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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

versión impresa ISSN 0121-215Xversión On-line ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. v.21 n.1 Bogotá ene./jun. 2012

 

"A gente é invisível": sobre espaço carcerário feminino e gênero*

"Somos invisibles": sobre espacio carcelario femenino y género

"We're Invisible": About Female Prison Space and Gender

Karina Eugenia Fioravante**
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil

*Parte da dissertação de mestrado intitulada: O espaço carcerário e a reestruturação das relações socioespaciais cotidianas de mulheres infratoras na cidade de Ponta Grossa, Paraná. Com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES – Brasil).
**É graduada em Bacharelado em Geografia e Mestre em Gestão do Território pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná. Atualmente é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atua principalmente em geografia humana, com ênfase nas discussões relacionadas à geografia e ao gênero.
Endereço postal: Rua Aleixo Garcia, 48, apto. 03, Oficinas, Ponta Grossa, Paraná, Brasil. CEP: 84035630.
Correio eletrônico: karina_frr@hotmail.com

Recebido: 30 de maio de 2011. Aceito: 1 de dezembro de 2011.
Artigo de pesquisa sobre as relações de gênero nos espaços carcerários femininos, particularmente no Minipresídio Hildebrando de Souza, em Ponta Grossa, Paraná, Brasil, a partir da geografia feminista.


Resumo

Este artigo tem por objetivo trazer algumas considerações acerca dos espaços carcerários femininos. Para tanto, utilizam-se as perspectivas trazidas pelas geografias feministas, especialmente sobre o conceito de gênero. O texto se divide em duas partes: primeiramente, discutem-se algumas reflexões teóricas que serviram como eixo norteador para a problematização da espacialidade carcerária feminina, apontando que esta se constitui de forma dinâmica e está permanentemente em construção. Posteriormente, este texto traz algumas considerações sobre o cotidiano prisional vivenciado pelas mulheres encarceradas na cidade de Ponta Grossa, Paraná, Brasil, evidenciando que essa espacialidade é permeada e transpassada por nítidas relações de poder.

Palavras-chave: espaço, espaço carcerário, gênero, Minipresídio Hildebrando de Souza, mulheres.


Resumen

Este artículo tiene por objetivo traer algunas consideraciones acerca de los espacios carcelarios femeninos. Para ello, se utilizan las perspectivas traídas por las geografías feministas, especialmente sobre el concepto de género. El texto se divide en dos partes: primeramente, se discuten algunas reflexiones teóricas que sirvieron como guía para la problematización de la espacialidad carcelaria femenina, señalando que esta se constituye de forma dinámica y está permanentemente en construcción. Posteriormente, este texto trae algunas consideraciones sobre el cotidiano carcelario vivenciado por las mujeres encarceladas en la ciudad de Ponta Grossa, Paraná, Brasil, evidenciando que esa espacialidad es permeada y traspasada por nítidas relaciones de poder.

Palabras clave: espacio, espacio carcelario, género, Minipresidio Hildebrando de Souza, mujeres.


Abstract

The article sets forth various considerations regarding female prison environments from the perspective of feminist geographies, particularly concerning to the concept of gender. The text is divided into two sections. First one includes some theoretical reflections which guided the discussion towards female prison spatiality, in order to highlight the fact that the latter is dynamically constituted and is constantly under construction. The second section discusses the everyday life of women imprisoned in the city of Ponta Grossa, Paraná, Brazil, in order to show how that spatiality is permeated and traversed by clear power relations.

Keywords: space, prison environment, gender, Minipresidio Hildebrando de Souza, women.


Palavras iniciais

O que pode haver de comum entre o cárcere e a Academia? O que poderia relacionar os espaços prisionais com as discussões de gênero? O que esses assuntos, aparentemente tão diferentes, podem conter de "geográfico"? Nosso grande desafio neste artigo é elucidar que essas temáticas, comumente discutidas por profissionais de diversas áreas do conhecimento, possuem um componente essencialmente geográfico: o espaço.

Durante longos anos, persistiu a ideia de que a ciência geográfica estaria limitada à realização de incansáveis inventários descritivos os quais, quando realizados de forma correta, representariam uma prática erudita. Quando observamos a história do desenvolvimento da geografia científica, percebemos que certas temáticas, e até mesmo determinados sujeitos, vêm sendo negligenciados bem como suas espacialidades ignoradas. Discursos periféricos e corporalidades diferenciadas têm sido esquecidos, limitando, dessa forma, o escopo de interesses da Geografia brasileira a temáticas que, se já não estão esgotadas, vêm se extenuando a cada "nova" publicação.

