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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

Print version ISSN 0121-215XOn-line version ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. vol.20 no.2 Bogotá July/Dec. 2011

 

Grandes projetos turísticos na savana brasileira: O Modelo Disney no Rio Quente Resorts

Grandes proyectos turísticos en la sabana brasileña: el modelo Disney en el Río Quente Resorts

Large Tourism Projects in the Brazilian Savanna: The Disney Model in the Río Quente Resorts

Ycarim Melgaço Barbosa*
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil

Humberto Miranda do Nascimento**
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Brasil


*Possui graduação em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1987), Mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1991) e Doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (1999). Pós-doutorando no Instituto de Economia da Unicamp. Pesquisa sobre grandes projetos turísticos: o Modelo Disney e os não lugares (2010). Atualmente é Professor Adjunto I da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, na graduação e pós-graduação stritu sensu (Planejamento e Desenvolvimento Territorial; Direito e Relações Internacionais). Desenvolve pesquisa na área de Turismo, com ênfase em Meio Ambiente (RSU); Grandes Projetos Turísticos. Coordena grupo de pesquisa transdiciplinar com recursos da Fapeg e CNPq. Pesquisador do GIPUR, Grupo de Pesquisa em Infraestrutura e Planejamento Urbano Regional-IE-Unicamp.
Endereço postal: Rua 142, N. 179. Setor Marista. Goiânia - Go. 74170-00, Brasil.
Correio eletrônico: ycarim@gmail.com
**Doutor em Economia Aplicada pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), coordenador do Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico - CEDE/UNICAMP, Coordenador do GIPUR - Grupo de Pesquisa em Infraestrutura e Planejamento Urbano-Regional e bolsista IPEA/CAPES. O autor desenvolve estudos e pesquisas na área de desenvolvimento e planejamento urbano-regional. Principais temas de pesquisa: agricultura e urbanização, desenvolvimento do semiárido brasileiro e infraestrutura no desenvolvimento urbano-regional.
Endereço postal: Instituto de Economía / UNICAMP, Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico - CEDE. Cidade Universitária
"Prof. Zeferino Vaz". Rua Pitágoras, 353 CEP 13083 857, Caixa Postal 6135.
Correio eletrônico: humbertomn@eco.unicamp.br

Recibido: 16 de mayo del 2011. Aceptado: 29 de agosto del 2011.
Artículo de investigación sobre el proyecto turístico Rio Quente Resorts, Modelo Disney en la sabana brasilera.


Resumo

O presente artigo analisa a implantação de um Grande Projeto Turístico na Savana brasileira, o Rio Quente Resorts, baseado nas estratégias do Modelo Disney. Nesse sentido, o artigo discorre sobre a Disneyficação, ressaltando a tematização, a teatralização no mundo dos negócios o consumo coletivo e os não lugares. O Rio Quente Resorts introduz o que há de mais sofisticado em equipamentos de lazer e entretenimento numa região onde se encontra o mais importante manancial hidrotermal do país, mas relega a sustentabilidade ambiental. Assim, toda essa megaestrutura poderá acarretar danos irreversíveis ao ecossistema.

Palavras-chave: modelo Disney, Rio Quente Resorts, savana brasileira, turismo.


Resumen

Este artículo analiza la implantación de un gran proyecto turístico en la sabana brasileña, el Río Quente Resorts, basado en las estrategias del Modelo Disney. En ese sentido, el artículo narra acerca de la Disneyficación, resaltando la temática, la teatralización en el mundo de los negocios, el consumo colectivo y los no-lugares. El Río Quente Resorts introduce los más sofisticados equipos de diversión y entretenimiento en una región donde se encuentra el manantial hidrotermal más importante del país, pero desprecia la sostenibilidad ambiental. Así, toda esa mega-estructura podrá acarrear daños irreversibles al ecosistema.

Palabras clave: modelo Disney, Río Quente Resorts, sabana brasileña, turismo.


Abstract

This article analyzes the implementation of Río Quente Resorts, a large tourism project in the Brazilian savanna, conceived along the lines of the Disney model. It discusses the phenomenon of Disneyfication, emphasizing the theatralization of the business world, collective consumption, and non-places. Río Quente Resorts introduces the most sophisticated leisure and entertainment equipment into the region where the country's most important hot water springs are located, but it neglects environmental sustainability. Tus, this mega-structure could cause irreversible damage to the ecosystem.

