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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

Print version ISSN 0121-215XOn-line version ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. vol.22 no.1 Bogotá Jan./June 2013

 

O discurso da sustentabilidade como elo às novas estratégias de desenvolvimento regional: o caso dos Eixos Nacionais de integração e Desenvolvimento nos governos Fernando Henrique Cardoso I e II no estado de Mato Grosso do sul*

El discurso de la sostenibilidad como enlace a nuevas estrategias de desarrollo regional: el caso de los ejes nacionales de integración y desarrollo en los gobiernos Fernando Henrique Cardoso I y II en el estado de Mato Grosso do Sul

The Discourse of Sustainability as a Link to New Regional Development Strategies: The Case of National Integration and Development Paths during the Administrations of Fernando Henrique Cardoso I - II in the State of Mato Grosso do Sul

Roberson da Rocha Buscoli**
Universidade Estadual Paulista (UNESP), Brasil

Adáuto de Oliveira Souza***
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Brasil


*Este artigo é parte integrante da Dissertação de Mestrado: "O processo de crescimento econômico e (re)produção do espaço sul-mato-grossense: A atuação do Estado no ajuste espaço-temporal". Defendida em setembro de 2010, na Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD/Faculdade de Ciências Humanas/Programa de Pós-Graduação - Mestrado em Geografia. Sob a orientação do Professor Dr. Adáuto de Oliveira Souza. Com apoio financeiro da FUNDECT-MS.
**Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (2006) e mestrado em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (2010). Atualmente é professor assistente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Tem experiência na área de Economia e Geografia, atuando principalmente nos seguintes temas: crescimento, planejamento, desenvolvimento, (re)produção do espaço e concentração
Endereço postal: Av. Dos Barrageiros, 1881 CEP: 19274-000. Distrito de Primavera - Rosana - SP Coordenadoria de Curso de Turismo.
Correio eletrônico: buscioli@uol.com.br
***Graduação em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1986), graduação em Estudos Sociais pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1983), mestrado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Presidente Prudente (1995) e doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (2003). Atualmente é professor adjunto da Universidade Federal da Grande Dourados - UFGD. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Industrial, atuando principalmente nos seguintes temas: processos de industrialização, desenvolvimento e planejamento regional, planos plurianuais de investimentos, logística de transportes.
Endereço postal: Rodovia Dourados - Itaum, Km 12. Postal - 533 CEP: 79.804-970 Dourados - MS Faculdade de Ciências Humanas.
Correio eletrônico: adautosouza@ufgd.edu.br

Receibido: 5 de setembro del 2011. Aceito: 10 de julho del 2012.
Artigo de pesquisa que discute o papel do Estado na definição da nova política de desenvolvimento Regional articulada nos conceitos de sustentabilidade pós Neoliberalização.


Resumo

Este artigo é fruto das discussões desenvolvidas no terceiro capítulo da Dissertação de Mestrado em Geografia e tem como objetivo compreender como uma nova categoria de desenvolvimento, agora "sustentável", articulou-se com as novas ações do Estado, na busca do ajuste espaço-temporal no contexto neoliberal pós-1990. De modo geral, buscamos compreender a construção desse conceito nos organismos internacionais; o processo de neoliberalização no Brasil, a redefinição do papel do Estado, assim como as estratégias de desenvolvimento regional estabelecias para o estado sulmato-grossense.

Palavras-chave: desenvolvimento regional, desenvolvimento sustentável, governo de Fernando Henrique Cardoso, Mato Grosso do Sul, neoliberalismo.


Resumen

Este artículo es el resultado de las discusiones llevadas a cabo en el tercer capítulo de la tesis de Maestría en Geografía y su objetivo es comprender cómo una nueva categoría de desarrollo, ahora "sostenible", se articuló con las nuevas acciones del Estado, en la búsqueda del ajuste espacio-temporal en el contexto neoliberal a partir del año de 1990. En general, tratamos de comprender la construcción de este concepto en las organizaciones internacionales; el proceso de neoliberalización en Brasil, la redefinición del papel del Estado, así como las estrategias de desarrollo regional establecidas para el estado de Mato Grosso do Sul.

Palabras clave: desarrollo regional, desarrollo sostenible, gobierno de Fernando Henrique Cardoso, Mato Grosso do Sul, neoliberalismo.


Abstract

This paper is the result of the discussions developed in the third chapter of the Master's Degree thesis on Geography and its objective is to understand how the new category of "sustainable" development was incorporated into the new actions carried out by the State in its efort to achieve space/time adjustment in the post-1990 neoliberal context. In general, the article seeks to understand the construction of this concept in international organizations, the process of neoliberalization in Brazil, the redefinition of the State's role, and the regional development strategies for established for the state of Mato Grosso do Sul.

Keywords: regional development, sustainable development, government of Fernando Henrique Cardoso, neoliberalism.


Introdução

A crise estrutural que o sistema do capital tem enfrentado desde os anos de 1970 é insuperável, uma vez que seja mantida a sua determinação (expansão movida pela acumulação, por meio da extração e acumulação de trabalho excedente). Significa dizer que os limites absolutos do capital foram ativados, diante da já reduzida margem de deslocamento de suas contradições seja no espaço ou no tempo, enfim, uma reduzida margem espaço/ temporal.

Trata-se, logo, de um limite absoluto nos parâmetros do sistema do capital. Neste sentido, concordamos com Mészáros quando argumenta que: "Todo sistema de reprodução sociometabólica tem seus limites intrínsecos ou absolutos, que não podem ser transcendidos sem que o modo de controle prevalecente mude para um modo qualitativamente diferente [...]". Portanto, tais limites são transcendíveis1, mas: "[...] exigiria adoção de estratégias que mais cedo ou mais tarde, enfraqueceriam inteiramente a viabilidade do sistema do capital em si [...]" (2002, 175-216).

Observamos que não estamos nos referindo aqui aos limites absolutos do sistema, naquele sentido de um possível esgotamento ambiental, devido ao abuso do uso (in)consequente dos recursos produtivos "não renováveis", mas, como aponta Mészáros:

    A crise estrutural do capital que começamos a experimentar nos anos 70 se relaciona, na realidade, a algo mais modesto que as tais condições absolutas. Significa simplesmente que a tripla dimensão interna da autoexpansão do capital (produção/circulação/consumo) exibe perturbações cada vez maiores. Ela não apenas tende a romper o processo normal de crescimento, mas também pressagia uma falha na sua função vital de deslocar as contradições acumuladas do sistema. (2002, 799)

Ao longo da história de desenvolvimento do sistema do capital, a separação da produção e controle da produção, proporcionou um aumento da produtividade do trabalho. De modo que mesmo subordinando, a produção pautada no valor de uso, pela produção pautada no valor de troca, atendeu em parte as demandas por consumo. Pois se de um lado o sistema é excludente, de outro, ele deveria incluir parcelas significativas no consumo para completar o circuito de (re)produção do capital (produção, circulação e consumo).2

Neste processo, para o capitalista individual, o aumento da produtividade em nada se vincula com as reais necessidades humanas. Enquanto, do lado do trabalho, devido à perda do controle da produção, esses objetivos também não podem ser contemplados.

Sob o princípio de uma produção para o valor de uso, com maior produtividade e menos tempo de trabalho social seria necessário para a produção dos bens de consumo imediato (alimentação e alguns serviços), resultando que mais tempo poderia ser disponibilizado à produção de bens duráveis, e de ampliação do bem-estar social.

Contudo, sob o domínio do capital, e predominando a produção enquanto valor de troca, esta deve adentrar a circulação para completar seu processo, e neste caso a circulação não pode ultrapassar o tempo economicamente viável; o sistema busca compensar a maior produtividade reduzindo a taxa de utilização dos bens produzidos.

