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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

versión impresa ISSN 0121-215Xversión On-line ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. vol.23 no.2 Bogotá jul./dic. 2014

https://doi.org/10.15446/rcdg.v23n2.43367 

http://dx.doi.org/10.15446/rcdg.v23n2.43367

Geopolítica fragmentada: interações transfronteiriças entre o Acre (BR), o Peru e a Bolívia*

Geopolítica fragmentada: interacciones transfronterizas entre Acre (BR), Perú y Bolivia

Fragmented Geopolitics: Cross-border Interactions among Acre (BR), Peru, and Bolivia

 

Lia Osorio Machado**
Leticia Parente Ribeiro***
Licio Caetano do Rego Monteiro****
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro - Brasil

* O presente artigo resulta de uma pesquisa apoiada pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
** Endereço postal: Rua João Zanetti, 31/202, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, Brasil. CEP: 22621-030. Correio eletrônico: gruporetis@ufrj.br
*** Endereço postal: Rua Rainha Guilhermina, 150/305, Leblon, Rio de Janeiro, Brasil. CEP: 22441-120. Correio eletrônico: leticiapr@ufrj.br
**** Endereço postal: Rua do Oriente, 222/102, Santa Teresa, Rio de Janeiro, Brasil. CEP: 20240-130. Correio eletrônico: liciocaetano@ufrj.br

RECEBIDO: 1 DE SETEMBRO DE 2013. ACEITO: 5 DE NOVEMBRO DE 2013.
Artigo de pesquisa que analisa as interações espaciais na região fronteiriça entre Brasil, Peru e Bolívia, com destaque para o surgimento de uma geopolítica fragmentada que passa a orientar as relações entre os países. Propõe ainda uma reflexão sobre o conceito de região, incorporando as noções de limites flexíveis e estruturas estáveis.


Resumo

O primeiro propósito deste artigo é analisar algumas das interações espaciais na zona de fronteira que compartem Brasil, Peru e Bolívia, no momento em que se finaliza a construção da Rodovia Transoceânica que conecta o Brasil e a Bolívia ao litoral do Pacífico no Peru. O segundo propósito é sugerir que a abordagem da geopolítica clássica centrada em grandes espaços (nacionais, subcontinental, continentais) e iniciativas governamentais deve ser, ao menos, complementada pelo reconhecimento da existência de uma geopolítica fragmentada, isto é, um pensamento geopolítico direcionado a pequenos espaços e por pequenos jogos geopolíticos dos governos e de agentes não estatais. A pesquisa enfatiza a conveniência de repensar o conceito de região considerando os limites flexíveis e estruturas espaciais instáveis.

Palavras-chave: Acre, geopolítica, interações transfronteiriças, região, zona de fronteira.


Resumen

El primer objetivo de este artículo es analizar algunas interacciones espaciales en la zona de frontera que comparten Brasil, Perú y Bolivia, en el momento en que se finaliza la Transoceánica que conecta Brasil y Bolivia al litoral del Pacífico en Perú. El segundo objetivo es sugerir que el abordaje de la geopolítica clásica centralizada en grandes espacios (nacionales, subcontinental y continentales) e incentivos gubernamentales debe ser, por lo menos, complementada por el reconocimiento de la existencia de una geopolítica fragmentada, es decir, un pensamiento geopolítico direccionado a pequeños espacios y por un pequeño juego geopolítico de los gobiernos y agentes estatales. La investigación enfatiza la conveniencia de repensar el concepto de región, considerando los límites flexibles y estructuras espaciales inestables.

Palabras clave: Acre, geopolítica, interacciones transfronterizas, región, zona de frontera.


Abstract

The first objective of this article is to analyze some of the spatial interactions in the border zone shared by Brazil, Peru, and Bolivia, at the moment when the Interoceanic Highway connecting Brazil and Bolivia to the Pacific coast in Peru is completed. The second objective is to suggest that the classical geopolitical approach focused on great spaces (national subcontinental, and continental) and on government incentives should at least be complemented by the acknowledgement of the existence of a fragmented geopolitics, that is, of a geopolitical thought that targets small spaces and the small geopolitical game of governments and state agents. The study emphasizes the convenience of rethinking the concept of region, taking into account flexible borders and unstable spatial structures.

Keywords: Acre, geopolitics, cross-border interactions, region, border zone.


Introdução

No século passado dois eventos chamaram a atenção do público para o atual estado do Acre. O primeiro ocorreu no início do século XX com o episódio conhecido como "a questão acreana", na qual seringueiros brasileiros reivindicaram, com sucesso, a posse de uma área da Bolívia, algumas vezes motivo de ressentimento entre os bolivianos que se consideram vítimas de espoliação territorial. O segundo evento ocorreu na década de 1980, quando o seringueiro Chico Mendes se destacou internacionalmente com sua luta pela preservação dos seringais nativos até seu assassinato anos mais tarde. A fronteira do Acre com o Peru é ainda menos conhecida pelo público, com exceção de indígenas, acadêmicos e algumas empresas.

Neste início da segunda década do século XXI novos eventos estão ocorrendo nessa região do extremo sudoeste amazônico, com destaque para a inauguração da Rodovia Interoceânica que liga a Amazônia Ocidental ao litoral do Oceano Pacífico no Peru. A rodovia é parte de um projeto mais abrangente do governo brasileiro, com anuência (parcial) de seus vizinhos, de conectar o Brasil aos portos do Pacífico.

Dar visibilidade aos confins do sudoeste da Amazônia brasileira pela descrição sucinta das interações espaciais nessa grande região transfronteiriça compartilhada por Brasil, Peru e Bolívia tendo em vista a inauguração da Rodovia Interoceânica é o primeiro objetivo deste artigo. O segundo objetivo é o de prosseguir na pesquisa sobre as novas perspectivas do pensamento geopolítico em tempos de partilha territorial movida por setores econômicos específicos. Embora a visão geopolítica tradicional fundamentada no estado nacional ainda seja válida -basta observar o cerco geopolítico de certos estados em relação a outros-, os trabalhos dedicados aos efeitos da globalização (e de sua expansão e retração desigual) no espaço geográfico enfatizam a relevância das regiões transnacionais para o pensamento geopolítico atual (Albert e Reuber 2007; Cowen e Smith 2009; Harvey 2010; Scott 2008; Veltz 1996).

Por várias razões, os espaços fronteiriços da América do Sul são exemplares para o estudo dos diferentes processos que podem induzir, simultaneamente, a formação de regiões transnacionais e a reação de agentes sociais a elas (Zarate Max 2008).

Primeiro, a dinâmica dos espaços fronteiriços transnacionais não se limita ao econômico -são cada vez mais espaços de contestação política entre corporações, firmas multinacionais, empresas privadas nacionais, grupos étnicos, grupos religiosos, organizações não governamentais, organizações criminosas (frequentemente em conluio com agentes governamentais e privados), governos locais e nacionais, além de governos e empresas de terceiros países. Em segundo lugar, os recursos naturais ainda pouco explorados da maior parte das regiões de fronteira na América do Sul, geralmente periféricas aos principais centros nacionais, atraem a atenção de governos e empresas empenhadas em explorar o mercado internacional de energia e minério; a dinâmica desse mercado se relaciona menos com questões de demanda e oferta do que a movimentos especulativos no mercado financeiro global, que estão transformando-os em reservas de valor ("store values") para investidores privados e institucionais. Terceiro, as áreas de fronteira são o lugar onde projetos e ações de agentes e atores nacionais e internacionais adquirem uma visibilidade quase brutal devido à parca mediação entre os diferentes interesses em jogo; muito embora o país fronteiriço tenha arcabouço institucional, as interações transfronteiriças locais raramente estão representadas institucionalmente (Machado, Novaes e Rego Monteiro 2009).