Keywords: Disney model, Río Quente Resorts, Brazilian savanna, tourism.


Introdução

Este artigo discorre sobre a implantação de um grande projeto turístico, localizado num manancial de águas quentes, com várias nascentes que formam o ribeirão hidrotermal denominado Rio Quente Resorts. Considerado o maior do país, esse complexo de lazer marca o triunfo da tecnologia do entretenimento e a globalização do turismo temático na região de Cerrado, bioma predominante no estado de Goiás, localizado a 290 quilômetros da Capital Federal, Brasília, (figura 1).

Esse grande projeto turístico espelhou-se na maior empresa de parques temáticos do mundo, a Disney World Company. Foi o início da interiorização dessa modalidade de entretenimento, já instalada em diversos locais do mundo, com alto aporte tecnológico. Nesse sentido, destacamos o depoimento de Francisco Costa Neto, presidente do Rio Quente Resorts, em declaração ao Jornal O Estado de São Paulo (Oscar 2010): "Queremos ser a Disney brasileira". Mas o que é o Modelo Disney?

O Modelo Disney

Disney é conhecida pelos parques temáticos, histórias em quadrinhos e filmes. Mas, por trás de histórias ingênuas de contos de fadas e de um famoso rato de orelhas grandes, esconde-se um mega empreendimento na área de entretenimento sob as égides do capital monopolista.

O Modelo Disney surgiu a partir do primeiro parque temático, a Disneylândia, inaugurada na Califórnia, em 1955, e serviu de laboratório para a Walt Disney Company adquirir experiência nesse tipo de atividade. Atualmente o Modelo Disney consiste na incorporação de procedimentos adotados pela Disney World Company em seus parques temáticos, os quais podem ser inseridos na modalidade de grandes projetos turísticos, com a tematização e a incorporação de tecnologia avançada em equipamentos de lazer e entretenimento.

Apesar de a Disneylândia ter representado uma significativa extensão (tanto em termos criativos quanto financeiros) para o que era na época, uma empresa de puro entretenimento, ela comprovou seu sucesso no âmbito de execução como empresa. Bebendo diretamente da tradição, Walt Disney criou a Disneylândia para ser um desenho animado tridimensional no qual o público ficava imerso. Ele não aceitou delegar a terceirização da administração do local a outras empresas, quando seus executivos informaram que seu staf não tinha experiência na operação de um parque de diversões. Disney lhes disse: "Este não é um parque de diversões", mas sim um parque temático (Gilmore e Pine II 2008, 245). Nesse contexto, cabe uma referência a Koenig:

    Não chame a Disneylândia de um parque de diversão. Disneylândia é um parque temático e para os puristas há um mundo de diferença. Parque de diversão é uma coleção desorganizada de atrativos. Mas um parque temático, especialmente a Disneylândia, é um show, mais parecido a um filme ou a um jogo do que a um parque de diversão. Cada imagem é manipulada, cada área, ou "terra", é organizada numa sequência lógica de eventos ou cenas para atrair através de uma história a atenção das pessoas [...]. (1999, 17)

A Disneylândia usa a terminologia do show business. A multidão é o auditório, constituída não de consumidores, mas de convidados.

Uma das primeiras experiências na Disneylândia ocorreu com a aquisição de uma área para erguer o primeiro parque temático. O local onde foi construída a Disneylândia era in suficiente para uma futura ampliação e para a instalação de novos atrativos, portanto, diante das limitações de área, percebeu-se a necessidade de se construir um novo parque temático, maior em dimensão territorial e em opções de entretenimento.

Em 1954, quando Walt Disney comprou para a Disneylândia o terreno de 64,7 hectares em Anaheim, Califórnia, ele não pôde adquirir mais terra devido aos limitados recursos financeiros da dívida que tinha assumido, somado às estimativas do custo da construção do parque. Disney nunca deixou de se lamentar por não ter comprado mais terra, especialmente quando seu extraordinário bem-sucedido parque ficou rodeado por espalhafatosos mercados de fast-food e motéis. Ele declarou que não cometeria outra vez o mesmo erro (Capodagli e Jackson 2000, 33).

