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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

Print version ISSN 0121-215XOn-line version ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. vol.30 no.2 Bogotá July/Dec. 2021  Epub Aug 27, 2021

https://doi.org/10.15446/rcdg.v30n2.88748 

Artigos do dossiê

A urbanização planetária neoliberal e o discurso da resiliência e da urbanização sustentável: uma reflexão crítica em torno da "nova agenda urbana global"

Neoliberal Planetary Urbanization and the Discourse of Resilience and Sustainable Urbanization: A Critical Reflection on the "New Global Urban Agenda"

La urbanización planetaria neoliberal y el discurso de la resiliencia y la urbanización sostenible: una reflexión crítica sobre la "nueva agenda urbana global"

Alexandre Sabino do Nascimento*  a 
http://orcid.org/0000-0002-9436-9970

*Universidade Federal da Paraíba, Paraíba - Brasil. alexandre.nascimento@upe.br-ORCID: 0000-0002-9436-9970.


Resumo

Sob o ponto de vista de uma teoria crítica urbana, esse artigo de análise, visa examinar a relação entre a produção do espaço, no processo de urbanização neoliberal, com as ações de reestruturação e reescalonamento ligadas às políticas e agentes produtores do espaço urbano, e sua vinculação, atual, com o fenômeno das mudanças climáticas e seu papel na reestruturação urbana das cidades mundiais. Discute-se a ligação do paradigma da "sociedade de risco" global com a ascensão de discursos e narrativas como: resiliência e urbanização sustentável, associados ao fenômeno das mudanças climáticas, e seus principais agentes difusores. Realiza-se também uma reflexão sobre a construção de narrativas a respeito do papel da autonomia e da descentralização do Estado, presentes no discurso neoliberal da produção e gestão de risco da governança urbana global. Trata-se de uma pesquisa qualitativa. Conclui-se, que existem, atualmente, dispositivos que promovem a desresponsabilização do Estado perante as populações vulneráveis social e ambientalmente das cidades do Sul Global, e o estímulo a privatização de bens comuns e serviços públicos, esses dispositivos estão ligados ao padrão de urbanização planetária neoliberal hegemônico contemporâneo.

Ideias destacadas: artigo de reflexão sobre a relação entre a produção do espaço, no processo de urbanização neoliberal, com o paradigma da sociedade de risco; analisa o papel dos fenômenos de reestruturação e reescalonamento das ações e políticas dos agentes produtores do espaço no processo de urbanização planetária neoliberal; reflete sobre a associação da urbanização neoliberal com o capital financeiro e o papel do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) nesse processo; analisa a ascensão de discursos e narrativas como os da resiliência e urbanização sustentável, ligada ao paradigma das mudanças climáticas, e seus principais agentes difusores, assim como seus limites e possibilidades.

Palavras-chave: dispositivo; nova agenda global; reestruturação e reescalonamento; resiliência; sociedade de risco global; urbanização neoliberal; urbanização sustentável

Abstract

From the point of view of a critical urban theory, this analysis article aims to examine the relationship between the production of space in the process of neoliberal urbanization, with the restructuring and rescheduling actions linked to policies and agents that produce urban space, and its current link with the phenomenon of climate change and its role in the urban restructuring of world cities. To this end, the connection between the global risk society paradigm and the rise of discourses and narratives as: resilience and sustainable urbanization associated with the phenomenon of climate change and its main disseminating agents. This analysis is completed with reflection on the construction of narratives about the role of autonomy (individual and collective) and the decentralization of the State, present in the neoliberal discourse of risk production and management and of space production in global governance. It is a qualitative research. To carry out the study, in addition to extensive bibliographic research, a documentary analysis was carried out to examine reports, websites and documents linked to multilateral institutions, among others. It is concluded that, currently, there are devices/narratives that promote the State's lack of responsibility towards the socially and environmentally vulnerable populations of cities in the Global South, and the stimulus to the privatization of common goods and public services. These devices are linked to the pattern of contemporary hegemonic neoliberal planetary urbanization.

Highlights: the reflection article on the relationship between the production of space, in the process of neoliberal urbanization with the paradigm of the risk society; analyzes the role of the restructuring and rescheduling phenomena of the actions and policies of the space-producing agents in the neoliberal planetary urbanization process; reflects on the association of neoliberal urbanization and financial capital and the role of the United Nations Human Settlements Program (UN-Habitat) in this process; it analyzes the rise of discourses and narratives such as those of resilience and sustainable urbanization, linked to the paradigm of climate change, and its main disseminating agents, as well as its limits and possibilities.

Keywords: device; new global agenda; restructuring and rescheduling; resilience; global risk society; neoliberal urbanization; sustainable urbanization

Resumen

Desde el punto de vista de una teoría urbana crítica este artículo tiene como objetivo examinar en el proceso de urbanización neoliberal, la relación entre la producción de espacio y las acciones de reestructuración y reprogramación vinculadas a políticas y agentes que producen espacio urbano; así como su vínculo actual con el fenómeno del cambio climático y su papel en la reestructuración urbana de las ciudades del mundo. Se discute la conexión entre el paradigma global de la sociedad del riesgo y el surgimiento de discursos y narrativas tales como: resiliencia y urbanización sostenible, asociadas con el fenómeno del cambio climático y sus principales agentes de difusión. También hay un reflejo sobre la construcción de narrativas sobre el papel de la autonomía y la descentralización del Estado, presente en el discurso neoliberal de producción y gestión de riesgos de la gobernanza urbana global. Es una investigación cualitativa. Se concluye que, actualmente, existen dispositivos que promueven la falta de responsabilidad del Estado hacia las poblaciones social y ambientalmente vulnerables de las ciudades en el Sur Global, y estimulan la privatización de bienes y servicios públicos comunes. Estos dispositivos están vinculados al patrón de urbanización planetaria neoliberal hegemónica contemporánea.

Ideas destacadas: artículo de reflexión sobre la relación entre la producción del espacio, en el proceso de urbanización neoliberal con el paradigma de la sociedad del riesgo; analiza el papel de los fenómenos de reestructuración y reescalamiento de las acciones y políticas de los agentes productores de espacio en el proceso de urbanización planetaria neoliberal; reflexiona sobre la asociación de la urbanización neoliberal y el capital financiero y el papel del Programa de las Naciones Unidas para los Asentamientos Humanos (ONU-Habitat) en este proceso; analiza el surgimiento de discursos y narrativas como la resiliencia y urbanización sostenible, vinculadas al paradigma del cambio climático y sus principales agentes de difusión, así como sus límites y posibilidades.

Palabras clave: dispositivo; nueva agenda global; reestructuración y reprogramación; resiliencia; sociedad de riesgo global; urbanización neoliberal; urbanización sustentable

Introdução

A produção do espaço urbano vem se tornando cada vez mais complexa com o passar dos anos, envolvendo uma série de inovações em arranjos econômicos, político-institucionais e espaciais (Nascimento 2015). Estes também podem ser lidos como a criação de dispositivos (Agamben 2005; Foucault 2008; Branco 2019) para a govermentabilidade (Foucault 2008) ou governança global da crise do capital (Mendes 2016)1 e da crise ambiental, com destaque para os efeitos do aquecimento global ligado às mudanças climáticas (Giddens 2010).

Ligadas a tentativa de governança global tem-se a importância crescente das estruturas institucionais e espaciais específicas de cada lugar (Brenner, Peck e Theodore 2015) e sua articulação diferenciada com os processos de destruição criativa (Harvey 2011) do neoliberalismo realmente existente (Peck, Theodore e Brenner 2012). Para os autores mencionados as cidades são o espaço onde o projeto geograficamente variável do neoliberalismo se materializa e toma formas diferenciadas. Tal fato liga-se ao encontro, no lugar, do que Santos (2002) chamava de horizontalidades e verticalidades, sendo essas últimas relacionadas aos circuitos globais do capital e sua produção cultural de consensos.

No entanto, as cidades também têm sido o espaço no qual, tanto vem sendo construídas parte das ameaças ao futuro da humanidade, ligadas ao modo de produção capitalista, e mais recentemente seu ímpeto maior em mercantilizar e commodificar todas as relações entre sociedade e natureza, quanto o espaço para onde convergem parte dos efeitos e consequências socioambientais desse processo, a saber o crescimento no espaço urbano de situações de desastres ou tragédias socioambientais.