Concomitantemente a esse processo, observamos, cada vez mais, numerosas tentativas de corajosos pesquisadores que se esforçam para garantir uma oportunidade à geografia de renovação, de abertura. Geógrafas(os) engajadas(os) com as perspectivas póscoloniais e feministas estão na linha de ponta desse novo embate científico, lutando para garantir, na Academia, sua posição bem como a respeitabilidade de suas pesquisas. Nesse sentido, este artigo é uma tentativa de conquistar maior abertura a esse campo bem como de garantir, aos sujeitos eleitos como foco de interesse, uma oportunidade de visibilidade científica.

Sobre espaço carcerário e gênero

A ideia do cárcere sempre existiu em nossa sociedade, de uma forma ou de outra, como punição ou como meio para que ela aconteça. Foucault (2007) apresenta a evolução do sistema penal na sociedade em suas múltiplas facetas. Para o autor, a base desse sistema está fundamentada em mecanismos para se fazer punir, articulados pela sociedade, chamados pelo autor de dispositivos de vigilância, os quais são produtos de determinados contextos políticos, econômicos e culturais, modificando-se, da mesma forma, mediante a mudança da sociedade. Para o autor, a prisão, em sua forma atual, foi uma longa e lenta evolução das formas de punição elaboradas e repensadas ao longo da história da sociedade moderna.

Em sua genealogia sobre as formas de poder e punição, ele afirma que a prisão no sistema penal dos séculos XVII e XVIII não se apresentava enquanto uma pena do direito, ou seja, quando a lei punia um determinado indivíduo, sua punição seria a condenação à morte, a ser marcado, banido etc. A prisão não era uma punição. A extinção das formas de punição corpóreas, denominadas de suplício, foi a característica fundamental para a mudança em toda a maquinaria punitiva no século XVIII. O corpo, supliciado, marcado simbolicamente, era o alvo dos dispositivos de punição. O corpo como espetáculo, como garantia de exemplo social.

Carvalho Filho (2002) discute que a origem das prisões está intimamente relacionada não com a punição em si, mas com a garantia para que ela ocorra. Como discute o autor, os réus não eram condenados à perda de sua liberdade, mas sim eram privados dela para viabilizar a punição imposta, que ia de realização de trabalhos forçados até a pena de morte. Nesse sentido, não havia necessidade de se preocupar com as condições de vivência nas prisões, bastava que ossem inexpugnáveis. Observa-se que, ainda hoje, as condições dos espaços carcerários são precárias.

A partir do século XVIII, a natureza da prisão se modifica, assemelhando-se cada vez mais com o modelo instituído que conhecemos atualmente. Com as novas necessidades econômicas surge também a necessidade de se considerar a "humanidade" até dos piores assassinos. Esquecemos os corpos e passamos então para as almas. Essa é, como discute Foucault (2007), a principal característica da nova economia do poder. A privação da liberdade, direito garantido a todos, transforma-se na mais moderna e humana forma de punição. Com essa nova configuração dos dispositivos de punição, surge a chamada forma-prisão, com moldes que permanecem até hoje. Nas palavras do autor,

[...] a forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constitui fora do aparelho judiciário, quando se elaboram, por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. (Foucault 2007, 195)

Uma das finalidades desse novo sistema é a vigilância. Percebe-se, então, que é mais lucrativo vigiar do que punir. Ou seja, percebe-se que os delinquentes têm uma finalidade. Então, por que dilacerarmos seus corpos, tornando-os assim, inúteis para qualquer outro tipo de atividade? É isso que Foucault (1969) mostra. O reajustamento nas formas de punição, essa nova mecânica do poder que vê, nos corpos encarcerados, novas utilidades. A partir disso, o autor compreende que a prisão sempre esteve ligada a um processo baseado na transformação de indivíduos, no treinamento de seus corpos, na readequação de sua conduta, a qual deve ser compatível com as configurações socioespaciais vigentes.

Essa ideia apresentada por Foucault (1969) é muito semelhante à apresentada por Goffman (1988). O espaço carcerário faz parte do que o autor denomina de "instituições totais", ou seja, um local onde certo número de indivíduos é mantido afastado da sociedade por um determinado tempo, levando uma vida regrada e formalmente administrada. Para Goffman (1988), as instituições totais são discordantes a diversos aspectos da vida social, tais como a família, as redes de relacionamentos pessoais e também as características que formam e instituem identidades dos sujeitos.

O autor afirma que esses modelos fundamentais de instituições podem ser concebidos enquanto híbridos sociais ou, colocando de outra forma, como experimentos naturais do que se pode fazer com as identidades individuais. Essa questão foi, pois, fortemente explorada pelo autor, uma vez que sua ideia central é de que essas instituições, e no caso desta pesquisa, as prisões, são constituídas de forma a, se não destruir completamente, ao menos deteriorar as características identitárias dos "internados" no momento de sua chegada.

Observamos, entretanto, em trabalho de campo realizado com as mulheres encarceradas na cidade de Ponta Grossa (Paraná) que, apesar dessa vida regrada, administrada, vigiada, as mulheres encontram meios de subverter essa ordem estabelecida, mantendo em sua vivência cotidiana elementos da exterioridade. Percebemos esse fato em diversos momentos do dia a dia das mulheres, como no caso dos relacionamentos românticos, por exemplo.

