, mas na contraposição objetiva rural-urbano. No referido trabalho a compreensão das diferenças entre o rural e o urbano foi analisada conforme a identificação das "características diferenciais e definições 'compostas' do mundo rural e do mundo urbano". Os "traços típicos" compreendiam esforços em distinguir o rural do urbano através de características próprias de tais áreas: as diferenças ocupacionais e ambientais presentes nas áreas urbanas e rurais; tamanho das comunidades; diferença em termos de densidade populacional; heterogeneidade das populações; particularidades na estratificação e complexidade social; fatores responsáveis pela mobilidade populacional e direção da migração, bem como formas específicas de integração social.

Quanto ao conteúdo das citadas características, os autores apontaram para a definição da sociedade rural como "composta de uma totalidade de indivíduos ativamente envolvidos em uma atividade agrícola, [sendo] o principal critério para a definição da população rural a ocupacional: a coleta e o cultivo de plantas e animais." Dadas essas condições ocupacionais, decorrem as diferenças ambientais, dado que "o caráter da ocupação agrícola faz com que os agricultores trabalhem mais ao ar livre do que o fazem os trabalhadores na maioria das ocupações urbanas" (Martins 1986).

Além disso, sobre o tipo de sociedade rural dedicada às atividades agrícolas por excelência, percebiam-se as dificuldades de "concentração dos agricultores em grandes comunidades com muitos milhares de habitantes [...]. Portanto, a terceira característica dos aglomerados rurais em contraste com os grupos não-rurais é o tamanho menor dos primeiros em comparação com os últimos" (Martins 1986). Assim, inferia-se que "como uma regra geral, as comunidades de agricultores têm uma densidade populacional mais baixa do que as comunidades urbanas" (Martins 1986).

Ainda de acordo com os autores, as comunidades rurais apresentavam-se mais homogêneas, ou seja, sua população particularizava-se pela "similaridade de características psicossociais adquiridas, tais como a linguagem, as crenças, as opiniões, as tradições, os padrões de comportamento, etc." (Martins 1986). Em todos os aspectos, a cidade é uma co-residência dos tipos de personalidades humanas mais heterogêneas e contrastantes, enquanto a comunidade rural contém tipos mais "nivelados", homogêneos e uniformes. A partir dessa condição contrastante, os aglomerados urbanos são assim marcados

    [...] por uma complexidade maior, manifesta em uma maior diferenciação e estratificação social. A cidade representa um corpo social composto de partes mais numerosas e dessemelhantes, com funções especializadas, e sua estrutura é muito mais diferenciada e estratificada do que o corpo e a estrutura de um aglomerado rural. (Martins 1986)

Convém observar que, diferentemente de Tönnies, as contribuições de Sorokin e outros autores (1986) quanto ao reconhecimento das "características diferenciais do mundo rural e do urbano" referiam-se a perceber o rural e o urbano por meio de conteúdos sociais e fronteiras bem definidas. Nota-se que para esses autores, as essências do rural e do urbano somente poderiam ser analisadas distintamente, dado às lógicas sociais absolutamente independentes entre si. Assim como Tönnies, o rural descrito por Sorokin et ál., apesar de não negar a existência de um continuum rural-urbano, aparece justamente como o da contradição (compreendida como polarização) em que os indivíduos das áreas rurais preservam características socialmente diferenciadas daquelas encontradas no "meio urbano".

Segundo Rios (1979), autores como Smith e principalmente Redfield (1956) criticaram a noção de polarização rural-urbana, quando pretenderam evocar o sentido restrito da dicotomia. Para Smith,

    [...] a sociedade não se encontra dividida em duas porções claramente diferenciadas, uma urbana e outra rural [...] desde o ponto de vista do tamanho da comunidade, da importância relativa das atividades agrícolas e pastoris, do grau de diferenciação social ou de qualquer outro dos demais critérios que podem usar-se para distinguir entre o rural e o urbano, as características rurais diminuem ou aumentam as urbanas. (Smith 1947 apud Rios 1979, 82)