Voltando à produção de consensos, esses, por sua vez, fazem parte da racionalidade neoliberal do capitalismo contemporâneo, que para Dardot e Laval (2016) tende a estruturar e organizar tanto a ação dos governantes, como a conduta dos governados, através de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo (governamentabilidade) dos homens.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo, de reflexão analítica, é analisar a relação complexa e contemporânea entre o processo de urbanização neoliberal, na chamada era urbana (ONU-Habitat)2, e o fenômeno/paradigma das mudanças climáticas, e suas narrativas correlatas que convergem para discursos e dispositivos, que passam a fazer parte do processo de produção do espaço urbano no mais diferentes lugares, a exemplo das narrativas associadas ao desenvolvimento urbano sustentável e a resiliência. Objetiva-se também analisar as dimensões analíticas do processo de neoliberalização, apontadas por Peck, Theodore e Brenner (2012), presentes nessa relação: experimentos regulatórios, sistemas de transferência interjurisdicional de políticas e regimes de normas transnacionais. Também faz parte dos objetivos deste artigo refletir sobre as narrativas de desresponsabilização do Estado perante as populações vulneráveis social e ambientalmente no periodo de urbanização neoliberal e no quadro de agravamento das consequências da sociedade do risco vinculada as mudanças climáticas e suas consequências.

Tais processos, e seus agentes e ações, serão analisados dentro do quadro conflitivo da reestruturação espacial global, que se realiza na interface geográfica entre o processo de reestruturação urbana e a reestruturação territorial estatal e seus reescalonamentos (Brenner 2018).

Nos países de economia dependente do sul global, o espaço urbano produzido possui um alto padrão de desigualdade e se encontra mais suscetível a conformação de riscos e de vulnerabilidades sociais e ambientais. Seus governos passam a utilizar uma série de dispositivos (Agamben 2005; Branco 2019)3 como soluções ilusórias (boas práticas), ligadas a um discurso de um possível desenvolvimento sustentável. A saber: conceitos como os de urbanização sustentável, sustentabilidade urbana, cidades inteligentes, inclusivas, verdes, emergentes e resilientes (Organização das Nações Unidas, ONU 2015; Banco Interamericano de Desenvolvimento, BID 2016; Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, ONU-Habitat 2016; ONU 2020) e o mercado de títulos verdes, entre outros. Muito desses dispositivos podem ser encontrados na Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável -em diante ODS4, na Nova Agenda Urbana -em diante NAU (Habitat III) e no Acordo de Paris5.

Tais dispositivos são defendidos como única via pra saída de crises econômicas, urbanas, ambientais, etc. Estes conceitos e narrativas possuem um potencial integrador e consensual, e assumem a forma de agendas políticas e econômicas defendidas/difundidas por organizações multilaterais, Organizações Não-governamentais -em diante ONGs, think tanks6, consultores urbanos globais (Pulhez e Ferrara 2018)7 e toda uma expertise ligada ao planejamento e gestão urbana contemporânea.

Entende-se, nesse estudo, que a sociedade do risco global (Beck 2010), ligada ao paradigma das mudanças climáticas (Giddens 2010)8 e seu discurso atrelado de desenvolvimento sustentável, torna-se um campo específico de ação e construção de agendas e consensos quantos aos rumos da (re)produção e reestruturação do espaço das cidades e assentamentos urbanos pelo mundo.

Tais processos de (re)produção e reestruturação estão associados a processos de implosões/explosões (Lefebvre 2004; Brenner 2018) presentes na urbanização planetária9, essa última difere da noção de era urbana difundida nos documentos da ONU-Habitat10, que se baseiam na "[...] premissa a-histórica e centrada universalmente na concepção populacional da cidade que não compreende adequadamente a escala e diversidade extraordinárias dos processos de aglomeração em desenvolvimento nas principais regiões do mundo" (Brenner 2018, 244).

Nesse sentido, tem-se a emergência da urbanização planetária. Para Brenner tão importante quanto a informação de que o mundo ultrapassou a marca de 50 % de pessoas vivendo em assentamentos urbanos é esclarecer:

[...] as operações e impactos mais amplos dos processos de urbanização que estão se desdobrando para além dos grandes centros de aglomeração, inclusive nas zonas de extração de recursos naturais, de produção agroindustrial, de silvicultura e pastagens, de infraestrutura de logística e comunicações, de turismo, de descarte de lixo e serviços ecossistêmicos, que, muitas das vezes, perpassam locais periféricos, remotos e supostamente "rurais" ou "selvagens". (Brenner 2018, 244)

Por fim, o autor aponta para a produção e mobilização de paisagens operacionais ligadas à urbanização planetária que podem estar ligadas ao que Sassen (2016) descreve como os espaços resultantes das novas lógicas de expulsão. Dentro do processo contemporâneo de expulsões, populações inteiras têm sido expulsas de seus territórios ou tendo seus bens comuns expropriados. Sobre esse processo a socióloga, no seu livro Expulsões: brutalidade e complexidade na economia global, aponta que emerge uma maciça perda de habitat no hemisfério sul devido à expansão do agronegócio, da disputa por água, da mineração (ligados muitos vezes as causas/ consequências das mudanças climáticas) e a expansão das cidades de forma predatória e excludente. Daí se pergunta, estaríamos dentro da zona crítica do processo de urbanização descrito por Lefebvre (2004).

Este artigo se divide em cinco partes: a introdução, os comentários finais e três tópicos mais. Após a introdução se inicia uma análise da relação entre a produção do espaço, no processo de urbanização neoliberal (Peck, Theodore e Brenner 2012; Brenner, Peck e Theodore 2015), com os fenômenos de reestruturação e reescalonamento da governança urbana (Brenner 2010; 2018). A seguir discutimos a ligação do paradigma apontado por Beck (2009; 2010; 2017) do mundo em risco ou da sociedade de risco e sua associação com a ascensão de discursos e narrativas como os da resiliência e da urbanização sustentável, ligados ao paradigma das mudanças climáticas, e seus principais agentes difusores, assim como seus limites e possibilidades. Logo abordamos como a análise das relações acima citadas se completa com a reflexão sobre a construção das narrativas de autonomia (individual e coletiva) e descentralização do Estado, presentes no discurso neoliberal da produção e gestão de risco, assim como da produção do espaço. Discursos que promovem a desresponsabilização do Estado perante as populações vulneráveis social e ambientalmente das nações do capitalismo dependente e/ou do Sul Global são analisados via autores como: Foucault, Sennet, Harvey, Bauman entre outros.

A produção do espaço urbano no contexto da urbanização planetária e do processo de neoliberalização e sua relação com as dinâmicas de reestruturação e reescalonamento da governança urbana

Brenner (2010), baseado em autores como Harvey, Smith, Jessop e Lefebvre, analisa a fase atual de reestruturação global induzida pela crise atual do sistema capitalista, onde o sistema busca um novo arranjo espacial e escalar, que por sua vez, estabelece um novo marco institucional -discursivo- e geográfico capaz de assegurar o processo de acumulação de capital dentro do quadro de maior competitividade internacional e mobilidade de capitais crescentes, um contexto gerador de incertezas e riscos. Para Brenner (2010) isso ocasionou uma relativização da primazia da escala nacional e, simultaneamente, um maior reforço nas ações das escalas supranacionais e subnacionais nesses processos.

Isso é evidente através da análise do crescimento do papel dos organismos multilaterais como: Banco Internacional de Reconstrucción y Fomento -em diante Banco Mundial ou BIRD, Organização das Nações Unidas -em diante ONU, Banco Interamericano de Desenvolvimento -em diante BID, entre outros na produção de agendas, redes, programas, políticas, planos e ideias para o pretenso desenvolvimento11, principalmente, para os chamados povos do Sul Global (Porto-Gonçalves 2003; Santos12 2010).

Temas como o das cidades inteligentes e sustentáveis se encontram presentes nas recomendações das duas grandes agendas internacionais contemporâneas: a Nova Agenda Urbana da Habitat III e a Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável, e seus ODS. Encontram-se, também, presente nos discursos e ações ligados a Conferência das Partes que culminou com a Agenda de Paris, sobre a mudança climática, com compromissos dos Estados de reduzir a emissão de gases de efeito estufa13. Tais conceitos viajam pelas mais diferentes cidades pelo mundo via seus difusores (consultores, thik thanks, organismos multilateriais, etc.).

No contexto da globalização14 das atividades industriais e financeiras, com o fim de assegurar os investimentos e captações de mais-valia global, os Estados -inicialmente os do Atlântico Norte, depois os do Sul Global- passam a internalizar o processo de neoliberalização, que para Peck, Theodore e Brenner (2012) seria uma forma particular de reorganização regulatória, que envolveria a recalibração de modos de governança institucionalizados no sentido de ampliar ou consolidar formas mercantilizadas e comodificadas de vida social, que também convergem para novas relações e mediações mercantilizadas entre sociedade e natureza.

