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Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía

Print version ISSN 0121-215XOn-line version ISSN 2256-5442

Cuad. Geogr. Rev. Colomb. Geogr. vol.32 no.1 Bogotá Jan./June 2023  Epub Feb 29, 2024

https://doi.org/10.15446/rcdg.v32n1.94479 

Artículos

O rompimento da barragem de Fundão e a ascensão do capitalismo de desastre no Brasil

The Collapse the Fundão Dam's Failure and the Rise of Disaster Capitalism in Brazil

La ruptura de la presa de Fundão y el auge del capitalismo del desastre en Brasil

Claudia Marcela Orduz Rojas¤ 
http://orcid.org/0000-0003-0243-1595

Doralice Barros Pereira§  a 
http://orcid.org/0000-0002-1355-2192

¤ Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte - Brasil. claudiaorduzrojas@gmail.com - ORCID: 0000-0003-0243-1595.

§ Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte - Brasil. pereiradb@yahoo.com.br - ORCID: 0000-0002-1355-2192.


Resumo

O 5 de novembro de 2015, a barragem de rejeitos minerais de Fundão, de propriedade da Samarco (Vale SA/ BHP Billiton), rompeu-se, deixando dezenove mortos, milhares de atingidos e um rastro de destruição ao longo da Bacia do Rio Doce. Este artigo visa compreender a relação entre o rompimento da barragem e a ascensão do capitalismo de desastre no Brasil. As informações foram coletadas em fontes primárias e secundárias e em trabalhos de campo. Conclui-se que o rompimento do reservatório possibilitou a realização do primeiro experimento de grande monta do capitalismo de desastre no Brasil que se efetivou a partir de três terapias de choque. A primeira foi o próprio rompimento da barragem, que apesar de ser evitável, aconteceu de maneira abrupta e violenta. A segunda terapia foi um ambicioso programa econômico neoliberal, antidemocrático e impopular, adotado para reparar e compensar os danos ocasionados. Não sendo suficiente, os atingidos foram ainda submetidos a diversos mecanismos e técnicas de tortura coletiva que contribuíram para reduzir o gasto social, neutralizar a resistência ao tratamento econômico e consolidar a ascensão do capitalismo de desastre no Brasil. Em suma, os três choques permitiram o desenho de uma nova "normalidade" - mais doentia, brutal e perversa -, benéfica apenas para uma pequena elite empresarial global.

Ideias destacadas:

artigo de pesquisa que analisa, desde uma perspectiva crítica, as imbricações entre crises ambientais e novos nichos de mercado indispensáveis para consolidar o capitalismo de desastre e outorgar um novo fôlego ao capital.

Palavras-chave: barragem; Brasil; capitalismo; crises ecológicas; desastre; economia de mercado; ferro; mineração

Abstract

On November 5 2015, the Fundão tailings dam, owned by Samarco (Vale SA/BHP Billiton), broke leaving nineteen dead, thousands of people affected, and a trail of destruction along the Doce River basin. This article aims to understand the connection between the dam's collapse and the rise of disaster capitalism in Brazil. Data was collected from primary and secondary sources, and fieldwork. It is concluded that the collapse of the dam allowed the first great experiment of disaster capitalism in Brazil, implemented through three shock therapies. The first one was the rupture of the dam itself, which, although avoidable, occurred abruptly and violently. The second therapy was an ambitious neoliberal, anti-democratic, and unpopular economic program adopted to repair and compensate for the damages and caused. Not being enough, those affected were also subjected to several mechanisms and techniques of collective torture that contributed to reduce social spending, neutralize opposition to economic treatment, and consolidate disaster capitalism in Brazil. All in all, these three shocks allowed the design of a brand-new "normality" -more ailing, brutal, and perverse-, only to benefit a small global corporate elite.

Highlights:

research article that analyzes, from a critical perspective, the imbrications between environmental crisis and new market niches that are indispensable for consolidating disaster capitalism and giving a new breath to capital.

Keywords: dams; Brazil; capitalism; ecological crisis; disaster; market economy; iron; mining

Resumen

El 5 de noviembre del 2015, la presa de relaves Fundão, de propiedad de Samarco (Vale SA/BHP Billiton), se rompió dejando diecinueve muertos, miles de personas afectadas y un rastro de destrucción a lo largo de la cuenca del río Doce. Este artículo tiene como objetivo comprender la relación entre el colapso de la presa y el auge del capitalismo del desastre en Brasil. La información fue recopilada en fuentes primarias y secundarias y en trabajos de campo. Se concluye que la ruptura de la presa permitió llevar a cabo el primer gran experimento del capitalismo del desastre en Brasil que se produjo a partir de tres terapias de choque. La primera fue la ruptura de la presa en sí, que, a pesar de ser evitable, ocurrió de manera abrupta y violenta. La segunda terapia fue un ambicioso programa económico neoliberal, antidemocrático e impopular, adoptado para reparar y compensar los daños causados. No siendo suficiente, los afectados también fueron sometidos a diversos mecanismos y técnicas de tortura colectiva que contribuyeron a reducir el gasto social, neutralizar la resistencia al tratamiento económico y consolidar el capitalismo del desastre en Brasil. En resumen, los tres choques permitieron el diseño de una nueva "normalidad" -más enfermiza, brutal y perversa-, benéfica solo para una pequeña élite empresarial global.

Ideas destacadas:

artículo de investigación que analiza, desde una perspectiva crítica, las imbricaciones entre crisis ambientales y nuevos nichos de mercado indispensables para consolidar el capitalismo del desastre y dar un nuevo aliento al capital.

Palabras clave: presa; Brasil; capitalismo; crisis ecológica; desastre; economía de mercado; hierro; minería

"O capitalismo não é o eterno retorno cíclico do mesmo, mas um processo histórico dinâmico. Cada grande crise se encontra num nível de acumulação e de produtividade superior aos do passado. Portanto, a questão da dominação ou não dominação da crise coloca-se de forma sempre nova"

(Kurz 2010, 1)

Introdução

A história do capitalismo está associada intrinsecamente à história de suas crises: além de essenciais para a sua reprodução, nas crises, "seus desequilíbrios são confrontados, reacomodados e reorganizados para criar uma nova versão de seu núcleo dinâmico" (Harvey 2014, 10). Uma vez que o capital é um sistema contraditório, expansionista, destrutivo e incontrolável, ele precisa superar continuamente suas próprias contradições e crises - sejam elas ambientais, econômicas, financeiras, políticas ou sanitárias -, ainda que nunca as resolva de forma definitiva (Mészáros 2011; Grespan 2017). Uma solução eficaz, ainda que de modo algum permanente, utilizada pelo capital para superar suas próprias contradições e crises é a abertura de novas fronteiras de acumulação a partir das catástrofes (Klein 2008; Harvey 2014).

