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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

versión impresa ISSN 0121-215Xversión On-line ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. vol.24 no.1 Bogotá ene./jun. 2015

https://doi.org/10.15446/rcdg.v24n1.38318 

DOI: http://dx.doi.org/10.15446/rcdg.v24n1.38318

Estudos geoambientais de bacias hidrográficas em áreas suscetíveis à desertificação no Nordeste do Brasil

Estudios geoambientales de cuencas hidrográficas en áreas susceptibles a la desertificación en el noreste de Brasil

Geo-environmental Studies of Hydrographic Basins Susceptible to Desertification in Northeastern Brazil

Maria Losângela Martins de Sousa*
Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza – Brasil
Flávio Rodrigues do Nascimento**
Universidade Federal Fluminense (UFF), Rio de Janeiro – Brasil

* Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal do Ceará (UFC), Brasil. Professora da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Brasil. Mestre em Geografia pela UFC (2012). Possui graduação em Geografia pela UECE (2009); atua na área: Dinâmica ambiental e territorial, principalmente nos seguintes temas: relação sociedade natureza, semiárido, degradação ambiental, desertificação, bacia hidrográfica, recursos naturais e análise ambiental. Endereço postal: Av. Dom Aureliano Matos, 2058, Limoeiro do Norte, CE, CEP 62930-000. Correio eletrônico: losangelaufc@gmail.com
** Professor do Departamento e do Programa de Pós-vgraduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil, e pesquisador do Laboratório de Geografia Física (LAGEF). Possui Mestrado e Doutorado em Geografia pela UFF (2006) e Universidade Estadual do Ceará (UECE) (2003), Brasil, respectivamente, e graduado em Geografia pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Colaborador do Programa de Pós-graduação em Geografia da UECE. Pesquisador e articulador da Rede Center for Natural Resourses and Development Alemanha. Pesquisador do Programa de Cooperação Brasil-Cuba (CAPES/MES) em estudos comparativos entre o litoral do Rio de Janeiro e o da Havana. Tem experiência na área de geografia e geociências, com ênfase em recursos naturais e planejamento ambiental; atua principalmente nos seguintes temas: gestão ambiental, hidrogeografia, bacia hidrográfica, semiárido, degradação ambiental e desertificação. Endereço postal: Av. General Milton Tavares de Souza, s/n.° - 5° andar - Sala 532; Campus da Praia Vermelha - Gragoatá - Niterói - RJ. CEP: 24210-346. Correio eletrônico: flaviogeo@bol.com.br

Artigo de pesquisa que aborda o estudo das bacias hidrográficas a partir da análise ambiental integrada, que tem como objetivo conhecer comunidades rurais em terras secas suscetíveis ao processo de desertificação no estado do Ceará, Brasil.

Recebido: 4 de junho de 2013. Aceito: 13 de janeiro de 2014.


Resumo

O presente artigo aborda os estudos geoambientais integrados em bacias hidrográficas, entendidos como resultados da análise das relações mútuas entre os componentes naturais e as variáveis socioeconômicas. Seu objetivo é analisar os geoambientes das sub-bacias do Médio e Baixo Jaguaribe (microbacias Riacho das Pedras e Neblina) e Banabuiú (microbacia Muquém), a partir de estudos sobre as comunidades rurais em terras secas suscetíveis à desertificação do Estado do Ceará, no Nordeste do Brasil. A pesquisa se desenvolveu mediante levantamento bibliográfico e geocartográfico, utilização de técnicas de sensoriamento remoto e visitas em campo. Como principais resultados foram identificados e mapeados os setores degradados/desertificados para uma melhor gestão ambiental em bacias hidrográficas semiáridas.

Palavras-chave: bacias hidrográficas, degradação, desertificação, estudos geoambientais, planejamento ambiental, semiárido.


Resumen

El presente artículo aborda los estudios geoambientales integrados en cuencas hidrográficas, entendidos como resultado del análisis de las relaciones mutuas entre los componentes naturales y las variables socioeconómicas. El objetivo es analizar los geoambientes de las subcuencas del Mediano y Bajo Jaguaribe (microcuencas Riacho das Pedras y Neblina) y Banabuiú (microcuenca Muquém), a partir de estudios sobre las comunidades rurales en tierras secas susceptibles a la desertificación del Estado de Ceará, en el noreste de Brasil. La investigación se desarrolló por medio de recopilación bibliográfica y geocartográfica, utilización de técnicas de teledetección y visitas de campo. Como principales resultados se identificaron y mapearon los sectores degradados/desertificados para una mejor gestión ambiental en cuencas hidrográficas semiáridas.

Palabras clave: cuencas hidrográficas, degradación, desertificación, estudios geoambientales, planeación ambiental, semiárido.


Abstract

The article is framed within comprehensive geo-environmental studies of hydrographic basins, understood as the result of the analysis of the mutual relations among natural components and socioeconomic variables. Its objective is to analyze the geo-environments of the Middle and Lower Jaguaribe sub-basins (Riacho das Pedras and Neblina micro-basins) and of Banabuiú (Muquém micro-basin), on the basis of studies regarding rural communities found in arid lands susceptible to desertification in the State of Ceará, northeastern Brazil. Research methods included compilation of bibliography and geo-cartography, use of remote sensing techniques, and field visits. The main results were the identification and mapping of degraded/ desertified areas, which will contribute to improved environmental management of semi-arid hydrographic basins.

Keywords: hydrographic basins, degradation/desertification, geo-environmental studies, environmental planning, semiarid.