É isso que defendemos em nossa reflexão. Os autores que usamos para nos fornecer um eixo norteador parecem ter se esquecido de um aspecto fundamental: a complexa espacialidade do cárcere não se constrói apenas a partir de elementos normativos. Muito pelo contrário, são, antes de tudo, construídas pelas pessoas que vivem ali, sujeitos esses que interferem, burlam e modificam toda a lógica de poder instituída pelos órgãos oficiais. São, principalmente, as vivências cotidianas das pessoas encarceradas que constituem esse espaço enquanto tal, e não apenas discursos oficiais.

Nosso objetivo não é trazer um discurso que possa evidenciar apenas características formais dos espaços carcerários, mas sim, defender que é de extrema importância levar em consideração as vozes das pessoas que estão intrinsecamente relacionadas a eles, ou seja, os próprios presidiários. Tentamos entender como esse espaço é vivenciado por eles, é imaginado por eles. Isso não é fácil, muito pelo contrário.

Devemos também levar em consideração que a vivência do cárcere, assim como qualquer outra experiência espacial, é perpassada por especificidades de gênero, classe, sexualidades, raça/etnia entre outras. Ou seja, a espacialidade carcerária é vivenciada de forma diferente por homens, mulheres e, mais ainda, por mulheres com determinada renda, com determinada raça, bem como com específicas performances de sexualidades.

Alguns historiadores identificam a origem das prisões modernas nas celas eclesiásticas, utilizadas pela Igreja Católica para punição de religiosos infratores e nas casas de correção criadas na Inglaterra e na Holanda a partir do século XVI. É interessante observar que já nessa época existiam distinções de gênero nas prisões europeias, as houses of correction para homens e as bridewells para mulheres (Carvalho Filho 2002).

Podemos observar a expressão das especificidades de gênero até mesmo no momento de criação das primeiras casas de detenção para mulheres. Na América Latina, as primeiras casas de correção não provinham de iniciativas estatais, mas sim, da ação filantrópica de grupos religiosos. Aguirre (2009) discute que as irmãs da congregação do Bom Pastor administravam casas de correção feminina em Santiago no Chile no ano de 1857, em Lima no ano de 1871 e em Buenos Aires no ano de 1880. Essa associação com órgãos religiosos possivelmente provinha da própria interpretação da criminalidade feminina. As mulheres, por seu caráter, influenciável e fraco, necessitavam de um "tratamento" mais ameno, mais comedido que o masculino. Não tão rígido, não tão militarizado, uma vez que, como sugere Caimari (1997), as mulheres eram vistas como criminosas ocasionais. Em outras palavras, em um momento de irracionalidade, cometiam crimes. Aguirre (2009, 52) afirma que "As prisões e casas de correção de mulheres se guiavam pelo modelo de casa-convento: as detentas eram tratadas como se fossem irmãs desgarradas que necessitavam não de um castigo severo, mas de um cuidado amoroso e bons exemplos". A oração e os afazeres domésticos eram considerados fundamentais no processo de recuperação das delinquentes. As detentas eram obrigadas a trabalhar em tarefas "próprias" do seu sexo (costurar, lavar, cozinhar) e, quando se considerava apropriado, levavam-nas para trabalhar como empregadas domésticas nas casas de família decentes, com a finalidade de completar sua "recuperação" sob a supervisão dos patrões. Já no ano de 1551, mencionavase a existência de uma prisão na cidade de Salvador, no estado da Bahia. Geralmente, as prisões se encontravam em prédios militares construídos para proteção do território nacional, os quais, com o tempo, perderam a função e foram realocados para espaços carcerários. No Rio de Janeiro, o Aljube, antigo cárcere criado para punição de religiosos, foi doado pela Igreja para servir como prisão comum após a vinda da família real para o Brasil, em 1808. Entretanto, é apenas em 1830 que a pena privativa de liberdade foi instituída no Brasil pelo Código Criminal do Império. A maior novidade do Código de 1830 foi o surgimento das penas de prisão com trabalho (Carvalho Filho 2002).

Uma das primeiras indicações de mulheres encarceradas no Brasil aparece no Relatório do Conselho Penitenciário do Distrito Federal no ano de 1870. Consta a prisão de 187 mulheres escravas entre os anos de 1869 e 1870 na Casa de Correção da Corte. A grande maioria das mulheres que estava presa na época cometia crimes contra os costumes, vadiagem, embriaguez e prostituição (Soares e Ilgenfritz 2002).

De acordo com Lima (1983), a formalização da prisão feminina do Brasil foi criada em 1940, resultado de uma reforma penal estabelecida pelo então governo federal brasileiro. Entretanto, apenas em 1941, surge em São Paulo, junto ao Complexo do Carandiru, o Presídio de Mulheres, o qual alguns anos depois tornou-se a chamada Penitenciária Feminina da Capital. A segunda instituição destinada exclusivamente a mulheres foi criada na cidade do Rio de Janeiro, no ano posterior, o Presídio Feminino Talavera Bruce.