E, desse modo, o sistema rompe com o necessário cumprimento dos objetivos implícitos –atender as necessidades humanas– e cada vez mais proporciona, de um lado, o surgimento de uma "sociedade dos descartáveis", que, no seu extremo, busca pela produção de bens com taxa de utilização igual a zero, leia-se, excessivos gastos militares, que na sua maioria não necessitam adentrar a circulação e por fim encontrar um valor de uso,3 mas apenas um valor de troca, o conceito de útil e de utilidade pode ser pensado em termos de vendabilidade (Mészáros 2002).

E, do outro lado, sujeitando a mais desumana miséria um número de pessoas que segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (para não irmos muito além) chegam a mais de um bilhão de pessoas no mundo vivendo com menos de um dólar por dia (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Brasil).

Expostas estas questões, compartilhamos com Mészáros, quando aponta que:

    O aspecto mais problemático do sistema do capital, apesar de sua força incomensurável como forma de controle sociometabólico, é a total incapacidade de tratar as causas como causas, não importando a gravidade de suas implicações a longo prazo. Esta não é uma dimensão passageira (historicamente superável), mas uma irremediável dimensão estrutural do sistema do capital voltado para a expansão que, em suas necessárias ações remediadoras, deve procurar soluções para todos os problemas e contradições gerados em sua estrutura por meio de ajustes feitos estritamente nos efeitos e nas consequências. [Grifos nossos] (2002, 175)

Pois de que outra forma seria possível compreender o discurso do "desenvolvimento sustentável"? De um lado, ele aponta para um problema real, a degradação do meio ambiente e as reais possibilidades de destruição do planeta uma vez considerada as técnicas suficientemente já disponíveis,4 assim como, aponta para a questão do crescimento industrial.

Contudo, não se discute a produção sob o pretexto de criar valores de troca com todas as suas implicações, particularmente, a questão da queda da taxa de utilização dos bens, para acelerar a circulação e realização do capital, de modo, que é sintomático do sistema do capital quando busca acima de tudo sua expansão ampliada, a possibilidade de uma crise ambiental. Diante disso, como nos aponta Rebelo Junior (2002), a questão da sustentabilidade é proposta nos termos de uma economia que, de um lado, tem produtores e, do outro, consumidores de mercadoria, tendo como base o referencial teórico neoclássico. As causas são mantidas, e se propõem sobre um novo discurso a possibilidade de sustentação do status quo.

Neste trabalho, portanto, não nos deteremos em questões relativas a real possibilidade de uma crise ambiental, uma vez que o que nos propusemos a compreender é como uma nova categoria de desenvolvimento, agora "sustentável", articulou-se as novas ações do Estado5, na busca do ajuste espaço-temporal6 no contexto neoliberal pós-1990, é importante ressaltar o que se propusera neste período que foi o "Estado Mínimo", diante das críticas feitas ao "Estado desenvolvimentista", com enfoque nas ações que incidiram sobre o espaço sul-mato-grossense.

Além dessa introdução, este trabalho contará ainda com outras três seções, na primeira, tratamos de compreender a construção do discurso neoliberal no Brasil; na segunda seção, discutimos a construção do discurso de sustentabilidade nos padrões neoliberais e, finalmente, na terceira seção discutiremos a estratégia dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento no I e II Governo de Fernando Henrique Cardoso –doravante FHC– respectivamente I Governo FHC (1995- 1998) e II Governo FHC (1999-2002) particularmente, focando o caso dos Eixos que incidiram sobre o Estado de Mato Grosso do Sul; contando ainda com as considerações finais.

Prólogos da neoliberalização e as "novas as fronteiras do planejamento"

Qualquer tentativa de apresentar cronologicamente e de forma linear o processo de mudanças institucionais que incidiram sobre o Estado na sua relação com a economia e a sociedade no século XX, não se qualifica como tarefa fácil. Seja por conta da descontinuidade dos movimentos desse processo, assim como pelas diferentes formas de intervenção estatal na consolidação do capitalismo – nesse caso, a questão do capitalismo periférico pressupõe a necessidade de uma leitura diferenciada para a compreensão do Estado de "Bem Estar" na periferia, identificado no caso brasileiro, com Estado "Desenvolvimentista". Mas, principalmente, essa dificuldade apresenta-se devido à maquiagem dessa relação pelos discursos ideológicos.

No Brasil, o processo de neoliberalização, que buscaria o rompimento com o modelo adotado no país desde aproximadamente 1930, dependeria de uma reconstrução ideológica, do mesmo modo do que já vinha ocorrendo desde os anos de 1970, na Europa, que passava pelas reformas neoliberais, e, como argumenta Oliveira (1998, 44), tratou-se de uma estratégia na linha política thatcheristas e reaganinas, que ideologicamente buscam difundir a ideia de se reduzir o Estado, contudo, o que se tenta é a manutenção do "fundo público"7 como pressuposto apenas do capital.

Resumidamente, podemos apontar que o Brasil completou seu processo de industrialização8 marcado por forte atuação do Estado. Como aponta Pochmann (2001, 22-23), é possível identificar três fases de atuação do Estado brasileiro na economia: I) 1930–1955, por intermédio de regulação e atuação direta no processo de acumulação; II) 1955–1964, com uma nova articulação do Estado ao capital privado nacional e internacional, via principalmente Plano de Metas do Governo JK; e III) 1964–1989, quando a atuação do Estado incluiu além da ação econômica, a aplicação da ideologia de segurança nacional.

Resultante das duas Crises do Petróleo, que marcaram a década de 1970, a crise dos anos 1980, apontada como a crise do Estado, foi muito mais do que a crise deste, ela marcou o total esgotamento daquele padrão de financiamento e crescimento do país, pelo processo de Industrialização por Substituição de Importação (ISI). Na verdade, desde o II PND (1975-1979), e principalmente no III PND (1980-1985), foi possível perceber um redirecionamento das estratégias políticas para um crescimento mais voltado para fora, e que na década de 1980, a partir do III PND, fica evidenciado.9

Bresser-Pereira (1985, 259-261), por sua vez, argumenta tratar-se, desde 1974, de uma perda de legitimidade dos Governos Militares nos círculos da burguesia industrial. Uma vez que nunca foi representativo, o Governo Militar legitimou-se por dois âmbitos: primeiramente, afastando a ameaça socialista, e segundo, a partir do milagre econômico, que garantia o atendimento dos principais objetivos de tal classe. Nesse sentido, na medida em que o Brasil consolidou-se como um país industrializado, o terror ao socialismo diminuía, e quando, por fim, em 1974 o II PND não completou suas metas de crescimento, tal Governo perdia sua legitimidade no seio da classe que lhe dava sustentação, a "Burguesia I Industrial".

Sobre essa questão, o autor ainda aponta tratar-se da consolidação hegemônica da ideologia clássica capitalista: "[...] liberalismo econômico e político, individualismo, defesa da "iniciativa privada" como único regime compatível com a democracia, valorização da atividade empresarial e do lucro [...]" (Bresser-Pereira 1985, 264).

Dessa forma, o ano de 1984, ao completar 20 anos do "Golpe Militar de 1964", foi marcado pelos movimentos sociais redemocratizantes, cuja principal expressão foi o movimento das "Diretas Já". Neste caso, não seria ocioso apresentar a seguinte observação de Castro:

    No imaginário de milhões de brasileiros que iam às manifestações pelo direito de eleger o presidente da República, a democracia não apenas traria de volta as liberdades civis e políticas, como também o fim da inflação, o retorno do crescimento e a sonhada redistribuição de renda. O ambiente nacional, em suma era de esperança e confiança na introdução de profundas mudanças. (2005, 117)

Mesmo com toda a pressão popular, a emenda constitucional, conhecida como Emenda Dante de Oliveira, que reestabeleceria eleições diretas para presidência da República não foi aprovada, e assistiu-se a eleição de Tancredo Neves (presidente) primeiro civil após os 20 anos de ditadura militar e José Sarney (vice), por eleições indiretas via Colégio Eleitoral. Com a doença de Tancredo, sua internação um dia antes da posse, José Sarney acabou sendo nomeado Presidente da República, ainda que provisoriamente, até que o presidente eleito tivesse condições de assumir. De modo que trinta e quatro dias mais tarde, com a morte de Tancredo, Sarney seria o presidente empossado.