Refletindo sobre o processo de neoliberalização Peck, Theodore e Brenner (2012) apontam que esse possui três dimensões de análise principais: (1) experimentação regulatória; (2) transferência interjurisdicional de políticas; (3) formação de regimes de normas transnacionais. Assim, dar-se o processo de reescalonamento que flexibiliza e rearticula os padrões e políticas institucionais de escala nacional para introduzir novas formas de governo supranacional, e, simultaneamente, esse reescalonamento atravessa os níveis local e regional (Brenner 2018).

Esses processos geram dispositivos (Agamben 2005), agendas e prerrogativas (re)regulatórias, que se ligam à busca incessante e a necessidade de criação de certos consensos e de uma agenda global quanto a problemática socioambiental derivada das mudanças climáticas e de suas soluções via mercado, que se dão, muitas vezes, via a despossessão/espoliação de bens comuns, principalmente, dos povos do Sul Global (Sassen 2016). Essas agendas podem ser verificadas, segundo nossa análise, nas novas legislações, agentes e institucionalidades ligadas às questões ambiental e urbana.

De forma sucinta, pelo escopo do presente trabalho, apresentam-se as três dimensões analíticas centrais do processo de neoliberalização: experimentos regulatórios, os sistemas de transferência interjurisdicional de políticas e os regimes de normas transnacionais (Peck, Theodore e Brenner 2012). Todos podem ser encontrados nas ações de organizações multilaterais como a ONU e o BID, casos que iremos exemplificar.

Quanto aos experimentos regulatórios, -que podem se apresentar como projetos específicos de locais, territórios e escalas, elaborados para impor, intensificar ou reproduzir modalidades de governança disciplinadas pelo mercado-, podemos encontrá-los nas ações atuais do BID, como a criação da Iniciativa Cidades Emergentes - em diante ICES.

A ICES criada e executada pelo BID, tem seu papel na inserção e difusão de narrativas e dispositivos (Agamben, 2005; Branco, 2019) ligados a boas práticas da governança urbana neoliberal, assim como na abertura de mercado nas cidades brasileiras para empresas multinacionais ligadas aos setores de Tecnologias da Informação e Comunicação, - em diante TIC, e suas soluções para os grandes problemas históricos de nossas cidades do Sul Global (Santos 2010). Verifica-se, também, a abertura de mercado para consultorias de toda sorte e think tanks internacionais (Brandão, Fernández e Ribeiro 2018). Como exemplo temos que sua metodologia que é replicada nas diferentes cidades da América Latina, foi desenvolvida com a participação da empresa privada de consultoria McKinsey & Company, entre os anos de 2010 e 2011.

A ICES conta também com a presença de um rol de instituições acadêmicas (e Think tanks) de diferentes continentes e consultorias: Austrian Institute od Technology, ETH Zürich, Havard University, Massachussetts Institute of Technology (MIT), Korea Research Institute for Human Settlements (KRIHS), Gehl Architects, entre outros.

A ICES já está sendo aplicada em 77 cidades na América Latina e Caribe, coletando 164 indicadores, divididos em trinta temas e três dimensões: ambiental e mudança climática; desenvolvimento urbano integrado; e fiscal e governança. (BID 2016). A ICES, de acordo com seus documentos (BID 2016), defende a ideia de que oferece apoio às cidades participantes no desenvolvimento de planos de ação que abordam as três dimensões da sustentabilidade já citadas.

Para o BID uma cidade sustentável consiste em uma cidade

[...] que oferece uma boa qualidade de vida aos seus cidadãos, minimiza seus impactos sobre a natureza, preserva seus ativos ambientais e físicos para gerações futuras e, por meio disso, promove sua competitividade. Ademais, ela conta com um governo local que tem capacidade fiscal e administrativa para cumprir com as suas funções urbanas com a participação ativa dos cidadãos. (BID 2014, 4)

Na definição de cidades sustentáveis do BID podemos destacar alguns elementos de paradigmas econômicos atuais como o da gestão ou governança corporativa das cidades e do mundo das finanças, a exemplo dos termos: qualidade de vida, ativos, competitividade, a descentralização promovida pela ênfase no governo local e seu papel atual no processo de urbanização, a capacidade fiscal e administrativa, e a participação cidadã ilusória. Soma-se a isso a presença de parcerias e acordos de cooperação com um amplo espectro de corporações, muitas delas ligadas ao desenvolvimento tecnológico e de TIC, a exemplo: Microsoft, International Business Machines Corporation (IBM), Google, Philips, Telefônica, Federação Internacional de Futebol (FIFA), entre outras.

Quanto a dimensão dos sistemas de transferência in-ter-jurisdicional de políticas, tratam-se de mecanismos institucionais e redes de compartilhamento de conhecimentos através dos quais protótipos de políticas neoliberais circulam. Visualiza-se isso nas ações da Rede de Cidades do BID, que é, segundo o site da rede, uma plataforma que facilita o intercâmbio de conhecimentos e soluções para a vida urbana, promove a sustentabilidade ambiental, econômica e social desde o seu lançamento em 2016. Acredita-se, porém, tratar-se de uma rede de disseminação de boas práticas ou dispositivos ligada a um sistema de transferência interjurisdicional de políticas neoliberais.

Sobre o papel da rede, têm-se as palavras do consultor da Divisão de Habitação e Desenvolvimento Urbano do BID, Keisgner Alfaro

A Rede de Cidades do BID é importante porque, se queremos alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, muito deve ocorrer no nível da cidade, onde reside a maioria das pessoas [...] O programa se transformou em um espaço de intercâmbio, ativando uma ampla oferta de fóruns, reuniões e oficinas que abordam os temas fundamentais da agenda urbana da região. Lá, As experiências mais bem-sucedidas da América são socializadas, do sistema de transporte integrado de Medellín ao sistema de teleférico de La Paz. (IDB 2020, grifos do autor)

O terceiro ponto que Peck, Theodore e Brenner (2012) indicam, é o da formação de regimes de normas transnacionais somados a produção de novas institucionalidades e espaços estatais, esses representam arranjos institucionais em larga escala, arcabouços regulatórios, sistemas legais e revezamentos de políticas que impõem as regras do jogo. Como exemplo aponta-se o papel das Nações Unidas, via sua "New Urban Agenda" (UN 2020), construída nos marcos da Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável-Habitat III, no ano de 2016, e de outras ações da ONU-Habitat e de outros organismos multilaterais que corroboram com nossa tese, a exemplo do BID. Tais regimes de normas também podem ser encontrados nas conferências mundiais das Nações Unidas15, incluindo, sobretudo, a Conferência das Nacões Unidas para o Melo Ambiente e o Desenvolvimento-Rio 92 (UnitedNations Conference for Environment and Development) e depois a Rio +20 Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável.

Sobre a NAU (ONU 2016; Borja, Carrión e Corti 2017), essa funciona como uma nova institucionalidade, fruto da Habitat III, conferência realizada a cada 20 anos, desde 1976. Antes de sua realização os Estados-membros da ONU, governos locais, organismos internacionais, organizações sociais, fundações, ONG e especialistas internacionais iniciaram a preparação de relatórios e documentos temáticos com o objetivo de fornecer um diagnóstico completo e propostas para a Nova Agenda Urbana. Daí surgiram vinte e dois documentos temáticos (Issue Papers) organizados em oito áreas temáticas e dez unidades de política (Policy Units), e a Minuta Zero da Nova Agenda Urbana, publicada em maio de 2016.

