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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

Print version ISSN 0121-215XOn-line version ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. vol.23 no.1 Bogotá Jan./june 2014

 

Encontros de Geógrafos da América Latina: espaço para construção de uma Geografia Latino-Americana

Os encontros acadêmicos são, por sua natureza de socialização do saber, espaços privilegiados de disputas na perspectiva do campo científico, mas, também e sobretudo, de interação, permitindo que linhas teóricometodológicas diversas entrem em contato a partir do diálogo entre os diferentes sujeitos (experientes professores universitários, pesquisadores, alunos de graduação e de pós-graduação, representantes do Estado, lideranças sociais, dentre outros) presentes para o debate.

Na América Latina, durante praticamente a segunda metade do século XX, a realização de trocas acadêmicas, mediadas pelos encontros, foram dificultadas pela forte presença de regimes autoritários em quase todos os seus países.

Situação excepcional foi a que se realizou no interior da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), criada em 1948, pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, em que se produziram inúmeras reflexões para a região com a participação de intelectuais de várias origens nacionais, como o argentino Raul Prebisch e o brasileiro Celso Furtado, cujas propostas se centravam no crescimento industrial e na ampliação e melhoria da infraestrutura.

No entanto, mesmo com dificuldades de realização de debates mais politizados, muitos encontros acadêmicos começaram a ser organizados, com o início da abertura política, nos países latino-americanos, o que corroborou, em grande medida, a busca pela interlocução para além dos espaços nacionais.

A tradição de realização de encontros e de seus similares é já bastante consolidada nos países da América Latina. No entanto, recente a preocupação em articular esforços para reunir acadêmicos de diferentes origens nacionais para estabelecerem o diálogo. Assim, pretendemos analisar o significado e a abrangência do Encontro de Geógrafos da América Latina (EGAL) como espaço para construção de uma Geografia Latino-Americana, tendo como referência o local de realização do evento, a origem dos acadêmicos, as possibilidades de interlocução e a sua estrutura institucional. Para tanto, iniciaremos pela discussão do significado dos eventos nacionais e seguiremos pela análise dos Encontros de Geógrafos da América Latina.

    Tradição de eventos nacionais: ascensão de intelectuais e consolidação da docência universitária e da pesquisa

A história dos eventos nacionais, nos países latino-americanos, não é recente. Coaduna-se com o movimento de ampliação do conhecimento do mundo que já vinha se consolidando com as sociedades geográficas europeias desde o século XIX, cujas reuniões permitiam discutir o que de novo se aportava a partir de cada uma das longas e duradouras viagens dos pesquisadores deste período. Vale, aqui, lembrar a importância que possuíam eventos como o das Exposições Universais, realizadas desde meados do século XIX, para apresentar as inovações no campo da tecnologia e da indústria, espaços de disputa, mas, também, de difusão de conhecimentos.

Nos países latino-americanos, tais eventos dependerão, em grande medida, da consolidação dos projetos de universidades presentes no século XX, mais que dos cursos de formação universitária, que já vinham se realizando, em algumas áreas, desde o século XVI, na América Espanhola, e XIX, no Brasil.

No caso brasileiro, o projeto de universidade, proposto por Francisco Luís da Silva Campos e promulgado, em 1931, por Getúlio Vargas, possuía, como finalidades primeiras:

[...] elevar o nível da cultura geral; estimular a investigação científica em quaisquer domínios dos conhecimentos humanos; habilitar ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e científico superior; concorrer, enfim, pela educação do indivíduo e da coletividade, pela harmonia de objetivos entre professores e estudantes e pelo aproveitamento de todas as atividades universitárias, para a grandeza da Nação e para o aperfeiçoamento da Humanidade. (Presidência da República do Brasil s.d.a)

Para a constituição das universidades, tornava-se obrigatória a congregação de, ao menos, três dos seguintes institutos de ensino superior: Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina, Escola de Engenharia e Faculdade de Educação, Ciências e Letras. A legislação de 1945 reduz a restrição, impondo a congregação de três institutos de ensino superior, dos quais dois estivessem entre os seguintes: Faculdade de Filosofia, Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina e Faculdade de Engenharia (Câmara dos Deputados s.d).

No bojo deste movimento de constituição de universidades no Brasil, é criada, em 1934, a Universidade de São Paulo, cuja presença de expedições francesa, italiana e alemã foi fundamental para constituir um espaço de produção e difusão do conhecimento.