Redfield (1956) por sua vez, chama a atenção para o fato da existência de um continuum não apenas social, mas também espacial, aproximando sob uma lógica recíproca os espaços rurais e urbanos, e não necessariamente a extrema dicotomia stricto sensu. Para o autor, a polarização apresenta as diferenças rurais-urbanas como extremos de uma escala polar, desconsiderando os gradientes fronteiriços. Nesse sentido concorda com Smith quando afirma:

    não existe um grau definitivo de urbanização ou de ruralização, e sim um fluxo de características em que o rural e o urbano em vez de constituírem simples partes de uma dicotomia, tendem a situar-se ao longo de uma escala. (Rios 1979, 78)

A partir das concepções destacadas observa-se que o postulado das diferenças sintetiza o posicionamento da Sociologia Rural norte-americana na primeira metade do século XX, contexto de surgimento da noção de polarização, a fim de categorizar as comunidades rurais e urbanas como formações sociais específicas. Posteriormente, com a difusão das tecnologias na agricultura e a transição dos estudos dos aspectos populacionais para os econômicos ligados à gestão das propriedades, tal postulado constituiu-se como um dos pilares da ação extensionista nas áreas rurais, na medida em que se prestou como fundamento prático à composição de um panorama sobre o homem e a dimensão de vida das populações rurais, servindo inclusive ao planejamento e à elaboração de políticas de introdução dos elementos da modernização agrícola no campo (Schneider 1997). Segundo Henri Mendras (citado por Queiróz), o caráter pragmático da Sociologia Rural de vertente norte-americana teve êxito porque, para seus autores,

    rural e urbano são domínios perfeitamente distintos e definidos, estando o meio rural em processo de transformação expressa na adoção cada vez maior de modernas técnicas de trabalho, expressa na mecanização da lavoura e numa especialização cada vez maior do trabalho. (Queiróz 1969, 7)

Para compreender a afirmação de Mendras é necessário ter em vista o advento da urbanização e as transformações sociais e econômicas dela decorrentes, os quais contribuíram no deslocamento da atenção nos estudos das relações rural-urbanas, para as mudanças nas formas de trabalho que se processavam no campo. Como consequência, entre as décadas de 1940 e 1960, a Sociologia Rural norte-americana passou a ocuparse da elaboração de estudos sobre a difusão/inovação das novas tecnologias de produção e os impactos psicocomportamentais das referidas tecnologias na vida dos agricultores (Schneider 1997). Entre as finalidades de tais estudos estava o aperfeiçoamento dos métodos de intervenção sobre a população rural, com base em pesquisas sobre o comportamento humano. Através da intervenção, o sociólogo rural pôde demonstrar a dimensão aplicativa do seu trabalho em campo –requisito essencial para a ciência norte-americana–, utilizando para isso o Serviço Nacional de Extensão Rural (Youngblood 1949).

No bojo desse processo ressaltou-se o papel da intervenção do sociólogo extensionista rural em campo, quem foi incumbido de disseminar entre os agricultores as mudanças tecnológicas que se processavam através das descobertas agronômicas. Para tanto, o adequado funcionamento do Serviço de Extensão encaminhado pelos sociólogos rurais "possibilitaria revelar aos agricultores elementos culturais superiores, ou elementos complexos, capazes de estabelecer as condições ideais para as mudanças" (Youngblood 1949, 87). Por conseguinte, segundo Schneider (1997) a dicotomia rural versus urbano foi substituída nesse período por um novo corpo de pesquisas que procurava compreender de que forma os agricultores respondiam aos estímulos da introdução de novas técnicas de produção agrícola, na perspectiva do "social psycological-behaviorist approach", conhecido no Brasil como difusionismo, "difusion/ adoption research".

De acordo com Rios (1979), depois de 1945, verificouse um deslocamento de interesses e as investigações sobre a comunidade cederam lugar a preocupações com a organização social rural, sobretudo com a vizinhança, a população, a estratificação social, as relações entre o homem e a terra, a participação e a mudança social. Quanto aos novos domínios de estudo que se abrem, "os principais versa[vam] aspectos de saúde e serviços médicos, difusão de técnicas agrícolas, envelhecimento e aposentadoria, suburbanização e a sociedade rural em outros países." (Rios 1979, 95).