O rompimento da barragem de rejeitos minerais de Fundão/MG em 5 de novembro de 2015, bem como a gestão do desastre1, constituem um cenário profícuo para se entender melhor tanto esses fenômenos, quanto a crise estrutural do próprio capital. Considerado um dos maiores desastres relacionados com rompimentos de barragens de rejeitos no Brasil e no mundo (Wanderley, Mansur e Pinto 2016; Freitas e Silva 2019; MPF et al. 2020), o colapso deixou um lastro de destruição sem precedentes. Entretanto, nem todos perderam com a tragédia. Como em outros cenários catastróficos, a crise foi explorada para promover uma agenda radical em prol do livre-mercado e das grandes corporações.

O rompimento de Fundão/MG possibilitou a realização do primeiro experimento de grande monta do capitalismo de desastre no Brasil que se efetivou a partir de três terapias de choque. A primeira terapia foi o próprio rompimento da barragem, um evento físico, que apesar de ser evitável, aconteceu de maneira abrupta e violenta. O rompimento do reservatório preparou o terreno para a introdução da segunda terapia: um ambicioso programa econômico neoliberal, antidemocrático e impopular, voltado para reparar e compensar os danos ocasionados. Esse programa permitiu às corporações responsáveis inaugurar um novo mercado e conquistar os últimos bastiões do Estado. Não sendo bastantes as duas terapias anteriores, os atingidos foram ainda submetidos a diversos mecanismos e técnicas de tortura coletiva. Tais mecanismos contribuíram para reduzir o gasto social ao máximo, neutralizar a resistência ao tratamento de choque econômico e consolidar a ascensão do capitalismo de desastre no Brasil.

As informações foram coletadas a partir da análise de jornais e de documentos do Comitê Interfederativo (CIF)2, de órgãos públicos estaduais, instituições de justiça e consultorias independentes. Para complementar e esclarecer os processos e encaminhamentos, também foram feitas entrevistas semiestruturadas com atores-chave e visitas às localidades afetadas.

O presente texto foi organizado em quatro partes: a primeira traz uma rápida reflexão sobre o processo histórico recente de ascensão do capitalismo de desastre com exemplos de sua aplicação pelo mundo; a segunda analisa o rompimento da barragem de Fundão; a terceira se debruça sobre o conteúdo do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC); e a última parte explora as técnicas e mecanismos de tortura mobilizados para atormentar e sufocar os atingidos, explicitando um jogo de forças extremamente desigual.

O processo histórico recente de ascensão do capitalismo de desastre

As crises não só podem produzir mudanças estruturais como ainda possibilitam ganhos excepcionais para um determinado grupo ou segmento social. O precursor dessa ideia, o economista americano Milton Friedman, argumentava que "somente uma crise, real ou pressentida, produz mudanças verdadeiras" (Friedman 1962, 7). Ele se referia essencialmente às crises econômicas, mas rapidamente sua tese passou a ser adotada numa escala mais ampla. Desse modo, sucessivas crises - econômicas, sociais, políticas, naturais - foram exploradas sistematicamente nos últimos 50 anos, para promover uma agenda radical, em prol do livre-mercado e das grandes corporações (Klein 2008). A estratégia concebida pelo economista e seus seguidores era simples: após um evento traumático, explorava-se a desorientação coletiva para suspender a democracia temporariamente e introduzir programas econômicos que, em contextos de "normalidade", seriam intoleráveis. Em outras palavras, as crises se tornaram uma oportunidade para vender/transferir partes das atribuições do Estado a investidores privados, transformar "reformas novas" em mudanças permanentes e implantar uma engenharia social e econômica radical (Klein 2008).

O Chile foi o país escolhido para testar a ideologia fundamentalista de Milton Friedman e se tornou o primeiro laboratório de experimentação da "terapia de choque". Em 1973, o país, que era conduzido por Salvador Allende, foi "surpreendido" por uma crise econômica planejada e um golpe militar. Ambos os acontecimentos possibilitaram a instalação de um regime ditatorial e favoreceram a prática dos ideários econômicos de Friedman (Anderson 1995). Após o golpe militar e a suspensão da democracia, o país foi submetido a outros dois choques. O segundo consistiu na introdução de reformas pró-mercado, desenhadas e disseminadas pela Universidade de Chicago, que privilegiaram e enriqueceram uma minoria. O terceiro choque fundamentou-se na adoção de mecanismos de terror - como perseguições, prisões massivas, torturas e mortes - que fragilizaram a resistência às medidas políticas e econômicas implementadas no país austral (Klein 2008).

Após essa experiência-piloto, reproduziu-se o experimento em países acometidos por crises econômicas, como: Bolívia, Rússia, Polônia, Tailândia, Indonésia, Malásia, Filipinas, Coreia do Sul, México, Brasil e Argentina. No início da primeira década do século XXI, o experimento foi replicado em países que experimentaram ataques terroristas e "crises de segurança nacional" e/ou foram classificados como suspeitos de manterem armas de destruição em massa, como Estados Unidos e o Iraque. Celeremente, as variadas terapias de choque postas em marcha no mundo consolidaram o "complexo político-econômico do capitalismo do desastre". Um complexo que, como lembra Naomi Klein, construiu uma indústria multibilionária "incapaz de distinguir entre destruição e criação, entre ferir e curar" e que revela a "guerra global travada em todos os campos pelas empresas privadas" (Klein 2008, 22).

Em um curto período, este novo complexo conseguiu romper todos os tabus que protegiam o "núcleo" do Estado, isto é, os últimos bastiões de controle público que haviam sido "protegidos" na década de lós noventa, como as forças armadas, a Cruz Vermelha, a polícia, o corpo de bombeiros, os "socorros de emergência", entre outros. Além disso, o complexo conseguiu expandir seu mercado ao incorporar desde a luta contra o terrorismo até a solução de problemas causados por desastres "naturais"3. Aliás, não só as crises econômicas, sociais, políticas e as guerras serviram como pretextos para eliminar a esfera pública (através de privatizações), garantir liberdade total às corporações (através da desregulamentação) e reduzir os gastos sociais ao máximo. As catástrofes "naturais" prestaram igualmente como alegação para alcançar esses objetivos pró-mercado.

Os efeitos devastadores do furacão Mitch, que abalou a América Central em 1998, o tsunami que afetou o Sri Lanka em 2004 e o furacão Katrina, que varreu Nova Orleans em 2005, revelaram os novos arranjos ensejados pelo capitalismo de desastre e as interseções entre su-perlucros e megadesastres ambientais. Nos dois meses posteriores ao impacto do furacão Mitch, por exemplo, o congresso hondurenho aprovou leis facultando a privatização dos aeroportos, portos e rodovias. O governo também apressou a privatização da companhia estatal de telefone, da companhia elétrica nacional e partes do setor de águas.

Já no Sri Lanka, o desastre foi empregado para aprovar uma agenda impopular e neoliberal que retirou os pescadores da praia, privatizou o serviço de fornecimento de água, atraiu a indústria do turismo e transformou algumas zonas em clubes de férias para as elites globais. Foi lá também que o modelo aplicado para "solucionar" desastres "naturais" ascendeu a um nível superior. Uma semana após o tsunami varrer a costa, foi criado um órgão público inteiramente novo, chamado Força-Tarefa, para conduzir o processo de reconstrução. Na prática, a Força Tarefa revelou um novo tipo de golpe corporativo.