Introdução

Compreender a degradação ambiental como um problema que aflige grande parte das terras áridas, semiáridas e subúmidas secas é uma tarefa complexa. A região semiárida brasileira se destaca nessa perspectiva devido a muitos fatores, entre eles as próprias condições climáticas, associadas às tradicionais formas de uso e ocupação marcadas por um pastoreio extensivo, agricultura tradicional mal manejada e técnicas inadequadas de uso do solo. Além disso, está inserida num contexto político e econômico que contribui para acelerar os processos de degradação e minimizar a melhoria das condições de vida da população sertaneja1 devido à baixa capacidade técnica e mínimos recursos financeiros empregados.

Como consequência, tem-se os mais diversos problemas ambientais, como a erosão do solo, a diminuição da biodiversidade, comprometimento das nascentes dos rios em função do desmatamento, entre outros problemas, o que pode comprometer a capacidade de suporte dos recursos naturais, além de gerar decréscimo da produtividade agrícola, aumento da pobreza e da desigualdade social.

Inserido no contexto de políticas niilistas, o Estado do Ceará enfrenta sérios problemas de degradação ambiental, a exemplo das microbacias hidrográficas (Riacho das Pedras, Muquém e Neblina). Como alternativa de enfrentamento aos crescentes problemas ambientais, verifica-se a necessidade do planejamento territorial. Este deve ser baseado no seguinte tripé: planejamento ambiental, social e econômico na mesma proporção, para que de fato o ambiente, a sociedade e a economia sejam os pilares do desenvolvimento.

A bacia hidrográfica ganha destaque nesse contexto, pois o seu estudo reconhece as inter-relações entre os diversos componentes da paisagem (geologia, geomorfologia, climatologia, hidrografia, pedologia, cobertura vegetal e ocupação da terra) e ajuda a identificar os problemas configurados, numa perspectiva de intervenção e de planejamento territorial. Tendo em vista as interações desses componentes, as consequências das formas de apropriação desse ambiente são bastante complexas. Em sua maioria, a ocupação se dá de forma desordenada e tende a gerar variáveis níveis de degradação, o que consequentemente transforma as condições da vida sertaneja. Nesse sentido, o estudo de microbacias possibilita alcançar resultados concretos, em virtude do nível de detalhe que elas possuem.

Nesta perspectiva, o principal objetivo deste trabalho é analisar os geoambientes das sub-bacias do Médio e Baixo Jaguaribe e Banabuiú a partir de um estudo de caso nas comunidades rurais de Santa Bárbara, Muquém e Neblina, a fim de identificar e mapear os setores degradados/desertificados para uma melhor gestão ambiental. Os objetivos específicos estão indicados a seguir: identificar e analisar as microbacias que compreendem as comunidades rurais de Santa Bárbara, Muquém e Neblina, localizadas nas sub-bacias do Médio e Baixo Jaguaribe e Banabuiú; caracterizar os sistemas físicos-bióticos com base na análise geoambiental destacando as potencialidades e limitações dos recursos naturais, e considerando as variáveis relativas ao suporte físico (condições geológicas e geomorfológicas), ao envoltório (condições hidroclimáticas), à cobertura (solos e recobrimento vegetal) que compõem a região delimitada; diagnosticar e avaliar as principais causas e consequências ambientais e socioeconômicas dos processos de degradação que podem desencadear a desertificação na área estudada.

Área de estudo microbacias: Riacho das Pedras, Muquém e Neblina

A área de pesquisa se refere às microbacias hidrográficas do Riacho das Pedras, Neblina e Muquém, localizadas nos municípios de Jaguaretama, Morada Nova e Ibicuitinga, respectivamente. Fazendo parte das subbacias hidrográficas do Médio Jaguaribe, Baixo Jaguaribe e Banabuiú (figura 1).

A microbacia do Riacho das Pedras está integrada ao Riacho do Sangue, principal afluente do Médio Jaguaribe na sua margem esquerda. Com extensão de 12,6 km, ocupa 73,8 km2 de área. Possui baixa quantidade de água superficial, com alguns barramentos como os açudes Santa Bárbara, Luís Ferreira e Alegre, distribuídos ao longo de alguns rios contribuintes. De acordo com o Programa Vigilantes da água, a água do açude Santa Bárbara (figura 2) é destinada principalmente para irrigação de pequenas áreas onde são cultivados feijão e sorgo, além de servir à dessedentação animal e banho.

Esta microbacia pertence à comunidade de Santa Bárbara, situada a 10 km da sede municipal de Jaguaretama. A referida comunidade possui 56 famílias distribuídas numa área de 1.373 ha. É uma das comunidades mais organizadas do ponto de vista social, possui associação comunitária organizada e ativa, que atua junto ao Programa vigilantes da água.

A Escola Fabiano de Cristo, inserida em um polo de lazer, é referência na comunidade, pois a partir do trabalho do Grupo Espírita Paulo Estevão, desenvolve-se alternativas de convivência com o semiárido, com a participação da comunidade. Essa escola oferece educação para 450 alunos distribuídos em seis assentamentos na região, além de cursos de artesanato e computação.

Dentre os principais problemas da comunidade está o lançamento de esgotos no açude Santa Bárbara, além de problemas de saúde relacionados à água contaminada.

A microbacia de Muquém, localizada no município Ibicuitinga, possui 9,5 km de extensão e pertence ao rio Palhano, afluente do Baixo Jaguaribe. Quanto à concentração de água superficial, a microbacia possui alguns açudes, entre eles, o de nome Muquém. A comunidade de nome homônimo utiliza a água do açude (figura 3) para diversas finalidades, como lazer, dessedentação animal, lavagem de roupas, veículos, entre outros. A água destinada ao consumo humano advém das cisternas de placas, do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) da Articulação do Semiárido (ASA), cujo principal objetivo é armazenar água das chuvas, com boas condições de potabilidade.