Do ponto de vista político, surge a questão da legitimidade desse governo, e nesse sentido, a política econômica, leia-se, política de estabilização da inflação e sucessivamente, redistribuição de renda, deveria trazer essa legitimidade.

Diante da crise do início dos anos 1980, consequentemente, acirramento do processo inflacionário, o debate econômico pautou-se nas doses de ortodoxia versus heterodoxia.10 As propostas heterodoxas estiveram à frente das políticas econômicas do Governo da Nova República, uma vez que as propostas ortodoxas do Fundo Monetário Internacional –doravante FMI– não haviam dado conta de conter o processo inflacionário no período anterior. De modo geral, o Governo da Nova República foi marcado por sucessivos planos de estabilização frustrados.11

Modiano (1990, 382), apresenta que tais planos não alcançaram a estabilização por não terem sido capazes de solucionar qualquer conflito distributivo de renda, como também não atacaram os problemas de desequilíbrios estruturais da economia.

A hegemonia ideológica alcançada pela burguesia industrial adquiria condições então para se consolidar como projeto político. E nesse caso, é importante apresentar que a Constituição de 1988 materializou como que um contrato social ao modelo do "Estado de Bem Estar Social" das democracias europeias:

    Por intermédio da garantia dos direitos civis, sociais e políticos, a Constituição de 1988 buscaria construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos sem preconceitos ou quaisquer formas de discriminação. Para tanto, a nova Carta combinaria as garantias de direitos com a ampliação do acesso da população a bens e serviços públicos. (Castro e Ribeiro 2009, 28)

E isso em momento extremamente complicado, pois do ponto de vista ideológico, seguia um movimento contrário ao dos países europeus, como já apontamos, estes na década de 1970 haviam iniciado um processo de "esvaziamento" do Estado, além do que, do ponto de vista econômico, a crise da economia acabou por acentuar as desigualdades, assim como piorar as finanças do Estado. Não fosse tão pessimista, poderíamos apontar que tal constituição foi natimorta.

A ineficiência das políticas da Nova República embasou o discurso vencedor das eleições de 1989 (o discurso neoliberal, representado pela figura política de Fernando Collor). Desse ponto de vista, podemos afirmar que tal eleição deu legitimidade nas urnas ao projeto neoliberal. Que como nos indica Ianni (2000, 102-103) vinha sendo proposto e gradualmente implantado no Brasil entre os anos de 1964 e 1985. Esse discurso balizaria o curto e desastroso Governo Collor (01/03/1990 a 30/09/1992), marcado segundo Cano por:

    [...] um populista discurso de "radical combate à inflação e rápida ida ao Primeiro Mundo". [...] como "eixo" de sua política de corte neoliberal, pretendeu diminuir o papel do Estado, promovendo uma irrefletida e desastrada reforma administrativa, não distinguindo o bom do mau [...] piorando ainda mais a qualidade do serviço público do país. A política de privatização foi desenhada sem qualquer objetivo mais consequente, seja para uma nova política industrial de reestruturação produtiva, de melhoria de competitividade etc., seja para transferir fundos para outros setores prioritários ou, simplesmente, para cobrir parte do enorme "buraco" das finanças públicas. (1998, 60)

Ianni (2000) chega mesmo a apontar certa polarização da cultura política no que diz respeito ao desmonte do Estado. Em parte, essa polarização deveu-se ao longo período em que o Estado "Desenvolvimentista", ou mesmo o "Nacional Desenvolvimentista" esteve ligado às formas de governo não democráticos, o que facilita entender a associação de "Estado forte" a ausência deste, inclusive nos setores mais críticos.

Marini por sua vez, contribui a esse respeito quando aponta que: "O neoliberalismo é a arma que utilizam os grandes centros capitalistas e a fração moderna das burguesias nacionais para impor sua hegemonia no plano político" (1992, 56). Para o referido autor, esse desmantelamento ideológico tanto da burguesia tradicional quanto da esquerda resultou do bombardeio sofrido pela teoria da dependência por parte da crítica neoliberal, de modo que tanto a esquerda quanto os desenvolvimentistas ficaram sem parâmetros para articular as críticas ao novo modelo.

Ou seja, se por um lado, o impeachment sofrido pelo Presidente Collor, encerrou seu governo, por outro lado, não encerrou o acirramento da neoliberalização pretendida. Ao assumir o governo, seu vice, Itamar Franco (1992-1994) apresentou um novo pacote de estabilização econômica, sob o comando do então nomeado Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, que viria após cinco planos frustrados de estabilização, obter êxito na política de estabilização de preços.

O neoliberalismo, que ideologicamente já havia se consolidado, agora alcançava a legitimidade política (via eleição democrática do grupo que o representava), acompanhado da necessária legitimidade econômica, leia-se estabilização dos preços. Não fosse essa hegemonia alcançada, possivelmente o primeiro Governo FHC (1995-1998) não teria tido condições de implantar as reformas econômicas que havia proposto.

Obviamente que o consideramos hegemônico no sentido que foi vitorioso no processo de abertura comercial e desregulamentação financeira e, sobretudo, no Programa de Desestatização da Economia. Como apresentado por Oliveira (1998), quando argumenta que ao articular partidos políticos como Partido da Frente Liberal (PFL), Partido Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) quase inteiro, Partido da Social Democracia Brasileiro (PSDB), Partido Progressista Brasileiro (PPB) e uma boa parte do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), formaram-se um grupo hegemônico que desde a década de 1930 não se via. A resposta do autor quando questionado sobre como o grupo de FHC teria assumido esta hegemonia, pode ser reescrita aqui como fechamento a este prólogo do neoliberalismo:

    Existe dominação e hegemonia. Pode-se dominar politicamente, economicamente, mas só há hegemonia quando você faz o dominado pensar como você. Tivemos no Brasil 30 anos de transformação que significaram dominação, mas não hegemonia, porque os grupos dominantes estavam divididos. FHC os juntou. Com a estabilização surge a possibilidade de hegemonia: o povão começa a pensar como o mais rico. Isso ocorre raramente, e por isso a estabilidade é ferozmente perseguida. O grupo hegemônico pagará qualquer preço para mantê-la. (Oliveira 1998, 160-162)

Observamos, portanto, que se a "revolução" de 1964 foi feita para construir um espaço econômico a partir de um planejamento técnico/burocrático, ao se estabelecer os parâmetros neoliberais a ser seguido, o capital perderia uma das principais partes do sistema, o planejamento estatal enquanto fundo público financiador do capital.12 E como sabemos que não há Estado sem Capital, nem mesmo Capital sem Estado, novas bases farão às vezes do desenvolvimentismo, (re)construindo as novas fronteiras para o planejamento.

Nesse contexto, é importante ressaltar que o conceito de Estado, seja no desenvolvimentismo ou no neoliberalismo, continua o mesmo, como algo colocado acima da sociedade, dotado de uma racionalidade. O que se vê alterado é o papel do Estado: no neoliberalismo, este deve reassumir o seu posto, desempenhando a função de regulador.

Ao tratar sobre a ascensão do neoliberalismo no mundo de forma geral, Hobsbawm (1995, 222-223) sintetiza que ao abrir mão dos mecanismos de controle do capital, por uma maior liberdade econômica, os ideólogos do neoliberalismo lançaram críticas que vão muito além das críticas à Marx e seus seguidores. Incompreensivelmente, a teoria neoclássica absorveu a irracionalidade do capitalismo, e sua crítica foi mais pesada a Keynes e seus seguidores, enfim, uma crítica contundente aos dois modelos que mantiveram o sistema econômico em funcionamento na "Era Dourada".