Em apenas dez dias, os líderes empresariais do órgão elaboraram um projeto completo de reconstrução, que incluía desde a reconstrução de moradias até a construção de autoestradas. Adicionalmente, cinco dos dez membros da Força-Tarefa tinham holdings no setor do turismo praiano e representavam os maiores resorts do país. "Surpreendentemente", o projeto expulsou antigos moradores das áreas mais nobres, exigiu zonas amortecedoras e, gentilmente, concedeu privilégios aos hotéis mais prestigiados do país (Klein 2008). Histórias semelhantes aconteceram na Tailândia, nas Maldivas e na Indonésia. Nesses lugares foram aprovadas reformas similares que retiraram o "povo" das áreas nobres, transferiram o uso da terra para os empresários e delegaram o processo de reconstrução a grandes companhias privadas.

Em Nova Orleans, a história também se reeditou. Após a passagem do furacão Katrina, a cidade rapidamente se converteu em um laboratório de privatizações e de reformas sociais e econômicas radicais. O furacão serviu como pretexto para a adoção dos princípios dos "evangelistas do livre-mercado" e leiloar atividades produtivas e serviços sociais administrados pelo Estado (por exemplo, o sistema educacional público). Ali, nenhuma chance de lucro foi desperdiçada. A Fundação Heritage, catorze dias após o rompimento dos diques, patrocinou um encontro de ideólogos e congressistas, que elaboraram uma lista de "ideias Pró-Livre Mercado" para solucionar a crise. O receituário incluía 32 medidas extraídas do manual da Escola de Chicago e rotuladas de "alívio contra o furacão" (Klein 2008, 487). Essas políticas recomendavam, entre outras medidas, a suspensão do pagamento de salários de subsistência; a transformação de toda a área afetada em zona de livre empresa; a conversão do território atingido em zona de competitividade; e a entrega de vouchers aos pais, para serem utilizados na nova rede de escolas privadas que surgiu após a tragédia.

Histórias semelhantes se reproduziram em outras catástrofes como: a erupção do vulcão Chaitén, no sul do Chile, em 2008; o desastre do golfo do México em 2010; os terremotos do Chile e do Haiti em 2010, da Itália em 2012 e do Nepal em 2015; as inundações que acometeram a cidade de Jacarta em 2013; a passagem do furacão Maria, que atingiu Porto Rico em 2017; e os incêndios na Torre Grenfell em 2017 (Rojas 2020).

As catástrofes recentes evidenciam que a economia do desastre foi consolidada e vem sendo aquecida sem constrangimentos. A política, conforme demostrou o filósofo italiano Giorgio Agamben, trabalha secretamente na produção de emergências (Agamben 2004). Cortes orçamentários nas agências de prevenção e monitoramento de desastres tornaram-se não só recorrentes como propositais. É, portanto, nesse contexto global de proliferação de emergências (crises), as quais crescem de forma caótica e ad hoc, e de ascensão do capitalismo de desastre que deve ser lida a gestão do desastre relacionada ao rompimento da barragem de rejeitos de Fundão.

A primeira terapia de choque: o rompimento da barragem de rejeitos minerais de Fundão

"Só quem viveu é que sabe contar. O dia 5 de novembro de 2015 é um dia que não dá para esquecer nunca mais!"4. Essa afirmação, realizada por uma vítima, resume o horror, os traumas e os diversos choques sofridos pelos milhares de atingidos de Mariana (Minas Gerais) até a Foz do rio Doce (Espírito Santo). Aliás esse dia dificilmente será esquecido, por ter marcado a história recente do Brasil e dividir, em antes e depois, a paisagem da bacia do rio Doce5, a história ambiental do Brasil e a história recente da mineração mundial (MPF et al. 2020; Rojas 2020). Naquele dia, as 15h45min, a barragem de rejeitos de Fundão, localizada no município de Mariana (MG), rompeu-se, liberando 39,2 milhões de m3 de rejeitos, que após percorreram 680 km ao longo da bacia do rio Doce, desaguaram no oceano Atlântico (Figura 1).

Dados: elaborado a partir de Base Cartográfica Continúa do Brasil - IBGE (2021), SIRGAS (2000).

Figura 1 Trajeto dos rejeitos da barragem de Fundão e municípios atingidos ao longo da bacia do rio Doce (MG). 

Além de ceifar a vida de dezenove pessoas, a lama de rejeitos tóxicos provocou a morte de milhares de plantas e animais; arrasou nascentes; dizimou espécies nativas; destruiu casas, empresas, pequenos comércios, patrimônios públicos e históricos; solapou os modos de vida de pescadores e comunidades tradicionais e arruinou a economia dos municípios ao longo da bacia (Figura 2) (MPF et al. 2020).

Fonte: UOL (2015).

Figura 2 Povoado de Bento Rodrigues (Mariana/MG) após a passagem da lama - 2015. 

Uma das consequências mais imediatas e nefastas foi a contaminação do rio Doce, principal fonte de captação de água para consumo humano, dessedentação de animais, irrigação de lavouras, pesca e lazer da região. Análises independentes efetuadas ao longo do rio constataram alteração e elevação de metais como alumínio, bário, cálcio, chumbo, cobalto, cobre, cromo, estanho, ferro, magnésio, manganês, níquel, potássio e sódio (IBAMA 2015; S.O.S Mata Atlântica 2016). Também foi constatado turbidez e sólidos em suspensão em concentrações muito acima das estabelecidas pela legislação (S.O.S Mata Atlântica 2016). No litoral capixaba, a água e os estoques pesqueiros marinhos e costeiros também ficaram contaminados. Desse modo, a agricultura em pequena escala, a pesca artesanal, a navegação, o comércio, o turismo, o surfe e o lazer das comunidades localizadas ao norte e ao sul da foz do rio Doce, ficaram inviabilizados e continuam assim passados seis anos após o rompimento (Figura 3).

Fonte: Agência RBS (2015).

Figura 3 Passagem da lama em Governador Valadares (MG) - 2015.  

A barragem de Fundão pertencente à Samarco Mineração S.A., uma empresa brasileira, controlada paritariamente por duas acionistas: a Vale S.A. e a BHP Billiton. Em 2015, as duas companhias ocuparam respectivamente o primeiro e o segundo lugar no ranking das maiores companhias produtoras de minério de ferro do mundo. A transnacional brasileira tem presença em 25 países e em cinco continentes, mas o grosso de suas operações está concentrado no Brasil. A BHP Billiton é uma mineradora e petrolífera anglo-australiana, sediada em Melbourne, Austrália. A empresa detém operações em cinco continentes e em doze países. Em 2001, a companhia se tornou a maior mineradora diversificada do mundo e uma das maiores produtoras mundiais de minério de ferro (Rojas 2020).