É essa constatação que nos leva a sugerir neste texto a emergência de uma geopolítica fragmentada, ou de pequenos espaços. Ao contrário da geopolítica clássica, concebida por estados nacionais para grandes espaços, uma geopolítica dos pequenos espaços trata do direcionamento e desenho de ações políticas e econômicas de governos, empresas e outros agentes não governamentais especificamente para espaços periféricos (entre eles as regiões de fronteira) e em defesa de interesses declaradamente setoriais.

Uma geopolítica fragmentada encontra lugar na arena internacional na medida em que se acentua a competição por influência e poder entre estados, entre estados e regiões transnacionais, e entre estes e as grandes empresas, principalmente aquelas direcionadas à exploração de fontes primárias. Ao mesmo tempo, o oportunismo que caracteriza as ações dos estados e empresas emerge, de forma menos organizada, entre setores populacionais no terreno, em sua luta para obter ganhos sociais e econômicos por meio de movimentos reivindicatórios ou de resistência, mais ou menos politizados.

O Acre e a fronteira internacional

A linha de fronteira internacional acreana tem 2.183 km de extensão, a maior parte com o Peru (quase 72%). Étambém o estado da federação mais próximo do Oceano Pacífico -cerca de 1.200 km por via rodoviária que corta os Andes. Dos 22 municípios que compõem o Acre, 17 deles são vizinhos do Peru e da Bolívia, sete deles com sede próxima ou na linha de fronteira (municípios de Acrelândia, Plácido de Castro, Capixaba, Epitaciolândia, Brasiléia, Assis Brasil e Santa Rosa do Purus).

O aumento da pressão sobre as áreas de proteção ambiental e as terras indígenas, a entrada de firmas nacionais e multinacionais, as frentes extrativas, o desmatamento, a economia das drogas ilegais e a mobilidade humana nos dois lados da fronteira internacional são alguns dos fatores que regulam formal e informalmente o ritmo e o tipo de uso do território e de interações transfronteiriças entre o Acre e as regiões de fronteira do Peru e da Bolívia. Sem que se possa estabelecer uma simples relação de causa-efeito, as alterações espaciais ocorrem concomitantemente a viradas políticas de maior alcance.

No caso boliviano, a eleição de Evo Morales mudou não só a relação com os países vizinhos, mas também a balança interna de poder entre o governo central e os governos locais, com repercussões na reorganização territorial da zona de fronteira entre Acre e Bolívia (departamento1 de Pando). Neste departamento, a pressão para a saída de imigrantes e proprietários (de terra) brasileiros da faixa de 50 km limítrofe ao Brasil foi acompanhada por incentivos à colonização dessas terras por bolivianos. Além disso, investimentos na infraestrutura rodoviária estão buscando reverter o histórico isolamento do norte amazônico em relação ao centro político da Bolívia. É manifesto o interesse do governo boliviano em promover a ocupação e a economia do norte e nordeste do país com o propósito de fortalecer o estado nacional (Regalsky 2010; Ribeiro et al. 2012), embora esse desejo esteja limitado pela falta dos recursos necessários.

Com o Peru, as relações diplomáticas e econômicas têm sido estáveis nas últimas décadas, impulsionada em parte pelo interesse peruano em atrair capital externo em empreendimentos conjuntos para a exploração das riquezas minerais em sua área amazônica, principalmente em fontes de energia (petróleo e gás). Por outro lado, a construção e o asfaltamento da Rodovia Interoceânica e da ponte sobre o rio Acre (2001-2005), entre Assis Brasil e Iñapari (departamento de Madre de Dios) foram iniciativas desenhadas para consolidar os interesses brasileiros do lado peruano. É o prolongamento da BR-317 no Peru que forma o Eixo Sul da Rodovia Interoceânica, com porto final de destino em San Juan de Marcona no departamento de Ica no Peru (figura 1).

A expectativa de que ocorressem movimentos populacionais importantes em direção à fronteira internacional com o Peru em função da rodovia não foi confirmada. Os dados mostram que a área no entorno de Rio Branco (capital do estado do Acre) apresentou um pequeno decréscimo populacional (de 47% da população estadual em 2006 para 45% em 2010), porém o contingente populacional dos municípios fronteiriços acreanos com o Peru permanece estável, com aumento relativo da população urbana na última década.

A fronteira Acre-Peru

Os municípios acreanos2 limítrofes aos Departamentos peruanos de Madre de Dios, Ucayali e Loreto se estendem ao longo de uma divisa de 1.565 km, mais de duas vezes a extensão da divisa entre Acre e Bolívia. O povoamento dos dois lados da divisa internacional é caracterizado pela baixa densidade demográfica e existência de populações indígenas de várias etnias. Desde a década de 1980 que o domínio sobre a forma de organização do território fronteiriço está dividido entre os indígenas, a população ribeirinha, coletores não indígenas, pequenos comerciantes e população em trânsito (imigrantes, vendedores viajantes, traficantes de droga, contrabandistas). Mais recentemente, novos nexos nacionais e internacionais talham o espaço fronteiriço segundo outras prioridades e concepções.

A fronteira internacional do Acre com o Peru foi recortada em dois segmentos: a zona de fronteira3 entre o Acre e o departamento de Ucayali; e a zona de fronteira com o departamento de Madre de Dios. O recorte é conveniente apenas para a análise, uma vez que a organização territorial de ambos os segmentos apresenta aspectos similares: frentes extrativas, frentes indígenas e zonas-tampão4.

A zona de fronteira Acre-Ucayali: frentes (indígena, extrativa, agropecuária) e zonas-tampão

Do lado peruano, três províncias do departamento de Ucayali (Purus, Atalaya e Coronel Portillo) são vizinhas a municípios acreanos. No nível distrital (nível peruano mais próximo do município brasileiro), as três províncias apresentam quatro distritos fronteiriços (Calleria, Masisea, Yuruá e Purus), que registram uma população total de 153.506 habitantes (2007), dos quais 89% concentrados no distrito de Calleria (cidade de Pucallpa e seu entorno, 220 km distante de Cruzeiro do Sul, de avião).

Do lado brasileiro, desde Santa Rosa do Purus até Mâncio Lima, no extremo oeste do estado do Acre, os municípios limítrofes ao departamento de Ucayali registraram população total de 69.634 em 2000, 122.684 habitantes em 2006, e 174.850 em 2010 (23% da população estadual5). A densidade demográfica varia desde o mínimo de 0,37 hab/km2 (Santa Rosa do Purus) até o máximo de 8,58 hab/km2 (Cruzeiro do Sul)6.

Há mais de um século que frentes extrativas de seringueiros e castanheiros percorrem os vales do alto Juruá e Purus, ou seja, os dois lados da divisa internacional. Embora borracha e castanha estivessem destinadas ao mercado internacional, durante a maior parte do século XX sua escala de produção não chegava nem perto do valor de mercado dos principais produtos exportados no final da década de 1990. Grandes firmas multinacionais com parceiros peruanos entraram em operação em vários departamentos da selva amazônica para a exploração de recursos minerais (hidrocarbonetos, ouro) e florestais (madeira), com apoio do governo central do Peru.

Usar o termo "frente" para descrever o movimento de pessoas e produtos no espaço geográfico leva a uma questão conceitual, uma vez que as frentes são territoriais, e a extração de recursos naturais se conecta a redes que cortam o espaço geográfico em longas distâncias (Bebbington [2008] 2009). No entanto, existe uma relação de subordinação direta e indireta de elementos da dinâmica de organização territorial ao espaço das redes (IICA, Ministério da Integração Nacional 2005; Ruggie 1993).

Aqui destacamos os pequenos jogos que constituem a geopolítica fragmentada do segmento fronteiriço Acre-Ucayali: a expansão da fronteira energética, a atuação das frentes madeireiras, as redes de lavagem de dinheiro e o tráfico de drogas, a formação de áreas protegidas e terras indígenas na zona de fronteira e a atuação de organizações não governamentais nacionais e internacionais.