Contudo, o que visualizamos como uma hegemonia ideológica encontra-se muito longe de responder questões básicas da sociedade constituída no período ideologicamente unipolar, e como nos aponta Kurz (1998, 92), um mundo também desfragmentado por fundamentalismo ético e pseudo-religioso, que invadiram o espaço da alternativa perdida. Trata-se na verdade de uma crise das ideologias como apontado também por Hobsbawn (1995).

Pois como bem nos assinala Singer,

    A possibilidade de crise no capitalismo é dada pela anarquia da produção, ou seja, pelo fato de as decisões que afetam a vida econômica serem tomadas isoladamente, por inúmeras unidades de produção e de consumo, sendo compatibilizadas apenas a posteriori pelos mecanismos de mercado. (1989, 126)

Se aceitarmos a assertiva acima, podemos supor que o sistema demandará de novas bases discursivas para embasar a atuação do Estado na economia. O discurso da sustentabilidade parece dar conta de reencontrar um papel econômico para o Estado nas estratégias de planejamento regional, como tentaremos mostrar nos próximos tópicos.

A construção de um novo discurso

De modo geral, a questão ambiental surge no seio das organizações internacionais, na década de 1970, em meio ao acirramento das contradições do sistema do capital, sob a perspectiva neoclássica de uma sociedade com necessidades ilimitadas e recursos escassos.13

Analisando essa temática, Rebelo Junior (2002, 136) aponta que tal perspectiva elimina as relações sociais e simplifica a "produção para a humanidade", escamoteando os conflitos internacionais pelo controle dos recursos.

De modo geral, em meio à imensa produção teórica/ ideológica quanto à problemática ambiental, destacamos com finalidade de representação dos principais movimentos: I) a publicação de Limites do Crescimento, em 1972, como resultado de estudos coordenados pelo Clube de Roma,14 preparou o terreno ideológico do discurso, que referenciou no mesmo ano a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, Suécia; II) Relatório Nosso futuro Comum ou Relatório de Bruntland em 1987, resultado dos trabalhos da Comissão formada em 1982, na Sessão Especial do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (UNEP), esta responsável por cunhar o termo/conceito "desenvolvimento sustentável"15; e III) a Eco-Rio 92, como marco do compromisso dos países periféricos com a questão ambiental.

É importante ressaltar que em Estocolmo o debate foi marcado pelo embate entre os representantes do Clube de Roma, de um lado, que respaldados nos resultados apresentados pelo Limites de Crescimento, defendiam o crescimento zero16, e do outro lado, representantes dos países em desenvolvimento, que reivindicavam o direito do desenvolvimento. Essa questão estaria então resolvida em 1987, com o Relatório de Bruntland, ao trazer o conceito de "desenvolvimento sustentável", ou seja, de um desenvolvimento que possa sustentar uma harmonização entre desenvolvimento econômico e natureza (Giansanti 1998, 9-11).

Assim como a construção do neoliberalismo havia sido iniciada muito antes dos países o adotarem formalmente como compromisso,17 o conceito de desenvolvimento sustentável remete-se, portanto, a essa construção e, como argumenta Rebelo Junior, tratou-se da construção de uma nova ideologia cujos princípios seriam estabelecidos nos problemas que afligem a humanidade de forma planetária, um "humanismo planetário":

    Este ponto é de suma importância. É quando surge a noção de "interdependência". Os problemas surgidos devem ser resolvidos por meio da "cooperação", em "benefício de toda a humanidade". O "humanismo planetário" é a forma encontrada para quebrar a tentativa de imposição de uma Nova Ordem Mundial pelo Terceiro Mundo. É a reação pela manutenção do status quo na "nave espacial terra". [Aspas do autor ] (2002, 146)
Não podemos desvincular dessas questões as crises do petróleo, como resultado do Cartel da Organização dos Países Produtores de Petróleo - OPEP fundada em 1960. Mas que, por outro lado, surgem no contexto mundial acompanhada de inúmeras previsões de fim do petróleo, de modo mais geral dos recursos não renováveis.

O discurso da sustentabilidade pertence a esse momento histórico de desmonte do Estado de Bem Estar, em suas diversas formas. Mais uma vez nos apoiaremos em Rebelo Junior (2002, 162-173), quando qualifica esse momento como o de preparação psicológica das populações dos países desenvolvidos para o desmonte do Estado, enquanto para os países subdesenvolvidos qualquer tentativa de desenvolvimento deveria passar por outro processo, diferente do apresentado pelos países então desenvolvidos.

Portanto, entraram na pauta de discussão questões como o crescimento demográfico e crise energética, que conjuntamente iriam compor a "crise do meio ambiente", e como nos aponta o autor: "[...] a solução dessas "crises" –que, segundo o Nosso Futuro Comum, representam a "crise global"– deverá passar pelo desenvolvimento sustentável".

É neste contexto que o novo parâmetro de planejamento pode ser identificado, desde a Declaração de Estocolmo, como pode ser visto em seu Princípio 13:

    A fim de lograr um ordenamento mais racional dos recursos e, assim, melhorar as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado da planificação de seu desenvolvimento, de modo a que fique assegurada a compatibilidade do desenvolvimento, com a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano, em benefício de sua população. (1972)

Conjuntamente com o Princípio 13, faz-se importante resumir o apresentado no Princípio 12, quando aponta a necessidade de transferências de recursos aos países em desenvolvimento para a inclusão de "medidas de conservação em seus planos de desenvolvimento assim como assistência técnica e financeira internacional para este fim". Trata-se, portanto, de um novo conceito de desenvolvimento que formará as diretrizes do novo padrão de desenvolvimento, reestabelecendo o papel do Estado no novo ajuste espaço-temporal. Um padrão de desenvolvimento econômico que assegure o Princípio 05 de Estocolmo: "Os recursos não renováveis da Terra devem ser utilizados de forma a evitar o perigo do seu esgotamento futuro e a assegurar que toda a humanidade participe dos benefícios de tal uso".

Na Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, torna-se mais definido o papel dos Estados e dos setores considerados chaves e da sociedade na preservação do meio-ambiente. Dentre os diversos Princípios destacamos o 8:

    Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida para todas as pessoas, os Estados devem reduzir e eliminar os sistemas de produção e consumo não sustentados e fomentar políticas demográficas apropriadas. (Comissão das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento 1992)

Assim como destacamos o Princípio 12: da declaração do Rio "Os Estados deveriam cooperar para promover um sistema econômico internacional favorável e aberto, o qual levará ao crescimento econômico e ao desenvolvimento sustentável de todos os países [...]" (Comissão das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento 1992).

Obviamente, os benefícios seriam assegurados por um acirramento das relações de mercado, pois como argumenta Rebelo Junior (2002), trata-se de um modelo em que a sociedade é entendida como Produtores e Consumidores de Mercadorias. E acabou como aponta o mencionado autor por oficializar as políticas de ajuste estrutural solicitadas pelo FMI, assim como pelo Banco Mundial.

Estes pressupostos são identificados na estratégia dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento –doravante EID– do I e II Governo de FHC, nos seus respectivos programas "Brasil em Ação" e "Avança Brasil". Principalmente ao tratar a questão do que ficou conhecido como "Custo Brasil"18, mostrando a necessária atuação do Estado na eliminação desses padrões "insustentáveis" de produção. Como pode ser visto na assertiva abaixo:

    A década de 90 [1990], inicia-se sem programas de "desenvolvimento regional" para o eixo [trata-se do Eixo Oeste, compreendido no espaço centro-oestino], com enfoques de consolidação da ocupação ou eliminação das disparidades regionais. Passa a vigorar, principalmente após a ECO 92, o novo enfoque de 'desenvolvimento sustentável', onde o espaço é valorizado por suas potencialidades / fragilidades ambiental. (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES 1998, 11)

Tratava-se de um novo ajustamento do espaço, para as novas demandas de eficiência e produtividade das empresas, neste início de século. A estratégia dos Eixos e particularmente o caso do Eixo Oeste será tratada no próximo tópico.