O reservatório de Fundão começou a operar em 2008 e integra o Complexo Minerário de Germano, destinado a abastecer o mercado global com pelotas de minério de ferro. O reservatório integra a longa lista de barragens de rejeitos minerais que colapsaram nos últimos anos no Brasil e no mundo6 (Bowker e Chambers 2015; Wanderley, Mansur e Pinto 2016; Rojas 2020). Como em outros contextos catastróficos, o rompimento de Fundão não só evidenciou os impactos negativos experimentados pelos países que aderiram ao modelo neoextrativista e reprimarizaram suas economias (Gonçalves 2016), como expos o funcionamento do sistema. Conforme desvelaram as investigações, a Samarco optou por manter e aumentar as taxas de lucro no curto prazo, colocando em risco e destruindo a vida e o meio ambiente. Uma vez que a companhia precisava realizar cada vez mais uma massa maior de lucros, os cortes em segurança e saúde apresentaram-se como saídas transitórias/temporárias para alcançar tais objetivos.

As investigações efetuadas pela Polícia Federal em Minas Gerais (PFMG), por exemplo, revelaram que a represa apresentava diversos riscos associados a problemas na drenagem, ao uso de material de baixa qualidade, ao monitoramento deficiente e à falta de controle da quantidade de rejeitos despejados no reservatório (Rojas 2020). A PFMG também apurou outras anomalias relacionadas a obras na estrutura que careciam de projeto; a diminuição de investimentos em geotécnica entre 2012 e 2015 e a contratação de uma empresa de consultoria, a VogBR, que carecia de informações técnicas para emitir laudos que atestassem a estabilidade da represa (Rojas 2020). Adicionalmente, constatou outras irregularidades e falhas sistemáticas na segurança da barragem, como a não instalação de equipamentos de monitoramento, o uso de Carta de Risco desatualizada para atestar a estabilidade da barragem, além de omissões em relação ao percentual e quantidade de rejeitos lançados no reservatório (Polícia Federal apud Polícia Civil 2016).

As apurações realizadas pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), por sua vez, evidenciaram que o desastre não foi uma ocorrência pontual, mas algo construído socialmente ao longo do tempo. De acordo com o órgão, existiam inúmeras anomalias e problemas no Plano de Segurança da Barragem (PSB). Em outras palavras, a Samarco operava em desacordo com o estabelecido na legislação. O descumprimento de normas e instrumentos, contudo, não se restringiu apenas a questões de ordem técnica e tecnológica. A companhia negligenciou também questões de ordem social e humanitária, como a elaboração, envio e execução do Plano de Ação Emergencial para Barragens de Mineração (PAEBM)7. Apesar de o PAEBM ser exigido pelo Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), para barragens consideradas de Dano Potencial Associado Alto, a Polícia Civil constatou que a Samarco não se preocupou em estabelecer comunicação eficaz com as comunidades a jusante.

A empresa agiu desleixadamente, em especial com os moradores do povoado de Bento Rodrigues, ocupantes da área de autossalvamento e sob responsabilidade da empresa (Rojas 2020). A Samarco não só não instalou sirenes ou avisos luminosos no povoado, o que poderia ter minimizado os danos e/ou salvo vidas, como tampouco realizou treinamentos ou simulados com seus funcionários ou com a população moradora à jusante da barragem.

Por último, as investigações efetuadas pelo Ministério Público Federal (MPF) corroboraram as informações da Polícia e discerniram o modus operandi das empresas responsáveis. A análise das atas de reuniões organizadas pela empresa entre 2006 e 2015 revelou que os executivos da Vale e da BHP Billiton participavam das reuniões e dos Conselhos da Samarco, e, por conseguinte, sabiam das falhas, dos problemas e das "não conformidades" da represa, ou seja, da probabilidade de ocorrência de uma tragédia. Não obstante, os executivos das empresas não fizeram caso dos alertas, desprezaram as recomendações do próprio projetista e de consultores e não deram a devida ênfase as anomalias que apresentava o reservatório desde o início de sua construção em 2005. Ademais, eles ignoraram os alertas contidos nos próprios estudos elaborados pela companhia, que previam, em caso do rompimento da barragem, a possibilidade de provocar até vinte mortes, impactos ao meio ambiente por mais de vinte anos, colapso social, impactos ao patrimônio cultural nacional, entre outros (MPF 2016a).

Conforme desvendou o MPF, as falhas e problemas estruturais, os estudos que previam vítimas e danos ambientais irreversíveis e as recomendações e alertas que vaticinavam uma tragédia, sucumbiram à política de expansão da produção e à manutenção da distribuição de dividendos a seus acionistas. Dita política sustentava-se na "redução de custos de produção", no "esforço na eficiência do processo", no incremento dos "ganhos de produtividade", na "austeridade na gestão de custos de produção", e, consequentemente, na diminuição da segurança, sempre remetida a segundo plano (MPF 2016a). Essa política de "redução dos custos de produção" foi intensificada a partir de 20138 no período conhecido como pós-boom, quando se iniciou a queda acentuada do preço do minério de ferro no mercado mundial. Por conseguinte, para compensar a diminuição do preço das commodities, as empresas optaram por "ajustar" suas operações, aumentando o volume da produção e reduzindo custos operacionais (Wanderley, Mansur e Pinto 2016).

A política de "redução de custos" e elevação da produção acentuou sobremaneira o risco de colapso da represa, que se concretizou no dia 5 de novembro de 2015. O choque físico do rompimento foi abrupto e violento. Abrupto porque nem os trabalhadores, nem os moradores à jusante do reservatório foram avisados sobre os riscos e o perigo a que estavam expostos. E foi violento, porque em poucos segundos, dezenas de vidas foram ceifadas e seus corpos triturados e desintegrados. A primeira terapia de choque estava consumada. O que não imaginavam os moradores de Mariana até a Foz do Rio Doce, era que ainda seriam submetidos a outras duas terapias de choque, tão abruptas, violentas e cruéis quanto a primeira.

A segunda terapia de choque: um ambicioso programa neoliberal para "solucionar" a crise

As crises fazem parte da história do capitalismo e são inerentes ao sistema. Elas são gestadas ao longo do tempo e quando explodem resolvem-se - sempre de maneira efêmera e parcial - ampliando as doses de capitalismo. Novos mercados, serviços e produtos surgem freneticamente para reativar a produção e circulação e manter e/o aumentar as taxas de lucro de uma pequena elite empresarial global (Rojas 2020). Expandir e aquecer o mercado da reconstrução e atacar os últimos baluartes do Estado, parecem ter sido os alvos principais das grandes corporações nas últimas décadas (Klein 2008).

O colapso da barragem de Fundão não escapou a esses movimentos e processos globais. Pelo contrário, tal colapso serviu de escusa para levar a um novo patamar a história do capitalismo de desastre. Inspiradas na célebre frase de "nunca desperdiçar uma crise" (Klein 2008), as corporações responsáveis pela tragédia agiram de maneira célere e contundente, para preservar seus privilégios e desfrutar da crise a seu bel prazer e em seu próprio benefício. A primeira terapia de choque - o colapso do reservatório - preparou o terreno para a segunda terapia: o choque econômico. Como em outros contextos catastróficos, o campo jurídico foi o caminho escolhido para alcançar seus propósitos. Os instrumentos extrajudiciais e técnicas de resolução de conflitos ambientais ofereceram uma saída "legal", como também uma base formal para a estruturação, o suporte e a regulamentação de um ambicioso programa neoliberal, destinado a gerir/ administrar a crise. Em outras palavras, eles propiciaram ao capital, a resolução de suas dificuldades ambientais e viabilizaram sua circulação e acumulação, em meio a catástrofes ambientais e humanas.