A crítica à escola norte-americana

A crítica que se faz aos sociólogos rurais americanos desse período, entretanto, é a de que, apesar de sua dedicação aos trabalhos de campo e investigações sobre as condições de vida da população rural, poucos foram os que tomaram os agricultores como classe social diferenciada. Ou seja, os sociólogos rurais da época reforçaram a idéia de considerar os agricultores como um conjunto indiscriminado, desconsiderando as especificidades culturais dos grupos, e supondo que a substituição nas formas de trabalho no campo poderia ocorrer de modo equivalente em todos os lugares e situações.

Sobre a mencionada questão esclareceu a professora Maria Isaura Pereira de Queiróz, "o pressuposto de base do sociólogo rural norte-americano, em todo o seu trabalho, é a igualdade fundamental do homem, em todos os lugares e regiões; psicologicamente idênticos, os indivíduos se comportam sempre movidos pela mesma ambição, pelos mesmos desejos, pelas mesmas aspirações" (Queiróz 1969, 17).

Em decorrência de tais pressupostos, os direcionamentos dados pelos sociólogos rurais norte-americanos às suas pesquisas empíricas passaram a receber críticas pela maneira como estavam sendo encaminhadas. As críticas, conforme Schneider apresentavam três direções principais:

    a) a falta de um objeto de análise e de conteúdo heurístico de categorias teóricas fundamentais; b) o caráter exclusivamente institucionalizado da pesquisa em Sociologia Rural, feita no interior dos Land Grant Colleges; c) as discussões em torno da especificidade do rural em face das transformações sociais e econômicas sofridas no pós-Guerra. (1997, 234).

As críticas feitas ao difusionismo apresentavam como pano de fundo a revisão conceitual do "rural" como categoria analítica, a delimitação do objeto da disciplina e a necessidade de uma teoria que relacionasse o meio social com o território. O contexto para as críticas parece claro. Para alguns, a industrialização, junto à urbanização, havia tornado inoperante tanto as práticas "extensionistas", próprias dos difusionistas, como a identificação de diferenças do "mundo rural e urbano", devido à acentuação da divisão do trabalho e à consequente tendência à convergência da base ocupacional, tanto nos espaços rurais como urbanos. Desse modo, "[...] alguns sociólogos como Pahl (1966) passaram a questionar a manutenção dos conceitos de rural e urbano como noções descritivas [...]. Numa situação em que não há mais especificidades ou diferenças espaciais e ocupacionais entre o rural o urbano, qual seria o sentido de uma Sociologia específica do rural?" (Schneider 1997, 237).

De fato, a noção de convergência da base ocupacional, referenciada nas condições de aparelhamento do trabalho na agricultura e no afinamento das trocas entre os espaços rurais e urbanos, era considerada por alguns sociólogos rurais como um problema que demandava reconsiderar o sentido oferecido até então aos conceitos de rural e de urbano. Entretanto os próprios críticos não puderam prever que a convergência da base ocupacional ocorreria apenas em tese, haja vista que o acirramento da divisão territorial do trabalho se mostrou capaz de demarcar, de maneira inexorável, o papel dos espaços rural e urbano no desenvolvimento das economias capitalistas. No referido processo, mesmo considerando a urbanização junto a industrialização do território e articulação dos espaços rurais e urbanos na reprodução de um modelo econômico-social fundado na unidade, cada um deles, rural e urbano, operam e devem ser apreendidos a partir de bases teóricas diferenciadas.

Foi por meio da noção de convergência da base ocupacional que se embasaram novas perspectivas teóricas entre os adeptos da Rural Sociology que, abalados em suas convicções do "aparecimento de novas perspectivas teóricas de abordagem dos fenômenos rurais-agrários" (Schneider 1997, 238), buscaram um refinamento em suas posturas científicas e metodológicas. Pode-se dizer que a crise da Sociologia Rural nesse momento foi contemporânea ao fortalecimento dos estudos sobre o espaço agrário e as consequências da revolução agrícola a partir das mudanças nos padrões de acumulação capitalista nas décadas de 60 e 70. Além disso, as alterações decorrentes da reestruturação produtiva na agricultura, preocupação especial da Sociologia Rural de tendência francesa, possibilitaram a emergência de uma Sociologia da agricultura preocupada fundamentalmente com a análise das relações sociais de produção no campo (Schneider 1997).