A estratégia dos Eixos Nacionais de Integração: O caso do Eixo Oeste

A estratégia dos EID aparece pela primeira vez na literatura governamental no Programa "Brasil em Ação", derivado do Plano Plurianual de investimentos –doravante PPA– para 1996/1999, e permaneceu como estratégia do Programa "Avança Brasil",19 derivado do Plano Plurianual de Investimentos 2000/2003.

As propostas de desenvolvimento regional estariam, a partir da estratégia dos EID, retomando uma vinculação direta com a União, após um período de aproximadamente vinte anos sem a elaboração de "grandes" projetos nacionais de desenvolvimento, período em que se observou uma busca da União por conseguir maior desvinculação com a política regional, do outro, as implicações desse movimento para a iniciativa privada.

O Estado, neste caso, articulou-se para propor um novo ajuste espacial, sob a perspectiva dos EID. A política dos Eixos delimitou as regiões de planejamento a partir da ideia de abrangência das relações sociais de um determinado espaço, leiam-se, os fluxos de mercadorias: "No atual contexto, a definição regional deve passar pela ideia de área de abrangência (em termos espaciais) de uma relação social particular".

A compreensão de região nestes parâmetros redefiniu a atuação da política regional. Neste caso, o que se percebeu foi que a nova regionalização pretendida desconsiderou as regiões estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –doravante IBGE–, uma vez que a delimitação dos EID teve como princípio extrapolar as fronteiras internas:

    Nesse sentido, eixo de integração é a nova forma de ver o processo de integração ignorando as fronteiras internas e considerando o processo de integração física um instrumento de desenvolvimento do país, da integração doméstica, refletindo a preocupação com os desequilíbrios espaciais e sociais. (Consórcio Brasiliana e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES 1998, 30)

A principal característica foi a de que cada Eixo proposto atravessava mais de uma Unidade da Federação, assim como, mais de uma região do IBGE. Como pode ser observado no pronunciamento do então presidente da República, FHC:

    A concepção geral desses programas é a ideia de que nós precisamos integrar o Brasil, de uma maneira equilibrada. E precisamos preparar o Brasil para que ele possa participar da economia, em nível internacional. Não existe, aqui, a preocupação com um Estado particular da Federação. Os programas são desenhados, preferencialmente, buscando eixos de desenvolvimento, que é a concepção moderna do desenvolvimento. Não se trata de um polo de desenvolvimento que se concentre numa região, mas de um eixo que distribua seus efeitos numa área mais ampla, pois é necessário que o Governo preste atenção ao conjunto do Brasil. (Ministério das Relações Exteriores e Presidência da República 1996)

Quanto à delimitação geográfica de cada EID seguiam- se duas análises: uma, enfocando a lógica do consumo, observando a estrutura das redes de cidades, ou seja, a hierarquia e o grau de polarização; e, outra, que levava em consideração a lógica da produção, definindo e zoneando as áreas de influência pelo fluxo de transporte de mercadorias.

O Governo alegava tratar-se de uma nova metodologia de planejamento. Contudo, como é característica do Estado, e de suas políticas, representar as classes e frações de classes das diversas parcelas do capital, a definição dos setores específicos que seriam diretamente beneficiados acabou por levantar as contradições dos interesses específicos dessas parcelas do capital. Como parte de qualquer ajustamento do espaço, esse novo ajustamento levantaria também as contradições de seu uso. Essa questão pode ser acompanhada na fala de FHC na introdução do relatório de um ano do Programa "Brasil em Ação":

    Tenho ouvido comentários de alguns setores sobre a inexistência de projetos do Programa Brasil em Ação em determinados estados. Há uma percepção equivocada. Primeiro, porque os projetos componentes desse Programa têm um alcance que transcende os limites estaduais. Segundo, porque há outros programas que complementam o Brasil em Ação. De qualquer forma, é preciso insistir no fato de que, efetivamente, voltamos a ter capacidade de definir nosso rumo. Há um projeto nacional, que não é do governo. É do País. Não é um projeto nacional no sentido antigo, em que um conjunto de pessoas, geralmente ideólogos, reunia-se para definir como o Brasil deveria ser, e, por intermédio de ações do Estado, ia alterando a realidade. [Grifos nossos] (Biblioteca da Presidência da República 1997)

Colocadas essas questões, apontamos que o objetivo principal dos EID foi a redução do "Custo Brasil". E que na medida em que definiu os espaços/eixos a partir de mercado consumidor e produtor no conjunto de suas relações, refletia a ideologia dos anos 1990, a qual, segundo Souza substituiria por "Mercados Emergentes" os conceitos de "Países Subdesenvolvidos" propalados entre 1950 e 1970, "Países em Desenvolvimento" entre 1970 e 1980, e finalmente "Países Endividados", nos anos de 1980.

    A mudança ideológica é sutil, porém decisiva. O conceito de país - aparentado com nação, cidadania - comporta um imaginário vinculado à integração (interna) e à soberania (externa), ideais que, embora distantes, deveriam ser perseguidos. Todavia, a preponderância do discurso de que somos mercado, ao contrário, insere-se na ausência de soberania e na vigência de desigualdades de todo tipo, inclusive regional. (Souza 2008, 31-32)

O espaço, neste contexto, aparece como parte da reestruturação pela qual o Brasil deveria passar sob o intuito de reduzir o que comumente se chamou de "Custo Brasil." Uma redefinição para o papel do Estado estabelece-se em conjunção com as questões colocadas em nível mundial desde a década de 1970, assim como a busca de um novo ideal de desenvolvimento.

Defendia-se que para adentrar competitivamente no mercado internacional o país deveria consolidar a estabilidade econômica, assim como elevar a taxa de investimento, reconhecendo que se trata de um padrão de desenvolvimento com:

    [...] tendência globalizante dos mercados, liberalização econômica e a formação de blocos regionais de comércio.
    Assim, para responder aos desafios associados à retomada do crescimento em bases sustentáveis, ao contrário de etapas anteriores do desenvolvimento, o novo ciclo não poderá contar com o Estado como principal agente executor. A partir de agora, o Estado propulsor agente principal do processo de crescimento econômico, cede lugar ao Estado indutor de desenvolvimento e regulador de mercados. (BNDES 1997, 1-2)

Esse novo padrão pressupõe uma redução do Estado na composição dos portfólios de investimentos em infraestrutura, cedendo lugar para a iniciativa privada nas conhecidas Parcerias Público-Privadas –doravante PPP–.20

Na I Carteira de Projetos de Infraestrutura do PPP, defendia-se, oficialmente que:

    As parcerias público-privadas são instrumentos fundamentais para o desenvolvimento do país. [...] O país carece de urgentes investimentos em infraestrutura [...]. O potencial do país é enorme e o cenário econômico nunca foi tão favorável. A apresentação dessa carteira de projetos é um convite concreto ao setor privado para que se torne sócio do desenvolvimento econômico duradouro e consistente que todos os indicadores prenunciam. (Ministério do Planejamento 2003)
Uma das principais contradições desse processo parte do fato de que, de um lado, a falta de competitividade existente no país foi apresentada como fruto da forte intervenção do Estado na economia em todos os âmbitos, inclusive pela estratégia da polarização; do outro lado, a superação dessas "mazelas herdadas" teve como pressupostos uma ampla atuação do Estado, rearticulando os espaços nacionais, (re)afirmando-lhes os novos papéis na ordem mundial colocada.

Em síntese, das sutis mudanças nas estratégias dos eixos de integração regional, parece-nos que a promoção do "crescimento para fora" foi a condição para a distribuição dos recursos entre os espaços, leia-se, fixos para a mobilidade e aproveitamento de recursos naturais. E esta implica na especialização desses espaços. Nisto implica também as contradições dos interesses de classes. Como também descreve Acselrad.