A comunidade de Muquém se localiza a 20 km da sede municipal de Ibicuitinga e possui 32 famílias. Enfrenta muitas dificuldades, dentre elas a relacionada à infraestrutura, já que 15% das residências ainda são de taipa, algumas delas não dispõem de banheiros. Entretanto, a maioria das residências possui cisternas de placas para captação de água de chuva e destiná-la ao abastecimento humano.

Tem como principal atividade econômica a agricultura tradicional e a pecuária. As principais fontes destinadas ao abastecimento humano de Muquém são as cisternas de placas e o açude homônimo. Entretanto, a água do açude é de baixa qualidade devido à criação de animais soltos (suínos, bovinos e aves) nas suas margens.

Quanto aos maiores problemas enfrentados pela comunidade, destacam-se a deposição de resíduos sólidos no açude Muquém, a poluição dos recursos hídricos devido às atividades agropecuárias, as condições ruins da estrada, a falta de apoio ao crédito na agricultura, além da elevada concentração de terra.

A terceira microbacia estudada é Neblina, localizada em Morada Nova. Faz parte da Sub-bacia do Banabuiú. Possui 6 km de extensão com uma área de 21,2 km2. Conta com 52 famílias e, assim como as demais comunidades, também enfrenta problemas relacionados à organização comunitária. Das 52 famílias apenas 21 fazem parte da associação de moradores.

Neblina apresenta concentração de água superficial muito baixa e conta apenas com alguns barramentos, pequenos açudes, como o Chico Vieira. A maior concentração de água fica na Lagoa da Felipa, que seca durante o período de estiagem, como acontece com os pequepequenos açudes, fato comum devido às altas taxas de evaporação no semiárido.

No que tange às principais fontes de água para o abastecimento humano da comunidade, estão uma adutora, que se localiza a 1 km da comunidade de Neblina, outra parte é retirada dos pequenos açudes, através de carros pipas e armazenada nas cisternas de placas. A comunidade também possui poços com água salombra, o que impede o consumo humano. Segundo o Programa Vigilantes da água, a qualidade da água é bastante influenciada pelas atividades desenvolvidas como pocilgas, criação de ovinos e caprinos às margens dos reservatórios.

Entre as atividades desenvolvidas estão à agricultura de sequeiro, com cultivos de milho, feijão, mandioca e sorgo; de vazante, que utiliza a água do açude Chico Vieira, com cultivos de hortaliças, feijão, milho e capim; agroextrativismo, especialmente com o cultivo do cajueiro; apicultura, assim como pocilgas, ovinocaprinocultura e criação de pequenos animais. As águas desse açude e dos outros pequenos açudes são destinadas a diversos usos como lavagem de roupa e dessedentação animal.

Os principais problemas enfrentados pela comunidade se referem a questões de saúde, ao destino inadequado do lixo, que é queimado ou alocado nas margens das estradas da comunidade, e à baixa taxa de escolarização. Segundo o diagnóstico da comunidade de Neblina, elaborado pela Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte, a maioria das crianças daquela comunidade só conclui o ensino fundamental I, que inclui do primeiro ao quinto ano do ensino básico. Vale ressaltar que essas comunidades, com exceção de Santa Bárbara, enfrentam dificuldades no que se refere às práticas de convivência com o semiárido.

Referencial teórico

Entre as principais referências teóricas da pesquisa, pode-se citar Bertalanffy (1975), no qual, através da Teoria Geral dos Sistemas, contribui com a análise da paisagem mediante os estudos integrados com base na compreensão do Geossistema, entendido como objeto de estudo da Geografia Física. Sotchava (1977), também colaborou entendendo que o geossistema não se constitui apenas de fenômenos naturais, mas sim de todos os fatores econômicos e sociais.

Para Bertrand ([1972] 2004), o geossistema resulta da combinação entre o potencial ecológico (fatores geomorfológicos, climáticos e hidrológicos), a exploração biológica (inter-relação entre a vegetação, o solo e a fauna) e a ação antrópica. O autor classifica as paisagens em seis níveis taxonômicos, a saber: zona, domínio e região (unidades superiores), e geossistema, geofáceis e geótopos (unidades inferiores). Essa classificação coloca o geossistema na condição de interface entre as unidades superiores e inferiores, o que possibilita a melhor visualização dos processos que interferem na paisagem.

De acordo com Souza et al. (2006), as unidades geoambientais são resultados da análise das relações mútuas entre os componentes naturais: geologia, geomorfologia, condições hidroclimáticas, pedologia e bioecologia, além das variáveis socioeconômicas. Tais unidades são identificadas através da caracterização das variáveis ambientais, relacionando os componentes bióticos e abióticos para então definir a capacidade de suporte de cada sistema.

Para Nascimento (2006), a compartimentação geoambiental pode contribuir para realização de ações mitigadoras aos efeitos das modificações do meio provocadas por fatores sociais e econômicos.

As regiões semiáridas, fortemente modificadas por tais fatores, são caracterizadas pela irregularidade pluviométrica, solos rasos, balanço hídrico deficitário, vegetação caducifólia, frequência de secas e vulnerabilidade do ambiente advinda das condições edafoclimáticas e das atividades humanas as quais tendem a degradar os recursos naturais dessa região.

As vicissitudes climáticas associadas às formas de uso e ocupação ao longo da história, especialmente pelo binômio gado-algodão, propiciam os processos de degradação ambiental. O desencadeamento de processos de desertificação apontado por diversos estudiosos como Nascimento (2006, 2013), Sales (2002), Souza et al. (2006), e Suertegaray (2003) colocam o Nordeste brasileiro como a principal área onde o fenômeno tem mais condições de se desenvolver no país.

Uma das principais dificuldades que o semiárido enfrenta é as frequentes secas. Os debates sobre essa problemática no Nordeste remontam o século XIX, a partir de grandes secas e suas consequências (Vieira e Gondim Filho 2002). Nessa perspectiva, várias estratégias de combate a esse fenômeno foram desenvolvidas, entre elas o represamento dos cursos d'água e a perfurações de poços (Nascimento 2006).