Neste mesmo ano, é fundada a Associação dos Geógrafos Brasileiros, por Pierre Deffontaines, o primeiro catedrático da cadeira de Geografia da Universidade de São Paulo, substituído, a partir de 1935, por Pierre Monbeig, que permanece, no Brasil, até 1946.

Em 1944, já congregando inúmeros sócios, profissionais, estudantes e colaboradores de várias regiões brasileiras, a Associação dos Geógrafos Brasileiros consolida-se como uma instituição nacional, tendo sido criadas as seções regionais de Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco e Bahia; quando, em 1946, realiza sua primeira reunião nacional, sob a direção do catedrático de Geografia do Brasil da Universidade de São Paulo, professor Aroldo Edgard de Azevedo.

No final da década de 1970, após inúmeras reuniões nacionais, ocorrem mudanças regimentais na Associação dos Geógrafos Brasileiros que passa a organizar encontros nacionais a cada dois anos, os quais se transformam em congressos nacionais a cada década, agora, incluindo bacharéis e licenciados em Geografia, estudantes e interessados em geral, em que o XVII Encontro Nacional de Geógrafos, realizado em Belo Horizonte, contou com mais de 3000 comunicações livres.

Foi o período em que também surgiu, no seio da Associação dos Geógrafos Brasileiros, o Encontro Nacional de Geografia Agrária, cuja primeira reunião ocorre, em 1978, na cidade de Salgado (estado de Sergipe), tendo sido realizada sua 22ª edição, em Uberlândia, em 2012, com mais de 350 comunicações livres.

Outros eventos importantes se consolidaram na história da Geografia brasileira, como o Simpósio Nacional de Geografia Urbana, o Simpósio Nacional e Internacional de Geografia Agrária, o Simpósio Nacional de Geomorfologia e o Simpósio Brasileiro de Climatologia Geográfica; dentre outros que vêm se consolidando, como o Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico, o Encontro Nacional e Internacional de Geografia, Literatura e Arte e o Encontro Nacional de Geografia Histórica.

São eventos acadêmicos de natureza ampla (como os nacionais de geógrafos) e específica (de agrária, de urbana, de história do pensamento etc.) que também alimentam o debate do conhecimento geográfico, permitindo difusão de novas leituras teóricas e metodológicas, além da compreensões importantes sobre as dinâmicas espaciais; os quais permitiram a ascensão de inúmeros pesquisadores e professores experientes no contexto nacional, inicialmente, e internacional em seguida; contribuindo para a consolidação da pesquisa e da docência universitárias.

A partir das experiências nacionais de debate acadêmico, em que se detalhou o caso brasileiro, foi possível avançar na construção de um evento latino-americano, o Encontro de Geógrafos da América Latina.

    Encontro de Geógrafos da América Latina: do passado ao futuro

Pensado a partir do grupo de geógrafos liderado por Antonio Olívio Ceron, em Rio Claro (estado de São Paulo), em 1987, ocorre o I Encontro de Geógrafos da América Latina, na cidade de Águas de São Pedro (estado de São Paulo), com o objetivo de realizar "o intercâmbio de experiências e conhecimentos científicos entre geógrafos da América Latina quanto à situação atual do conhecimento geográfico, formação do geógrafo e sua atuação como profissional", contado com a participação de 138 acadêmicos, com as seguintes origens: Argentina (25), Brasil (109), Costa Rica (1), México (1), Uruguai (1) e Venezuela (1). (Arroyo 2005)

Esta primeira reunião contou com a presença de importantes geógrafos brasileiros, como Milton Santos, Amália Inés Geraiges de Lemos, Liliana Laganá, Ana Maria Marques Camargo Marangoni e Adyr Apparecida Balastreri Rodrigues.

Desde a reunião de Águas de São Pedro, o evento foi realizado, a cada dois anos, alternando, quase sempre, o país de acolhimentoentre o hemisfério sul e o norte, como segue: I EGAL (Águas de São Pedro - Brasil, 1987), II EGAL (Montevidéu - Uruguai, 1989), III EGAL (Toluca - México, 1991), IV EGAL (Mérida - Venezuela, 1993), V EGAL (Havana - Cuba, 1995), VI EGAL (Buenos Aires - Argentina, 1997), VII EGAL (San Juan - Porto Rico, 1999), VIII EGAL (Santiago - Chile, 2001), XIX EGAL (Mérida - México, 2003), X EGAL (São Paulo - Brasil, 2005), XI EGAL (Bogotá - Colômbia, 2007), XII EGAL (Montevidéu - Uruguai, 2009), XIII EGAL (San Juan - Porto Rico, 2011) e XIV EGAL (Lima - Peru, 2013).