Podemos observar, assim, a importância de levarmos em conta as relações de gênero envolvidas nesse fenômeno. Como afirmou Santos (2008), todas as relações sociais são espaciais e, portanto, impossíveis de serem compreendidas fora de suas espacialidades. A criminalidade feminina, entendida como um fenômeno social e espacial se apresenta da mesma forma.

Cada vez mais, as(os) geógrafas(os) feministas vêm se empenhando em demonstrar que essas relações socioespaciais também são permeadas por especificidades de gênero. É isso que levamos em conta em nossa reflexão.

Com as discussões feministas na Geografia surgem novas possibilidades metolodológicas e conceituais, bem como novas temáticas, até então invisíveis. Quando analisamos os espaços carcerários femininos utilizando o conceito de gênero como elemento metodológico, temos uma perspectiva crítica capaz de dar inteligibilidade à aceitação desse fenômeno por parte da população. A identidade feminina está sobrecarregada de estereótipos construídos culturalmente, os quais impedem a sociedade de esperar certas atitudes e determinados papéis preestabelecidos quanto ao "ser mulher" (Silva 2009). Da mulher se esperam a passividade, a gentileza e a docilidade, "qualidades" nem sempre acentuadas e facilmente perceptíveis nas mulheres envolvidas no ambiente criminal e mesmo nas reclusas em penitenciárias e cadeias.

O conceito de gênero aparece, assim, como importante ferramenta conceitual, metodológica e também política, proporcionando uma nova leitura da realidade socioespacial. Silva (2003) discute que a utilização do conceito de gênero como ferramenta explicativa confere uma análise mais complexa e profunda do espaço geográfico, pois traz elementos ignorados pela geografia tradicional brasileira.

Para este artigo utilizamos as ideias de Silva (2005) acerca da potencialidade do conceito de gênero para a ciência geográfica. A autora discute que o conceito de gênero traz consigo valiosos elementos de pluralidade e multidimensionalidades, englobando aspectos esquecidos pela ciência geográfica tradicionalista. Entendemos o conceito de gênero enquanto uma representação, diferenciado temporal e espacialmente. Como já dito anteriormente, o espaço é permeado por relações de gênero, sendo estas ressignificadas e reelaboradas nas relações socioespaciais cotidianas.

Trabalhar com campos científicos que não estão consolidados e que ainda geram polêmicas no mundo acadêmico nos traz alguns desafios. Além da sensação de angústia e medo em determinados momentos, a motivação é muito maior quando fazemos uma coisa ainda não feita. Olhar o mundo através de outras lentes, descobrindo e trazendo à tona suas particularidades e especificidades, é maravilhoso, especialmente para uma(um) pesquisadora(or).

As perspectivas feministas da geografia vêm se aprimorando cada vez mais para dar conta das novas necessidades teóricas e metodológicas, pois nossa sociedade é dinâmica, e o mesmo se espera da ciência. A questão da criminalidade feminina é uma delas. Historicamente ignorada e negligenciada acadêmica e socialmente, esse fenômeno vem tirando o sono de muitos corajosos pesquisadores que se engajaram com a área.

As perspectivas feministas são plurais, permeadas por disputas políticas, culturais e ideológicas (Veleda da Silva 2009). Isso quer dizer que não existe um feminismo, e sim vários, cada qual dialogando com os estudos criminológicos de maneiras específicas. O que não podemos negligenciar é que, na medida em que as perspectivas feministas são utilizadas como uma possibilidade metodológica, a própria metodologia criminológica em si cresce. Aí se encontra a importância de estudos que busquem compreender as práticas cotidianas bem como a espacialidade de mulheres encarceradas e criminosas.

Uma pergunta se faz crucial: como estudar o fenômeno? Existe -ou deveria existir- uma maneira particular para se analisar a criminalidade feminina e o cárcere feminino? Qual o problema metodológico em torno dessas questões? Nossa perspectiva é de que, a partir do momento em que ignoramos as especificidades de gênero, corremos o risco de cair em uma armadilha um tanto quanto tentadora. Negando-se a necessidade de um recorte de grupo específico, estamos ofuscando importantes aspectos culturais e ideológicos que podem ser decisivos na análise do cometimento de determinados crimes. Isso se aplica da mesma forma aos espaços carcerários. Como pensar em políticas públicas específicas para a população encarcerada ignorando as características singulares desses espaços, compreendendo-os, portanto, de forma homogênea? É impossível.