Diversas instituições como o Departamento Nacional de Obras contra Secas (DNOCS), a Superintendência de desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), foram criadas, o que constitui um conjunto de infraestruturas com o objetivo de gerenciar e controlar os recursos hídricos no combate às secas. Entretanto, essas ações sempre foram de ordem emergencial e assistencialista, não havia a preocupação de desenvolver de fato alternativas de convivência com as secas.

A ideia de convivência é bem mais antiga. Ao longo do século XX foi construída a base do discurso da convivência com o semiárido como uma proposta alternativa de enfrentamento e superação das problemáticas sociais e econômicas. Essa proposta foi formulada como uma crítica à política de combate à seca e aos seus efeitos, e ao modelo de modernização conservadora (Silva 2006).

Na concepção do autor acima citado, a convivência:

[...] possibilita construir ou resgatar relações de convivência entre os seres humanos e a natureza, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida das famílias sertanejas, por meio do incentivo às atividades econômicas apropriadas e a sustentabilidade ambiental. (Silva 2006, 225)

A concepção de convivência possui uma enorme complexidade, vai muito além da implantação de novas atividades ou técnicas. Ela requer fundamentalmente que a principal transformação ocorrida não seja apenas de cunho prático, mas sim de cunho ideológico. Precisam-se mudar as formas de pensar, de agir, de sentir, só assim é possível acreditar numa convivência adequada.

É comum, ao se tratar dessa questão, eleger um conjunto de atividades ou técnicas que minimizem as dificuldades das populações. A seguir, relacionam-se algumas delas (Silva 2006).

  • Cisternas de placas: alternativa de baixo custo, capaz de abastecer uma família de cinco pessoas, no período de estiagem, cerca de seis a oito meses.
  • Barragem subterrânea: obra simples, de baixo custo, de fácil e rápida construção, tem a finalidade de armazenar água no subsolo. Deve ser construída em baixios, através da abertura de uma vala, onde é colocada uma lona plástica que faz uma espécie de parede e depois aterrada. Além disso, deve ser construído um poço à montante da parede para se ter conhecimento do nível da água. Proporciona baixa perda de água por evaporação e não causa grandes impactos ao meio ambiente como as barragens superficiais.
  • Barreiro trincheira: barreiros estreitos e profundos com divisórias para a água ser usada em tempos diferentes. A água é carreada para o barreiro com o uso de valetas. Normalmente a água serve para banho, lavagem de roupas e dessedentação animal.

Vale ressaltar que essas atividades são apenas ações paliativas e não resolvem de fato o problema. Entretanto, merece o reconhecimento, pois são ações importantes, especialmente por se tratarem de medidas tomadas pela população, sem conhecimento técnico, mas adquirido a partir da própria destreza do sertanejo ou da adaptabilidade às condições climáticas. Assim, os sertanejos conseguem amenizar as dificuldades enfrentadas em curto prazo, enquanto aguardam as políticas públicas eficientes que contemplem os seus anseios.

Entre outras atividades podem se destacar as práticas agroecológicas, o manejo sustentável da caatinga, a criação de pequenos animais. Tais atividades demonstram que o sertanejo é capaz de adquirir melhores condições de sobrevivência, o que não deve ser desconsiderado. Contudo, é necessário observar que as políticas públicas desenvolvidas para essa região ainda não conseguem suprir as necessidades básicas das populações e assegurar a permanência do homem no campo, com condições dignas de sobrevivência.

Verifica-se que a implementação das políticas e as mudanças são lentas e que o homem do campo precisa garantir o sustento da sua família. Muitas vezes vê na retirada da lenha a única alternativa de renda; assim, para ele pouco importa o discurso da proteção da natureza e do desenvolvimento sustentável diante da necessidade de alimentar sua família.

A problemática da degradação ambiental

Os recursos naturais renováveis vêm sofrendo um processo intenso de degradação que se dá a partir de uma combinação de processos, os quais podem ser de ordem natural ou induzida pelas atividades humanas. Esses processos geram impactos negativos não somente ao meio físico, mas também ao meio social, econômico, político entre outros.

Diversos autores discutem a degradação ambiental, a exemplo de Araújo, Almeida e Guerra (2005), Cunha e Guerra (2003), Nascimento (2006, 2013), Oliveira (2006), Souza (2006), Suertegaray (2003).

Araújo, Almeida e Guerra (2005) entendem que os impactos da degradação ambiental podem causar prejuízos ao meio físico e à sociedade. Neste aspecto, convém alguns detalhamentos: com relação aos impactos físicos, a perda dos nutrientes dos solos, causada pela superexploração dos recursos naturais, dificulta a produtividade agrícola e gera problemas também à vida aquática, uma vez que os nutrientes são carreados para os reservatórios, o que torna a água eutrofizada e imprópria para o consumo humano. Quanto à sociedade, a degradação aliada aos efeitos da seca no semiárido tem contribuído para aumentar a severidade da fome nos locais onde a pobreza e a miséria já são situações banais, o que diminui assim a qualidade da vida das populações.

Para o referido autor, um dos principais efeitos da degradação ambiental está no meio rural em virtude do declínio da produtividade e, consequentemente, o agravamento das condições de vida da população através do aumento da fome e da pobreza.

A degradação ambiental pode provocar também o êxodo rural, especialmente dos pequenos produtores, os quais possivelmente irão se transformar em trabalhadores urbanos suprindo a demanda das atividades industriais. As populações que viviam no campo e tiravam seu sustento praticamente dali terão de substituir seus hábitos alimentares e consumirem alimentos industrializados de baixa qualidade nutricional, o que modifica substancialmente as condições de trabalho, de saúde, de educação, de lazer, enfim, de vida. Como consequência dessa realidade e influenciada pela vida nas cidades, a população passa a viver em aglomerados urbanos e os então trabalhadores rurais passam a vender sua força de trabalho para sustentar a família.