A partir das limitações da Disneylândia, surgiu o projeto do maior parque temático do mundo, instalado no Estado da Flórida: a Disney World. Desse momento em diante, o Modelo Disney voltou-se para a renda monopolista, exclusivista e sem concorrentes próximos. Segundo Harvey (2005, 222) a renda monopolista surge porque os atores sociais podem aumentar seu fluxo de renda por muito tempo, em virtude do controle exclusivo sobre algum item, direta ou indiretamente comercializável, que é, em alguns aspectos, crucial, único e irreplicável. Há duas situações em que a categoria renda monopolista alcança o primeiro plano. A primeira situação surge quando os atores sociais controlam algum recurso natural, mercadoria ou local de qualidade especial em relação a certo tipo de atividade, permitindo-lhes extrair renda monopolista daqueles que desejam usar tal recurso, mercadoria ou local.

Nos Estados Unidos, em particular na Flórida, começou o que pode ser denominado de Modelo Disney, com completa inserção na renda monopolista. Nesse Estado, o grupo Disney teve total liberdade e controle territorial, envolvendo o aspecto político e econômico. Tudo isso foi feito em nome do "desenvolvimento" que a Disney World traria para aquela região. A Disney World, portanto, constituiu-se num arrojado complexo de entretenimento, com uma ampla área correspondente a oitenta vezes o Estado do Vaticano em extensão territorial ou a duas vezes a Ilha de Manhattan.

Em meados de 1960, fazendeiros, rancheiros e outros proprietários rurais começaram a receber propostas para venda de suas terras, sem desconfar que estas viessem do Grupo Disney. As terras próximas à cidade de Orlando, na Flórida, de pouco valor na época, foram vendidas sem que os proprietários soubessem que o comprador era a Walt Disney Company. Em seguida, realizaram um remembramento.

A área adquirida, equivalente a milhares de quilômetros quadrados de pastos, forestas e principalmente de pântanos, deu lugar ao destino turístico mais popular do mundo. O governo da Flórida e os legisladores não se opuseram a esse processo de aquisição de terras, ainda que realizado por uma única empresa. Além disso, permitiram que a Disney criasse o distrito de Reedy Creek e Lake Buena Vista que estariam sob o controle do grupo Disney, sendo essas as "empresas que assumem o papel do Estado, território de fato e de direito" (Hiaasen 1998, 25-26). Assim o parque e o distrito de Lake Buena Vista ficaram sob controle da Disney. De acordo com Barney e Hesterly:

    A localização física de uma empresa também poder ser fonte de diferenciação de produto. Considere, por exemplo, as operações da Disney em Orlando, no Estado da Flórida. Começando com os parques Magic Kingdom e Epcot, a Disney construiu um destino turístico de classe mundial em Orlando. (2007, 134)

Ao longo dos anos foram acrescentadas inúmeras atrações às suas principais atividades de entretenimento, incluindo o MGM Studios, mais de 11 mil quartos de hotéis de propriedades da Disney, um centro de esportes no valor de mais de 100 milhões de dólares, uma pista de corrida de automóveis, um bairro de entretenimento noturno. Recentemente foi criado um parque temático de mais de 1 bilhão de dólares chamado The Animal Kingdom, também em Orlando. Agora as famílias podem viajar de diferentes lugares do mundo para Orlando, sabendo que, em um único local poderão desfrutar de uma variedade de aventuras da Disney. (Barney e Hesterly 2007, 134).

Essencialmente, o Modelo Disney significa consumo, da forma mais arrojada, envolvendo características de sedução e fetiche. Para Bryman (2007), que prefere o termo Disneyzação, consumir e, em particular, aumentar a propensão a consumir, é a força motriz da Disneyzação. Para isso, busca criar variedade e diferença, e substituir a monotonia cotidiana das experiências homogeneizadas de consumo por experiências frequentemente espetaculares.

O Modelo Disney possui a aparência e o espírito de um shopping center ou de um mall, onde se disponibilizam modernos equipamentos de entretenimento, construídos para o consumo coletivo com o que existe de mais avançado nas técnicas de persuasão. Em outras palavras é uma estrutura sistêmica de consumo, pois interliga meios de hospedagem com alimentação e diversão num mesmo lugar.