A frente extrativa de energia de origem fóssil se expande desde a segunda metade da década de 1990, principalmente na Amazônia Peruana, região-alvo de grandes multinacionais que operam no setor de gás e petróleo (Finer Matt et al. 2008). A principal área produtora se situa no nordeste do país (departamento de Loreto), de onde uma rede de oleodutos se estende desde a floresta amazônica até o litoral do Pacífico. Na década de 2000, a frente avançou com ímpeto em direção à bacia do Ucayali, apoiada por empréstimos de vários bancos internacionais. Na fronteira com o Acre, os campos de exploração, inclusive da Petrobras/Peru, superpõem-se a terras indígenas e áreas de conservação. A política de independência energética é impulsionada com vigor pelo governo do Peru (o país registrou o mais elevado crescimento relativo do PIB sul-americano em 2010).

A projetada frente extrativa hidráulica pretende explorar o grande potencial energético do piemonte andino peruano com a construção de usinas hidrelétrica em várias bacias hidrográficas (vales do Ucayali, Ene-Apurimac, Madre de Dios), financiada por capital brasileiro e peruano. Uma delas é a de Inambari no vale do rio Madre de Dios, um dos principais formadores do rio Madeira, onde estão as usinas de Santo Antonio e Jirau. Este projeto em particular encontra forte resistência de alguns setores peruanos, os motivos variam desde a acusação de planos geopolíticos de hegemonia brasileira na região, eventuais prejuízos ambientais e sociais, o destino da energia e dos royalties, até a crítica de setores da população local de que uma futura hidrelétrica de Inambari causará a inundação de um tramo da Rodovia Interoceânica (BIC 2010; Dourojeanni, Barandiarán e Dourojeanni 2009).

Nas duas últimas décadas, ao longo do vale do Ucayali, frentes madeireiras acompanham a frente agropecuária, o que resulta em desmatamento e queimadas, similar ao registrado no vale do Juruá no Acre, em direção à fronteira com o Peru, um processo fácil de acompanhar diariamente pelos focos de queimada nas fotos de satélite da NASA. O vale do rio Ucayali forma um terceiro grande eixo de povoamento (os outros são a BR-364 e a BR-317 no Acre). Grandes firmas nacionais e multinacionais madeireiras se conectam a uma ampla rede internacional de importadores no exterior e de uma cadeia de fornecedores (indígena e não indígena) na região.

Um aspecto a ser destacado na dinâmica da frente agropecuária e madeireira é a importância do afluxo de capital oriundo da lavagem de dinheiro pela economia do tráfico de drogas (Chaves 2010; Piedrafita e Aquino 2005). O investimento legal de dinheiro oriundo de atividades ilegais é uma característica comum das zonas de fronteira -e da sociedade atual (Machado 2003, 2009)-, o que contraria o senso comum, que acredita ser a zona de fronteira internacional apenas um lugar de passagem da droga.

O vale do Ucayali abriga produtores de coca e "laboratórios" de cocaína conectados à rede mundial de tráfico, apesar da repressão ao plantio na década de 1990 (Machado 2001; Piedrafita e Aquino 2005). A economia do tráfico estimulou indiretamente o crescimento do comércio e serviços na cidade de Pucallpa, um dos centros difusores de dinheiro lavado, e estimulou o investimento em compra de terras, o que contribuiu, por sua vez, para a exploração de madeira e a expansão da agropecuária. O processo não se restringe ao Ucayali: a política antidrogas patrocinada pelo governo americano em décadas passadas foi um dos principais motivos do deslocamento da população do vale do Huallaga e outros vales andinos para as áreas de fronteira na floresta amazônica peruana e além dela. A economia urbana de Cruzeiro do Sul, por exemplo, depende em grande medida do tráfico de ilícitos: quando caiu a produção de coca nos vales andinos peruanos em meados da década de 1990, o ritmo de crescimento da cidade acreana retraiu. A cidade voltou a crescer em meados dos anos 2000 quando a produção de coca e cocaína peruana tem novo ciclo de expansão (UNODC 2011)

As firmas responsáveis pela dinâmica das diferentes frentes extrativas definem mais forte e diretamente a funcionalidade do território em termos dos mercados internacionais do que na fronteira Acre-Bolívia, onde a eventual conexão com o mercado internacional se faz por meio de mercados regionais e nacionais.

Outro aspecto da organização territorial são as áreas protegidas e as terras indígenas distribuídas ao longo da zona de fronteira, inspirada na antiga noção de "zona-tampão". Essa política foi promovida por mais de uma organização não governamental, como a World Wildlife Fund (WWF), e pelos governos peruano e brasileiro. Iniciada em meados da década de 1990, teve o objetivo de restringir a entrada de frentes madeireiras e garimpeiras não indígenas nas áreas de floresta e nas terras indígenas (IICA, Ministério da Integração Nacional 2005; Steiman 2008) (figura 1).

No extremo oeste se situa o Parque Nacional Serra do Divisor (criado em 1989), do lado brasileiro, e a Zona Reservada Sierra del Divisor, do lado peruano (criada em 2006)7. A divisa que segue a Sierra de Contamana é também a divisa entre as bacias dos rios Juruá e Ucayali, e tem sido objeto de interesse de terceiros países desde a primeira metade do século XX8. Mais recentemente, a hipótese de uma relação entre a presença de aquíferos e linhas de cabeceiras pode conferir relevância ainda maior a essa área, não só ambiental como geopolítica.

Reservas extrativistas e florestas nacionais também foram criadas do lado brasileiro da divisa. A criação de unidades de conservação e áreas protegidas não significa restrições à presença ou mobilidade indígena; várias terras indígenas são superpostas a unidades de conservação, tanto no Acre quanto no Peru. É o caso dos povos Ashaninka, Kaxinauá e Kulina (município de Mal. Thaumaturgo), no rio Amônea (T. I. Kampa do rio Amônea), em Foz do Breu, e nos rios Envira e Tarauacá. São menos de 10 mil índios dessas etnias no Acre e mais de 80 mil indivíduos no Peru, espalhados ao longo dos rios Ucayali, Tambres, Perene e nas cabeceiras do rio Juruá no Peru. Tanto a população indígena quanto a não indígena mantém contato de tipo familiar e/ou tribal, ou mantém modestas trocas comerciais na zona de fronteira.

A finalização da demarcação de limites entre o Brasil e o Peru (1909) transformou a secular livre mobilidade indígena nos altos vales do Purus e Juruá em trânsito transfronteiriço intermitente entre grupos da mesma etnia. Na segunda metade do século XX, fluxos imigratórios de grupos indígenas e não indígenas de outras regiões do Peru se dirigiram à zona de fronteira, em busca de melhores oportunidades de trabalho ou por expulsão de suas terras originárias. É esse processo que impulsiona a "frente indígena", um tipo de mobilidade encontrada em outros segmentos de fronteira na Amazônia Sul-americana. Frentes indígenas podem ser identificadas tanto no Peru quanto no Acre -nos casos de Santa Rosa do Purus (Acre) e Puerto Esperanza (província do Alto Purus, departamento de Ucayali); Foz do Breu e Foz do Rio Amonea (Mal. Thaumaturgo).

No Ucayali, as firmas instaladas com o apoio do governo e em parceria com investidores peruanos incentivam o corte ilegal de madeira em áreas protegidas e terras indígenas (NRDC 2006), similar ao processo que ocorre no Acre e outras sub-regiões amazônicas brasileiras, onde uma parte da população indígena se organiza em movimentos de resistência e/ou adaptação, enquanto outros são cooptados por oferta de trabalho e de lucro na extração da madeira e de minerais. O bilionário mercado mundial de madeira promove indiretamente o avanço de fluxos indígenas, tanto locais (Ashaninka, Kaxinawá) quanto de outros departamentos peruanos ao longo do alto Purus e alto rio Juruá em direção ao Acre, o que tem ocasionado conflitos entre grupos indígenas na zona de fronteira.