A conferência Habitat-Ill em seu documento temático sobre cidades inteligentes (ONU-Habitat 2015) aponta para a diversidade de definições sobre o que são cidades inteligentes, e revela o quanto esse tema está relacionado com o das cidades sustentáveis, e ao nosso ver, com a construção de valiosos mercados. Em seu issue paper aponta:

[U]ma cidade sustentável inteligente é uma cidade inovadora que utiliza as TIC e outros meios para melhorar a qualidade de vida, eficiência da operação e serviços urbanos, e competitividade, assegurando ao mesmo tempo atender às necessidades de gerações presentes e futuras no que diz respeito aos aspectos econômicos, sociais e ambientais. (ONU-Habitat 2015, 1)

Desta forma, se têm as famosas ideias fora do lugar penetrando de forma mais ampla em nossas cidades no contexto de urbanização planetária neoliberal, sobre essa difusão Brandão, Fernández e Ribeiro apontam:

[...] mais recentemente nos deparamos com mais uma daquelas cíclicas ondas de importação dos enfoques elaborados no centro, que vão sendo replicados em nossa muito específica situação subordinada no contexto mundial sem qualquer mediação teórica e histórica. (Brandão, Fernández e Ribeiro 2018, 08)

Para Brenner (2014; 2018) na urbanização planetária podemos encontrar governos nacionais, estaduais e municipais procurando impulsionar iniciativas políticas espacialmente seletivas para criar matrizes vinculadas a inversão de capitais nacionais e transnacionais e o desenvolvimento urbano em vastas zonas de seus territórios (Brenner 2014), que recentemente tem se relacionado muitas vezes como os temas como cidades sustentáveis e inteligentes. Para o autor essa "paisagem estendida de urbanização é agora um campo de força constituído por estratégias estatais regulatórias entrecruzadas, que têm sido desenhadas para territorializar, em longo prazo, investimentos de larga-escala no ambiente construído" (Brenner 2014, 08).

Pode-se verificar isso com relação ao papel e necessidade de investimentos de larga-escala para a materialização dos ODS. Sobre isso, o relatório International Financial System and Development, da Assembleia Geral da ONU, de 9 de agosto de 2017, aponta as ações ligadas a territorialização de investimentos em larga-escala nos países em desenvolvimento e os esforços da ONU para fortalecer a relação entre o sistema financeiro internacional e a implementação da Agenda 2030 para a Sustentabilidade e o Desenvolvimento. O relatório, também, afirma que existe um interesse crescente dessa instituição no papel desses investidores, especialmente, aqueles com passivos de longo prazo, como fundos de pensão, seguradoras e fundos soberanos. Destaca que esses investidores institucionais podem desempenhar papel relevante no financiamento do desenvolvimento sustentável de longo prazo. Segundo o documento esses três tipos de investidores possuíam ativos sob sua gestão de aproximadamente 79 trilhões de dólares, no final de 2014 (UN 2017).

O documento da Habitat III aponta que a crescente concentração nas cidades de populações, atividades econômicas, interações sociais e culturais, como também de impactos ambientais e humanitários, acarretam enormes desafios de sustentabilidade em termos de habitação, infraestrutura, serviços básicos, segurança alimentar, saúde, educação, empregos decentes, segurança e recursos naturais, entre outros. Assim, observa-se que a reestruturação da governança urbana e territorial das cidades e metrópoles no período de urbanização planetária e neoliberal aparece como um meio para abertura de novos e grandes negócios ligados à produção do espaço.

No tópico a seguir se analisa a construção do discurso global do risco e sua relação com a necessidade da construção de cidades ditas sustentáveis e resilientes (UNDP 2019). Analisa-se como são construídos esses discursos que se tornam agendas globais.

O mundo em risco e a ascensão do discurso da resiliência e sustentabilidade nas cidades: limites e possibilidades para a construção de uma agenda global para a produção do espaço urbano

Nas atuais discussões sobre as ações de prevenção a desastres no Brasil e em todo o mundo, o termo resiliência tem aparecido de forma recorrente. Aqui apresenta-se novamente a conformação de um sistema de transferência interjurisdicional de políticas e de regimes de políticas transnacionais ligados a redução e prevenção de riscos e desastres. Assim, temos as ações da Estratégia Internacional para Redução de Desastres (EIRD/UN), segundo o Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED) da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC, que define o termo resiliência como:

[...] a capacidade de um sistema, comunidade ou sociedade potencialmente exposta a perigos de se adaptar, resistindo ou mudando, de forma a atingir e manter um nível aceitável de funcionamento e estrutura. [...] Isto é determinado pelo nível da capacidade que o sistema social tem de se organizar para aumentar sua capacidade de aprender com os desastres passados para sua proteção futura e melhoria das suas medidas de redução de risco. (Pacheco e Souza 2017, 137)

Continuando com a leitura institucional e multies-calar do termo resiliência como forma de demonstrar a construção e difusão dos dispositivos e agendas globais que balizam ações de agentes públicos e privados, apresenta-se também a explicação do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), braço nacional do sistema de transferência interjurisdicional de políticas ligadas a redução e prevenção de desastres e mudanças climáticas, descreve o que seriam cidades resilientes

[...] [u]ma cidade resiliente tem a capacidade de resistir e de se recuperar mais facilmente frente aos impactos das mudanças climáticas (MEHROTRA et al. 2009). Cidade resiliente descreve a capacidade das cidades para funcionar, onde as pessoas que vivem e trabalham nas cidades, particularmente os pobres e vulneráveis, sobrevivem e prosperaram, não importando qual o estresse ou choques com que eles se deparem (100 Resilient Cities 2014). (Ribeiro y Santos 2016, 21)

Sobre essas definições e explicações do significado de resiliência cabe destacar que alguns pontos como a naturalização da desigualdade urbana expressa na comparação da urbanização desigual e seus corolários com tensões em sistemas ecológicos, derivando daí suas formas de superarem seus problemas. Nega-se a desigualdade social estrutural e fala-se como se todos os sujeitos da sociedade, classes sociais, estados-nação tivessem a mesma proporção de responsabilidade pelo seu surgimento e a mesma capacidade de resolução de suas consequências catastróficas. Aponta-se ainda a naturalização da pobreza e vulnerabilidade socioambiental presente em trechos como os que falam da capacidade das "[...] pessoas que vivem e trabalham nas cidades, particularmente os pobres e vulneráveis, sobreviverem e prosperarem, não importando qual o estresse ou choques com que eles se deparem" (Ribeiro y Santos 2016, 21). Entende-se esses choques e estresses como os resultados das grandes contradições da urbanização desigual, dependente e periférica.

Além das instituições ligadas diretamente a redução de desastres e mudanças climáticas, está um ator financeiro multilateral como o Banco Mundial-BIRD também conceituando e definindo os atuais riscos e ameaças globais que levam à necessidade de construção de cidades resilientes. O BIRD através de seu Relatório Anual (2017) aponta os caminhos para a superação dos desafios e crises crescentes da sociedade global, onde destaca o papel da promoção da resiliência a choques e ameaças globais16.

Cabe destacar que o BIRD, em seu relatório, explana a importância do conhecimento sobre os riscos e ameaças, como, também, dos recursos financeiros para a suposta proteção dos ganhos da redução da pobreza, pois desses surgirá a necessidade de cidades inteligentes, competitivas, resilientes e sustentáveis, como também os grandes negócios vinculados a sua produção (Carrión 2017).

Em 1994, na Conferência Mundial sobre Redução de Desastres, em Yokohama no Japão, se deslocou o discurso centrado em aspectos técnicos e científicos para discussões sobre a relevância dos aspectos socioeconômicos no que se refere à prevenção de desastres. Essa "virada" economicista continuou e foi ratificada na Conferência do ano de 2005, também no Japão, na cidade de Hyogo, e assim se foram configurando os novos regimes de normas transnacionais ligadas ao tema das mudanças climáticas. Após isso, tem-se a crescente busca de construção de uma base de informações necessárias ao cumprimento de metas nacionais associadas às agendas globais, a exemplo dos ODS e do Marco de Ação de Sendai (2015)17, ambos preconizados pela ONU18.

Ligado as diretrizes difundidas nas conferências sobre redução de desastres, e em consequência de um dos maiores desastres naturais brasileiro19, o Ministério de Ciência e Tecnologia criou em 2011 o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Esse órgão monitora e emite alertas para os municípios prioritários de todo o território nacional sobre a provável ocorrência de desastres associados a fenômenos naturais, assessorando o trabalho dos órgãos de Defesa Civil.

Acontece que não só as comunidades e as cidades estão preocupadas com essas ocorrências e os dados sobre as mesmas, e as informações produzidas por instituições desse porte tornam-se, a cada dia, "mercadorias" valiosas no quadro da sociedade de risco global agora financeirizada. Segundo dados da Swiss Re20 referentes ao aumento da população brasileira exposta ao risco de inundação, foi estimado um aumento de 33 milhões de pessoas para 43 milhões em 2030. O estudo da seguradora previu, ainda, que as perdas anuais com inundações no Brasil poderão aumentar de US$ 1,4 bilhão para US$ 4 bilhões em menos de 20 anos (Swiss Re 2013; CNseg 2013a).