Observamos que a experiência do cárcere é vivenciada de forma completamente antagônica por homens e mulheres. Conseguimos perceber durante nossas idas ao Minipresídio que o tratamento dedicado às mulheres era diferenciado. Parece exagero afirmar que as mulheres são bem tratadas. Para não cairmos nessa contradição, vamos, então, afirmar que as mulheres não são tão mal tratadas como os homens. Mais uma vez, o campo nos confirmou o conceito. Os papéis de gênero estão tão absorvidos pela nossa sociedade, que mesmo em situações onde as mulheres subvertem -ao menos em parte- essa identidade forjada culturalmente, a ideia de fraqueza e fragilidade, mesmo amenizada, ainda permanece. Queremos deixar claro que nossa perspectiva não é de vitimizar as mulheres encarceradas, muito pelo contrário. Acreditamos que a vitimização só corrobora com a visão das mulheres enquanto "seres" fracos e oprimidos. Não conseguimos ver nenhuma possibilidade de libertação, se podemos assim dizer, para as mulheres a partir dessa perspectiva.

Concebemos o espaço carcerário como um espaço construído e, portanto, também desconstruído através de fluxos de relações. O conceito de espaço teve diversas abordagens ao longo da história da ciência geográfica, tendo sido desprezado e revalorizado de acordo com o contexto científico vigente. Compreendido enquanto matriz, simbólico, campo de lutas e condição social (Corrêa 1995), as abordagens sobre espaço sempre foram plurais, mostrando, assim, que a razão dessa pluralidade é a mesma da existência da ciência (Gomes 2010). Em nossa reflexão, vamos compreender o espaço através dessa noção de pluralidade, de multiplicidade.

Massey (1999) afirma que existem várias maneiras de imaginarmos o espaço. Ela defende três elementos essenciais através dos quais podemos reimaginar o espaço, trazendo também seu intrínseco caráter político, o qual vem sendo negligenciado em diversas abordagens. Esses três elementos apontados por Massey (1999) não objetivam trazer uma definição fechada, completa de espaço. Muito ao contrário, sua ideia é exatamente a oposta. Entender o espaço como sempre em construção, como mutável, como fluído é uma forma de compreendê-lo em sua dinâmica, sempre aberto. Nas palavras de Massey,

Primeiro, reconhecemos o espaço como o produto de inter-relações, como sendo constituído através de interações desde a imensidão do global até o intimamente pequeno (esta é uma proposição que não surpreenderá a todos os que têm lido a recente literatura anglófona). Segundo, compreendemos o espaço como a esfera da possibilidade da existência da multiplicidade, no sentido da pluralidade contemporânea, como a esfera na qual distintas trajetórias coexistem; como a esfera, portanto, da coexistência da heterogeneidade. Sem espaço, não há multiplicidade; sem multiplicidade, não há espaço. Se o espaço é, sem dúvida, o produto de inter-relações, então deve estar baseado na existência da pluralidade. Multiplicidade e espaço são coconstitutivos. Terceiro, reconhecemos o espaço como estando sempre em construção. Precisamente porque o espaço, nesta interpretação, é um produto de relações – entre relações que estão, necessariamente, embutidas em práticas materiais que devem ser efetivadas, ele está sempre no processo de fazer-se. Jamais está acabado, nunca fechado. (Massey 2008, 29)

Concebemos, assim, em nossa reflexão, o espaço carcerário enquanto um produto de inter-relações, como a esfera que possibilita a coexistência da multiplicidade, sempre em construção. O espaço enquanto elemento fundamental na constituição das identidades, sendo da mesma forma, transpassado por elas. Como já afirmamos anteriormente, as espacialidades não são vivenciadas da mesma forma por todos os sujeitos. O espaço carcerário se configura exatamente dessa maneira. Observamos essa espacialidade como proveniente da junção de diversas corporalidades, cada uma delas apresentando características específicas, maneiras específicas de ver o mundo.

É a partir dessa pluralidade e envolvimento com a materialidade que concebemos o espaço carcerário. Acreditamos também que alguns tipos de espaço exigem a criação de um "nós". Não de um homogêneo, mas de um "nós" que garanta legitimidade do grupo. Não queremos afirmar que as mulheres encarceradas na cidade de Ponta Grossa se constituem um grupo homogêneo, mas sim, que a experiência do encarceramento é um elemento em comum na constituição e no constante remodelamento de suas identidades.

O espaço carcerário é dinâmico. É permanentemente reconfigurado a partir de saídas, de novas chegadas e, obviamente, de um reajuste nas relações de poder vigentes. Não deve e nem pode ser interpretado a partir de uma única história ou voz que possa representá-lo de forma única. Como discute Massey, o "espaço, então, não pode ser, jamais, aquela simultaneidade completa na qual todas as interconexões já tenham sido estabelecidas, na qual cada lugar já está (e nesse momento imutavelmente) ligado a todos os outros" (2008, 161).