A escola européia

De acordo com Rios (1979), contrária a americana, a Sociologia Rural européia procurou escapar da condição de tornar-se uma mera Sociologia da agricultura. Para tanto, os sociólogos europeus

    logo sentiram a necessidade de vincular o estudo da vida rural a uma visão global de suas respectivas sociedades; e por outro lado de enriquecê-la com a contribuição de outras ciências sociais, como a Economia Agrária, o Direito, a Geografia, a Psicologia, a Demografia e a Etnologia. É preciso frisar que os primeiros estudos rurais interdisciplinares foram europeus. (Rios 1979, 96).

Além disso, Jollivet (1998) ponderou que a Sociologia Rural européia, a francesa em particular, definiu-se pelo seu objeto e campo de aplicação, não por uma teoria ou escola de pensamento particular. A demarcação das preocupações da Sociologia Rural deu-se principalmente pelo seu campo de ação e menos por estabelecer proposições teóricas originais. Dessa maneira, para tratar de seu objeto de estudo, o sociólogo rural francês se interessa por um conjunto de aspectos da vida social que engloba especialidades da Sociologia, como Sociologia Política, da Família e das Religiões.

A construção conceitual sobre as relações entre o rural-urbano na obra de Aldo Solari esclarece essa postura. Para o autor, as propostas da dicotomia e do continuum rural-urbano não deveriam ser tomadas como perspectivas absolutas, mas uma ou outra deveriam se aplicar considerando as condições de determinada estrutura sócio-cultural, dependendo do estágio de desenvolvimento industrial e de urbanização da sociedade que, quanto maior, tanto são as mudanças sobre o modo de vida rural (Solari 1971).

Solari esclareceu que o fenômeno da "fuga" dos habitantes do centro da cidade para a franja urbana em alguns "países desenvolvidos", aproximava essa população ao "meio rural" (Solari 1971). De outra forma aconteciam também o uso das áreas rurais como espaço de lazer. O estágio diferenciado do grau de urbanização refletia diretamente na aproximação e validade teórica dos critérios da dicotomia rural-urbano, isso porque quando a urbanização ocorre lentamente, a polarização entre as comunidades rurais e urbanas é mais nítida, respaldando assim o proposto por Sorokin e seus colaboradores. Por outro lado, "em se tratando de sociedades de urbanização acelerada, em que é mais nítido o avanço da cidade sobre o campo, o continuum rural-urbano se apresenta com maior clareza." (Solari 1971).

O continuum a que se refiere o autor é aquele em que prevê certa transitoriedade espacial entre a paisagem rural e urbana. Para tanto, a ressignificação do conceito de rural pressupõe um escalonamento da urbanização no espaço. Daí infere-se os motivos pelos quais afirma que há situações que requerem o uso de escalas multidimensionais cuja exigência é a combinação de aplicação dos dois critérios: o continuum e a dicotomia rural-urbano.

A utilização de escalas multidimensionais deve considerar as descontinuidades e rupturas da paisagem e da sociedade rural, decorrentes do grau de urbanização e industrialização. Dessa maneira, a existência de um continuum entre os referidos espaços é mais evidente nos países com elevado grau de urbanização e industrialização. Naqueles onde a população permanece no campo e a urbanização e industrialização são incipientes, a dicotomia baseada na conceituação tradicional provavelmente é a mais adequada para explicar a relações entre os espaços rural e urbano. Nas palavras de Solari:

    [...] a idéia do contínuo não deve ser comprada sem reflexão, pois em vários locais, especialmente nos países em desenvolvimento e nos países 'atrasados', a industrialização da agricultura e as outras mudanças que levam à formulação da continuidade entre o rural e o urbano ainda não se constituíram. (Siqueira e Osório 2001, 75)

Sobre a concepção de uma gradiente rural-urbana e a recusa da delimitação de fronteiras fixas entre os referidos espaços, vale a pena contextualizar a influência teórica da Sociologia Rural de tendência francesa na obra de Solari, a qual entendia, de acordo com Mendras, que