Enquanto isso, os trabalhadores que vivem no campo continuam em difíceis condições de trabalho. A maioria não detém propriedade de terra e, como meio de sobrevivência, vende sua força de trabalho aos grandes e médios proprietários. Os pequenos agricultores familiares praticamente não recebem incentivo governamental; pelo contrário, em épocas de colheitas, a produção perde preço e os recursos gastos para produzir são superiores aos recursos obtidos no final da safra anual.

Em épocas de estiagem, a vida da população rural fica ainda mais difícil. A agropecuária fica seriamente comprometida e, entre as principais atividades de geração de renda, se destaca a retirada de lenha, o que, juntamente com a agropecuária, propicia fortes alterações da caatinga e dos solos.

Para Lemos (2000), existem quatro importantes fatores que induzem a depredação dos recursos naturais no Nordeste do Brasil, os quais estão inseridos nas microbacias em análise. Quais sejam: a concentração fundiária predominante, a ocorrência sistemática de secas, as dificuldades da produção agrícola e a destruição do revestimento florístico. Tais fatores associados dificultam cada vez mais as condições de vida das famílias sertanejas.

O autor supracitado considera que existe uma estreita relação entre pobreza e degradação ambiental. Para ele:

A tática de sobrevivência dos pobres os conduzem a uma ação indiscriminada, ainda que não necessariamente consciente, que degrada os recursos naturais para poderem permanecer vivos. Afinal, que significado pode ter a idéia de ecossistema, de estabilidade biológica ou de contaminação ambiental para as imensas massas analfabetas do mundo subdesenvolvido, cuja luta cotidiana e desigual é por sua própria sobrevivência em condições precárias e absolutamente hostis? (Lemos 2000, 119)

A devastação ambiental tem uma relação ao mesmo tempo de causa e efeito do estado de pobreza, completa o autor.

Outro problema enfrentado pela população no semiárido se refere à água, seja pelo acesso ou pela sua má qualidade. Na realidade, o grande problema dos recursos hídricos na referida região está centrado no seu mau gerenciamento. Os açudes normalmente são construídos em propriedades particulares e privilegiam, assim, apenas grupos de pessoas política e economicamente mais favorecidas.

Cunha e Guerra (2003), em discussão sobre a problemática em voga, também apontam que a degradação tem causas e consequências sociais. Os processos que naturalmente acontecem como lixiviação, erosão dos solos, deslizamentos de terra, modificação da cobertura vegetal, podem ser intensificados quando o homem desenvolve atividades desgastantes, o que traz sérios problemas à sociedade. No caso das microbacias em estudo as atividades como a pecuária e a agricultura de subsistência modificam seriamente os recursos naturais e provocam mudanças na qualidade de vida da população local.

Matallo Júnior considera que a pecuária tradicional altera o ambiente e atinge grande parte do Nordeste brasileiro "mudando a composição florística da vegetação nativa e permitindo a difusão de espécies invasoras sem valor ecológico" (Matallo Júnior 2000, 99). Nessa perspectiva, as microbacias em análise podem estar sendo comprometidas em função da atividade pecuarista desenvolvida historicamente nos sertões cearenses.

Os problemas anteriormente citados se relacionam estreitamente com a realidade do Estado do Ceará, assim como as microbacias estudadas (Muquém, Neblina e Santa Bárbara). Essas áreas se encontram vulneráveis do ponto de vista ambiental, em que a ocupação desordenada aliada aos fatores de vulnerabilidade climática potencializa cada vez mais a degradação ambiental e desencadeia problemas graves como a desertificação.

Desertificação

No decorrer da história da humanidade, existiu sempre uma relação marcante entre sociedade e natureza. A consolidação do sistema capitalista de produção aliado ao crescimento populacional acelerado gerou sérias desigualdades sociais e provocou inúmeros problemas ambientais, muitos deles em escala planetária, como o aquecimento global, o efeito estufa, assim como a degradação/ desertificação.

Compreender o processo de desertificação exige estudos e cautela na aplicação do termo. Desse modo, as diversas conceituações existentes apresentam, além de ideias ambíguas, concordâncias e discordâncias. Entretanto, tais definições são unanimes em incluir as ecozonas climáticas (Nascimento 2006).

Na realidade, o termo desertificação foi usado pela primeira vez por Albert Aubreville, em 1949, mas o fenômeno não foi exatamente definido, ele apenas conceituou como sendo a conversão de terras férteis em desertos, consequentes da erosão do solo vinculada às atividades humanas, conforme Nascimento (2006).

A desertificação possui uma enorme complexidade no que se refere ao seu conceito, porém, durante a Rio-92, ele foi definido oficialmente e apresentado na Agenda 21 como sendo "degradação da terra nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultantes de vários fatores, entre eles as variações climáticas e as atividades humanas" (Ministério do Meio Ambiente 2005).

Nessa perspectiva, o processo de desertificação pode acontecer mediante dois viés (Nascimento 2006, 2013), quais sejam:

  • as variações climáticas, na qual a seca se destaca como um fenômeno típico das regiões semiáridas;
  • degradação das terras induzidas pelo homem. As ações humanas degradantes podem ser entendidas a partir de diversos aspectos, tais como: a degradação biótica, de vastas áreas semiáridas, a degradação do solo, provocada por fatores físicos (erosão e compactação do solo) e químicos (sodificação/sodicidade ou salinização); a degradação das águas superficiais e subterrâneas e a degradação da infraestrutura econômica e da qualidade de vida dos assentamentos humanos.