O último Encontro de Geógrafos da América Latina, realizado em Lima, muito diferente do de Águas de São Pedro em termos de número de participantes, contou com mais de 1.000 comunicações livres, distribuídas em vários espaços para apresentação, com acadêmicos de quase todos os países latino-americanos, além de americanistas.

O volume, extremamente ampliado de professores universitários, pesquisadores, estudantes e interessados em geral, deve-se, em grande medida, ao crescimento da pós-graduação nos países latino-americanos, principalmente em Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México.

    Experiências de construção de uma Geografia latino-americana

A reunião dos intelectuais em eventos, como o Encontro de Geógrafos da América Latina, é um passo importante na construção de uma Geografia latino-americana. No entanto, ainda, pouco eficaz para a verticalização de uma unidade teórico-metodológica que alinhave a grande diversidade temática e espacial que marca a origem dos seus pesquisadores.

O Encontro Internacional Humboldt, já em sua 15ª edição, ocorrida na cidade do México, também, tem se revelado como um importante espaço de interlocução, inclusive, há pouco tempo, com um periódico digital, substituindo a versão em papel que já existia há bastante tempo.

Para além dos eventos, a experiência de oferta de disciplinas por professores visitantes, também, tem sido um espaço importante de trocas e de diálogos, como o que ocorreu, em várias instituições da América Latina, com a presença de Milton Santos; bem como a de Marcelo Escolar, da Universidade de Buenos Aires, na Universidade de São Paulo, em 1993.

Nos últimos anos, na Universidade de São Paulo, realizaram-se inúmeras trocas intelectuais com pesquisadores latino-americanos, sobretudo da Argentina, do México e do Chile, inclusive com oferta de disciplinas ou seminários.

No entanto, estes são esforços, ainda, incipientes na construção de uma Geografia latino-americana, tendo em vista que nossas análises não podem ser generalizadas para muito além dos espaços nacionais.

Grupos de pesquisa têm sido, também, iniciados, articulando pesquisadores de vários países, já com resultados publicados em livros e em periódicos.

Assim, a existência do Encontro de Geógrafos da América Latina é um marco importante na construção de uma Geografia latino-americana, cuja expressão para além da organização dos eventos bianuais pode ser um caminho muito expressivo para articular os intelectuais dos vários países do centro-sul do continente para pensar a América Latina.

Para tanto, será necessário que a sua estrutura institucional não se restrinja à organização dos eventos, mas articule reuniões semestrais, com convocatórias a todos os interessados em temáticas particulares, para a elaboração de projetos de pesquisa para a América Latina.

Esta mudança de postura de promotor de eventos para dinamizador de grupos de pesquisas latino-americanos é uma proposta que envolve, necessariamente, uma mudança do que se reconhece como comissão organizadora do EGAL para uma diretoria do EGAL, para a qual, obrigatoriamente, será preciso que haja uma estrutura institucional, ocupada por diretores eleitos ao final do evento bianual, com diferentes nacionalidades, reunidos com frequência, por meio digital ou fisicamente, a cada dois ou três meses, ao menos.

A diretoria do EGAL seria, então, a que coordenaria a realização do evento, cujo presidente deveria ser do país de sua realização.

São caminhos que nós, geógrafos, precisamos discutir para podermos compreender melhor o que está acontecendo na América Latina, o que permitirá uma maior generalização do que temos proposto para nossos espaços nacionais.

Dr. Júlio César Suzuki
Professor na Universidade de São Paulo, Brasil
Professor visitante na Universidad Nacional de Colombia,
sede Bogotá - Colombia (2013)


Referências

Arroyo, Mónica. 2005. X Encontro de Geógrafos da América Latina Por uma Geografia Latino-Americana. Do Labirinto da Solidão ao Espaço da Solidariedade. Cadernos PROLAM 4 (1): 119-123. http://www.usp.br/prolam/downloads/2005_1_6.pdf (consultado em setembro 2013).         [ Links ]

Câmara dos Deputados. s.d. Decreto-Lei 8457, de 26 de dezembro de 1945. http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-8457-26-dezembro-1945-416374-publicacaooriginal-1-pe.html (consultado em setembro 2013).         [ Links ]

Presidência da República do Brasil. s.d. Decreto 19.851, de 11 de abril de 1931. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/D19851.htm (consultado em setembro 2013).         [ Links ]