    O conceito de eixo é apresentado como um avanço discursivo em relação ao conceito de polos, por permitir pensar a infraestrutura e o desenvolvimento econômico de forma integrada. No entanto, o projeto não esconde seu viés exportador, pois todos os eixos vinculam uma região produtora a um porto, com pouca ação no sentido da integração interna. (2001, 75)

De modo que a nova regionalização de planejamento foi a seguinte: inicialmente, no Projeto "Brasil em Ação" foram delimitados doze EID: Saída Caribe; Madeira- Amazonas; Araguaia-Tocantins; Costeiro Nordeste; São Francisco; Transnordestino; Oeste; Centro-Oeste; São Paulo; Costeiro Sul; Franja de Fronteira; e Paraguai/ Paraná. Desta delimitação geográfica, incidiram sobre o espaço sul-mato-grossense três eixos: Franja de Fronteira, Hidrovia Paraguai/Paraná e São Paulo.

Num segundo momento, no Projeto "Avança Brasil", a partir dos estudos do Consórcio Brasiliana, estes doze EID foram revistos, de forma que nove eixos foram propostos: Arco Norte; Madeira-Amazonas; Araguaia- Tocantins; Oeste; Transnordestino; São Francisco; Rede Sudeste; Sudoeste; e Sul, como pode ser visto na figura 1.

Desta delimitação geográfica, incidiram sobre o espaço sul-mato-grossense dois Eixos: O Oeste e o Sudoeste, conforme pode ser observado na figura 1. O Oeste, com a inclusão do Pantanal, anteriormente pertencente ao Eixo Paraguai/Paraná, assim como a porção oeste da Unidade da Federação, a parte leste estadual foi inserida como Eixo Sudoeste.

Das principais cidades sul-mato-grossenses, Corumbá e Campo Grande permaneceram no Eixo Oeste, e Dourados e Três Lagoas no Eixo Sudoeste. Como pode ser observado na figura 2.

De modo geral, mesmo havendo mudanças quanto à definição dos Eixos que incidiriam sobre o espaço sul-mato- grossense, os projetos que incidiram nessa Unidade da Federação no contexto do "Brasil em Ação" permaneceram no "Avança Brasil". Trata-se de três projetos considerados estruturantes, relacionados à infraestrutura econômica, ou seja, aqueles que atraem investimentos: Gasoduto Brasil-Bolívia –doravante GASBOL–; Ferrovias Norte Brasil –doravante FERRONORTE–; e Hidrovia Tietê-Paraná e Paraguai. De modo geral, estes empreendimentos levaram em consideração que os "altos custos" com transportes de mercadorias e insumos, poderiam ser reduzidos pelo uso do transporte hidroviário, assim como o modal ferroviário, formando conjuntamente com as rodovias um sistema intermodal.

Segundo o relatório do Consórcio Brasiliana (1998c), apesar das rodovias que cortam o Eixo Oeste terem sido responsáveis pela grande expansão desse espaço:

    A oferta de infraestrutura de transporte no Eixo Oeste é bastante restrita e muito deficiente e precária para a sustentabilidade do nítido processo de desenvolvimento agropecuário e agroindustrial desta vasta região, verificado principalmente a partir do início da década em curso (trata-se da década de 1990). (Consórcio Brasiliana 1998, 68-69)
Trata-se de uma carência em termos intermodal, dado à baixa cobertura do modo ferroviário, assim como das dificuldades quanto à modernização das hidrovias, contudo, caracterizado pelo baixo volume de cargas transportadas. Constituindo-se, portanto, o transporte rodoviário, segundo o relatório, como o único sistema modal de transporte de carga (Consórcio Brasiliana 1998, 68 e 73).

Quanto à Hidrovia Paraguai, é apontada pelo Consórcio Brasiliana como opção viável de escoamento de minérios e produtos agrícolas até o mar, com um fluxo de retorno de fertilizantes, combustíveis e contêineres. Seu início dá-se na cidade de Cáceres (MT), e chega ao Atlântico no Porto de Nova Palmira, no Uruguai, após percorrer 3.442 km. Neste percurso, alguns terminais hidroviários interiores desta hidrovia encontram-se no espaço sul-mato-grossense, Corumbá, Ladário e Porto Murtinho (Consórcio Brasiliana 1998, 78).21

Como aponta Souza, não se trata de implantar uma hidrovia, mas de realizar obras de "desobstrução", no intuito de aumentar a sua capacidade de navegação, incidindo sobre questões ambientais específicas, por conta das características de seu ecossistema pantaneiro, como também a proposta governamental de ampliação/modernização dos Portos de Cáceres (MT), Corumbá, Ladário, Porto Esperança e Porto Murtinho (MS).

    Trata-se de uma operação de transformação do ambiente natural em consonância com as necessidades impostas pelo desenvolvimento econômico. É mais uma busca desesperada da unificação da racionalidade que visa à construção de instrumentos de ação que assegurem a implantação generalizada da fluidez a serviço do pragmatismo econômico. Daí o delírio da desobstrução da hidrovia ser um exemplo. (Souza 2008, 57)
Devemos considerar que por meio dessa hidrovia, o Oeste brasileiro –destacadamente, o Mato Grosso do Sul– encontra uma saída para o Oceano Pacífico, passando pelo sul do Atlântico, reduzindo principalmente os custos de exportação para Oriente.

Quanto à Hidrovia Tietê-Paraná,22 não só pertencente ao Eixo Sudoeste, como foi o principal fator para a definição espacial desse Eixo, trata-se de uma área de influência da porção Oeste paulista. Entre as obras previstas para a consolidação dessa hidrovia, estava a construção da eclusa23 da Hidrelétrica de Jupiá, concluída em 1998, ligando o braço Sul do Rio Paraná ao braço Norte, assim como o Rio Tietê e seus afluentes.

A FERRONORTE é um projeto iniciado no ano de 1989, com a concessão do Governo Federal ao Grupo Itamarati para a construção e operação da ferrovia. Seu projeto inicial é de ligação de Cuiabá (MT) a Porto Velho (RO) e Santarém (PA), um braço de Cuiabá a Uberlândia (MG), ligando-se à Ferrovia Centro Atlântico, com saídas para o Porto de Salvador (BA), além dos Portos de Barra do Riacho, Praia Mole e Vitória (ES). No projeto consta o tramo de Cuiabá a Santa Fé do Sul (SP), ligando-se à Ferrovia dos Bandeirantes, passando pelo espaço sul-mato-grossense do trecho que vai do Alto Taquari (MT) a Aparecida do Taboado (MS), abrindo, desse modo, a possibilidade de escoar a produção do Centro-Oeste pelo Porto de Santos. Este trecho (410 km) foi incluído no "Avança Brasil", em 1997, e sua conclusão se deu em 1999, com a inauguração da ponte rodoferroviária, sobre o rio Paraná, entre Rubinéia (SP) e Aparecida do Taboado (MS).

Em dias atuais, a ferrovia opera até o município de Alto Taquari (MT), sendo que estão sendo executadas obras (260 km) para atingir a cidade de Rondonópolis, também no Mato Grosso.

Conforme aponta Souza (2008, 69), até o ano de 2001 a FERRONORTE havia acumulado junto aos órgãos governamentais de fomento ao desenvolvimento, entre financiamento e renegociações de dívidas, o montante de R$ 1.321 bilhões.

Ainda sobre a rede ferroviária do espaço sul-mato -grossense, a privatização em 1996 da antiga Noroeste do Brasil, desde então como o nome de Rede Ferroviária Noroeste, deixa evidente o novo papel do Estado. Trata-se de um trecho de 1,6 mil quilômetros, ligando Corumbá (MS) a Bauru (SP), além do ramal entre Ponta Porã (MS) a Campo Grande (MS), leiloado pelo Grupo norte-americano Noel Group, por R$ 62,4 milhões, dos quais R$ 8 milhões foram pagos a vista, com financiamento de 100% desse valor pelo BNDES, e o restante a ser pagos em 30 anos, com um prazo de carência de dois anos para a primeira parcela. Em 1998, este grupo associa-se a FERRONORTE, que passou a constituir 9% das ações da Noroeste (Souza 2008, 69).