Sempre sendo feito, sempre sendo construído e reconstruído através da chegada e saída de novas corporalidades. O que gostaríamos de aprofundar é a influência dessa dinâmica na própria constituição da espacialidade. As práticas cotidianas de sujeitos sofrem interferência da espacialidade na qual estão inseridas da mesma forma como a interferem. No exato momento em que uma nova mulher entra no espaço carcerário, este, sendo previamente moldado de acordo com as interconexões e relações de poder já existentes, reconfigura-se completamente. Novos ritos, novas interconexões, novas coexistências entram em ação. Isso é infinito.

Entendemos, então, o espaço carcerário dessa forma. Sempre mutável, sempre se construindo, reconfigurando-se, com múltiplos sujeitos, coexistindo em harmonia ou não. Um sistema aberto. Optamos por essa definição de espaço/espacialidade não por ela ser a única verdadeira, mas por recusar as formulações hegemônicas previamente estabelecidas, principalmente na ciência geográfica, abrindo-se, assim, para a possibilidade do novo, de novas perguntas, enfim, de novas maneiras de fazermos ciência.

Algumas considerações sobre o cotidiano carcerário das mulheres no Minipresídio Hildebrando de souza

A partir das proposições de Santos (1985), podemos analisar o espaço carcerário a partir das categorias forma, função, processo e estrutura. As prisões são um elemento fundamental da política penal brasileira, servindo para privar de liberdade mulheres em situação de extrema vulnerabilidade social, como podemos concluir a partir do perfil discutido. Em teoria, deveria ser um espaço de correção de conduta social bem como de criação de condições para ressocialização dos internados. Contudo, na prática, o espaço carcerário tem a função de reforçar o estigma e as práticas de humilhação bem como cercear as condições materiais de construção da igualdade de direitos. Sua forma corresponde às funções de uma sociedade desigual, e o espaço carcerário contribui para a reprodução das desigualdades, reforçando uma cultura perversa de exclusão de grupos sociais empobrecidos.

Embora a forma e a função do espaço carcerário estejam coerentes com a estrutura social em que vivemos, ou seja, reprodutora de desigualdades, ao observar a escala de vivência cotidiana dessas mulheres, podemos evidenciar algumas lutas singulares que mostram que elas vão além da reprodução, mas produzem dissonâncias, irregularidades inesperadas, como aponta Massey (2008).

A reflexão que se desenvolve a seguir está embasada em um trabalho de campo realizado no Minipresídio Hildebrando de Souza na cidade de Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Para realização do trabalho empírico, foram feitas entrevistas com 17 mulheres encarceradas no Minipresídio com o objetivo de compreender os desafios de sua vivência cotidiana no espaço carcerário dessa instituição. Por meio da análise de suas falas a partir de categorias discursivas, fomos capazes de observar pontos de convergência em seus discursos. É a partir desse material coletado durante os meses de outubro de 2009 a fevereiro de 2010, para a realização de uma pesquisa de mestrado, que tecemos nossa discussão.

O Minipresídio Hildebrando de Souza tem capacidade para 272 pessoas; entretanto, atualmente conta com cerca de 480 presos. O número de mulheres está em torno de 60 a 70 desse total, dificilmente passando dessa média. Foi apelidado pela população pontagrossense de "Cadeião" e está localizado no bairro de Santa Tereza.

No Minipresídio Hildebrando de Souza, as presas estão encarceradas em uma galeria a qual contém cinco celas, chamadas pelas mulheres de "X". Em cada cela moram entre 12 a 15 mulheres, dificilmente passando dessa média. A capacidade formal é de seis presas por cela. Utilizamos a palavra "moram" de forma proposital, pois cada "X" funciona nos moldes de uma residência como qualquer outra, habitada por uma família, por certo, em moldes especiais. Optamos por essa nomenclatura, pois é a utilizada pelas presas. Não foi raro as mulheres evocarem a palavra "família" para descreverem seus relacionamentos cotidianos com as outras encarceradas. A espacialidade do cárcere, como qualquer outra, é permeada por relações de poder, compreendida nesta pesquisa a partir dos moldes de Foucault (1988), ou seja, como a multiplicidade de correlações de força, criada através de jogos e lutas.

O cárcere possui regras específicas a serem cumpridas. Estas não estão escritas formalmente, mas são exercidas e reconhecidas por quem entra na dinâmica de relações que constituem o espaço carcerário. Nesse sentido, há uma série de formas de exercício de poder que se sobrepõe umas as outras em feixes de relações cruzados. São as regras formais do cárcere, dos agentes penitenciários, do direito penal e assim por diante, que se somam às regras da vida cotidiana do cárcere. Nessa perspectiva, não há níveis hierárquicos, mas mesclas de relações de diferentes características que se cruzam e interpõem. Ainda segundo as ideias de Foucault (1988), não devemos procurar a existência de um ponto central, um foco único de soberania de onde se emana o poder. Muito pelo contrário. O poder está em toda parte, provém de todos os lugares, sendo o suporte das correlações de força, as quais devido a sua desigualdade induzem continuamente a novas configurações de poder, sempre localizados e instáveis.