Os ashaninka peruanos têm sido com frequência mencionados na mídia regional e nacional desde 2001 devido às denúncias sobre as investidas desse grupo no lado brasileiro para a extração ilegal do mogno. No entanto, o Grupo de Trabalho para Proteção Transfronteiriça da Serra do Divisor e Alto Juruá (Brasil-Peru) e algumas organizações não governamentais demonstram que a questão não pode ser posta em termos de "invasão" e sim de livre trânsito indígena entre o Peru e o Brasil. Para que isso se concretize, os Ashaninka e outros povos indígenas defendem o investimento do estado central na vigilância da divisa, porém associada a uma política contrária à construção de infraestrutura e à superposição de concessões florestais em territórios indígenas (Oliveira 2009; Piedrafita e Aquino 2005; Ricardo e Ricardo 2006). Contudo, a resposta dos governos tem estado na contramão dessas reivindicações, não só pela construção da Rodovia Interoceânica, mas também na previsão de futuras estradas entre Pucallpa e Cruzeiro do Sul, e entre Iñapari (departamento de Madre de Dios) e Puerto Esperanza.

Os conflitos e as reivindicações levaram o Exército Brasileiro, em 2005 e de novo em 2010, a propor a instalação de novos pelotões especiais de fronteira - doravante PEF ao longo da fronteira acreana, além do PEF de Santa Rosa do Purus. O investimento institucional nessa área está restrito à perspectiva tática (prefeitura, pista de pouso, pelotão de fronteira, unidade militar de assentamento rural - UMAR). Embora existam críticos de unidades militares próximo a terras indígenas, é de fato uma obrigação constitucional garantir a segurança na faixa de fronteira. Os militares atuam como fiel da balança em casos de tensão transfronteiriça e de tensão entre indígenas, extratores de madeira, seringueiros, assentados e grandes proprietários do lado brasileiro9. Assinala-se que um dos principais motivos de resistência à presença do Exército parte dos grandes proprietários que temem uma futura participação da instituição na ordenação fundiária.

A zona transfronteiriça Acre-Madre de Dios: interações espaciais e a Rodovia Interoceânica

Enquanto os grandes efeitos da Rodovia Transoceânica entre Brasil e Peru ainda são aguardados, os pequenos jogos geopolíticos tendem a antecipar aberturas e desafios relacionados à intensificação dos fluxos.

As interações transfronteiriças podem ser imateriais. Como mencionado acima, a construção da Rodovia Transoceânica tem estimulado o avanço da frente agropecuária e de frentes extrativas dos dois lados da divisa. Em princípio, a divisa internacional que separa países também separa seus respectivos sistemas de organização territorial. No entanto, o que de fato está ocorrendo é a transposição para o lado peruano do mesmo padrão amazônico brasileiro de ocupação territorial: apropriação das terras de forma especulativa, subordinação de ribeirinhos, coletores, pequenos produtores rurais, surgimento de núcleos proto-urbanos, invasão de terras indígenas e áreas protegidas, abertura de estradas endógenas etc. A adoção de um mesmo modelo de ocupação territorial nos dois lados da fronteira é o resultado de uma transposição imaterial (modelo de ocupação), que, no entanto, se transforma em força material.

Embora questionada pelos ambientalistas, a Rodovia Interoceânica é vista pelos imigrantes e pelos governos como o primeiro passo na abertura de um novo espaço de oportunidades: os primeiros fogem da pobreza enquanto os últimos se aproximam do mercado internacional asiático, principalmente chinês. Os impactos negativos da rodovia poderiam ser reduzidos e mitigados por um espaço planejado com lugar para todos e sem ferir em demasia o ambiente, o que não acontece. Por outro lado, espaços planejados são geralmente normativos, exigem rodadas de negociação com os diferentes atores, levam mais tempo para concretizar e tendem a ignorar o papel social das interações informais, principalmente na zona de fronteira onde essas interações são geralmente consideradas ilegais (Machado, Novaes e Rego Monteiro 2009).

Duas das três províncias do departamento de Madre de Dios (Tahuamanu e Tambopata) são vizinhas de três municípios acreanos (Assis Brasil, Sena Madureira e Manoel Urbano). Assis Brasil é o único com sede na divisa internacional. Nos três municípios brasileiros foram registrados 39.274 habitantes em 2000 (7% da população estadual)10 e 58.132 habitantes em 2010 (aumento de 48%). A população municipal de Assis Brasil é de 6.000 habitantes (2010), mais da metade vive na sede municipal. A densidade demográfica varia entre 0,67 hab/km2 em Manoel Urbano até o máximo de 1,22 hab/km2 em Assis Brasil.

O departamento de Madre de Dios é o menos povoado do Peru. Entre 2005 e 2007, a população total aumentou de 92.000 para 112.814 habitantes (73% urbana). A densidade demográfica varia entre 1,9 hab/ km2 na província de Tambopata ao sul, onde está Puerto Maldonado, e 0,5 hab/km2, na província de Tahuamanu na divisa com o Acre, ao norte. A capital do departamento, Puerto Maldonado, está a cerca de três horas de Inãpari na divisa com o Brasil. A pequena Iñapari (menos de 1.000 habitantes em 2007) mantém modestos intercâmbios com Assis Brasil, mas as cidades estão hoje conectadas por ponte internacional sobre o rio Acre. Ainda mais modestas são as interações entre ambas as aglomerações e Bolpebra do lado boliviano (25 famílias)11. Grande parte da interação do Acre com Puerto Maldonado, que tem aeroporto internacional, baseia-se no tráfico de ilícitos e no contrabando, porém não há informação sistemática sobre o volume de drogas (pasta de cocaína e cocaína).

A ausência de complementaridade entre a produção agrícola e extrativista nesta fronteira é um fator restritivo às trocas, como Alexandre V. Humboldt já havia observado em sua viagem à região equinocial no início do século XIX. O cultivo da mandioca permanece sendo a principal produção, juntamente com a extração de produtos florestais (seringueiras, castanhais). Do lado acreano, a frente agropecuária expande as pastagens em áreas desmatadas ou florestadas para a criação de gado bovino, inclusive no interior das reservas extrativistas (RESEX). A adoção desse mesmo padrão de uso da terra no Peru reproduz a ausência de complementaridade, o que sugere a necessidade de acordos de cooperação transfronteiriça para o desenvolvimento de arranjos produtivos locais que possam romper o domínio de um só padrão de uso da terra.

Em Madre de Dios também se adotou a política de criar áreas protegidas dos dois lados da divisa. A Zona Reservada Alto Purus (criada em 2000) peruana é separada do Acre na extremidade norte (Santa Rosa) por uma área de povoamento indígena e ribeirinha (Reserva Comunal), com diversos povoados ao longo do vale, o que inclui a capital da província, Puerto Esperanza. A Zona Reservada Alto Purus (Brasil) e o Parque Nacional de Manu (Peru) formam um contínuo de áreas protegidas em direção ao centro sul do departamento. Por sua vez, o estado do Acre criou uma unidade de conservação de proteção integral (Parque Estadual Chandless 2006), vizinha a Z. R. Alto Purus, além da criação da T. I. Mamoadate (Yaminawá, Manchineri) que faz par com a Reserva Territorial Mashco-Piro (Peru). Como ocorre no Acre, as áreas protegidas e terras indígenas estão sendo invadidas ou tendo sua população cooptada pela frente extrativa madeireira. No departamento de Madre de Dios vivem 26 comunidades nativas que ocupam uma área de mais de 450.000 hectares (Fundación Conservación Internacional 2009).