Não adentraremos na questão da desestatização, ocorrida no Brasil na fase de neoliberalização. Mas apontamos que se trata de uma redefinição do "fundo público", agora como pressuposto para o capital privado, camuflado no discurso de falência do Estado.

Ainda no contexto dos EID, a questão energética foi apontada como um gargalo para o "desenvolvimento sustentável" do eixo Oeste, assim como do eixo Sudoeste. Na verdade, trata-se de uma questão nacional, presente de modo geral nos discursos pela possibilidade de apagões e racionamento de energia elétrica.

Foi nessa conjuntura que se justificou a construção do GASBOL. A sua construção24 com 3.175 mil quilômetros, dos quais 2,6 mil quilômetros em território brasileiro, cortando o Estado de Mato Grosso do Sul, a partir da divisa com a Bolívia, portanto no sentido oeste/leste.

O referido gasoduto segue até Guararema (SP), fazendo uma interligação em Campinas, daí segue para o Sul do país.

Com capacidade de transportar 30 milhões de m³/ dia, trata-se de um projeto iniciado em momento anterior a política dos Eixos, em 1993, contudo, foi incluído no "Brasil em Ação", tendo iniciado suas obras em 1997 (Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão s.f., 22).

Conforme relatório das ações federais em Mato Grosso do Sul entre 1995 e 2002, trata-se de uma nova matriz energética para o crescimento, com importante papel na mudança da matriz energética do País. Ademais, segundo discurso governamental, o GASBOL pode:

    [...] possibilitar o uso direto na indústria, no comércio e serviços, nas residências e veículos, proporciona a construção de usinas termelétricas que tornarão o Estado [Mato Grosso do Sul] menos vulnerável aos riscos de um sistema centrado em hidrelétricas. Este conjunto de iniciativas estimula a instalação de novos empreendimentos no Mato Grosso do Sul, o que resulta em melhores condições de vida, maior oferta de empregos e maior demanda de serviços. (Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão s.f., 22)

Neste mesmo conjunto de ações foi projetada a construção de três termelétricas em Mato Grosso do Sul, movidas com o gás natural boliviano. Uma em Corumbá, com capacidade de geração 108 MW (não passou da pedra fundamental do FHC). Outra em Campo Grande –esta unidade, na verdade, já existia e foi apenas feita uma reconversão para a utilização do gás natural– operando desde 2001, com capacidade de 120 MW. E, por fim, a termelétrica de Três Lagoas, em operação desde 2002, cuja capacidade de geração de energia é de 240 MW. Rigorosamente, das três unidades previstas efetivou-se apenas a de Três Lagoas, com recursos públicos (Petrobrás), a de Corumbá, cuja pedra fundamental foi lançada em 2000, pelo presidente FHC, mas não se viabilizou por falta de investimento privados.

Em 1999 também entrou em funcionamento a Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta instalada no Porto Primavera, na divisa com o Estado de São Paulo.

Trata-se de um conjunto de políticas apontadas por diversos setores e segmentos da economia como importantes, senão essenciais para a consolidação e afirmação do potencial industrial ou mesmo agroindustrial de Mato Grosso do Sul.

De modo que a partir do diagnóstico de que o "Custo Brasil" é excessivamente alto, prejudicando a inserção competitiva do Brasil no cenário internacional, o portfólio de projetos na estratégia dos EID primou por investimentos em infraestrutura econômica.

A política de regionalização dos investimentos governamentais, embora tenha sido apontada como alternativa à estratégia dos Polos de Desenvolvimento, não ultrapassa a principal dinâmica dos mesmos, uma vez que privilegiaram espacialmente as áreas antes entendidas como polos, e mesmo como corredores de exportações.

Trata-se de fornecer as condições para um novo ajustamento do espaço, ou mesmo, (re)ajustamento, como aponta Souza:

    A economia capitalista reclama condições territoriais indispensáveis para a sua produção e regulação e tais Eixos caracterizam-se pela sua inserção produtiva mundial, pelas relações distantes e, frequentemente, estrangeiras que criam e também pela sua lógica exógena. Além disso, ao se buscar o equilíbrio regional, permanecem os elementos estratégicos que dizem respeito, fundamentalmente às vantagens comparativas e aos condicionantes de localização, com ênfase nas relações de compra e venda entre setores - a lógica do consumo e da produção. (2008, 107)

Para o referido autor, este novo conceito não foi capaz de escapar à lógica de que a redução das desigualdades regionais passa pela integração regional, mesmo extrapolando as fronteiras internas, como também foi incapaz de responder as questões socioambientais colocada nesse início de século.

A ideia básica dessas ações foi a de ligar espaços produtores a mercados consumidores, os antigos corredores de exportação, agora chamados de eixos, a partir da implantação de infraestruturas com a justificativa de reduzir o "Custo Brasil".

Considerações finais

Após aproximadamente 20 anos sem grandes projetos de desenvolvimento regional no Brasil, a segunda metade dos anos de 1990 foi marcada por uma retomada das iniciativas do Estado na promoção de políticas de desenvolvimento regional. Tal retomada dependeu, portanto, da absorção de um novo conceito de desenvolvimento, neste caso, o "desenvolvimento sustentável" que vinha sendo construído/absorvido nos discursos nos principais organismos internacionais desde a década de 1970 no contexto da crise estrutural do sistema do capital.

O que ficou evidente a partir da análise do discurso neoliberal foi que sua construção e aceitação dependeram da pesada crítica feita ao modelo de desenvolvimento anterior, desenvolvimentista no caso brasileiro e "Estado de Bem-Estar" nos países desenvolvidos, e, portanto, apontaram para a necessidade de um Estado mínimo, de modo que as novas estratégias de desenvolvimento regional estiveram ligadas ao discurso da sustentabilidade.

Particularmente, a definição do papel do Estado na promoção do "desenvolvimento sustentável" parece ter se consolidado após a Eco-Rio 92, quando enfim os países periféricos assumem tal compromisso. Através de novos referenciais teóricos, nos Governos I e II de FHC, foi lançada a estratégia dos EID, colocada como alternativa, assim como, estando à frente da estratégia da polarização. Todavia, manteve como base a concentração de investimentos nos espaços antes elevados à condição de Polos, ou mesmo, de corredores de exportação, seguindo o discurso de que a atuação do Estado faziase importante para resolver os problemas regionais, oriundos da política dos Polos de Desenvolvimento, as políticas estiveram atreladas à necessidade de redução do "custo Brasil", como pode ser observado a partir das ações que incidiram sobre o espaço sul-mato-grossense, antigo palco das políticas desenvolvimentistas nas décadas de 1970 e início dos anos de 1980.

Ou seja, um ajustamento espaço–temporal, para atender a internacionalização dos mercados, sob a égide do capital financeiro e pressupostos de competitividade. É sintomático, portanto que a Iniciativa para a Integração em Infraestrutura Regional Sul-Americana –doravante IIRSA– além dos 12 governos nacionais da América do Sul, participam do processo de coordenação e intercâmbio de informações três instituições financeiras multilaterais: o Banco Internacional de Desenvolvimento – BIRD, a Corporação Andina de Fomento - CAF e Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata - FONPLATA.