Seguindo nessa relação entre capital financeiro e risco de inundações, foi realizado, em 2013, em São Paulo, o seminário Riscos de Inundação no Brasil: Impactos no Mercado Segurador, Governo e Sociedade, desse evento destacamos dois de seus painéis que possuíam títulos bem sugestivos para o novo mercado global ligado aos desastres e riscos socioambientais. O primeiro painel "Utilização de informações para o desenvolvimento de novos produtos", expôs as iniciativas do governo brasileiro e do mercado de seguros na previsão e mensuração das inundações.

Esse painel abordava um convênio entre o Cemaden e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros (CNseg) que permitiria às seguradoras brasileiras terem acesso a informações valiosas produzidas pelo governo para a subscrição de riscos relacionados a eventos climáticos extremos. Tal material serve para agregar valor à subscrição de riscos, elevar seus dividendos, além de auxiliar na negociação com as resseguradoras (CNseg 2013b) 21.

Começam a se revelar os interesses implícitos das empresas do mercado financeiro com o debate global sobre desastres e riscos. No segundo painel desse evento, o "Impacto social das inundações e o papel do gerenciamento de risco", os especialistas em gestão de riscos do Banco Mundial e da ONU apontam que as inundações, que já haviam conquistado o posto de desastre natural mais frequente, agora também integram o rol dos eventos climáticos mais onerosos e difíceis de gerenciar em áreas urbanas. Onde segundo levantamento do Banco Mundial, esses eventos vêm aumentando significativamente nos últimos 30 anos, período em que causaram perdas de US$ 3,5 trilhões. Refletindo-se e analisando os agentes envolvidos - bancos e seguradoras, e seu discurso capitaneado por valores mobiliários, nos questionamos: onde está o verdadeiro interesse da ampliação desse debate por parte desses agentes do capital? Destacam-se as características do processo de neoliberalização ligadas a busca da mercantilização e commodificação de todos os aspectos da vida, sem falar na transformação dessas informações em dispositivos de valorização de ganhos financeiros.

É oportuno mostrar as oportunidades abertas para investimentos e empréstimos no novo mercado global ligado aos desastres e riscos ambientais, pois, da nossa perspectiva, essas são o principal leitmotiv para tamanha importância dada ao tema. Para tanto o paradigma das mudanças climáticas é a base da maioria das propostas de financiamento, empréstimos e securitização (Estadão.com.br 2017)22. Aqui destacamos algumas ações do Grupo Banco Mundial nesse intento, anunciadas em seu relatório anual de 2017, no tópico intitulado "Aproveitar as oportunidades da ação climática". Destaca-se o uso do conceito de resiliência, e os grandes investimentos em infraestrutura associados ao mesmo:

[o] Grupo Banco Mundial comprometeu-se a aumentar seu financiamento para o clima para 28 % da carteira do [g]rupo até 2020, em resposta à demanda dos clientes. Para cumprir este compromisso, a organização adotou um Plano de Ação da Mudança do Clima que apresenta metas ambiciosas a serem atingidas até 2020 em áreas como energia limpa, agricultura inteligente em matéria de clima, gestão de riscos de desastres e urbanização sustentável. (Banco Mundial 2017, 28)

Dessa forma, o denominado mundo em risco (Beck 2009), e suas narrativas construídas por agentes do mercado ou seus representantes dentro do Estado, aparece cada vez mais ligado aos espetaculares desastres urbanos, presentes com grande regularidade na última década23, que, por sua vez, tornam-se oportunidades de investimentos em capital fixo de larga escala (Harvey 2013) e absorvedores do capital financeiro ocioso ou com necessidade de (re)valorização.

Exemplo desse uso é o contundente relato feito por Naomi Klein, em A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre, dos usos políticos e econômicos da tragédia provocada pelo furacão Katrina em Nova Orleans "[...] lobistas das corporações preocupados em abocanhar aquelas grandes oportunidades: impostos menores, pouca regulamentação; trabalhadores mais baratos e 'uma cidade menor, mais segura'-o que, na prática, significava planos para derrubar os projetos públicos de construção de moradias, substituindo-os por condomínios" (Klein 2008, 13).

Atualmente, vem sendo fomentado um debate, em organismos multilaterais como a ONU-Habitat, que relaciona possíveis ações ligadas à construção de infraestru-turais resilientes e à promoção de uma industrialização do tipo inclusiva e sustentável e o fomento à inovação, soma-se a isso ações no tocante a construção de cidades inclusivas, seguras, resilientes, sustentáveis e inteligentes. Esses temas representam, diretamente, dois dos dezessete ODS elencados pela ONU (Objetivo 9, industria, inovação e infraestrutura; Objetivo 11, cidades e comunidades sustentáveis).

Chama-se a atenção para os meios para a realização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e de seus 17 ODS, objetivos que incluem cifras de ampla magnitude e grandes projetos de infraestrutura. Essa demanda pode ser vista nos documentos da ONU (2018), com destaque para os produzidos em seus Fóruns do Ecosoc24 sobre o Financiamento para o Desenvolvimento (FfD Forum) como o recente relatório Financing investment in selected SDGs. O documento aponta que

a Agenda de Ação de Addis Ababa [...] apela para um aumento do investimento em infraestrutura flexível e resiliente, incluindo as áreas de energia, água e saneamento para todos, como pré-requisitos para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). (ONU 2018, 15; tradução do autor)

Atenta-se para o fato que, como aponta o documento da ONU, para a consecução desses objetivos novos dispositivos e/ou formas e arranjos políticos-institucionais, econômicos e espaciais são necessários para a viabilização desses grandes negócios da sustentabilidade dentro do processo de acumulação do capital via produção do espaço, que se entrelaçam a projetos políticos e econômicos locais e regionais, ou de reestruturação econômica e espacial de cidades e regiões metropolitanas que visam ingressar no circuito da produção e do consumo globalizados, ou nos circuitos de circulação do capital fictício. Tudo isso representa a materialização do que Brenner, Peck e Theodore (2012, 2015) chamam de neoliberalismo realmente existente.

Como já afirmamos, não podemos deixar de relacionar essas agendas, ações e ofertas de empréstimos correlatos ao crescimento da dívida pública, em suas diversas escalas, como no caso brasileiro. Na década de 70 temos a ascensão de uma visão mais holística sobre os desastres e riscos, essa se dá paralelamente com o crescimento do discurso e ações de cunho neoliberal. Somado a isso Lazzarato (2013) aponta para a relação entre o paradigma neoliberal e a dívida pública. Para esse autor a dívida é uma relação de poder mais desterrito-rializada e geral, através da qual o bloco de poder neoliberal organiza sua luta de classes. A dívida representa uma relação de poder transversal que não reconhece as fronteiras de Estado.

O relatório Financing investment in selected SDGs (ONU 2018), mostra bem a discussão sobre os novos papéis do Estado e do capital financeiro para a construção de infraestruturas resilientes, promoção de uma industrialização do tipo inclusiva e sustentável e construção de cidades inclusivas, seguras, resilientes, sustentáveis e inteligentes, quando aborda as necessidades e possibilidades de financiamento para a realização dos 17 ODS, e os caminhos dos empréstimos e endividamento para entidades políticas subnacionais.25

Esta linha de pensamento se traduziu em uma série de produtos como planos de desenvolvimento sustentáveis, planos de desenvolvimento territorial, planos estratégicos, programas de desenvolvimento urbano sustentável como, a Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis do BID (BID 2016). Estes estão associados às formas pelas quais as localidades poderiam autonomamente se autotransformarem em protagonistas no contexto da globalização, e também representam o resultado concreto do processo de neoliberalização apontado nesse estudo.

Brandão, Fernández e Ribeiro (2018) apontam a replicação, a difusão, o utopismo e a reprodutibilidade crescente de uma gama de políticas, programas e projetos de desenvolvimento local e regional, e sustentável, apologizados e profetizados pelos "manuais de boas práticas", apregoados pelos organismos internacionais, e o impulso para a construção de "planos estratégicos", assim como pela proliferação de uma grande quantidade de agências consultoras ligadas a uma expertise global produtora de consensos, como vimos anteriormente (Pulhez e Ferrara 2018).

Por fim, apresenta-se como outro fator importante derivado do que se analisou até aqui, o fato de que a política neoliberal redefiniu o papel do Estado Nacional, no quadro da globalização e da crise fiscal, fazendo com que esse diminuísse seu papel em diversas áreas, sendo que o mesmo se desobriga de várias políticas públicas, e procura também estimular a autonomia dos estados e municípios via reestruturações regulatórias, com destaque, para que esses formulem, implementem e gestem seus programas e projetos de desenvolvimento via concessões de toda sorte (viárias, de energia, de saneamento, etc.) e ligações diretas com grandes investidores em potencial. Tudo isso advêm da construção de fortes narrativas de desresponsabilização do Estado que viajam o mundo, as quais daremos destaque no tópico a seguir.