Assim, tudo gira em torno do mercado, o mercado de entretenimento que arrasta outras formas de consumo focadas no espetáculo. Pode-se afirmar que a estratégia do Modelo Disney está direcionada para o seguinte slogan: "Divertir e consumir ou comprar pensando que se está brincando". Como diz Borrie:

    A maioria das construções na Disney World se parecem e funcionam como um shopping center. Realmente, o layout e a estrutura da Disney é similar a um mall com seu estacionamento externo, quiosques, praças de alimentação e sua invisível infraestrutura, tais como a energia e outras utilidades. A experiência na Disney parece incompleta sem a compra de alimentos nos restaurantes, [...] e talvez pernoitando em um hotel da Disney [...]. Tudo é direcionado para um visitante tido como consumidor. (1999, 75)1

Essa semelhança com um shopping center é o que poderia ser definido como confinamento turístico, que consiste na existência de um espaço fechado, onde se consomem ser viços e produtos disponíveis apenas naquele local. Isso ocorre nos parques temáticos ou em resorts, como afirma Johnson, citado por Borrie (1999, 75)2, "Ele não é [...] local de mercado livre. Uma vez que todos os produtos e todos os serviços no parque são controlados, não resta outra opção de consumo a não ser o que a corporação oferece".

Confinamento, bolha ou mesmo gueto turístico lembram o Club Med, como ressalta Krippendorf,

    Os turistas em guetos formam reservas artificiais, construídas sob medida. Essa categoria compreende todos os novos complexos hoteleiros, as cidades, parques e loteamentos de férias que não nasceram do desenvolvimento de uma aldeia, e que estão situados bem no meio de um prado nos Alpes ou à beira sabe-se lá de que praia [...]. A versão mais perfeita do turismo em guetos é certamente a que o Club Méditerranée desenvolveu. (2000, 56)

O sistema de confinamento turístico propicia uma contínua observação das pessoas que se comportam como peregrinos. Walt Disney World é um parque de diversão cuja forma foi tomada emprestada, quase que inconscientemente, do arcaico centro de peregrinação. O argumento não é a crença de que o mundo de Walt Disney seja religioso ou necessariamente um ritual explícito. Ali o comportamento é organizado, uma encenação de rotina, diversão e ritual juntos compreendem um metaprocesso de comportamento expressivo enraizado em nosso passado mamífero (Moore 1980, 207)3.

Por trás dessa "diversão" existe um sofisticado sistema de controle dos visitantes dos parques temáticos ou de um resort voltado para o consumo coletivo. Tudo é pensado para elevar as compras no interior do parque, desde a disposição das lojas aos objetos nelas expostos. Dentro desse confinamento ocorre a diversão teatralizada, uma das características do Modelo Disney.

Na realidade, a economia está sendo transformada de uma fábrica gigante a um imenso teatro. Mesmo a imagem e as metáforas usadas para organizar o comércio estão mudando, refetindo a ascendência da produção cultural na economia global. Imagens associadas a máquinas, como eficiência, produtividade, utilidade, capacidade de entregar e de calcular estão sendo deixadas de lado, substituídas pelas imagens teatrais da produção cultural (Rifkin 2001, 132).

Nos anos recentes, o turismo tornou-se muito mais parecido com o entretenimento comercial apresentado em um teatro do que uma visita cultural. Embora, muitas vezes, promovidas como experiências de aprendizado, as viagens estão adotando uma natureza muito mais teatral. O objetivo é encantar e divertir, assim como educar e esclarecer, e se o ambiente local se prestar a experiências suficientemente evocativas e interessantes, então, muitas vezes esses parques são fabricados para assegurar uma experiência uniforme e previsível para todo cliente (Rifkin 2001, 120).

Assim, o estilo Disney apresenta o que existe de mais sofisticado na arte de diversão teatralizada e das experiências memoráveis, por meio de parques temáticos. Nesse sentido, é importante citar Gilmore e Pine II:

    É preciso deixar bem claro: não pretendemos afirmar que trabalho é teatro. Não é uma metáfora, mas um modelo. Não se aplicam os princípios do teatro no trabalho simplesmente para forçar novas comparações. (1999, 104)4

Outra característica do Modelo Disney é tematização de seus parques. Mas, o que é tematização? A tematização proporciona um verniz de significado e simbolismo aos objetos aos quais é aplicada. Sua intenção é dotá-los de um significado que transcende ou, no mínimo, se adiciona àquilo que são na realidade. Ao dotar objetos de significados por meio da tematização, a expectativa é que se tornem mais atraentes e interessantes do que seriam se não fosse por esse processo. (Bryman 2007, 33).