Cada "X" apresenta uma dinâmica própria a qual está intimamente ligada com a mulher que está em sua "chefia", ou seja, na posição central das relações de poder. Geralmente, a mulher que está há mais tempo presa é a chefe do "X" onde vive. Contudo, há outra situação em que a conquista da chefia também pode ocorrer. Por exemplo, uma mulher que já possui uma rede de poder externa e é detida leva consigo certo "capital" que a permite conquistar rapidamente o poder do "X", ultrapassando o critério temporal. Se isso ocorrer, no momento de sua chegada, ela assume o "X" e toda a dinâmica interna é alterada segundo seus modos.

Mas o que caracteriza essa chefia? Diversos elementos, desde a escolha de certas companheiras para determinadas tarefas até mesmo o poder de acolher ou expulsar alguma presa da cela. A vida cotidiana dentro da cela é regrada, com direito à punição, seja ela verbal ou física, para quem burle regras. Estas, por sua vez, são estabelecidas para cada pequeno aspecto do cotidiano. Um aspecto muito curioso é o relacionado ao acesso às camas. Cada cela possui apenas seis camas, chamadas pelas mulheres de "jegas". São dois beliches construídos com cimento divididos em três camas cada um. O acesso às jegas ocorre por explícitas relações de poder, no sentido de que apenas as presas mais antigas possuem uma. O restante das presas dorme em colchões esticados no chão da cela. Essa prática é parodiada pelas mulheres a partir da expressão "dormir na praia". Existem até castigos, relatados pelas presas, relacionados à vida noturna do "X". Se alguma presa ofender de qualquer forma a chefe do "X", ela é transferida para passar algumas noites de sono na "tumba", um buraco com aproximadamente 50 centímetros de altura, localizado embaixo da última jega.

A dinâmica cotidiana do cárcere é embebida em relações de poder. Entretanto, não estão na exterioridade quanto a outros tipos de relação, ou seja, existem múltiplas especificidades que permeiam essa dinâmica. Como afirma Foucault, "as relações de poder não estão em posição de superestrutura, com um simples papel de proibição ou de recondução; possuem, lá onde atuam um papel diretamente produtor" (1988, 104).

Podemos observar que o cárcere feminino possui características muito peculiares, por exemplo, a decoração -claro que dentro de suas condições- dos beliches foi relatada pelas mulheres como uma maneira de tentar deixar o espaço o mais agradável e menos deprimente possível. A grande maioria possui fotos da família e folhas com orações coladas nas paredes das jegas. Segundo elas, isso é uma forma de lembrarem que precisam ser fortes, principalmente pelos filhos.

Assim, o poder se expressa até mesmo na hierarquia do uso que se faz do espaço físico. A cela, considerada espaço coletivo, possibilita apenas às mais poderosas o direito de possuir um espaço próprio que expresse sua individualidade, como as recordações da família e as expressões de religiosidade. As que se encontram em posição de menor poder são desprovidas do direito à exposição desses elementos e suas marcas são, portanto, despercebidas.

Existem outras características que são muito peculiares do espaço carcerário feminino. A importância que é dada à higiene nas celas apareceu durante as conversas com as presas como um assunto de muita relevância. Essa questão será mais bem discutida na subseção a seguir. Como já afirmamos anteriormente, a chefe de cada "X" determina qual companheira vai realizar determinada tarefa ao longo da semana. São tarefas como limpar, cozinhar, arrumar.

É importante destacar que cada moradora do "X" precisa realizar algum tipo de tarefa, ao menos que possa pagar para alguém fazer isso. O pagamento que nos referimos é feito através de cigarros, chamados pelas detentas de "giz". Cada giz representa no cárcere cerca de R$1,00. Essa é a moeda utilizada pelos presos em geral. Existem também outras trocas que envolvem esse tipo de dinâmica, como produtos de higiene e "luxos" alimentares, como chocolates, refrigerantes e frutas, mas são muito menos comuns do que as transações envolvendo cigarros.

Além dos beliches com as jegas, nos "X" existe um chuveiro e uma privada no chão, chamada pelas mulheres de "boi". Essa espécie de banheiro, se assim poderíamos dizer, não fica separado do resto da cela por nenhuma espécie de divisória, estando bem ao lado da cozinha improvisada pelas mulheres. Em alguns "X", as mulheres penduram lençóis ou toalhas para construir uma parede que divida essas duas áreas da cela.

No Minipresídio Hildebrando de Souza, as mulheres não ficam presas em suas celas às 24 horas do dia. Cerca das oito horas da manhã, os policiais e carcereiros responsáveis pelas galerias abrem as grades de cada "X", permitindo aos presos circularem entre as celas. As grades são fechadas novamente às cinco horas da tarde, devendo os presos permanecer trancados até a manhã seguinte. Nesse período do dia em que as presas circulam pela galeria feminina, elas desenvolvem algumas atividades para, utilizando a expressão das detentas, "matar o tempo".