    [...] a passagem do 'meio' rural ao meio urbano fazse insensivelmente duma zona marginal que se desloca continuamente. Convirá então, para cada região, estudar in situ esse fenômeno e nós veremos que os critérios de análise e os tipos intermediários não estão ainda definidos de maneira satisfatória. (1969, 41)

De acordo com Queiróz (1969, 7), a tendência francesa norteou-se por "indagações do tipo teórico; abordando os problemas da Sociologia Rural numa perspectiva global, através de uma grande e constante indagação do que é urbano". Portanto, a Sociologia Rural naquele país estabeleceu-se com base na caracterização da sociedade camponesa, tomando-a como seu objeto de estudo por excelência. Longe de ser uma disciplina isolada –como pretendeu a norte-americana– esteve atrelada à Sociologia Urbana e à Sociologia Geral. Além disso, afastados do pragmatismo científico, postura comum entre os colegas estadunidenses, os sociólogos rurais franceses aprofundaram a definição da Sociologia Rural partindo de categorias históricas e antropológicas, a fim de contestar a perspectiva de homogeneização das sociedades rurais e urbanas.

Nesses termos, segundo Queiróz, a relação rural-urbana como problema da Sociologia Rural não está assentada na perspectiva habitual de duas realidades paralelas. Embora interligadas são sociedades globais fundamentalmente diferentes. Por outra parte, o rural deve ser estudado com a complementaridade do urbano, como parte de um conjunto social mais amplo. Do mesmo modo,

    toda Sociologia Urbana não pode deixar de englobar também o aspecto rural ao formular seus problemas, pois a cidade está sempre implantada no campo, tendo para com este relações de variada forma, desempenhando funções diferentes em relação a ele, conforme o caso. (Queiróz 1969, 51)

Na direção dos estudos da Sociologia Rural de origem francesa e tomado pelas circunstâncias que levaram ao questionamento sobre a tendência homogeneizante dos grupos rurais, Solari (1971) apontou para uma terceira via no que concerne à apreensão das interações entre as áreas rurais e urbanas, propondo a perspectiva de uma gradiente contínua/descontínua rural-urbana. José de Souza Martins refere-se literalmente à proposição de Solari entre as demais vias de explicação das relações rural-urbanas da seguinte forma:

    A primeira, de Sorokin e Zimmermann, que se apóia na contraposição de rural e urbano - dos meios sociais qualitativamente distintos. A que se apóia no contínuo rural/urbano, mas que ainda aí retém de qualquer maneira a polarização rural/urbano (como extremos na definição e estabelecimento do contínuo). E a do próprio Solari que, incorporando a idéia do contínuo rural/urbano e, consequentemente, a da polarização rural/urbano, tenta atravessar verticalmente o contínuo para reter a descontinuidade, introduzindo uma nova e complicada polarização na polarização (contínuo) rural/urbano, uma vez que se trata, agora, de um contínuo descontínuo rural/urbano. Nesse caso, a descontinuidade é gerada na continuidade (inverso do primeiro momento). (1986, 28)

As três vias apresentadas são imprescindíveis ao entendimento e se mantêm atualmente em uso pelas ciências sociais na tentativa de explicação das relações rural-urbanas. Porém, atualmente esse debate encontra-se revestido por novas complexidades.

Destacamos como exemplo, os novos conteúdos técnicos presentes nas áreas rurais, sendo que as consequências das alterações trazidas pela acelerada urbanização despontam por meio de novas relações de trabalho e formas de produção agrícola, aumento do trabalho temporário, ampliação nas formas de integração entre pequenos produtores e agroindústrias, formação de cooperativas e empresas rurais, bem como a migração rural-urbana advinda da necessidade de crescimento da mão-de-obra na cidade, com o intuito de controlar o nível médio de salários (Graziano Da Silva 1982).

Nesse contexto, a fim de apreender o conteúdo das relações rurais-urbanas face às transformações espaciais vigentes, tem ocorrido o fortalecimento de temas e abordagens que buscam explicar o sentido de tais relações e a forma como acontecem. De antemão, tratam-se de abordagens e tratamentos epistemológicos tomados transversalmente, com utilização de categorias e conceitos de diferentes campos disciplinares, os quais objetivam esclarecer os sentidos das formas espaciais, das atividades econômicas, e das trocas materiais, culturais e sociais entre o espaço rural e urbano.