É nessa linha de raciocínio que a salinização do solo se destaca como um grande potencial desencadeador da desertificação, pois ela impacta de forma muito forte no solo o que causa dificuldade de captação de água e nutrientes do solo pelas plantas, possivelmente ocasionando mortandade destas, além de dificultar a distribuição de água no perfil do solo, o que o torna estéril.

O conceito oficial de desertificação adotado pelo PNUMA e apresentado na Agenda 21 no seu capítulo 12.2 merece análise, pois, de acordo com estudos científicos, os efeitos das mudanças climáticas no Nordeste não são comprovados, sendo que entre os principais agentes da degradação nessa área a sociedade humana se destaca com suas diversas atividades que geram alto grau de alteração ambiental.

Alguns autores consideram que esse processo pode atingir outras regiões brasileiras, não só o Nordeste, mas também a região Sul. Porém, esses processos também não condizem com o conceito oficial e, portanto, vêm recebendo outras nomenclaturas, como arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul (Suertegaray 2003).

Conforme Nascimento (2006, 2013), o conceito que melhor contempla a problemática se refere ao processo de degradação das terras áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultantes de diversos fatores entre eles as atividades humanas e/ou as mudanças climáticas. Embora esse conceito se assemelhe em grande parte com o conceito da Organização das Nações Unidas (ONU), possui uma diferença importante, já que enfatiza o destaque que as atividades humanas empregam nesse processo, enquanto as mudanças climáticas podem ou não acontecer de fato. Ao se tratar de mudanças climáticas ou mesmo da formação natural de biomas desérticos secos, o termo mais apropriado seria desertização, ou seja, o processo de formações naturais de desertos.

A desertificação no Brasil é um processo que se desenvolve possivelmente na região nordestina, a qual possui condições favoráveis para que ela se instale. Dentre os principais locais onde o fenômeno vem se instalando estão algumas bacias hidrográficas do Ceará (Jaguaribe, Banabuiú, Acaraú). Estas vêm sofrendo uma forte incidência da problemática, sendo que as áreas mais afetadas são as comunidades rurais, onde o seu principal meio de subsistência (a terra) não encontra mais condições de oferecer alternativas viáveis de produção e, consequentemente, compromete a qualidade de vida da população.

A fim de compreender como se deram as discussões sobre o processo de desertificação em ordem mundial, vale mencionar que foram realizados diversos encontros para discussões a respeito da problemática.

A iniciativa internacional relacionada ao seu combate se fez a partir da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em Estocolmo, na Suécia, em 1972, e principalmente no ano de 1977 em Nairóbi, no Quênia, com a realização do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - doravante PNUMA, (Suertegaray 2003). A partir dessa conferência foi criado o Plano de Ação de Combate à Desertificação (PACD), o qual buscava desenvolver ações em todo o mundo (Matallo Júnior 2000) e enfocava os problemas humanos que influenciavam na desertificação.

Outras conferências nacionais e internacionais contribuíram para as discussões da temática, como a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento doravante CNUMAD a Rio-92. Ainda em 1992 aconteceu a Conferência Internacional sobre Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável no Semiárido (ICID), em Fortaleza. O Ceará também foi palco da Conferência Nacional e Seminário Latino-americano da Desertificação (CONSLAD) em 1994. Em 2002, a CNUMAD (Johannesburgo, na áfrica do Sul) procurou examinar o alcance das metas estabelecidas pela conferência ocorrida no Rio de Janeiro e serviu ainda para que os Estados reiterassem seu compromisso com os princípios do Desenvolvimento Sustentável (Dias 2006).

Procedimentos metodológicos

A pesquisa se realizou em duas etapas: o gabinete e o campo. As principais atividades desenvolvidas em gabinete foram estudos bibliográficos sobre diversos temas, entre os quais: degradação ambiental, desertificação, gestão ambiental, recursos hídricos, bacias hidrográficas, convivência com o semiárido, análise ambiental integrada, entre outros.

Foi realizado também levantamento geocartográfico, considerando os recursos hídricos, a geologia, geomorfologia, vegetação, divisão política, desertificação, entre outras informações relevantes da área que compreende as sub-bacias estudadas. Outros trabalhos cartográficos foram importantes como Ministério de Minas e Energia, Secretaria-geral do Rio de Janeiro (1981).

Na etapa de campo, as principais atividades se traduzem no reconhecimento dos sistemas ambientais das microbacias, com o auxílio de mapas ou imagens de satélite em cada ambiente visitado, assim como discussões dos problemas ambientais desencadeados em cada microbacia.

Em síntese, o esboço geoambiental contido neste trabalho foi realizado a partir de pesquisa bibliográfica, levantamento de inúmeros mapas (geológico, geomorfológico, de vegetação, recursos hídricos, pedologia, sistemas ambientais, projetos de irrigação etc.) somados a visitas nas microbacias em estudo.

Resultados e discussões

Ao se tratar das unidades ambientais das microbacias estudadas, verifica-se que a microbacia do Riacho das Pedras apresenta uma significativa complexidade em seus sistemas ambientais, nos quais se destaca a planície fluvial e alguns tipos de sertões, como ondulado, suaveondulado e rebaixados, conforme mostra a figura 4.

A planície fluvial ocupa 2,57% da microbacia, ultrapassando 12 km de extensão. Além do canal principal, conta com tributários de menor porte como é o caso do Riacho Luís Ferreira. Essas planícies comportam inúmeros barramentos como os açudes Santa Bárbara, Alegre e Luis Ferreira.

Os sertões rebaixados compreendem a maior parte, com 47,8 km2, ou 64,76% da área total da bacia, seguido pelos sertões suaves ondulados, que representam 21,9 km2, o que corresponde a 29,67% de sua área; por último, os sertões ondulados aparecem com apenas 2,2 km2 de área, o que corresponde a 3% da microbacia.