A construção do discurso da autonomia e da descentralização do Estado e seus impactos na produção e gestão da sociedade do risco

Inicia-se com a discussão sobre o papel do discurso da autonomia tanto individual como de unidades subna-cionais de governo com relação à prevenção, redução e recuperação de desastres naturais tão presentes nesse mundo em risco, temos ações como as das discussões estabelecidas na Conferência de Hyogo (2005), no Japão, onde se asseverou que os desastres podem afetar qualquer pessoa e, portanto, isso é do interesse de todos nós. A redução do risco de desastre deve fazer parte da tomada de decisão cotidiana: desde a forma como educamos nossos filhos até como planejamos nossas cidades, onde cada decisão pode nos tornar mais vulneráveis ou mais resilientes (Pacheco e Souza 2017).

É interessante observar como é construída a ideia da divisão igual e da co-responsabilidade pela redução dos desastres, como se todos os sujeitos da sociedade, classes sociais, estados-nação tivessem a mesma proporção de responsabilidade pelo seu surgimento e crescimento, e pela resolução de suas consequências catastróficas para a sociedade.

Essa individualização da responsabilidade pelos desastres e prevenção dos riscos distribuída por toda a sociedade de forma igualitária lembra a análise que Bauman faz da cultura dos tempos líquidos, da atual fase da modernidade líquida, assim definida pelo autor:

[p]ode-se dizer que, em tempos líquido-modernos, a cultura [...] é modelada para se ajustar à liberdade individual de escolha e à responsabilidade, igualmente individual, por essa escolha; e que sua função é garantir que a escolha seja e continue a ser uma necessidade e um dever inevitável da vida, enquanto a responsabilidade pela escolha e suas consequências permaneçam onde foram colocadas pela condição humana líquido-moderna, sobre os ombros do indivíduo, agora nomeado para a posição de gerente principal da "política de vida", e seu único chefe executivo. (Bauman 2013, s/p, tradução do autor)

Ligamos sua análise à produção de um determinado consenso em torno dos discursos da crise, da resiliência, do desenvolvimento sustentável e da sustentabilidade, e da responsabilização individual sobre causas e consequências desses fenômenos (Bauman 2013).

Cabe aqui tentar explicar as possíveis formas de criação de consenso dentro da racionalidade neoliberal do capitalismo contemporâneo (Dardot e Laval 2016) através dos chamados dispositivos que podem ser políticas ditas democráticas e participativas, onde todos os agentes da sociedade: organizações da sociedade civil, governos regionais e locais, representantes municipais, profissionais e pesquisadores, universidades, fundações, grupos de mulheres e jovens, sindicatos e setor privado e organizações intergovernamentais participam de forma "igualitária" da produção das novas normas e políticas que intentam intervir na (re) produção de desigualdades sociais e ambientais nas cidades pelo mundo afora.

Sobre essa mudança de paradigma ligada ao neoliberalismo cabe, também, a consideração das ideias originais de Foucault (2008) que, em sua obra Nascimento da Biopolítica, já aponta os sinais das mudanças culturais ou das relações sociais dentro da nova governança ou razão governamental neoliberal. Para Foucault os neoliberais não mais concebem o "homo oeconomi-cus" como o sujeito da troca e do mercado, mas como um empreendedor, de si mesmo. A retórica neoliberal recai indistintamente sobre a economia e a subjetividade, sobre o trabalho e o "trabalho sobre si mesmo" ou "responsabilidade pela escolha e suas consequên-cias" sobre o indivíduo, isso reduz a subjetividade a uma apologia da capacidade individual de se tornar "gerente principal" da "política de vida", no sentido de se responsabilizar pelos custos e riscos que a empresa e o Estado externalizam para a sociedade, a exemplo dos passivos ambientais. Assim temos a criação do imperativo de se fazer a si próprio e/ou assumir os riscos e custos que nem as empresas nem o Estado querem assumir (Foucault 2008; Lazzarato 2013).

Harvey discorre sobre a relação das últimas crises capitalistas com a ascensão do neoliberalismo, e opina o seguinte

[...] minha opinião é que se refere a um projeto de classe que surgiu na crise dos anos 1970. Mascarada por muita retórica sobre liberdade individual, autonomia, responsabilidade pessoal e as virtudes da privatização, livre-mercado e livre-comércio, legitimou políticas draconianas destinadas a restaurar e consolidar o poder da classe capitalista. (Harvey 2011, 16)

Em contraste com esse discurso da responsabilização e autonomia individual sobre os riscos temos a ação de seus maiores produtores. Sobre isso Beck (2017) aponta que na sociedade do risco mundial os maiores produtores do risco discutem entre si sobre suas características, causas e consequências, assim como desenham as melhores definições e soluções para as demais nações e população mundial, que segundo esses agentes globais não estão preparados para a sociedade de risco mundial (Beck 2017).

Pode-se ver isso nas discussões recentes do Fórum Econômico Mundial (WEF 2020) sobre cidades e urbanização, com o uso do que o WEF chama de "inteligência estratégica"26, que aponta para a conformação de uma agenda global. O WEF relaciona uma miríade de temas bastante atuais ligados a paradigmas econômicos e tecnológicos, que também representam dispositivos/ boas práticas para problemas relacionados às mudanças climáticas, associados ao discurso da urbanização sustentável27.

Dessa forma, é fundamental compreender a forma de construção e difusão de uma agenda global que encampa conceitos e/ou paradigmas como os de sustentabilidade e da resiliência pelo mundo afora, balizando ações de agentes públicos e privados. Sobre essa ampla participação podemos ver as análises dos resultados da última Conferência Habitat III (2016), que afirmam que esta foi a conferência mais democrática da série, que envolveu o maior número de atores (governamentais e não governamentais) em sua preparação e realização, e que contou com o maior número de eventos paralelos da história das Conferências.

Carrión (2017) ao analisar a fragilidade do discurso da ONU-Habitat aponta para o formato da conferência, que para o mesmo mais parecia um grande mercado de soluções/ilusões sustentáveis para cidades solventes, e ainda aponta a falta de democracia e participação dos maiores interessados na questão urbana. Assim, o mesmo a relata

[...] el evento denominado Habitat III, organizado por ONU-Habitat, con la finalidad de aprobar la denominada Nueva Agenda Urbana. Desgraciadamente este propósito pasó a un segundo plano debido a que, por un lado, el documento fue acordada de forma previa al conclave, lo cual hizo que las deliberaciones centrales pierdan sentido; y por otro lado, a que las instituciones y las personas que llegaron a la reunión oficial lo hicieron más para visibilizar proyectos, legitimar posturas y vender ilusiones que construir un horizonte para las ciudades. [...] En ese sentido, más que una cumbre de ciudades convocada para acordar los caminos de su desarrollo, fue concebida como una feria comercial; donde los llamados side events -aislados e inconexos- no fueron diseñados para debatir los grandes temas de la agenda y las formas de llevarlos a la práctica, sino para promocionar productos urbanos. (Carrión 2017 s/p, grifos do autor)28

Nas essências constitutivas (Brenner 2014) da produção da nova agenda urbana global temos o papel da formação do consenso sobre a questão urbana do século vinte um e suas possíveis soluções via políticas ditas mais democráticas, justas e sustentáveis. Esse consenso tem sido construído através de um diálogo fomentado pelas organizações multilaterais com destaque, como já apontando anteriormente, para ONU, Banco Mundial e BID. Acontece que esse diálogo, em nossa análise, não é tão horizontal e igualitário como se apresenta, e se aproxima à concepção dialógica da linguagem de Bakhtin (2006) intitulada pelo mesmo de "dialogia", que põe em discussão uma espécie de "monologia", ou "diálogo unilateral", presente de forma disfarçada no chamado "diálogo" cada vez mais despolitizado, e puxado pelos agentes hegemônicos.

Entendendo resiliência, segundo o dicionário da língua portuguesa, como a capacidade que o ser humano possui para transformar momentos difíceis em oportunidades de crescimento, mudança e de aprendizagem, temos a produção de um discurso perverso que desobriga o Estado em resolver problemas históricos como o da provisão de habitação para uma massa crescente de pessoas alijadas da sociedade salarial e da seguridade social. Além de uma política pública séria de infraestrutura urbana, e não na forma de mercadoria, como a presente nas parcerias público-privadas-PPPs.