De modo que, esse movimento não se deu apenas em escala nacional. Por exemplo, em 2000, foi criada em Brasília (DF), sob os auspícios governos FHC, a IIRSA da qual participam 12 países. Estudos da IIRSA delimitaram todo o continente em Eixos de Desenvolvimento, no interior do qual foi diagnosticados os gargalos logísticos e apontados os projetos prioritários25. Além do chamado "regionalismo aberto", no qual a América do Sul passa a ser concebida como "um espaço geoeconômico totalmente integrado, para o qual é necessário reduzir ao mínimo as barreiras internas ao comércio e os gargalos na infraestrutura" outro princípio que orienta as ações da IIRSA é os Eixos de Integração e Desenvolvimento;

    [...] o espaço sul-americano é organizado em torno das faixas multinacionais, que concentram fluxos de comércio atuais e potenciais, nas quais se busca estabelecer um padrão mínimo comum de qualidade de serviços de infraestrutura de transportes, energia e telecomunicação a fim de apoiar as atividades produtivas específicas de cada Eixo de Integração e Desenvolvimento. [...] Os Eixos [...] representam um referencial territorial para o desenvolvimento sustentável e amplo da região. (IIRSA 2003)
Postas estas questões, fica clara a primazia do Mercado como eficiente mecanismo de orientação da sociedade. E neste sentido, resolver os problemas do Mercado significa reajustar o mecanismo orientador da sociedade, leia-se Estado, justificando, portanto, o pressuposto do fundo público para financiar o mercado, uma vez que este sendo competitivo resolveria as demais questões.

Em síntese, das sutis mudanças nas estratégias dos eixos de integração regional, parece-nos que a promoção do "crescimento para fora" foi a condição para a distribuição dos recursos entre os espaços, leia-se, fixos para a mobilidade e aproveitamento de recursos naturais. E esta implica na especialização desses espaços, e o acirramento das contradições dos interesses de classes.


Note

1Não se enquadra nos objetivos deste trabalho uma análise das teorias da transição. Para tal, consultar: Mészáros (2002), capítulo 5.
2Há questões colocadas após a financeirização da economia, que alteram esta necessidade de incluir novas parcelas de consumidores. Uma vez que o sistema financeiro pode extrair mais-valia sem necessariamente produzir valores.
3Obviamente que nos termos da teoria utilitarista, mesmo que uma arma nuclear nunca seja acionada, pelo simples fato dela existir e servir para coagir, ela representaria um benefício e se justificaria sua produção desde que os custos marginais fossem iguais aos benefícios marginais. Somente em termos assim tão desfigurados que tal produção pode ser aceita e ainda contabilizada como saldo positivo no PIB de uma nação. Uma vez que se objetive a construção de uma outra sociedade, uma nova ética deve pesar nas decisões econômicas.
4Leia-se risco nuclear e/ou biológico.
5Para Mészáros (2002), o Estado é materialidade de um sistema de garantias de reprodução do capital; sendo o Estado Moderno inconcebível sem o capital, e o capital complementa-se pelo Estado. Por sua vez, Poulantzas (1990), refletindo acerca dessa mesma temática afirma que o Estado é uma condensação material de relações de forças entre classes e frações de classes e, portanto, todas as suas intervenções haverá uma tensão permanente entre os interesses do capital hegemônico e parcelas secundárias do capital. De modo que, neste trabalho, escrevemos em itálico a expressão "Estado" quando ela expressar este significado, para distingui-la de Estado enquanto Unidade da Federação.
6"Ajuste espacial" pode ser pensado como o ponto específico do espaço em que o capital e o trabalho encontram-se para a produção com um determinado nível de tecnologia, e possibilidades de circulação dessa produção em tempo economicamente viável até completar o processo de realização do capital. Quando a produção enfim, é consumida, adquirindo novamente o status de valor de uso. Dialeticamente esse movimento induz a uma nova configuração da relação capital e trabalho, que por fim demandará novo ajustamento do espaço, inferindo ao espaço a própria dinâmica de (re) produção do capital. Referimo-nos a dois diferentes movimentos que se inter-relacionam. O ajuste espacial, que no âmbito da circulação altera a relação tempo/espaço, como, também, esse movimento de ajuste, pode por intermédio de investimentos de longo prazo, alterar de modo temporal as crises de superprodução do capital (Harvey 2005).
7[...] o fundo público é agora um ex-ante das condições de reprodução do capital particular e das condições de vida, contra seu caráter ex-post, típico do capitalismo concorrencial. Ele é a referência pressuposta principal, que no jargão de hoje sinaliza as possibilidades de reprodução. (Oliveira 1998, 21)
8Trata-se da Segunda revolução industrial.
9Hermamn argumenta que a partir de 1981, o Governo adotou um modelo de ajuste explicitamente recessivo, com o objetivo de reduzir a absorção interna e ampliar os excedentes exportáveis (2005, 110).
10Para a corrente ortodoxa, o processo inflacionário é fruto da excessiva expansão da moeda, utilizada para financiar os gastos de um Governo que gasta mais do que arrecada, o choque ortodoxo proposto pressupõe: redução dos gastos, aumento das receitas e tributos, corte na emissão de moedas e títulos de dívida. Enquanto para os heterodoxos, tratava-se de uma inflação com caráter inercial, ou seja, a inflação anterior teria um componente de memória, e assim, neste caso, o empresário remarca os preços levando em consideração a inflação do período anterior, a receita básica seria o congelamento dos preços até acabar a inercialidade (Castro 2005, 119-121).
11Plano Cruzado; Cruzadinho; Cruzado II; Plano Bresser; e finalmente Plano Verão.
12Pelo menos na forma como ele estava proposto, seja em termos ideológicos ou práticos.
13O dilema neoclássico sobre o que produzir, como produzir e para quem produzir, ganha uma nova perspectiva, partindo do princípio de uma limitação real dos recursos, e não naquela perspectiva anterior, de uma limitação transponível pela técnica.
14Concordamos com Rebelo Junior (2002), quando aponta tratar-se de um clube formado pela elite do poder, e tratavase de reencontrar uma nova meta superior para a humanidade, que reunificasse os países do terceiro mundo ao centro econômico. Uma vez que a luta contra o socialismo não dava mais sustentação a ordem mundial, e os periféricos reclamavam o controle de seus recursos.
15Conceito: "O desenvolvimento Sustentável é aquele que atende às necessidades da geração presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações atenderem as suas necessidades".
16Sob a ameaça de esgotamento dos recursos caso os países da periferia continuassem a apresentar os altos índices de crescimento, leia-se industrialização.
17Trata-se do Consenso de Washington, que a partir de 1989 seria seguido como uma cartilha por vários Governos.
18Trata-se de um conjunto de medidas, para as quais o custo de se produzir no Brasil, possa ser comparado com o custo de se produzir em qualquer outro local do mundo, ou mesmo na decisão interna de produção. Segundo conceituação da Revista Custo Brasil, são responsáveis pela baixa competitividade e ineficiência das empresas no Brasil.
19Trata-se de um programa composto por 952 projetos, dos quais, 494 de infraestruturas. Teve como base os estudos do Consórcio Brasiliana, realizados pela empresa de consultoria em análise estratégica –Booz. Allen & Hamilton– Construção e desenvolvimento de infraestruturas em parceria com Bechetel –e Project finance– ABN AMRO.
20Em 2003, foi feita pelo governo federal a "I Carteira de Projetos do PPP" a qual identificava todos os projetos de infraestrutura propostos no PPA 1996-1999 (Brasil em Ação), cuja participação da iniciativa privada era considerada essencial (Ministério do Planejamento 2003).
21Para um maior aprofundamento desta temática, consultar Abreu, Souza e Moretti (2000).
22Possui 2.400 quilômetros de vias navegáveis de Piracicaba e Conchas (ambos em São Paulo) até Goiás e Minas Gerais (ao norte) e Mato Grosso do Sul e Paraguai (ao sul). Um estudo detalhado acerca desta hidrovia pode ser encontrado em Farremberg (1998).
23Funciona como um elevador, para as embarcações transporem os desníveis, no caso específico da eclusa de Jupiá, após a sua construção, o único ponto não navegável é na hidrelétrica de Itaipu, onde ainda não há eclusa.
24O custo total da construção do GASBOL segundo a Transportadora Brasileira Gasoduto Brasil-Bolívia (TGB) foi da ordem de US$ 2 bilhões, sendo 1.6 bilhões no Brasil e 400 milhões na Bolívia (Grupo SOBEL, Soluções Logísticas Industriais. TGB Logística Industrial s.f.).
25Para um maior aprofundamento dessa temática, consultar dentre outros IIRSA (2003).

Referências

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