De modo geral, a vegetação original era constituída de caatinga arbustiva aberta, arbustiva densa, e floresta mista dicótilo-palmácea (mata ciliar com carnaúbas), as quais se encontram em estado avançado de degradação, com exceção de algumas áreas mais conservadas. Há uma grande incidência de cactáceas, exposição dos solos, os quais se encontram dispostos aos processos erosivos. Esses processos são bastante diversificados, dos tipos Luvissolos, Neossolos Litólicos, Planossolos e Argissolos.

Dentre as atividades econômicas da microbacia, destacam-se a pecuária, a agricultura de sequeiro e de vazante, esta praticada nas margens dos reservatórios. Essas atividades podem acelerar os processos de degradação, os quais se encontram em diversos níveis na área. A pecuária, através da formação das áreas de pastagens e da compactação do solo, a agricultura, através do desmatamento, das queimadas e do uso exaustivo do solo, além de diversas outras práticas.

A exploração indiscriminada da vegetação, a erosão e a compactação dos solos, a disposição dos efluentes e dos resíduos sólidos nos reservatórios e riachos, o descumprimento da legislação ambiental e a configuração da desertificação nos sertões são alguns dos principais impactos negativos que a bacia enfrenta.

Como potencialidades, a microbacia apresenta reservas hídricas superficiais como o açude Santa Bárbara, o açude Alegre, importantes para as comunidades locais, principalmente para a agricultura de vazante produzindo para o consumo humano, assim como para alimentar os rebanhos. A topografia é favorável ao desenvolvimento de diversas atividades, como a ocupação, a construção de vias de acessos, entre outras, uma vez que predomina sertões com baixa irregularidade topográfica.

Das principais limitações que a microbacia enfrenta, destaca-se a deficiência hídrica subterrânea, alta suscetibilidade à erosão dos solos e dificuldade de organização social.

A microbacia Muquém, do ponto de vista dos seus sistemas ambientais, apresenta o maior complexo geoambiental de todas as microbacias aqui estudadas, sendo eles: planície fluvial, serras, sertões (suaves ondulados, pés-de-serra), tabuleiros interiores, além da transição tabuleiro-depressão, conforme a figura 5.

A planície fluvial possui 43 km2, ocupando 7,15% da microbacia. O curso d'água principal é Riacho Muquém, seguida dos seus tributários, como o Riacho Timbaúbas e o Riacho do Ferreira, ambos pela sua margem esquerda. Quanto aos recursos hídricos, apresenta suas águas superficiais superconcentradas com apenas alguns barramentos, a exemplo do açude Muquém, o maior reservatório da microbacia. Já o seu potencial de águas subterrâneas é fraco, devido à bacia que está situada numa área onde predomina o Complexo Nordestino (Ministério de Minas e Energia, Secretaria-geral do Rio de Janeiro 1981), formado pelo embasamento cristalino.

As serras ocupam aproximadamente 33% da microbacia correspondendo a uma área de 19,8 km2. Estão situadas na porção oeste, representadas pela Serra do Palhano, a qual apresenta litologia bastante variada como os xistos, gnaises, magnesitas, calcário metamórfico, quartzitos, entre outros.

A microbacia Muquém apresenta diversidade de sertões como se pode verificar na figura 3. A maior parte dos sertões são os suave-ondulados, com 15,5 km2 de área, ou seja, 25,8% da microbacia. Em seguida, aparecem os Sertões Pé-de-serra correspondendo a 13,1% e apresentando 7,9 km2 de área. Enquanto estes margeiam a Serra do Palhano, aqueles dominam o baixo curso da microbacia. Os sertões, embora seja em menor proporção, 4,7 km2, correspondem a 7,82% da microbacia.

A área de transição dos tabuleiros e depressões conta com 5,6 km2, correspondendo a 9,31% da área da microbacia, está situada tanto à direita quanto à esquerda do Riacho Muquém. Justificando a complexidade ambiental encontrada, Muquém ainda comporta os tabuleiros interiores. Esta unidade margeia o rio principal à sua direita, com alguns pontos mais isolados na margem esquerda. Apresenta a menor área proporcional da microbacia com 2,3 km2, isto é, 3,82%.

Os principais tipos de solos encontrados em Muquém são os Argissolos, Planossolos e os Litossolos, que são revestidos por vegetação num estado avançado de degradação. Entre as espécies encontradas, destacam-se o Croton sondertanus (marmeleiro), Auxemma oncocalyx (pau branco), Ziziphus joazeiro (juazeiro).

Muquém possui áreas cristalinas, como a serra do Palhano, além de áreas sedimentares como pontos da Formação Faceira. Desse modo, a microbacia apresenta um modelado dissecado de topos convexos (serra do Palhano) e aplainados nos tabuleiros e na depressão sertaneja (sertões).

Dentre os principais problemas enfrentados pela microbacia, está o desmatamento para a formação de pastagens de uso na pecuária, poluição dos recursos hídricos com o lançamento de resíduos sólidos nos reservatórios, especialmente no açude Muquém, degradação indiscriminada da vegetação e dos solos, além da criação de diversos animais às margens do principal açude da microbacia, o açude Muquém.

Assim como Riacho das Pedras, Muquém também apresenta vulnerabilidade alta, uma vez que enfrenta sérios problemas quanto à capacidade produtiva dos recursos naturais, o que inclui balanço hídrico deficitário durante quase todo o ano.

Quanto às suas potencialidades, apresenta relevo parcialmente aplainado, boa fertilidade natural dos solos como os Argissolos, pesca artesanal e agroextrativismo controlado. Suas limitações são representadas pelas condições climáticas semiáridas, ambientes suscetíveis à erosão do solo, poluição dos recursos hídricos, topografia parcialmente acidentada, entre outras.