A prática mais corrente é a correspondência com os homens encarcerados na galeria ao lado. Essa comunicação é feita através de pequenos bilhetes, chamados pelos presos de "pipo", que são entregues para dar recados aos familiares também encarcerados, amigos e, principalmente, para construírem relacionamentos amorosos, ou seja, namoros. Essa dinâmica é central no cotidiano dos presos e encarada de forma extremamente séria. A decisão de aceitar a proposta de namoro, ou mesmo de terminá-lo, é inteiramente da presa. Elas têm total liberdade de "trocar" de namorado no momento em que desejarem, sem sofrer nenhum tipo de retaliação da galeria masculina.

Entretanto, uma mulher não pode "roubar" o namorado de outra e, se o fizer, está passível de sofrer vários tipos de retaliações. Até mesmo no momento em que são retiradas da galeria devido a algum motivo como idas ao "PS", ou seja, Pronto Socorro, as mulheres solteiras devem se controlar para não olhar diretamente para a galeria masculina. O motivo desse condicionamento se dá devido ao fato de que uma companheira de cárcere casada pode não gostar que a outra presa olhe para seu marido.

Concluímos que essa prática de envio de pipos ser-ve da mesma forma como um mecanismo de contra-poder instituído pelos presos. A divisão espacial do cárcere prega a total separação entre os corpos e os cotidianos de homens e mulheres; entretanto, essa regulamentação é burlada através dos pipos, cuja ação é, até mesmo, facilitada pelos carcereiros e policiais. Entre outras práticas de comunicação, percebemos o uso da "campana", um espelho que os presos seguram para fora da grade principal da galeria para poderem ver a galeria oposta.

Acreditamos já ser possível extrair uma simples conclusão. As celas não possuem nenhum tipo de conforto doméstico. Ouvimos inúmeras vezes as mulheres reclamarem por não ter acesso a simples objetos, como, por exemplo, locais onde sentarem como sofás, cadeiras ou mesmo pufes. Quando não estão sentadas nas jegas, são obrigadas a se sentarem no chão, ignorando todo o desconforto físico que isso pode trazer.

A forma espacial física dos cárceres é parte do poder que a estrutura penal exerce sobre as pessoas encarceradas. A privação da liberdade, associada à falta de privacidade, às condições precárias de higiene e do mínimo conforto, como acesso a uma cama, deterioram a autoestima e impõe humilhação constante. As prisões, ou parafraseando Goffman (1988), "instituições totais", têm como um de seus principais objetivos a retirada completa dos traços de individualidade, de singularidade, buscando tornar os corpos idênticos. Entretanto, concluímos que as mulheres conseguem subverter essa ordem, criando uma lógica de relações de poder que permitem a expressão de suas identidades pessoais, um direito que, contudo, não alcança todas.

Palavras finais

Pouco é discutido na Academia sobre a existência de determinados sujeitos. Como lembra Silva (2009), é somente quando adotamos uma postura crítica acerca da construção do saber científico que conseguimos compreender a invisibilidade de determinados grupos frente à ciência. Essas ausências são provenientes da hegemonia de certos grupos conquistada através de embates no meio científico. Defendemos que é nosso dever, como geógrafas(os) adotar uma postura aberta que seja capaz de dar voz a sujeitos esquecidos, repensando assim, nossa forma de "fazer" geografia. Somente através dessa tentativa de trazer à luz grupos que estão ausentes no saber científico hegemônico, que, possivelmente, poderemos construir uma geografia mais humana.

As perspectivas feministas ainda têm um árduo caminho a percorrer na tentativa de alcançarem maior reconhecimento, tanto teórica quanto metodologicamente. Mas, parafraseando Oberhausen et ál. (2003), se as(os) geógrafas(os) feministas continuarem buscando realizar diferenças reais na vida de mulheres -para nós, categoria compreendida a partir de toda sua pluralidade- dentro e fora da Academia, o futuro da geografia feminista vai ser brilhante.

O número de mulheres envolvidas com a criminalidade vem aumentando gradualmente, entretanto, pouco é discutido na Academia sobre o papel da mulher, sendo o grupo das mulheres criminosas ainda mais negligenciado acadêmica e socialmente. Com as discussões trazidas pelas perspectivas feministas na geografia surgem novas possibilidades teóricas e metodológicas bem como novas temáticas até então invisíveis.

A experiência da prisão muda completamente o olhar que essas mulheres depositam sobre todos os aspectos de suas vidas, seja nos seus relacionamentos com a família ou com a sociedade. As causas que levam as mulheres à criminalidade e à prisão são diversas assim como as expectativas que aguardam para seu futuro. Elas não constituem um grupo com uma realidade unificada, mas sim, histórias com singularidades próprias, ainda e sempre, em construção.


Referências

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