Além disso, esse discurso da responsabilidade individual, como vimos com Bauman (2013), Foucault (2008) e Harvey (2011) abre espaço para os apologistas neolibe-rais defenderem a redução do papel do Estado em áreas sociais fundamentais, como a educação, o saneamento, a saúde, a habitação, etc. Acontece que desde a antigui-dade clássica já se falava na existência de oportunidades em situações de crise, onde estas seriam o momento de inflexão e de consequente aprendizado e crescimento pessoal. Será que poderíamos imaginar algo do tipo para a sociedade que pode emergir ligada a crise ambiental associada ao câmbio ambiental, ou a sociedade que poderá emergir após a pandemia do Covid 19?

Comentários Finais

Partindo-se do pressuposto de que dados mais recentes vinculados aos documentos temáticos da Conferência Habitat III (2016) apontam uma continuidade do processo de urbanização planetária da pobreza, onde cerca de um quarto da população urbana do mundo vive em favelas. (Habitat III - Assentamentos Informais, 2015). Fato ligado ao que Davis (2004) chama de processo de "urbanização da pobreza". Deve-se atentar para os fatores e características ligados ao sistema capitalista que são responsáveis pela produção crescentes de massas de pessoas pobres que se avolumam por todo o mundo, por países politicamente e economicamente arruinados, por continentes contaminados e/ou com suas reservas naturais esgotadas (Sassen 2016).

Narrativas e conceitos como o de resiliência surgem em momentos de crise social muito grande e tentam culpabilizar e condenar os indivíduos pelo fracasso social, profissional ou de não terem se preparado de forma correta para eventos naturais extremos e cada vez mais constantes, cria-se assim a ideia da privatização e individualização do fracasso ligado a criação de um consenso que leva os indivíduos a aceitarem as injustiças socioespaciais e/ou socioambientais como resultado de sua única e exclusiva culpa.

Assim, temos a ausência da produção de um raciocínio crítico espacial sobre a condição de risco e vulnerabilidade socioambiental de grande parte da população moradora de favelas e áreas de risco. Esse pode advir de teoria crítica urbana (Brenner 2018). Teoria e reflexão necessários para a construção de uma compreensão do processo de produção social e desigual do espaço, onde se possa entender que o espaço é socialmente produzido e pode, portanto, ser socialmente alterado, e a espacialidade ligada ao risco não é natural e sim uma construção sócio-histórica (Soja 2014).

É oportuno mostrar a visão que algumas organizações ligadas aos movimentos sociais que lutam pelo direito à cidade têm sobre as conferências e o papel da ONU-Habitat. Como vimos estas acusam a entidade de passar por uma reviravolta ultraliberal. Apontam que a Nova Agenda Urbana, que deveria fornecer os novos parâmetros para tratar a questão urbana no mundo, não faz isso, e segue pensando e fomentando as cidades com princípios neoliberais (Borja, Carrión e Corti 2017). Os movimentos sociais urbanos também alertam que a Nova Agenda Urbana trata o mercado financeiro como um parceiro do desenvolvimento urbano sustentável, como pudemos observar, nos documentos analisados sobre o financiamento para os ODS. Como se a financeirização da moradia e dos serviços e infraestruturas urbanas fosse garantir qualidade e ampliação de acesso para os mesmos.

Por fim, devemos procurar entender os desastres, as grandes transformações na relação sociedade x natureza e suas implicações. Compreender as mudanças climáticas, como não naturais, mas sim, fenômenos fortemente enraizados nos problemas ligados a busca do desenvolvimento dentro do processo de acumulação capitalista, com suas manifestações biofísicas, que estão localizadas na trama entre processos sociais, políticos, econômicos e culturais. Tentou-se analisar os fios dessa trama via algumas dimensões de análise do processo de neoliberalização. Processo esse que ganha força na contemporaneidade no cenário de urbanização planetária.

Uma visão naturalizante e evolucionista mascara o fato de as desigualdades socioespaciais e a conformação da chamada sociedade de risco global serem frutos da interação entre os processos socioespaciais multiescalares presentes no processo de acumulação do capital, a exemplo da urbanização neoliberal, das reestruturações territoriais e produtivas, das trocas desiguais, das transformações da governança urbana e seus impactos na conformação de cidades e assentamentos urbanos e regionais repletos de injustiça espacial e/ou socioambiental (Soja 2014).

Injustiça essa geralmente associada a diferentes oportunidades de realização de direitos, por parte de indivíduos e comunidades, ligados a sua reprodução social, que por sua vez está ligado a falta de acesso e controle sobre meios de produção, recursos territoriais, ativos e outros recursos fundamentais para poderem se contrapor as ditas mudanças e situações críticas provocadas pela chamada sociedade de risco, ou melhor dizendo se contraporem as contradições do capital e não apenas se adaptarem como preconiza o conceito de resiliência e o credo neoliberal.

Agradecimentos

O autor agradece o fomento concedido ao projeto "A Nova Agenda Urbana e os ODS e sua relação com a implementação do Programa de Desenvolvimento Urbano Integrado e Sustentável do Município de João Pessoa: uma análise das agendas, ações, agentes e escalas envolvidas" pelo Edital 01/2020/PROPESQ (Universidade Federal da Paraíba-UFPB e -Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPQ na modalidade de bolsa de iniciação à pesquiusa.

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1Para Mendes (2016, 115) "Foucault utiliza o termo governa-mentalidade para referir-se ao objeto de estudo das formas de governar. Na acepção que nos interessa aqui recuperar para a governança neoliberal, trata-se de um domínio definido por um conjunto constituído por instituições, procedimentos, análises, reflexões, cálculos, táticas, estratégias e dispositivos que permitem exercer formas de exercício do poder, tendo por objetivo principal regular a população e o território".

2Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos - ONU-Habitat.

3Sobre a noção de dispositivo e sua relação com a resolução de crises e emergências Agamben (2005, 11) assevera que "Certamente o termo, no uso comum como no foucaultiano, parece se referir a disposição de uma série de práticas e de mecanismos (ao mesmo tempo linguísticos e não-linguísticos, jurídicos, técnicos e militares) com o objetivo de fazer frente a uma urgência e de obter um efeito".

4Em 2015, os países adotaram a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Destacam-se aqui os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: ODS 11 "Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis"; e ODS 13 "Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos" (ONU 2020).

5O Acordo de Paris foi firmado na COP-21. Este representa um consenso entre os países-membros da ONU em torno da mitigação dos efeitos da mudança do clima.

6Think tanks são organizações especializadas em produzir análises de políticas públicas (policy analysis) e defender causas ou políticas (policy advocacy) entendidas como de relevância coletiva.

7No contexto de urbanização neoliberal Pulhez e Ferrara falam da emergência "[...] de modelo de gestão pública terceirizada, que permite alocar no coração do aparato estatal um corpo técnico privado cada vez mais denso - constituído por empresas de consultoria e gerenciamento, fundações privadas, ONGs e toda sorte de consultores que se possa idealizar" (2018, 58).

8 Giddens (2010) ao tratar sobre os riscos e possibilidades advindas do paradigma das mudanças climáticas aponta para os papéis do Estado, mercado, sociedade civil, indivíduos no tratamento da questão. Destaca-se seu apontamento sobre o papel do Estado, que para o autor abarca uma multiplicidade de níveis, que incluem governos locais, regionais e nacionais. Essa leitura está ligada ao período da globalização e a chamada governança em múltiplas camadas ou multinível presente nas análises feitas nesse artigo.

9Em uma releitura dos trabalhos de Lefebvre, com destaque para o livro Revolução Urbana, Brenner aponta que "Em diversas formulações interessantes, Lefebvre caracterizou a generalização da urbanização planetária capitalista como um processo de [explosão e implosão] de modo a explicar os laços mútuos existentes entre as formas de aglomeração capitalistas e as transformações mais amplas do território, da paisagem e do meio ambiente" (2018, 237).

10Segundo a ONU-Habitat as previsões indicam que a população urbana do mundo deve praticamente duplicar até 2050, tornando a urbanização uma das tendências mais transformadoras do século XXI. Populações, atividades econômicas, interações sociais e culturais, bem como impactos ambientais e humanitários, estão se concentrando cada vez mais em cidades (ONU-Habitat 2016).