Assim, enquanto os atingidos estavam ocupados tentando recuperar/reabilitar e recomeçar suas vidas, as corporações responsáveis pelo desastre e o poder público traçaram uma solução para a crise, a portas fechadas. Costurada em um cenário de excepcionalidade, em sigilo e com uma velocidade assombrosa, a segunda terapia ficou plasmada no Termo de TTAC. O Termo, assinado em 2 de março de 2016, entre a União, os Estados de Espírito Santo e de Minas Gerais e a Samarco, Vale e BHP, previu a execução de 41 programas socioeconômicos e socioambientais9, para reparar e compensar os danos nas áreas impactadas, pelo rompimento da barragem de Fundão (TTAC 2016).

Considerado uma espécie de "Carta Magna", o TTAC elevou a mercantilização das tragédias a um patamar nunca antes visto no Brasil. As 119 páginas, 7 capítulos e 260 cláusulas do documento inauguraram uma nova economia, a economia do desastre. O montante de recursos estimados, os prazos fixados, a criação de uma estrutura privada para conduzir a reparação (a Fundação Renova) e a governança institucional desenhada para fiscalizar as ações e programas revelam que o instrumento foi desenhado e ajustado, para garantir os interesses e privilégios das empresas responsáveis pela tragédia. A criação de uma estrutura privada para executar as ações de reparação e compensação foi, segundo os negociadores da tratativa, uma das "inovações" mais relevantes e "inéditas" do TTAC (Rojas 2020). Essa estrutura foi materializada dois meses após a tratativa, com o nome de Fundação Renova e coube a ela à tarefa de dar concretude às ações, programas e projetos pró-mercado, previstos no acordo. Atualmente a Fundação Renova é mantida pela Samarco/Vale/BHP Billiton e goza de total liberdade para executar o processo de reconstrução, reparação e compensação das perdas e danos.

Em 2020, isto é, cinco anos após a tragédia, a Fundação Renova contava com mais de seis mil funcionários, havia feito parcerias com mais de 25 universidades e 40 organizações não-governamentais (ONG) nacionais e internacionais e contava com mais de 70 entidades que integravam o sistema de reparação (Renova 2021). Essa estrutura corporativa robusta permitiu que rapidamente a entidade inaugurasse uma "indústria" da reparação, incluindo setores/serviços tão vastos e heterogêneos como os de reconstrução, saneamento, gestão e segurança hídrica, manejo de rejeitos, educação, turismo, produção de conhecimento técnico e científico, restauração de florestas, revitalização e recuperação de afluentes e rios, em-preendedorismo, assistência social, promoção da saúde, reativação e fomento da econômica local, entre outros.

Além disso, outros setores e mercados considerados "necessários/urgentes" como, por exemplo, os serviços de consultoria jurídica, consultoria técnica e marketing empresarial receberam igualmente investimentos importantes. Tais serviços, pouco aliados à reconstrução, visam, na prática, a reduzir os custos da reparação e melhorar tanto a imagem corporativa da Fundação Renova como das empresas responsáveis pelo desastre (MPMG 2021a; MPMG 2021b).

A manutenção de uma estrutura operacional e administrativa que cresce anualmente e a inclusão de uma multiplicidade de setores e serviços - cujos projetos/ações nem sempre estão sintonizados com as necessidades e demandas da população local - têm consumido boa parte dos recursos destinados ao processo de reparação (Rojas 2020; MPMG 2021b). Em 2020, por exemplo, a entidade já havia consumido mais de dez bilhões no processo de reconstrução, mas sem apresentar resultados concretos (RBA 2021). A mão de obra e as empresas e fornecedores locais têm sido frequentemente negligenciados. Pautando na dinamicidade do mercado e no princípio da concorrência, a entidade oportuniza a contratação de funcionários e fornecedores de fora a fim de garantir preços mais baixos e ampliar seu processo de acumulação.

Apesar de contar com uma estrutura corporativa robusta e de ser a maior fundação do Brasil, a entidade tem dificuldades para planejar e executar, com assertividade, as atividades humanitárias, sociais e ambientais que lhe foram encomendadas (Ramboll 2019a). Por exemplo, cinco anos após o rompimento do reservatório, a maioria dos prazos das ações previstas no TTAC foi descumprida ou vem sendo cumprida parcialmente e morosamente. Até o momento, as duas maiores empresas de mineração do mundo (Vale e BHP Billiton), não conseguiram reconstruir nenhum dos três distritos destruídos pela lama de rejeitos! (MPMG 2021a).

A lentidão no processo de reparação não é o único problema. A Fundação Renova tem sido denunciada por práticas ilegais e irregulares que prejudicaram as ações de reparação e as condições físicas e mentais dos atingidos. Os abusos incluem: superfaturamento de obras de reconstrução, serviços e produtos; criação de empresas "laranjas"; assédio moral; fraude; corrupção; discriminação racial; favorecimento/ou conflito de interesses e precarização das condições de trabalho (Ramboll 2018; Ramboll e FGV 2019a; MPF 2019). Outras práticas ilícitas dizem respeito ao desvio de finalidade, ineficácia dos projetos executados, salários exorbitantes de dirigentes, uso de propaganda enganosa, ameaças e intimidações por parte de funcionários, relações empregatícias espúrias e irregularidades nas contas prestadas (Apública 2021; MPMG 2021a; MPMG 2021b). Em virtude dessas irregularidades, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), solicitou à Justiça, em fevereiro de 2021, a extinção da entidade (MPMG 2021a).

A morosidade e abusos corporativos para executar as ações de reparação decorre, entre outros, do controle e fiscalização laxo previsto no TTAC. O documento não só transferiu o poder de elaborar estudos e executar programas às empresas causadoras do desastre (via Fundação Renova), como as deixou a cargo da definição do tempo de execução e do encerramento das ações de reparação e compensação. Ademais, criou o Comitê Interfederativo, uma estrutura externa, pública e "independente", para acompanhar e fiscalizar as ações executadas pela Renova. Contudo, essa solução aparentemente "inovadora", interfederativa e "participativa", em realidade maquiou seu verdadeiro propósito: desregular e flexibilizar as ações de monitoramento e fiscalização do processo de reparação. O colegiado foi um artifício que facultou aos projetos e programas de reparação um "controle demasiadamente lasso" (MPF 2016b, 276). Na prática, essa "parceria" entre o CIF e a Fundação Renova foi/é nefasta para as famílias atingidas.