No entanto, a frente extrativa que se destaca no território departamental é a do ouro, situada mais ao sul da fronteira, ao longo dos eixos fluviais dos rios Tambopata, Malinowski e Baixo Madre de Dios. Constitui uma situação exemplar por vários motivos: apresenta uma dinâmica territorial própria de espaços fronteiriços isolados do centro político e demográfico de um país, porém faz parte de uma rede comercial mundial; forma um polo de atração de contingentes populacionais desenraizados ou literalmente desterrados de outras áreas atraídos pela construção de uma grande obra de infraestrutura, a Rodovia Interoceânica; e mostra a perda de direitos de setores da população sobre o território diante do poder arrolador do binômio governo-empresa (Fundación Conservación Internacional 2009; Fernández Felipe-Morales 2009).

A rede de comercialização do ouro é, em muitos aspectos, semelhante à cadeia de aviamento que explorou a borracha amazônica no século XIX e início do XX. As jazidas localizadas nas sub-bacias dos rios Madre de Dios e Inambari (sul e sudoeste do departamento) são exploradas por mineradores autônomos financiados por casas comerciais localizadas nas cidades de Puerto Maldonado e Huepetuhe. Os comerciantes locais levam o minério a Cuzco, onde as maiores casas comerciais concentram a compra e vendem o mineral diretamente aos centros refinadores em Lima. Na capital peruana uma das firmas adquire o ouro de todos os outros centros de refino e vende para as Bolsas Internacionais de Metais (EUA, Europa). Estima-se que a produção de ouro no departamento esteja em torno de pouco menos de quatrocentos milhões de dólares (2007).

A zona de fronteira Acre (Brasil) - Pando (Bolívia): organização territorial e questões geopolíticas emergentes

A zona de fronteira Acre-Pando oferece um estudo de caso altamente complexo para discutir em que medida a interação entre os pequenos jogos, as disputas políticas em âmbito nacional e as relações bilaterais e internacionais afetam a estrutura regional transfronteiriça. O Acre compartilha com a Bolívia uma linha divisória de 618 km, correspondente às províncias de Nicolás Suárez e Abuná, no departamento de Pando, e aos municípios de Brasiléia, Epitaciolândia, Xapuri, Capixaba, Plácido de Castro e Acrelândia (12,4% da população do Acre em 2010), além de um pequeno segmento do município de Assis Brasil. Com exceção de Cobija, capital do departamento, as províncias bolivianas apresentam baixa densidade demográfica, inferior à margem fronteiriça acreana, e predomínio absoluto da população rural. No leste acreano, áreas de colonização antiga (Plácido de Castro, Acrelândia) se justapõem a assentamentos mais recentes (Brasiléia, Capixaba). Nos últimos anos, o governo boliviano tem estimulado iniciativas similares no extremo norte do país, com o objetivo de adensar as terras fronteiriças, na faixa de 50 km a partir do limite internacional.

Nos municípios acreanos limítrofes dominam as ati-vidades agropecuárias de baixo valor mercantil (mandioca, arroz, milho, pecuária, extração vegetal) em pe-quenas e grandes propriedades ou em reservas extrativistas (IICA, Ministério da Integração Nacional 2005; ZEE ACRE 2006). Em Pando, região que apresenta os melhores índices de conservação dos remanescentes florestais do país (95% do total da superfície do departamento), a extração madeireira (e de outros produtos florestais como a castanha e a borracha) constitui uma das principais atividades econômicas. Com a promulgação da Lei Florestal de 1996, imensas áreas próximas à divisa com o Acre foram outorgadas pelo estado boliviano a empresas e proprietários particulares, a título de concessões de longo prazo para a exploração florestal (ZONISIG, Consultores DHV-ITC 1997).

Pelas imagens de satélite é possível identificar áreas já desmatadas ao longo das principais rodovias e a ocorrência de focos de queimada, principalmente no estado do Acre, mas com incidências nas áreas limítrofes em território boliviano, em particular ao sul do município de Capixaba. Esses focos sugerem que novos assentamentos e o deslocamento da mão de obra que acompanha o avanço das frentes madeireiras no departamento de Pando tenham provocado um adensamento da população rural no lado brasileiro do limite internacional.

Em paralelo, a eleição de Evo Morales desencadeou uma série de mudanças no cenário político da região. As transformações afetam não apenas as relações da Bolívia com os países vizinhos, mas também as relações de La Paz com os governos departamentais, as quais repercutem na zona de fronteira Acre-Pando. O departamento boliviano compõe a chamada "Meia Lua", onde se concentravam os opositores do governo central. A radicalização dos conflitos entre governo e oposição durante os referendos realizados em 2006 e 2008, gerou episódios traumáticos de violência12.

Em uma região marcada por um longo histórico de interações transfronteiriças, o acesso aos recursos do território, a mobilidade da mão de obra, a adesão das populações locais aos projetos políticos dos governos centrais e a integração de regiões periféricas aos respectivos conjuntos nacionais constituem alguns dos principais elementos constitutivos dos conflitos e mecanismos de cooperação emergentes na atualidade.

Aspectos da ocupação e interações transfronteiriças

À semelhança do que ocorreu em grande parte da região da Amazônia sul-americana, a organização territorial resultante da exploração da Hevea Brasilienses na zona de fronteira Acre-Pando foi responsável pelo surgimento, na confluência das principais vias fluviais, de centros de transbordo, armazenamento e comercialização da produção gomífera. Em alguns desses lugares, situados sobre o limite internacional, desenvolveram-se interações transfronteiriças do tipo capilar (espontâneas) -em especial no segmento que corresponde à bacia do Rio Abunã- e do tipo sináptico (promovidas) -particularmente na tríade urbana formada por Cobija, Brasiléia e Epitaciolândia, na bacia do rio Acre (IICA, Ministério da Integração Nacional 2005)-.

No primeiro segmento as interações locais são induzidas, entre outros fatores, pelo relativo isolamento em que se encontram as populações bolivianas das secciones13 de Ingavi, Santa Rosa del Abuná e Bella Flor. Os principais lugares de comunicação correspondem às aglomerações geminadas de Plácido de Castro (Acre) e Vila Evo Morales (sección de Santa Rosa del Abuná)14, separadas pelo igarapé Rapirran, e ao núcleo urbano de Capixaba (Acre), situado próximo ao limite internacional e articulado à sección boliviana de Bella Flor por meio do ramal Brasil-Bolívia -onde desde 2007 está instalada a pequena Vila Rapirran.

Os povoados de Vila Evo e Vila Rapirran funcionam como pontos de revenda de mercadorias importadas oriundas de Cobija15. A margem boliviana fronteiriça ao ramal apresenta um conjunto heterogêneo de formas de ocupação e posse da terra, ocasionalmente superpostas: fazendas, colônias, comunidades camponesas, barracas (seringais) e concessões florestais de empresas madeireiras (DHV-ANR BV, SNC, BID 2006). Atualmente, a presença de brasileiros em território boliviano está em declínio, tanto de proprietários quanto de trabalhadores rurais. Contudo, a oferta de serviços de uso coletivo se concentra no lado brasileiro.

Na bacia do Rio Acre situa-se o agrupamento mais importante de cidades-gêmeas da zona de fronteira Acre-Pando. O núcleo urbano de Cobija limita-se com as cidades acreanas de Brasiléia e Epitaciolândia pelo igarapé Bahia (Epitaciolândia) e pelo rio Acre (Brasiléia). As cidades contam com mecanismos de apoio e regulamentação dos intercâmbios, principalmente mercantis, por parte dos respectivos estados. Em Cobija, em 1983, foi criada a primeira Zona Franca (ZOFRA) do país. Em 2006, encontravam-se aí instaladas 208 empresas, apenas 10% pertencentes a estrangeiros16. Com a implantação do regime aduaneiro diferenciado, novos encadeamentos produtivos foram gerados, especialmente nos setores comercial e de transporte. Contudo, a Zona Franca de Cobija permanece essencialmente comercial, sobretudo pela escassez de investimentos em seu parque industrial17. No caso brasileiro foram criadas as Áreas de Livre Comércio de Brasiléia e Epitaciolândia, em 1994. Em 2006, segundo a Associação Comercial, Brasiléia possuía 400 empresas formalmente instaladas, 20% delas controladas por empresários de fora da cidade, em especial, de Rio Branco.