Pode-se dizer que a tematização de parques como o da Disney, atua em diversos níveis. Em primeiro lugar, cada parque é tematizado em si, no sentido de contar com uma unidade narrativa todo-abrangente. A Disneylândia foi revestida do tema geral "celebrar os Estados Unidos e suas conquistas". E também foi montada como um local mágico em que as pessoas podem deixar de lado as ásperas realidades do mundo que existe além de seus muros (Bryman 2007, 38).

Dentre os exemplos de tematização dos parques temáticos existe o Castelo Encantado presente em todos os parques da Disney, o qual poderia ser considerado um dos principais símbolos da tematização da Disney. Na realidade, Walt Disney inspirou-se em histórias já conhecidas, e numa viagem à Baviera, na Alemanha, onde visitou um castelo nos Alpes. Este serviu de inspiração para construir o Reino Mágico no primeiro parque temático, a Disneylândia na Califórnia, a qual foi modelo para os demais parques temáticos do Grupo Disney.

De acordo com Bryman (2007, 12), o segundo dos três sentidos da tematização dos parques temáticos Disney e provavelmente o mais significativo e copiado é a idéia de mergulhar o visitante em outro mundo. Uma das principais razões para a tematização era que Walt achava que isso diferenciaria sua idéia dos parques de diversão tradicionais e, por isso, se tornaria mais interessante para os adultos. Walt não apreciava os parques de diversão tradicionais porque achava que eram desleixados, espalhafatosos e de mau gosto[...]. O processo da tematização foi essencial à elaboração dessa estratégia de diferenciação de produtos, uma vez que quase todos os parques de diversão anteriores à Disneylândia eram colagens malajambradas de brinquedos que proporcionavam níveis variáveis de excitação.

Em meio ao falso, ao mundo do "faz-de-conta", o Modelo Disney dos parques temáticos se enquadraria também na idéia de "não lugares". Segundo Augé: "Se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico definirá um não lugar." (Augé 1994, 73).

Nesse contexto de aparatos tecnológicos para a indústria do entretenimento, afirma Lash e Urry,

    As técnicas contemporâneas são tais que qualquer lugar pode ser fabricado, simulacros de quase qualquer lugar podem ser produzidos e são produzidos de imediato e as pessoas se veem em volta de uma rede de signos, cada vez mais semelhantes que se fabricam e voltam a ser fabricados de acordo com a demanda do mercado. Estes processos parecem homogeneizantes, reduzem as diferenças entre os lugares pela proliferação de signos e imagens que em essência são os mesmos. (1998, 348)5.

A empreitada de ficcionalização que seus sucessos estimulam faz-se por isso mais ambiciosa: ela cria, em descampados, novos universos, parques de diversão. A Disneylândia é seu arquétipo: uma falsa rua de cidadezinha americana, um falso saloon, um falso Mississipi, personagens de Disney que correm por todos esses falsos lugares, um falso castelo e sua bela adormecida, compõem o cenário de uma ficção em terceiro grau (Augé 1998). "A main street da Disneylândia parece o primeiro ato da ficção quando é uma acertadíssima realidade comercial. O que é falsificado é a nossa vontade de comprar, que nós tomamos por verdadeira, e, neste sentido a Disneylândia é verdadeiramente a quinta-essência da ideologia consumista" (Eco 1993, 43).

Ainda no Modelo Disney dos grandes projetos turísticos, observa-se uma grande intervenção no meio ambiente natural. Em nome da oferta de muitos empregos e renda, o Estado é cooptado e a natureza violentada. A partir da Disney World, modernas práticas de gerenciamento passam a direcionar os rumos do empreendimento abusando de atitudes ainda de acumulação primitiva do capital. A Flórida é coberta por pântanos: região alagada durante todo o ano, onde habitam diversos animais, fruto de uma complexa cadeia alimentar.

Para a construção da Disney World, parte considerável do solo foi drenada afetando a fauna e a flora. Em um dos entretenimentos, o Reino Mágico próximo a um lago de águas turvas, despejou-se areia branca proveniente do Caribe e alterou-se a tonalidade das águas.