11Para o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves o conceito de desenvolvimento é central na construção do paradigma da modernidade, e da própria construção do capitalismo. Sobre essa relação o mesmo aponta: "A crise que a sociedade contemporánea experimenta é, e não poderia ser de outra forma, uma crise de seu magma de significações e, nesse sentido, de seu próprio conceito fundação. Precisamente no momento em que este conceito foi fragilizado em seus alicerces, mostrando-se insustentável, observamos paradoxalmente uma tentativa de recuperá-lo por meio do adjetivo [sustentável] associado a [desenvolvimento], consagrado na publicação do Relatório Brundtland de 1987, sob os auspícios da ONU" . (Porto-Gonçalves 2003, 07, tradução do autor).

12Destaca-se que Boaventura de Sousa Santos analisa em suas obras os limites que têm as abordagens teóricas elaboradas no Norte global para poder analisar as realidades emergentes do Sul, e seus diversos contextos culturais e processos políticos heterodoxos, chegando a proclamar a necessária emergência na atualidade de uma [Epistemología del Sur] para dar conta dos problemas particulares dessos povos (Santos 2010).

13Pode-se ver a integração dessas agendas nos documentos e plataformas da ONU, a exemplo do site da ONU-Habitat. Quando afirma (a tradução a seguir é própria): "A implementação da Nova Agenda Urbana contribui para a localização da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável de forma integrada e para o cumprimento dos Objetivos e Metas de Desenvolvimento Sustentável, incluindo o Objetivo 11 de tornar as cidades e assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentável" (UN 2020).

14Entende-se nesse paper o paradigma da globalização no sentido dado a ele por Brenner (2010, 536) "A globalização é aqui concebida como uma reterritorialização dos espaços, tanto socioeconômico como político-institucional, que se desdobram simultaneamente em múltiplas escalas geográficas sobrepostas".

15Na Conferência Habitat II (Istambul 1996) a organização conclamava a necessidade de um processo de descentralização da gestão das cidades, e afirmava o reconhecimento das autoridades locais como parceiros mais próximos e essenciais na implementação da Agenda Habitat.

16"O mundo está enfrentando um conjunto de desafios cada vez maior —desde as crises crescentes de deslocamento forçado até os maiores impactos da mudança do clima— que exige um enfoque amplo para abordar as fontes de instabilidade e criar resiliência. O Banco Mundial está trabalhando cada vez mais para prever, responder e enfrentar esses desafios com conhecimentos, recursos financeiros e relacionamentos de longo prazo com clientes e parceiros. Devemos proteger os ganhos da redução da pobreza de alguns dos choques mais graves que ameaçam retroceder décadas de progresso" (BIRD 2017, 25).

17O Marco de Ação de Sendai 2015-2030, adotado como novo paradigma por países para redução de riscos de desastres, estabeleceu como uma de suas prioridades ações voltadas para a compreensão do risco de desastres em todas as suas dimensões, ou seja, aquelas associadas à vulnerabilidade, capacidade de resposta, exposição de pessoas e bens, características dos perigos e do meio ambiente (UNDRR 2015).

18Outra iniciativa da ONU foi a criação do Centro de Excelência de Redução do Risco de Desastres (CERRD) cuja missão é sensibilizar os países, especialmente do BRIC, sobre a importância de se incluir a redução do risco de desastres como um componente central do desenvolvimento sustentável.

19Tal tragédia ocorrida na região serrana do Rio de Janeiro ocasionou a morte de aproximadamente 900 pessoas e afetou mais de 300 mil, além de severas perdas econômicas, da ordem de 4,8 bilhões de reais, segundo dados do Banco Mundial (IBGE 2018).

20O Grupo Swiss Re é um dos principais provedores mundiais de resseguros, seguros e outras formas de transferência de riscos baseadas em seguros, cujo trabalho é voltado para tornar o mundo mais resiliente. Trabalha prevendo e administrando riscos - de catástrofes naturais a mudanças climáticas e do envelhecimento da população aos crimes cibernéticos (Swiss Re, 2018).

21De acordo com a diretoria da CNseg a partir desse conjunto de dados, que inclui informações de dez fontes mantidas pela Central de Serviços e Proteção ao Seguro (Ceser) da CNseg, sabe-se a localização geográfica de 205 mil sinistros patrimoniais do período de 2009 a 2013 e, ainda, como estes riscos estão espalhados no país (CNseg 2013b).

22Segundo outro estudo realizado no Brasil, pelo Centro de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (Ceped) da Universidade Federal de Santa Catarina, os prejuízos causados por desastres naturais no Brasil custaram pelo menos R$ 182,8 bilhões —uma média de R$ 800 milhões por mês —, entre 1995 e 2014. Essa pesquisa foi o mais completo mapeamento da quantidade de eventos meteorológicos, como secas, estiagens, inundações e enxurradas, que atingiram o País nesse intervalo de 20 anos e o impacto financeiro que eles tiveram. Destaca-se que um dos principais prejuízos contabilizados no trabalho são os que ocorreram nas moradias das pessoas. Ao longo dos últimos 20 anos, em todo o país, mais de 1,8 milhão de habitações foram danificadas e mais de 185 mil foram destruídas, com Santa Catarina liderando no primeiro caso e o Rio, no segundo. Os prejuízos desses danos superaram R$ 16 bilhões. (Estadão.com.br 2017).

23Dentre esses pode-se destacar a aniquilação de Nova Orleans pelo furacão Katrina em 2005, os tsunamis que engoliram partes do Japão em 2010, e paralelamente ameaçaram o mundo com uma tragédia nuclear, advinda da danificação da usina nuclear de Fukushima.

24O Fórum do Ecosoc sobre Financiamento para o Desenvolvimento (Fórum FfD) é um processo intergovernamental com participação universal mandatada para revisar a Agenda de Ação de Addis Ababa (Agenda de Addis) para implementação dos ODS. Representa um dispositivo de governança multinível e um dispositivo ligado a regimes de normas transnacionais.

25O documento aponta as prioridades políticas para agentes estatais subnacionais como: "[...] fortalecimento das finanças públicas ligadas a equidade, inclusão social e a outras boas práticas públicas [...]. No entanto, em muitos países, o equilíbrio fiscal é limitado, e a sustentabilidade da dívida é uma grande preocupação. Isso ressalta a necessidade de impulsionar recursos financeiros, tanto internamente (através da melhoria da tributação) e internacionalmente (através da assistência oficial ao desenvolvimento (ODA)). A Cooperação Sul-Sul e outras finanças oficiais para o desenvolvimento podem jogar papéis complementares. [...] Mobilizando o setor privado: O setor privado pode ser envolvido na propriedade, operação e financiamento de projetos, dependendo das prioridades do país e do setor (onde a maioria dos negócios devem ser focados em finanças ou operação, e não sobre a privatização per se). O setor privado pode trazer soluções rentáveis, o mesmo é frequentemente associado a um financiamento mais elevado de custos, porque a maioria dos investidores exige um retorno competitivo para o risco que assumem" (ONU 2018, 16; tradução do autor).

26Em seu site o WEF aponta os problemas e forças que impulsionam mudanças transformacionais nas economias, indústrias e questões globais (WEF 2020).

27Na visão estratégica do WEF encontramos temas como: resiliência urbana (mudanças climáticas, risco e resiliência, futuro do meio ambiente e segurança dos recursos naturais, etc.); ambiente urbano e recursos (futuro da mobilidade, economia circular, água, etc.); governança urbana (governança global, administração corporativa, sistemas de finanças públicas e proteção social, etc.) e infraestrutura e serviços urbanos (futuro da energia, futuro da mobilidade água, infraestrutura, etc).

28"La "Agenda Oculta" de Habitat III en Quito" (ElPaís.com 2016).

COMO CITAR ESTE ARTIGO Nascimento, Alexandre Sabino do. 2021. "A urbanização planetária neoliberal e o discurso da resiliência e da urbanização sustentável: uma reflexão crítica em torno da "nova agenda urbana global"." Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía 30 (2): 318-335. https://doi.org/10.15446/rcdg.v30n2.88748

Alexandre Sabino do Nascimento Profesor do Programa de Pós-Graduação em Geografia-PPGG - UFPB. Pesquisador do Grupo de Estudos Urbanos- GeUrb - UFPB. Pesquisador do (INCT) Observatório das Metrópoles-Núcleo Regional da Paraíba e da Rede de Pesquisadores sobre Cidades Médias (ReCiMe).

Recebido: 30 de Junho de 2020; Revisado: 03 de Setembro de 2020; Aceito: 17 de Fevereiro de 2021

aCorrespondencia: Alexandre Sabino do Nascimento, Rua Lindolfo Gonçalves Chaves, n.° 289, Apto 303 Bairro Jardim São Paulo, Cidade de João Pessoa - Paraíba - Brasil.

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