Os intercâmbios comerciais e culturais entre Cobija e as cidades acreanas são intensos. A posição privilegiada do núcleo urbano boliviano gera um afluxo de atacadistas oriundos de Cochabamba, Iquitos e Santa Cruz que revendem seus produtos (por exemplo, confecções) em Pando ou nas cidades brasileiras. A venda de importados na Zona Franca atrai compradores das cidades acreanas situadas ao longo da BR-317. No período de chuvas, quando a estrada que liga Cobija a La Paz se torna intransitável, varejistas e consumidores bolivianos vão ao Brasil comprar alimentos para consumo e revenda na Bolívia.

Por sua densidade relacional, o agrupamento urbano fronteiriço se tornou um importante nó de articulação de fluxos comerciais regionais, subnacionais e internacionais (legais e ilegais) os quais se justapõem aos intercâmbios locais. De ambos os lados do limite é forte a presença de capitais extralocais que exploram o acesso aos mercados, a existência de infraestrutura de transportes, os benefícios fiscais e as redes pré-existentes. Os dados da balança comercial do estado do Acre demonstram a importância das cidades de fronteira, em especial no rio Acre, para o comércio internacional subnacional.

Quanto à mobilidade da mão de obra, predominam os fluxos em direção à Cobija e áreas adjacentes, com a ocupação de postos de trabalho por brasileiros nos estabelecimentos comerciais urbanos do lado boliviano ou em empregos temporários no setor industrial de beneficiamento de castanha ou da construção civil (Paiva, Marques, Novais 2004). O fomento ao hibridismo cultural, por meio de casamentos binacionais, da aquisição de dupla nacionalidade ou da adoção de formas matizadas de bilinguismo, constitui uma estratégia frequente das populações de ambos os lados no sentido de facilitar a mobilidade e amenizar possíveis manifestações de xenofobia.

Elementos de articulação e a ameaça do isolamento

A articulação dos lugares situados na zona de fronteira Acre-Pando é caracterizada pela assimetria na densidade e conservação das vias terrestres, pela conexão preferencial do departamento de Pando com o Brasil em detrimento das ligações com o interior da Bolívia e pelo papel desempenhado pelas vias fluviais como facilitadores históricos de interações do tipo capilar. Recentes investimentos na infraestrutura viária boliviana em Pando, como o asfaltamento e a abertura de ramais, estão diminuindo essa assimetria (Ribeiro et al. 2012).

No trecho da margem fronteiriça acreana que corresponde à bacia do rio Abunã (desde Acrelândia até Capixaba) a conexão com as estradas federais BR-317 e BR-364 é feita por meio de uma rede relativamente densa de rodovias estaduais. A partir de Capixaba, a BR-317 segue paralela à linha divisória que liga as cidades de Epitaciolândia, Brasiléia e Assis Brasil. Estradas endógenas e pequenos afluentes dos rios Abunã, Xipamanu e Alto Acre articulam o tronco viário principal ao limite internacional.

Na margem boliviana, as vias terrestres são escassas e precárias, especialmente no período chuvoso. A rede de estradas se irradia a partir de Cobija e seu eixo principal conecta os centros regionais do norte boliviano (Cobija, Riberalta e Guayaramerín) aos segmentos fronteiriços brasileiros dos estados do Acre e de Rondônia. A articulação da região com o interior da Bolívia é intermitente e a acessibilidade das áreas povoadas é reduzida (ZONISIG, Consultores DHV-ITC 1997). As vias secundárias e vizinhas funcionam prioritariamente como conexões entre os modais rodoviário e fluvial.

Mais recentemente, o estado brasileiro tem cooperado com os países vizinhos para a implantação de infraestrutura de conexão entre as cidades de fronteira, como é o caso das novas pontes entre Brasiléia e Cobija sobre o rio Acre -inaugurada em 2004- e entre Assis Brasil e Iñapari (Peru) -inaugurada em 2006.

Como parte das negociações bilaterais, Brasil e Bolívia firmaram um termo de cooperação para financiara construção de 340 km da rodovia Rurrenabaque- Riberalta18. A principal motivação para a implantação da rodovia reside na articulação do norte amazônico boliviano ao centro político do país no altiplano andino. Com isso, o governo boliviano busca reverter o histórico isolamento dos departamentos de Pando e Beni e reforçar os laços entre o estado central e a periferia amazônica em face da polarização política regional existente entre o altiplano e a "Meia Lua".

Difusão de padrões de uso do solo e acesso a terra

A difusão de padrões de uso do solo de uma margem à outra do limite internacional é um processo comum a diversos segmentos fronteiriços onde há grande intensidade de interações espontâneas durante um longo tempo (IICA, Ministério da Integração Nacional 2005). No caso da zona de fronteira Acre-Pando, observa-se uma expansão do padrão de uso característico do leste acreano -baseado na associação entre atividades agrícolas de baixo nível tecnológico (pouco capitalizadas) para formação de pastagens19 e a exploração da pecuária extensiva- em direção às áreas limítrofes, em especial para a província de Nicolás Suárez.

Nas últimas décadas, a evolução da área colhida nas principais lavouras e do efetivo bovino demonstra a associação entre a agricultura de subsistência e a pecuária bovina. Apesar da importância das regionais do Alto Acre e do Baixo Acre (compostas pelos municípios limítrofes com o departamento de Pando) no total da área colhida do estado (58% em 2004), a variação da superfície colhida, entre 1990 e 2004, foi modesta. O rebanho bovino, por sua vez, cresceu 652% (Baixo Acre) e 200% (Alto Acre) no mesmo período (ZEE/AC 2007). Em Pando verifica-se um comportamento similar: enquanto a superfície colhida nas principais lavouras temporárias variou menos de 5% entre 1995 e 2006, a produção bovina passou de 19.000 cabeças para 57.000 no mesmo período (aumento de 300%) (DHV-ANR BV, SNC, BID 2006).

Segundo o estudo realizado para o Corredor Norte Boliviano (2006), mais de 60% dos 418 estabelecimentos pecuários formais de Pando estão localizados na província de Nicolás Suárez, ao longo da RF-13, desde Cobija (onde a produção é comercializada), passando por Porvenir até Puerto Rico. Com o início do processo de regularização das propriedades de terra após a promulgação da Lei do Serviço de Reforma Agrária pelo INRA, em 1996, verificou-se um desmonte maior da superfície de floresta, resultante da estratégia utilizada pelos pecuaristas para demonstrar o cumprimento da função econômica social perante o órgão regulador e consolidar, assim, seus direitos sobre as terras ocupadas (DHV-ANR BV, SNC, BID 2006).

A recente difusão desse tipo de padrão foi resultado de processos ocorridos nas últimas décadas em ambos os espaços subnacionais limítrofes. No departamento boliviano, com o processo de desintegração do sistema de barracas (seringais) subsequente à decadência da economia da borracha e à promulgação da Lei de Reforma Agrária (em 1953), surgem as denominadas comunidades camponesas livres. Essas organizações passam a ocupar as áreas articuladas aos principais centros urbanos do norte amazônico (Cobija e Riberalta) -inicialmente em torno das principais vias fluviais e, a partir da década de 1970, ao longo das vias terrestres recém-implantadas- e dedicar-se às atividades agropecuárias, principalmente para autoconsumo. Nas áreas mais povoadas, desenvolveu-se um mercado de terras que alterou significativamente as formas pretéritas de ocupação do solo (ZONISIG, Consultores DHV-ITC 1997).