Sobre os pressupostos dessa nova ordem de relações espaciais, Teixeira e Lages (1997) enfatizam a concepção do espaço rural como espaço particular de vida social, de identidades e representações específicas; a noção de ser o espaço rural uma forma de organização social no qual o fato agrícola é uma especificidade do rural; a idéia dos limites geográficos entre rural e urbano serem cada vez menos nítidos do que meio século atrás e, em decorrência de tal feito, a imagem do rural associada e confundida com a imagem do agrícola ser cada vez menos aplicada.

As premissas expostas colocam-se como capitulares das abordagens oferecidas ao entendimento das relações rurais-urbanas, especialmente nas circunstâncias atuais de produção do espaço em que "as clivagens que conheceu nossa sociedade no passado hoje não passam mais pela oposição entre cidade e campo", como expuseram Teixeira e Lages (1997, 15).

Considerações finais

As categorias estabelecidas pela Sociologia Rural são fundamentais para situar o debate acerca das relações rurais-urbanas e a maneira como esse objeto tem sido apreendido historicamente pelas Ciências Sociais. Quando nos referimos às Ciências Sociais convém esclarecer que, apesar da preocupação geográfica no tratamento do tema, sem abster-se da área de pesquisa em que este trabalho se insere, incluem-se outros domínios heurísticos, em que aparecem não somente a Geografia Rural, mas a própria Sociologia Rural e a Economia Agrícola.

Considerando que, as vezes, os pesquisadores em Geografia Rural não demonstram esforços de um "retorno às origens", resulta evidente a rejeição de proposições teóricas importantes de outras disciplinas e, inclusive, da própria Geografia. A retomada de estudos clássicos é uma tarefa imprescindível, pois pressupõe apresentar o debate articulado ao contexto sócio-histórico que o motivou, nesse caso, a reflexão mais específica sobre o rural no contexto do processo de urbanização e das transformações dela resultantes. Trata-se de um posicionamento coerente com o objetivo de utilizar os pioneiros na tentativa de estabelecer um referencial explicativo das "diferenças rurais-urbanas".

Entende-se que é a partir do resgate dos textos clássicos se torna possível identificar pelo menos três grandes eixos de discussão sobre a essência das relações rural-urbanas. Vimos com Sorokin, Zimmerman e Galpin (1986) que, no passado, a discussão girava em torno da colocação das diferenças entre o rural e o urbano, enquanto Redfield (1956) tratou de analisar o espaço sob o ponto de vista do continuum rural-urbano e Solari (1971) enfatizou a noção de ruptura –continuidade/descontinuidade rural-urbano– como forma de problematizar o fenômeno e as complexidades atuais.

As complexidades têm como ponto de partida as formas espaciais presentes, herdadas, e, fundamentalmente, as transformações conceituais que se processaram sobre os conceitos de rural e urbano. A superação da concepção de rural como mero espaço da atividade agrícola ou como área residual das cidades delimitadas administrativamente é um exemplo dessa nova ordem reflexiva sobre o rural. Adicionalmente, as considerações sobre o urbano passaram a operar com significados diferenciados, para além do sentido limitado de centro administrativo ou de aglomeração populacional. Assim, é possível afirmar que rural e urbano se referem a conceitos com significados novos, sendo o mesmo para o entendimento das relações rural-urbanas.

Apesar disso, não se trata de afirmar que a questão e a natureza das interações espaciais foram superadas ou que a discussão proposta pelos estudos clássicos se encontra comprometida. O que mudou de fato foi o discurso sobre as especificidades dos modos de vida rural e urbano, bem como a disseminação da ciência e da técnica que oferece atualmente as condições para o aprofundamento das relações rurais-urbanas no território.


Pie de página

1Os estudos sobre a comunidade "comunity studies" tiveram singular importância na primeira fase da sociologia rural norte-americana, sendo metodologicamente marcados pela descrição empírica, pesquisa qualitativa e aplicação de "surveys". Destaca-se ainda a presença de membros do clero no escopo de pesquisadores ligados aos estudos rurais. Sobre o tema, consultar Schneider (1997).

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