O Rio Quente Resorts e o Modelo Disney

Antes da criação do grande projeto turístico no cerrado goiano, o Rio Quente Resorts, havia no local um empreendimento turístico onde a natureza era a prioridade e o principal atrativo eram piscinas naturais formadas pelas águas termais do ribeirão de águas quentes: a Estância Termas Pousada do Rio Quente. As nascentes encontravam-se no próprio local, onde foi criada uma Área de Proteção Ambiental (APA). No passado, esse lugar também chamou-se Caldas Velhas e atraiu pessoas de diversas partes do país em busca de cura pelas "milagrosas" águas termais.

Uma grande mudança ocorreu em 1979, quando os grupos Algar e Gebepar, ambos de capital nacional e ávidos por novos investimentos de grande porte, adquiriram o controle da Termas Pousada do Rio Quente. Encontraram ali um ambiente propício para a implementação de um dos maiores empreendimentos turísticos do Brasil e o maior na região do Cerrado goiano, o qual gerou rápida transformação do espaço na região das águas quentes. Nesse contexto eles construíram o primeiro hotel de turismo.

O ribeirão de águas quentes, principal atrativo da Thermas Pousada, passou a ser apenas um fornecedor do insumo que irá movimentar o novo mega empreendimento. A natureza agora é apenas um detalhe, tudo estará focado na rápida acumulação do lucro voraz. O novo complexo espelha-se no Modelo Disney. Para isso, fala-se na contratação de uma consultoria empresarial norte-americana para elaborar o plano estratégico do Rio Quente Resort incluindo projeção futura com novos atrativos para manter a idéia de alta rotatividade de turistas. Como afirma Harvey, "não se comercializa a terra, o recurso natural ou o local de qualidade singular, mas a mercadoria ou serviço produzido por meio de seu uso" (2005, 222).

Outra característica que remete o Rio Quente Resorts à Disney World consistiu na criação de um município, o município de Rio Quente, como a Disney World criou dois distritos na Flórida, na região de Orlando. Ao contrário do resto do país, a demanda por emancipação não nasceu por parte da comunidade, tampouco de políticos locais, mas dos grupos controladores do Rio Quente Resorts que fizeram um trabalho de convencimento da população. Como assegura Crispi e Soeiro (2001), "quando o município de Rio Quente emancipou-se, em 1988, tinha apenas 210 eleitores. Portanto, as corporações ditam as fronteiras locais, como resultado, acabam mantendo o controle político e econômico do território em que estão instaladas".

O Rio Quente Resorts mudou a escala de exploração do turismo na região das águas quentes. Desse momento em diante, tudo passou a ser medido por um conceito global: tobo-águas super sofisticados, piscinas de ondas com o que existe de mais avançado no mundo do entretenimento e ainda um moderno campo de golfe. A natureza foi substituída pelo artificial, por um mundo do "faz-de-conta", falso e irreal: parques-aquáticos e praias idealizadas pela tecnologia a serviço do capital. Para isso deixaram de lado a intuição, até então dominante naquele empreendimento, e adotaram um planejamento estratégico, direcionado para o capital monopolista e sem concorrentes. Instrumento utilizado pelo mundo empresarial para ganhos de produtividade e maximização do crescimento, a racionalidade direcionou os rumos do negócio.

Nesse contexto de âmbito tecnológico e de capital simbólico baseado no Modelo Disney, o Rio Quente Resorts apresenta o único parque aquático de águas termais, o Hot Park (figura 2) construído no Brasil, com vários tobo-águas (Lazy River, Agua Half, Pipe Aquático), correntezas e outros entretenimentos. Ainda na sequência da tematização do Rio Quente Resorts, outro empreendimento de destaque foi construído recentemente: a Praia do Cerrado, inaugurada em 2008. Esta é uma grande piscina com ondas de águas termais e um relevo imitando rochas naturais. O projeto da Praia do Cerrado foi elaborado pela empresa Murphys's Waves da Escócia, referência mundial em piscinas com ondas (Caldas Novas 2010).

A Praia do Cerrado começou a funcionar em 2008 é a única no mundo com águas quentes naturais, com capacidade de renovar 6,5 milhões de litros de água a cada três horas. Nove tipos diferentes de ondas, baixas e altas, longas e curtas, são produzidas por equipamentos importados de última geração. Nas piscinas com ondas ou praias artificiais a água é clorada. A praia é de concreto e as ondas chegam em intervalos de tempo precisos (figura 3).