O mesmo pode ser dito em relação à Auditoria Externa Independente, também prevista no TTAC, e cuja função é monitorar os programas e projetos executados pela entidade. Uma vez que a Auditoria é remunerada pelas próprias empresas, o TTAC aprofundou o modelo de au-torregulação ambiental ou regulação privada do setor mineral (Santos e Milanez 2018). Desse modo, com um poder fiscalizador frágil, as ações ficam muito aquém das possibilidades e, pior, aquém das exigências constitucionais e legais de plena e cabal reparação.

Mas não só isso. Ademais de prever um controle e fiscalização laxo, o TTAC ainda conferiu poder a Fundação Renova, para capturar e privatizar o "núcleo" do Estado. Assim, desde sua criação, a entidade assumiu/controlou/privatizou serviços públicos essenciais tais como: o fornecimento de água potável; a distribuição de alimentos e/ou cestas básicas; a oferta de abrigo temporário, a distribuição de renda mínima de sobrevivência (Auxílio Financeiro Emergencial); o apoio à saúde física e mental e a proteção social, entre outros (CIF 2018). A passagem desses direitos fundamentais ao domínio privado provocou mais uma rodada de espoliação das famílias atingidas que viram reduzidas/limitadas as possibilidades de recomeçar/reestruturar/reconstruir suas vidas com dignidade.

Em suma, o tratamento econômico desenhado para administrar a crise possibilitou às empresas controlar/ comandar integralmente o processo de reparação, inaugurar uma nova fronteira de acumulação e privatizar setores e serviços públicos essenciais, entre outras possibilidades. Como em outros cenários catastróficos, a crise foi utilizada como pretexto para introduzir uma ambiciosa agenda neoliberal, profundamente antidemocrática e antipopular. Tal agenda, longe de resolver a crise em questão, engendrou múltiplas crises e aguçou as desigualdades, distinções e injustiças sociais ao longo da bacia do rio Doce10.

A terceira terapia de choque: técnicas e mecanismos de tortura que consolidaram o capitalismo de desastre no Brasil

Não sendo suficientes os dois choques anteriores, os atingidos ainda foram submetidos a uma terceira e última terapia de choque. Ela teve como objetivo reduzir o gasto social ao máximo, neutralizar a resistência ao tratamento de choque econômico e consolidar a ascensão do capitalismo de desastre no Brasil. A terceira terapia materializou-se através do Programa de Indenização Mediada (PIM), previsto no TTAC, para ressarcir aos atingidos pelos danos ocasionados e reconhecidos. A tratati-va concedeu à Fundação Renova o poder de construir os parâmetros de indenização, determinar a elegibilidade dos impactados, elaborar a matriz de danos, fixar os valores e celebrar os acordos de indenização (TTAC 2016).

De posse de plenos poderes, a Fundação colocou em prática diversas barreiras/muros de contenção social, para reduzir/limitar o universo dos atingidos e encurtar os gastos sociais ao máximo. Ademais, mobilizou diversos mecanismos e técnicas de tortura social que serviram tanto como preâmbulo à assinatura de acordos de indenização, quanto para fragilizar a resistência. Apesar das condições e dos valores irrisórios oferecidos pela entidade, as vítimas não tiveram outra alternativa que aceitar as migalhas.

A tortura, além de um mecanismo amplamente acionado pelos defensores da doutrina do choque, tem sido um sócio silencioso da cruzada pela liberdade de mercado (Klein 2008). Os dicionários de língua latina, definem a tortura como "a ação de torcer". Tortum é a "corda ou azorrague para tatear e torturar"; e tortuose é a "maneira intrincada e dissimulada" (Chauí 2017, 103). Essas duas palavras, vinculam-se a dois verbos: tortare "entortar, retorcer, atormentar" e torquere "dobrar, torcer, entortar, reger, governar, angustiar, atormentar, destruir" (Chauí 2017, 103). Logo, de acordo com essa definição, a tortura é uma forma extrema de violência, que pode ser física e/ou mental, que visa atormentar, angustiar, retorcer, degradar o outro. Ela instaura entre dois humanos uma relação não humana, sendo sua marca fundamental a desumanização do torturado: o torturador se coloca acima da condição humana e nessa posição força/submete o torturado a estar abaixo dessa condição. Nessa relação Públicas no processo de reparação. Sobre os acordos efetuados e seus desfechos ver Rojas (2020). de poder, o torturado é reduzido à condição de coisa (algo abaixo da dignidade humana) (Chauí 2017).

Apesar de ser uma relação humana iminentemente desumana, a violência e a tortura, física e psicológica, continuam vigentes no Brasil. E no caso em tela não foi diferente. A tortura social foi cuidadosamente planejada e sistematicamente executada. Durante os últimos anos, a Fundação Renova submeteu os atingidos a variadas técnicas e mecanismos de tortura com a finalidade de sufocá-los econômica, social, psicológica, física e politicamente. A primeira técnica de tortura social visou a reprimir/estrangular economicamente as famílias atingidas. Para isso, a entidade restringiu/limitou o pagamento do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE), previsto nas cláusulas 137 a 140 do TTAC, e cujo objetivo era prestar auxílio financeiro emergencial à população que teve sua renda comprometida. A entidade criou múltiplas "armadilhas", barreiras e empecilhos, visando a extinguir os direitos de indivíduos/famílias/grupos/comunidades que se entendessem como atingidos. Tais estratégias contribuíram de maneira decisiva para o empobrecimento massivo da população atingida.

Em novembro de 2019, por exemplo, havia 29.672 famílias cadastradas, e, delas, apenas 11.489 (39 %) recebiam o afe. Trocando em miúdos, apenas algumas famílias receberam efetivamente o Auxílio Financeiro Emergencial. O restante das famílias cadastradas (18.183 famílias, que equivaliam a 61 % do total) ainda aguardava uma resposta sobre sua situação (Ramboll 2020). As consequências da política de sufocamento econômico patrocinada pela entidade foram nefastas para a população atingida. A elevação do nível de vulnerabilidade e o agravamento da pobreza nos municípios atingidos alastraram-se rapidamente. Ainda em novembro daquele ano, cerca de 19.684 famílias (44.718 pessoas) se encontravam em situação de vulnerabilidade social (Rojas 2020). E havia grande possibilidade de que a situação de vulnerabilidade de milhares de famílias/pessoas estivesse subnotificada e subestimada.

A segunda técnica de tortura social visou coibir/es-tressar socialmente a população atingida. A estratégia adotada de dividir/fragmentar/desagregar para fragilizar e destruir a solidariedade e os laços familiares e comunitários, se mostrou bem-sucedida: famílias, vizinhos, grupos sociais, comunidades e assessorias técnicas experimentaram o aumento da violência doméstica e/ou comunitária e acentuaram a conflitividade social. Essa estratégia foi particularmente nociva para as mulheres atingidas. Uma vez que a Fundação Renova outorgou o cartão emergencial apenas ao "chefe da família", a entidade acentuou e ampliou os conflitos intrafamiliares e a violência doméstica/patriarcal sobre elas (FGV 2019a). Submetidas a receberem o auxílio apenas como dependentes dos companheiros, as mulheres foram conduzidas a um injusto processo de submissão, opressão e discriminação. Em novembro de 2019, 63 % dos titulares dos cartões de AFE distribuídos pela Fundação Renova foram destinados aos homens e apenas 36,7 %, às mulheres (FGV 2019a). A violência intrafamiliar doméstica/patriarcal sobre a mulheres também cresceu: dos 45 municípios atingidos, 34 registraram aumento da violência doméstica, sexual e/ ou outras violências (FGV 2019a). Nesses municípios, as notificações por conta da violência doméstica aumentaram em mais de 70 % (FGV 2019b).