A microbacia de Neblina, que pertence ao município de Morada Nova, comporta cinco sistemas ambientais. São eles: a depressão sertaneja, planície flúvio-lacustre, planície fluvial, tabuleiros interiores, transição depressão sertaneja e tabuleiros (figura 6).

A planície fluvial de Neblina ocupa 1,2 km2, o que equivale a 5,66% da microbacia. Possui dois cursos d'água principais, os quais são de nomes desconhecidos pela população local. Esses canais deságuam na lagoa da Felipa, a qual representa a planície flúvio-lacustre da microbacia, com apenas 0,3 km2, o que corresponde a 1,41% da área.

A depressão sertaneja representa uma parcela significativa da microbacia, o que compreende 25,47% ou 5,4 km2 de área. É nesta unidade que se encontra uma das principais reservas hídricas superficiais, o açude Chico Vieira.

Os tabuleiros interiores compreendem 12,5 km2, equivalente a 58,96% da microbacia. Apresenta complexo vegetacional composto por Ceasalpinia bracteosa (catingueira), Riptadenia moniliforme (catanduba), Ziziphus joazeiro (juazeiro), Anarcadium occidentale (cajueiro) (Souza 2000).

A área de transição depressão sertaneja e tabuleiros é uma unidade pequena com apenas 1,8 km2 de área ou 8,5% da microbacia.

Os solos são bastante diversificados, dos tipos Luvissolos, Neossolos Litólicos, Argissolos, Planossolos e pavimento detrítico expressivo. Sua vegetação se encontra bastante degradada, inclusive com solos expostos em diversos pontos. Há grande incidência de cactáceas e Mimosa tenuiflora (jurema), o que denuncia a fragilidade do ambiente e a baixa proteção do solo diante do desmatamento e da alta vulnerabilidade que a área apresenta.

Dentre as potencialidades de Neblina estão as reservas hídricas superficiais, representadas por pequenos açudes e a Lagoa da Felipa. Vem sendo desenvolvido também trabalho de organização social através da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com o Programa Vigilante da água.

As principais limitações de Neblina dizem respeito às condições climáticas semiárida, a degradação indiscriminada da vegetação e dos solos, ambientes suscetíveis ao desencadeamento erosivo, assim como recursos hídricos vulneráveis à poluição e contaminação.

Conclusões

A degradação ambiental e os processos de desertificação são problemas que comprometem os recursos naturais das bacias hidrográficas semiáridas e, consequentemente, das microbacias Riacho das Pedras, Muquém e Neblina, uma vez que situadas nas mesmas condições climáticas.

As referidas microbacias estão inseridas numa política de convivência com o semiárido, em que as práticas desenvolvidas são assistencialistas e as medidas tomadas são apenas paliativas, ou seja, que não resolvem de fato os problemas das populações que não possuem condições dignas de sobrevivência nos sertões secos.

As comunidades de Santa Bárbara, Muquém e Neblina enfrentam sérios problemas. Dentre eles a contaminação dos recursos hídricos, problemas relacionados à saúde, infraestrutura, educação, entre outros. São comunidades pequenas, juntas somam cerca de 140 famílias; entretanto, é um típico retrato da realidade enfrentada pela população pobre que sobrevive nos sertões.

Nessas comunidades são desenvolvidos trabalhos através de ONG, além do Programa Vigilantes da Água da Embrapa (Fortaleza), com a participação de parceiros voluntários da própria comunidade.

Dentre as principais atividades desenvolvidas nas comunidades, destaca-se a agropecuária. Essa atividade contribui de forma muito significativa para aumentar a vulnerabilidade ambiental dos sistemas ambientais das microbacias, pois, além de retirar a cobertura vegetal original, os solos ficam expostos e sujeitos à erosão, além da sua compactação pelo pisoteio do gado.

As práticas agrícolas desenvolvidas às margens dos principais reservatórios das comunidades contribuem para diminuir a qualidade da água e provocar problemas de saúde da população que a utiliza.

Quanto à contextualização geoambiental das microbacias, pode-se dizer que ela apresenta complexidade acentuada e conta com Tabuleiros interiores, Planícies Fluviais, Planícies Flúvio-lacustre, Sertões, além das transições Tabuleiro-depressão sertaneja.

Entre as principais potencialidades dos sistemas ambientais das microbacias, estão as reservas hídricas superficiais, topografia relativamente plana, pesca artesanal e agroextrativismo controlado, e ações pontuais de organização social.

Quanto às limitações, destacam-se a irregularidade pluviométrica em função das condições climáticas semiáridas, incidências de processos erosivos dos solos, devido à pouca proteção da cobertura vegetal e, consequentemente, baixa produção agrícola da maioria dos solos.

Dentre os principais impactos sofridos pelas microbacias, verificam-se sinais de degradação dos recursos naturais e, em alguns casos, indicadores de desertificação especialmente nos sertões.

Desse modo, a degradação ambiental é um problema que precisa ser levado a sério, uma vez que afeta o quadro ambiental (físico e humano) de qualquer região, especialmente no semiárido, em que existem dificuldades de recuperação dos recursos naturais, como é o caso das microbacias em estudo.

Assim, fica evidente que promover a gestão ambiental de forma satisfatória não é tarefa fácil, precisa ser encarada com muita seriedade por todos os agentes sociais. Dessa forma, faz-se necessário entender que os recursos naturais estão sendo depauperados drasticamente e que as populações, em especial as mais pobres, são as que sofrem as maiores consequências.


Notes:

1 Sertanejo: vocábulo derivado da palavra sertão. área localizada no Nordeste do Brasil, submetida a condições de semiaridez, recoberta por vegetação de caatinga. Sertanejo é o indivíduo que habita estas áreas.


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