Portanto, recursos tecnológicos avançados e investimento de capital, propiciam um incremento na demanda turística da região da Serra de Caldas, especificamente no resort, onde se encontra a maior fonte de águas termais do Brasil. Em dimensão territorial, a Praia do Cerrado fica atrás apenas da Siam Park Tenerife, no arquipélago das Canárias, Espanha, do Typhon Lagoon, da Disney World, em Orlando, Estados Unidos, do Sun City na África do Sul e da Dino Beach, na China.

Os investimentos na Termas Pousada do Rio Quente continuarão até atingir o passo mais ousado da estratégia de exploração do turismo com equipamentos sofisticados no interior do país: a construção de um enorme campo de golfe e de um hotel de luxo, o Hotel Golf Village, para inauguração em 2011. Ainda está prevista a construção de uma cidade noturna, a Hot City, inspirada na Downtown da Disney, com a inauguração prevista para 2013. O local vai contar com lojas, casas de shows, bares e restaurantes, consolidando assim a globalização e a internacionalização daquele empreendimento que passou a ser denominado de Rio Quente Resorts.

Essas mega obras no Rio Quente Resorts elevaram as taxas de lucro do empreendimento, mas carecem de estudos de impacto ambiental. O mesmo ocorreu na Disney World, na Flórida, onde o ecossistema foi bastante abalado, com a drenagem de pântanos para construção de obras e colocação de areia proveniente do mar do Caribe. Das obras de grande porte realizadas no Rio Quente Resorts é importante citar a mais recente, a Praia do Cerrado, que demonstra a necessidade de atitudes de preservação ambiental. Segundo o próprio resort, foram removidos vários caminhões de terra, o que pode gerar um dano ecológico irreversível. Para aproximá-la a uma praia natural depositaram-se muitos carregamentos de areia fina e branca.

Deve-se atentar ainda para o fato de o Rio Quente Resorts estar localizado próximo a uma unidade de conservação, o Parque Estadual da Serra de Caldas, principal local de recarga do aquífero termal. Dada essa situação, os estudos necessitariam de relatórios de impacto ambiental e um contínuo acompanhamento do uso e manejo das águas do Ribeirão das Águas Quentes, o que na realidade não tem sido feito. Em visitas de campo não se constataram medidas para conter as intervenções ao meio ambiente natural, pois as águas quentes captadas pelo resort, após o uso, são despejadas no ribeirão sem nenhum tratamento.

Considerações Finais

A concepção de grande projeto turístico introduzida pelo Rio Quente Resorts, introduz na região do Cerrado brasileiro o modelo dos parques temáticos da Disney. Assim, ocorre uma disneyficação do espaço, passando de local a global. Nessa nova dinâmica, a natureza deixa sua condição original, autêntica, com o lazer em piscinas de águas correntes, para um mundo regido pelo artificial, dominado por sofisticados equipamentos de diversão: Hot Park, Praia do Cerrado e Hot City. Ainda considerados como Não Lugares, estes constituem um espaço de rápido fluxo de viajantes, povoado por clichês.

Essa "modernização" introduzida na região do Cerrado goiano, objetiva o lucro monopolista por meio do cálculo racional e de um planejamento estratégico a longo prazo, para a instalação de vários equipamentos de entretenimento e hotéis nos próximos anos. Tudo dirigido para o consumo coletivo e de alta rotatividade semelhante ao de um shopping center: o resort é um confinamento turístico.

Em meio a essa sofisticação tecnológica, ainda há evidentes riscos ambientais em face de o resort encontrar-se numa região de Unidade de Conservação: o Parque Estadual da Serra de Caldas. A grande quantidade de água termal retirada da fonte para movimentar essa mega estrutura, o parque aquático e a Praia do Cerrado, após o uso deveria necessariamente passar por um tratamento antes de ser despejada a jusante do Ribeirão das Águas Quentes. Porém, o poder público acaba sendo cooptado por esses empreendimentos na esperança de que o resort traga benesses públicas. Nessa máquina de gerar lucro, a natureza é apenas um detalhe e o poder público um parceiro seduzido.

Nesse contexto de inundação tecnológica baseado no Modelo Disney, surge a seguinte pergunta: até quando o Cerrado goiano na região da Serra de Caldas irá suportar um grande projeto turístico?


Pie de página

1Traducción del inglés propia de los autores [nota del editor].
2Ibíd.
3Ibíd.
4Ibíd.
5Ibíd.

Referências

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