A terceira técnica de tortura social acentuou o estresse e o sofrimento psicossocial e ampliou os transtornos psicossociais da população atingida. As informações sugerem que o objetivo era anestesiar, desestabilizar e cercear as mentes dos atingidos, para empurrá-los a aceitarem as ofertas pífias de indenização da Renova. Os mecanismos utilizados foram diversos e fulcrais. Entre eles, podem ser mencionados: ausência de medidas psicossociais precoces e eficazes; assistência precária, insuficiente e/ou inexistente para lidar com as perdas; ausência de atendimento a grupos vulneráveis; morosidade nas ações de reparação e compensação; delonga na implementação dos programas de saúde física e mental; empecilhos para fortalecer a rede de saúde dos municípios atingidos; processo de revitimização dos atingidos, entre outros (Ramboll 2019b).

O adoecimento mental prolongado ao qual foi submetida a população atingida foi constatado por equipes de saúde dos municípios atingidos, por pesquisadores de universidades públicas e pelos experts do Ministério Público Federal. Um estudo empreendido dois anos após o rompimento por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no município de Mariana, por exemplo, identificou cinco tipos de transtornos mentais nas famílias atingidas: depressão, Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), risco de suicídio e transtornos relacionados ao uso de substâncias químicas (PRISMMA 2018). A pesquisa revelou que 28,9 % da população sofria com depressão, prevalência cinco vezes maior do que a descrita pela Organização Mundial da Saúde; 32 % foram diagnosticados com TAG, prevalência três vezes maior que a brasileira; 12 % apresentavam TEPT; em 16,4 % foi identificado comportamento suicida; 6,7 % tiveram ideação suicida e 1,8 % intentaram se matar no mês anterior à pesquisa; e 5,8 % declararam ser dependentes de álcool e 20 % de tabaco. A dependência, segundo os entrevistados, havia piorado após o rompimento do reservatório (PRISMMA 2018).

A quarta técnica de tortura social a que foi submetida a população atingida objetivou o seu sufocamento e adoecimento físico. Ou seja, os atingidos foram expostos a múltiplas fontes de contaminação (água, ar, solo e alimentos) e a ausência de ações pontuais e efetivas para prevenir, minimizar e/o interromper os riscos à sua saúde. Os corpos atingidos, dificilmente, resistiriam aos mecanismos de tortura: a maioria se viu prejudicada ou fragilizada em sua saúde física e mental. A estratégia foi efetiva. Dos 45 municípios atingidos, 38 registraram aumento de febre de chikungunya; 39, de doença aguda pelo vírus zika e 30, de febre amarela, quando comparados aos municípios controle (85 municípios dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo) (FGV 2019b). Ainda houve alta na incidência de doenças: respiratórias agudas (75 %), leishmaniose (6,3 %), dermatites (5 %), diarreia e gastroenterite (180 %) e abortos (6,8 %) (FGV 2019b). Com relação aos abortos, foi registrado um crescimento de 400 % nas internações por essa causa. Ademais, também cresceram expressivamente as hospitalizações e mortes por câncer (FGV 2019c). Nos municípios mais impactados (Mariana e Barra Longa), a situação foi ainda mais crítica: cinco anos após o rompimento, 55 atingidos faleceram sem verem suas casas reconstruídas! (MAB 2021).

Por último, a quinta técnica de tortura visou o sufocamento político de lideranças locais e comunidades. Como já mencionado, o colapso da barragem não foi o único golpe/choque que castigou os atingidos. O programa econômico posto em marcha para gerenciar a crise foi mais um golpe/choque que os puniu cruelmente, atingindo principalmente os segmentos sociais historicamente mais vulneráveis. Esses choques, entretanto, foram combatidos pelos atingidos e geraram processos e dinâmicas de resistências, de Mariana até a foz do rio Doce. Os processos de organização, mobilização e luta não foram fáceis, tranquilos e muito menos pacíficos. Qualquer tentativa e/ou processo que atacasse ou colocasse em risco, o projeto econômico e os interesses, das corporações causadoras do desastre e/ou da Fundação Renova, foi rapidamente neutralizado, reprimido e aniquilado. Da mesma forma, todos aqueles que questionaram ou denunciaram a nova ordem estabelecida foram atacados, desmobilizados, perseguidos e criminalizados. Mas não só isso. As corporações responsáveis e a Fundação Renova também criaram numerosos barramentos/empecilhos jurídicos para impedir a contratação das Assessorias Técnicas Independentes, previstas nos acordos posteriores ao TTAC, para empoderar as comunidades afetadas, outorgar condições de produzirem seus próprios diagnósticos e auxiliar na reparação integral (Rojas 2020). Cinco anos depois, por exemplo, apenas duas das 18 assessorias técnicas escolhidas tinham sido efetivadas (11,1 %).

O sufocamento/repressão políticos e a violência estrutural, bombardeada sistemática e ininterruptamente sobre os corpos, mentes, almas e corpo social, foi aos poucos "domesticando" e adestrando os atingidos. Como em outros contextos, os moradores se acostumaram/ adaptaram a olhar para o horror sem realmente vê-lo ou tampouco senti-lo; aprenderam a tolerá-lo e, finalmente, a aceitá-lo e até justificá-lo (Aráoz 2013), segundo suas visões sociais de mundo. Os mecanismos e técnicas de tortura social mobilizados pela Fundação Renova empurraram os atingidos a viver "situações-limite". Após destruir sua essência, atentar contra sua própria natureza e torná-los "coisas" que podiam ser manipuladas, a entidade ofereceu acordos de indenização. Apesar dos valores serem arbitrários e insuficientes para restabelecer as condições de vida pretéritas, as propostas acabaram sendo aceitas, sem muita resistência. Foi assim que a terceira terapia de choque foi consumada.

Considerações finais

As crises, como revela a história do capitalismo, são inerentes ao sistema. Já que o capital é valor que se valoriza, elas representam o momento da desvalorização do valor. E uma vez que é uma lei, ela sempre acontece. As sucessivas crises, portanto, decorrem da permanente desvalorização do valor, isto é, da necessidade de realizar cada vez mais, uma massa maior de lucros, em um contexto de desvalorização permanente. As consequências desse processo, conforme analisado, são nefastas para as pessoas e a natureza.