A partir da década de 1980 ocorreu a abertura do mercado de terras no norte boliviano, que atraiu capitais brasileiros, provenientes, entre outras fontes, da expansão dos intercâmbios comerciais nas cidades-gêmeas do Alto Acre. Explorando as assimetrias no preço da terra dos dois lados da fronteira, empresários sediados em Brasiléia e Epitaciolândia investiram na compra de propriedades, em particular nas áreas próximas a Cobija, a despeito da proibição constitucional de aquisição de terras por estrangeiros na faixa de 50 km contígua ao limite internacional20. A contínua valorização das terras ao longo dos principais eixos rodoviários vem sendo acompanhada pela diminuição progressiva da cobertura florestal e por conflitos decorrentes do acesso desigual a terra.

Mobilidade da população

A intensidade e a direção dos fluxos populacionais na fronteira Acre-Bolívia constituem importantes indicadores de processos de reorganização territorial na região. A mobilização de grandes contingentes populacionais provenientes do estado do Acre, em períodos distintos -sobretudo a partir da década de 1970- em direção ao departamento de Pando, resultou de inúmeros fatores como os conflitos que envolviam a posse das terras acreanas na fase de penetração da frente pecuarista, a decadência da economia da borracha, a procura de postos de trabalho nas áreas urbanas, e a formação da mão de obra volante para o trabalho em atividades agropecuárias e/ou extrativas (Esteves 2005). O levantamento realizado pela mesma autora em 1990 estimou um total de 7.000 famílias brasileiras que residiam em Pando entre os rios Kharamano, Xipamano, Thauamano, Abunã e Orthon.

Atualmente observa-se o aumento de fluxos migratórios de retorno de brasileiros residentes em Pando para o estado do Acre. O avanço das frentes madeireiras no departamento boliviano é um dos fatores que explicam tal processo, visto que essa população tende a permanecer como mão de obra volante, que atua em atividades temporárias, na agricultura ou na periferia das cidades. No recenseamento de 2001, o Instituto Nacional de Estatística (INE) da Bolívia registrou apenas 2.472 estrangeiros no departamento de Pando (4,7% do total de 52.525 habitantes). A diferença entre os dados de Esteves (2005) e os dados oficiais pode ser atribuída à informalidade em que vive grande parte dos brasileiros na margem fronteiriça do país, muitos dos quais se recusam a declarar sua nacionalidade.

A fragilidade do governo central boliviano diante das pressões autonomistas dos departamentos mais ricos, o receio boliviano quanto à influência brasileira numa região remota e pouco integrada e a exploração econômica dos recursos naturais na fronteira amazônica boliviana têm estimulado a inclusão do tema da mobilidade populacional na pauta de negociações bilaterais entre Brasil e Bolívia. Em 2007, o governo de Evo Morales deu vazão às pressões para restringir a permanência de brasileiros em território boliviano e iniciou uma negociação com o Brasil para a retirada de colonos residentes em Pando. Já em 2010, foram repatriadas 350 famílias brasileiras que viviam no norte da Bolívia, após um processo de identificação de estrangeiros realizado pelo governo boliviano nos anos anteriores21. Acusações de envolvimento de brasileiros em atividades ilegais, como o contrabando de madeira e de ouro, reforçam as posições favoráveis à expulsão22.

De forma complementar, o atual governo da Bolívia busca ampliar o grau de controle estatal no norte amazônico boliviano por meio de medidas internas. Essa iniciativa tem ocorrido em meio à radicalização dos conflitos entre partidários do governo Morales e oposicionistas concentrados na região da "Meia Lua". Dentre as medidas que se relacionam ao "tabuleiro interno" do jogo político de Evo Morales, está a concessão de áreas para extração madeireira em Pando23 e o estímulo à colonização interna por bolivianos deslocados de outras regiões, como é o caso do recente assentamento de 750 camponeses, a maioria proveniente da região cocalera do Chapare (Landívan 2009).

Os três itens destacados nas interações transfronteiriças entre Brasil e Bolívia -a integração física, a difusão de padrões de ocupação da terra e a mobilidade da população- convergem para a reestruturação da zona de fronteira Acre-Bolívia.

Apesar do alinhamento político aos oposicionistas da Media Luna, a situação de Pando é bem diferente de Santa Cruz em relação ao principal tema de dissensão regional: a distribuição da receita dos hidrocarbonetos. Pando não possui nenhum duto nem campo de extração, ou seja, não é considerado produtor nem de gás nem de petróleo. Porém, pela lei boliviana24, o departamento recebe uma porcentagem fixa do total de Impostos Diretos sobre Hidrocarbonetos - doravante IDH, arrecadados. Como a receita do estado multiplicou-se a partir da nacionalização do gás e do petróleo em 200625, Pando se beneficiou do aumento da arrecadação do IDH, ainda mais por ser um dos departamentos menos populosos do país. Com isso, o apelo oposicionista em Pando perdeu força entre 2005 e 200926, o que se explica também pelo incentivo do governo central à entrada de imigrantes oriundos do altiplano andino que, em geral, apoiam Evo Morales.

Da parte do governo boliviano, a negociação bilateral com o Brasil tem garantido uma margem de manobra para reforçar a posição do governo central no balanço de poder interno com a oposição autonomista dos departamentos mais ricos da Meia Lua. Como a preocupação central do governo brasileiro está no fornecimento de gás e na barganha de condições vantajosas nessa questão, o governo boliviano instrumentaliza o recurso energético boliviano para pressionar o Brasil a fazer concessões em outras áreas, como nos casos do financiamento de infraestrutura e da contenção da permanência de brasileiros na fronteira boliviana. Com isso, o presidente Evo Morales, numa perspectiva de afirmação da soberania boliviana, busca capturar para o governo central e para a diplomacia o comando e os recursos destinados a políticas regionais, que antes eram negociados de forma individualizada pelos departamentos bolivianos fronteiriços junto ao estado central e aos agentes econômicos do Brasil.

Os efeitos dos jogos político-estratégicos internos e externos da Bolívia em relação com sua região amazônica e seus vizinhos, a migração transfronteiriça entre os dois países, as reivindicações sobre a distribuição dos royalties na economia regional, a entrada de firmas de terceiros países, os efeitos ambientais e sociais do uso do solo, e o contrabando internacional são questões geopolíticas emergentes na fronteira Acre-Pando. Essas questões ultrapassam a pauta convencional das relações bilaterais Brasil-Bolívia referentes à oferta boliviana de gás e petróleo para o Brasil, que ganhou destaque no período de ascensão de Evo Morales ao poder. A interação entre as dinâmicas transfronteiriças e os interesses estratégicos brasileiros e bolivianos confere relevância e dá um caráter novo e imprevisível à reorganização territorial em curso na fronteira entre Acre e Pando.

Conclusão: a geopolítica fragmentada

A geopolítica clássica reúne sucessivas interpretações das relações internacionais primordialmente do ponto de vista do estado nacional, cada estado concebido como uma unidade territorial. A substância científica destas interpretações depende, por princípio, do conhecimento acumulado pelo estado nacional, de suas forças e fraquezas internas e externas referenciadas a um sistema político definido como interestatal, e do uso de elementos geográficos (massa territorial, massa populacional, posição, distância, grau de conexão, recursos naturais, recursos humanos etc.). No entanto, a maioria das interpretações do pensamento geopolítico clássico tende a formular um projeto político único e uma "visão" geográfica genérica, em que o sistema interestatal é tido como um conjunto fechado de unidades territoriais.

As regiões transnacionais em formação ou já consolidadas constituem um dos objetos de uma geopolítica calculadamente fragmentada no espaço, mas também no tempo. O mundo atual se distancia das situações passadas, em que o tempo lento (Milton Santos) permitia a permanência de certas estruturas, o que justificava o recorte do espaço geográfico em unidades político-econômicas de longo prazo. A noção de região no século passado se aproximou de um "essencialismo" geográfico e histórico, indutor, pensaram muitos, de um "caráter" ou "identidade regional". As regiões hoje apresentam limites flexíveis, de curta duração, e estruturas instáveis. Os motivos são diversos: mudanças técnicas, e com elas as ferramentas de reorganização territorial; alteração das regras nos jogos de poder, influência e competição; rápidas alterações e sucessivas configurações das redes de conexão; reações mais rápidas, contestatórias ou adaptativas das populações no terreno, que alteram as condições de ações posteriores (path dependent); ou mudanças econômicas e políticas no espaço nacional e mundial.