A ruptura do reservatório destruiu vidas, territórios, naturezas e fez emergir fartas e profusas violações e violências, ao longo da Bacia do Doce. Entretanto, nem todos perderam com esse evento catastrófico. O rompimento possibilitou a elaboração, realização e consolidação do primeiro experimento de grande monta, do capitalismo de desastre no Brasil, que se efetivou a partir de três terapias de choque. A primeira terapia de choque foi o próprio rompimento da barragem. Apesar de as empresas conhecerem os riscos, nada foi feito para diminuir/eliminar os danos e/ou evitar o rompimento do reservatório.

O colapso do reservatório preparou o terreno para a introdução da segunda terapia: um ambicioso programa econômico neoliberal, antidemocrático e impopular, para reparar e compensar os danos ocasionados. O tratamento econômico desenhado e colocado em marcha para administrar a crise permitiu às empresas responsáveis, entre outros, comandar/controlar integralmente o processo de reparação, inaugurar uma nova fronteira de acumulação e privatizar setores e serviços públicos essenciais. Não sendo suficiente, os atingidos foram ainda submetidos a uma terceira e última terapia de choque, que incluiu uma série de mecanismos e técnicas de tortura social visando a baixar o gasto social ao máximo, neutralizar a resistência ao tratamento de choque econômico e consolidar a ascensão do capitalismo de desastre no Brasil. Em suma, as três terapias de choque permitiram/efetuaram o desenho de uma nova "normalidade" - mais doentia, brutal e perversa - benéfica apenas para uma pequena elite empresarial global.

Conforme mostrado, para os atingidos só sobra/sobrou o horror, a violência e as migalhas da festança do capitalismo de desastre. Num cenário, marcado pela crise estrutural e permanente do capital, a economia do desastre não só continuará crescendo como será amplamente assimilada as dinâmicas do mercado. A cada crise, se dobrará ou triplicará a aposta no capital. Os processos e fenômenos trágicos em curso, portanto, exigem/merecem uma resistência organizada e imediata. É urgente construir e ter à disposição alternativas contra os choques sistemáticos disparados contra as pessoas, o meio ambiente e os últimos baluartes do Estado. É crucial estabelecer e fortalecer uma grande coalisão com as pessoas e não com as corporações. É imprescindível ressignificar a ideia e o sentido da riqueza (sua acumulação e concentração) e deter a força que movimenta o "moinho satânico". É impreterível lutar contra o capital que se desdobra num processo histórico cego, incontrolável, voraz e destrutivo.

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1Entendemos os desastres como fenômenos oriundos de processos sociais e modos de produção, histórica e socialmente circunscritos, e não como fenômenos naturais (Rojas 2020).

2O CIF é constituído por 11 Câmaras Técnicas que acompanham, monitoram e fiscalizam o cumprimento dos programas de reparação e compensação dos danos ocasionados pelo colapso do reservatório de Fundão.

3A rigor não existem desastres "naturais", uma vez que a natureza foi transformada e modificada intensamente pelo homem. As chamadas catástrofes "naturais" são iminentemente políticas e estão associadas a um modo de produção que precisa incluir/destruir tudo o que for preciso e possível para garantir sua reprodução.

4Depoimento coletado no evento do luto à luta, realizado na UFMG, em 28 de junho de 2017.

5A bacia localiza-se no sudeste brasileiro, a região mais desenvolvida do Brasil, responsável por 55 % do PIB nacional. É a quinta maior bacia brasileira, com uma área de drenagem de 83.400 km2 e uma população estimada em 3,5 milhões de habitantes. As atividades econômicas na região são diversificadas. A bacia concentra o maior complexo siderúrgico da América latina com inúmeras empresas do ramo de siderurgia e mineração. Também se destacam a agropecuária, a atividade madeireira, a geração de energia elétrica e a captação de água superficial para uso doméstico, agropecuário e industrial (CBH-DOCE 2021).

6Estima-se que entre um e quatro rompimentos ocorrem todo ano no mundo com consequências graves ou muito graves. Nos últimos treze anos, o estado de Minas Gerais teve um rompimento a cada dois anos (Bowker e Chambers 2015). O último e o mais grave em relação ao número de mortes foi o colapso da barragem BI, pertencente a Vale, no Córrego do Feijão/Brumadinho. A tragédia, que aconteceu no dia 25 de janeiro de 2019, deixou 257 vítimas, treze desparecidos e um lastro de destruição ao longo da bacia do rio Paraopeba (Polignano e Lemos 2020).

7O PAEBM é um documento técnico, elaborado pelo empreendedor, que identifica as emergências da barragem, estabelece as ações a serem executadas e define os agentes a serem notificados . O documento é regulamentado pela Política Nacional de Segurança de Barragens e pela Portaria n° 526, de 9 dezembro de 2013.

8Em janeiro de 2013, por exemplo, o valor da tonelada de ferro em dólar estadunidense era de 150,49. Em janeiro de 2015 chegou a 68,23 e em novembro do mesmo ano atingiu 46,86, ou seja, quase um terço do valor de janeiro de 2013 (IndexMundi 2022).

9É importante mencionar que o TTAC previu 41 programas de reparação e compensação, contudo, posteriormente um dos programas foi desmembrado em dois, para alcançar uma "gestão mais específica e eficiente". Com isso, a Fundação passou a executar ao todo 42 programas.

10Para tentar reverter o quadro de injustiças sociais, desde 2017 foram empreendidas várias negociações entre as instituições de justiça e as empresas para "equilibrar" e garantir a participação dos atingidos, dos Ministérios Públicos e das Defensorias

CÓMO CITAR ESTE ARTÍCULO Rojas, Claudia Marcela Orduz; Pereira, Doralice Barros. 2022. "O rompimento da barragem de Fundão e a ascensão do capitalismo de desastre no Brasil." Cuadernos de Geografía: Revista Colombiana de Geografía 32 (1): 19-34. https://doi.org/10.15446/rcdg.v32n1.94479.

Claudia Marcela Orduz Rojas Historiadora da Universidad Nacional de Colombia. Mestre e doutora em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pesquisadora do Programa internacional de pesquisa Cidade e Alteridade: convivência multicultural e justiça urbana (Faculdade de Direito-UFMG), do Programa Mapeamento dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais (FAFICH-UFMG) e do projeto Mobiliza Rio Doce (Pro Reitoria de Extensão-UFMG). Linhas de pesquisa: geografia humana, organização e produção do espaço, conflitos ambientais, visibilização e inclusão sócio política de comunidades tradicionais.

Doralice Barros Pereira Graduada e mestre em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em Geografia pela Universidade de Montréal. Professora Titular do Instituto de Geociências da UFMG. Linhas de pesquisa: geografia urbana, conflitos territoriais, produção e organização socioespacial de áreas de proteção ambiental, representações sociais e ideologias.

Recebido: 18 de Março de 2021; Revisado: 02 de Agosto de 2021; Aceito: 12 de Julho de 2022

a Correspondência: Doralice Barros Pereira, Departamento de Geografia, Instituto de Geociências, UFMG. Av. Antônio Carlos, 6.627 -Pampulha | CEP: 31270-901 Belo Horizonte - Minas Gerais, Brasil.

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