A geopolítica que emerge desses processos é fragmentada porque cada pequeno espaço tem uma dinâmica particular que não se explica completamente pela dinâmica geral ou mesmo binacional. A atuação do governo central em seus diversos níveis, e dos demais atores, é multidirecionada. Embora coexistentes e superpostos, os efeitos das iniciativas governamentais e não governamentais podem ser contraditórios, em parte porque os agentes e os atores envolvidos são também produtores dessa geopolítica fragmentada, cada um puxando para um lado, impulsionados por interesses distintos, em parte porque os governos não têm planejamento, domínio ou mesmo previsibilidade das situações que suas ações produzem.

A abordagem sugerida, ou seja, a existência de uma geopolítica fragmentada na região fronteiriça traz elementos que se contrapõem à visão geopolítica tradicional, cuja ênfase reside nas relações binacionais e na "integração regional" de grandes espaços como uma entidade abstrata que paira sobre a América do Sul.


Pie de página

1 Na Bolívia e no Peru, os departamentos correspondem às maiores entidades subnacionais nas quais se subdivide o território do Estado.

2 São eles: Assis Brasil, Sena Madureira, Manoel Urbano, Santa Rosa do Purus, Feijó, Jordão, Marechal Thaumaturgo, Porto Walter, Rodrigues Alves e Mâncio Lima. Entre 2000 e 2010, a população desses municípios cresceu 40,7%, de 105.674 para 148.760 habitantes, porém a maior parte desse crescimento foi nas áreas urbanas localizadas no limite com o estado do Amazonas.

3 A zona de fronteira é uma área de largura indeterminada, cortada por uma divisa internacional. A faixa de cada lado pode ser considerada, para fins descritivos, como uma região. Ver Machado 2005.

4 Frente, zona-tampão, capilar, sinapse fazem parte da tipologia de interações fronteiriças proposta por A. Cuisinier-Raynal (2001); aqui fazemos uso dessa tipologia, concebida para a fronteira internacional do Peru, porém agregamos as frentes extrativas.

5 Sem o município de Rio Branco, o percentual sobe para 44%.

6 A relativamente alta densidade demográfica do município de Cruzeiro do Sul mascara o fato de que 58% da população municipal total (78.444 habitantes, 2010) se concentra na sede municipal.

7 No Peru as zonas reservadas fazem parte do Sistema Nacional de Áreas Naturais Protegidas pelo Estado (SINANPE), e ainda aguardam estudos complementares para determinar se devem ser criados parques nacionais.

8 Na década de 1930, pesquisas de companhias petrolíferas estadunidenses encontraram indícios da presença de lençóis petrolíferos ao oeste das serras.

9 Em meio às terras indígenas se situa a RESEX Alto Juruá no Brasil. Diferenças entre a territorialidade e os objetivos de indígenas e das populações ribeirinhas criam tensões frequentes entre eles (como em outras regiões amazônicas), pois os dois grupos reivindicam direitos sobre o território, o que sugere a importância de negociação prévia à criação de áreas indígenas e reservas extrativistas e o posterior monitoramento de suas interações.

10 Sem o município de Rio Branco o percentual sobe para 13%.

11 Informação obtida em trabalho de campo realizado em julho, 2006.

12 Em setembro de 2008, 17 camponeses pró-Morales foram assassinados por um grupo de oposicionistas, com a suposta conivência do governador do departamento de Pando. O episódio repercutiu internacionalmente e ficou conhecido como o "massacre de Pando". ONU Investiga massacre em Pando; governador é transferido. Folha Online, 18 set. 2008.

13 A Sección corresponde à menor unidade na divisão administrativa da Bolívia.

14 A Vila Evo Morales resultou do deslocamento e da ampliação da Vila Montevideo, na margem boliviana do rio Abunã, para outro sítio, não inundável e com maior facilidade de acesso -uma pequena ponte sobre o igarapé. Essa nova situação geográfica e a melhoria da infraestrutura levaram ao adensamento populacional da vila desde a transferência de sítio.

15 Essa atividade entrou em declínio a partir da década de 1990 em virtude da criação das Áreas de Livre Comércio em Brasiléia e Epitaciolândia e do asfaltamento da rodovia federal até Brasiléia.

16 Segundo informações obtidas da Câmara de Comércio e Indústria de Cobija, em março de 2006.

17 Em agosto de 2005, foi promulgada a Lei 3.136 que permite investimentos industriais de estrangeiros em Cobija.

18 O acordo de financiamento foi firmado em julho de 2008 e envolvia valores de US$ 199 milhões do BNDES e US$ 31 milhões do Programa de Financiamento às Exportações (MRE 2008). A licitação realizada em 2009 foi suspensa e uma nova licitação foi realizada em 2012.

19 Atividade agrícola caracterizada pela derrubada e queima anual da floresta e cultivo de produtos que compõem a chamada "lavoura branca" (mandioca, arroz e milho), e posterior conversão das áreas em pastagem.

20 A restrição aos estrangeiros na faixa de fronteira de 50 km foi introduzida pela Constituição de 1938. Essa reserva territorial foi mantida em todas as constituições subsequentes. A pena atribuída a esse delito é a de desapropriação das áreas ocupadas.

21 Zero Hora, 12 abril 2010. "Brasil repatriará 400 famílias assentadas no norte da Bolívia".

22 "Se frena la explotación ilegal de oro en Pando". Em 2009, foi estimado que 2 t de ouro tenham saído ilegalmente de Pando via Peru e Brasil. (La Razón 2010).

23 Atualmente, 49% da superfície da bacia do Abunã, em território boliviano, é recoberta por 12 concessões florestais, todas elas localizadas na margem fronteiriça e, em muitos casos, superpostas às colônias ou fazendas de brasileiros residentes em território boliviano.

24 Ley de Hidrocarburos 3.058, 17 de maio de 2005.

25 A receita do Estado boliviano com impostos e royalties sobre os hidrocarbonetos saltou de US$ 350 milhões, em 2005, para US$ 1.470 milhões, em 2007 (Solón 2009, 23).

26 O aumento da votação no partido governista Movimiento al Socialismo foi verificado em todos os estados da Media Luna, especialmente nas zonas rurais e áreas de imigração interna recente ("Se reconfigura el mapa electoral" Los Tiempos 2009). No referendo sobre a confirmação dos mandatos executivos, o sim a Evo Morales venceu na maioria das províncias de Pando, inclusive na capital Cobija, apesar da concomitante aprovação da autonomia estadual (Solón 2009, 33).


Lia Osorio Machado

Doutora em Geografia (Universidade de Barcelona, Espanha), Professora Associada do Departamento de Geografia (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil). Suas linhas de pesquisa são a geografia política e a geografia das fronteiras internacionais.

Leticia Parente Ribeiro

Mestre em Geografia (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil). Professora Assistente do Departamento de Geografia (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil). Suas linhas de pesquisa são a geografia das fronteiras internacionais e a história do pensamento geográfico.

Licio Caetano do Rego Monteiro

Doutor em Geografia (Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil). Suas linhas de pesquisa são a geografia política e a segurança regional.


Para citar este artigo utilize o titulo completo assim:
Machado, Lia Osorio, Leticia Parente Ribeiro y Licio Caetano do Rego Monteiro. 2014. "Geopolítica fragmentada: interações transfronteiriças entre o Acre (BR), o Peru e a Bolívia". Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía 23 (2): 15-30.


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