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Pedagogía y Saberes

versión impresa ISSN 0121-2494

Pedagogía y Saberes  no.54 Bogotá ene./jun. 2021  Epub 05-Feb-2022

https://doi.org/10.17227/pys.num54-11479 

Dossier

O manual de Comenius para a educação maternal da infancia

The Comenius Handbook for Maternal Education of Children

El manual de Comenio para la educación materna infantil

Wojciech Andrzej Kulesza* 
http://orcid.org/0000-0001-6882-1516

* Profesor en retiro de la Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Investigador del grupo de Pesquisa, Ciencia, Educación y Sociedad (GPCES) de la UFPB y del centro de pesquisa en Historia da educação da UFMG, Brasil. Código Orcid: https://orcid.org/0000-0001-6882-1516


Resumo

Como pastor da comunidade dos Irmãos Morávios no exílio, Comenius aplicou-se necessariamente ao cuidado de crianças, ocasião em que observou a importância de uma preparação adequada das pessoas envolvidas nessa tarefa. Resolveu então escrever um manual, posteriormente denominado por ele A Escola da Infância (1633), dedicado aos pais e cuidadores de crianças de zero a seis anos de idade. Neste artigo, após situar o contexto no qual essa obra foi produzida, é feita uma descrição do manual comentando os trechos que consideramos mais significativos, seja devido à sua atualidade, seja devido à sua importância para a compreensão da proposta pedagógica comeniana em geral. Argumentamos que a leitura do manual vis-à-vis com outras obras de Comenius enriquece sobremaneira nossa compreensão do desenvolvimento de seu pensamento acerca do fenómeno educativo, ainda mais tendo em conta que a edição definitiva do seu manual é contemporânea de sua produção pedagógica mais importante. Temas apenas sugeridos no manual são extensamente tratados em obras posteriores, questões superficialmente apontadas são aprofundadas e princípios essenciais da formulação teórica de Comenius acerca da educação são expostos com clareza meridiana no manual. Finalmente, à luz da influência do pensamento de Comenius na história da educação moderna, é feita uma discussão com base na iconografia em torno das representações, referenciadas na historiografia comeniana, da relação pedagógica educador / educando.

Palavras-chave: educação infantil; escola maternal; iconografia educacional; relação pedagógica

Abstract

As pastor of the Moravian Brothers community in exile, Comenius necessarily applied himself to the care of children, when he noted the importance of adequate preparation of the people involved in this task. Then, he decided to write a handbook, later called The School of Infancy (1633), dedicated to parents and caregivers of children from zero to six years old. In this article, after situating the context in which this work was produced, a description of the handbook is made, commenting on the passages we consider most significant, either due to their timeliness or due to their importance for understanding the Comenian pedagogical proposal in general. We argue that reading the handbook vis-à-vis with other works by Comenius greatly enriches our understanding of the development of his thinking about the educational phenomenon, especially considering that the definitive edition of his handbook is contemporary with his most important pedagogical production. Themes only suggested in the manual are extensively dealt with in later works, superficially pointed questions are deepened and essential principles of Comenius' theoretical formulation about education are exposed with meridian clarity in the handbook. Finally, in the light of the influence of Comenius' thought on the history of modern education, a discussion is made based on the iconography around representations, referenced in Comenian historiography, of the educator / educated relationship.

Keywords: child education; educational iconography; nursery school; pedagogical relationship

Resumen

Como pastor de la comunidad de Hermanos Moravos en el exilio, Comenio se dedicó necesariamente al cuidado de los niños, cuando señaló la importancia de una preparación adecuada para las personas involucradas en esta tarea. Luego decidió escribir un manual, más tarde llamado La Escuela de la Infancia (1633), dedicado a los padres y a los cuidadores de niños de cero a seis años. En este artículo, después de situar el contexto en el que se produjo este trabajo, se realiza una descripción del manual, comentando los pasajes que consideramos más significativos, ya sea por su actualidad o por su importancia para comprender la propuesta pedagógica comeniana en general. Sostenemos que leer el manual frente a otras obras de Comenio enriquece enormemente nuestra comprensión del desarrollo de su pensamiento sobre el fenómeno educativo, especialmente teniendo en cuenta que la edición definitiva de su manual es contemporánea con su producción pedagógica más importante. Los temas que solo se sugieren en el manual se abordan ampliamente en trabajos posteriores, los problemas planteados superficialmente se profundizan y los principios esenciales de la formulación teórica de Comenio sobre la educación se exponen con claridad en el manual. Finalmente, a la luz de la influencia del pensamiento de Comenio en la historia de la educación moderna, se realiza una discusión basada en la iconografía en torno a las representaciones, referenciadas en la historiografía comeniana, de la relación educador / educando.

Palabras clave: educación infantil; escuela infantil; iconografía educativa; relación pedagógica

Introdução

Decorridos 350 anos da morte de João Amos Come-nius, continua vivo o interesse por sua obra mul-tivariada e, inclusive, continua em andamento na República Tcheca a publicação de sua obra completa, prevista para ser composta por 60 volumes contendo cada um de 500 a 600 páginas. Dessa extensa produção, a temática educacional, sem dúvida, tem despertado o maior interesse, daí a sua atual identificação com a categoria dos educadores. A atualidade de seus textos pedagógicos tem surpreendido muitos de seus leitores, atribuindo-se geralmente essa qualidade à permanência das questões educacionais fundamentais, por ele levantadas no século XVII, em nossa realidade educacional. Seu pensamento educacional tem sido utilizado com sucesso em áreas que vão do ensino de línguas ao uso de computadores em educação e se tem recorrido simbolicamente ao seu nome para batizar importantes projetos educacionais em torno do mundo.

Dado o inquestionável papel do conceito de infância na pedagogia de Comenius, conceito sempre associado por ele à superação do tradicionalismo no campo educacional e à construção de uma sociedade eticamente regenerada, seus escritos sobre a infância constituem uma referência fundamental para compreensão de sua proposta pedagógica. Toda reforma que persiga uma melhora social, começa pela criança. Não por acaso, será no século XX, projetado como "o século da criança" e no qual se pretendia a construção de uma paidologia, uma ciência da criança, que Come-nius emerge como "pai da pedagogia moderna". Seu slogan, omnes, omnia, omnino, só alcança seu pleno significado se considerarmos que ele deve se aplicar primordialmente à criança. Dessa maneira, podemos interpretá-lo dizendo que "todo homem sem exceção (omnes) deve aprender todas as coisas significativas e úteis para a vida humana (omnia), de modo a incrementar o desenvolvimento humano e seu poder de ação e que as dirija para o bem comum (omnino)" a começar da infância (Capková, 1978, p. 95).

Ainda que consideremos utópicos seus objetivos finais em busca da redenção humana, não há dúvida sobre o valor instrumental desse conceito para a educação infantil. Nas palavras de Cagnolati:

This perception of infancy is certainly not unrealistic, nor is it confined to a world of abstract, incomprehensible rules; on the contrary, it implies enormous consequences for teaching and methodology. On a theoretical level, Comenius points to the need to construct an educational standard based upon those values education must propagate in society, while on a practical level the necessity of changing the daily work of schools leads to the writing of revised textbooks in order to communicate with children in a clear language adapted to their cognitive abilities. (2006, p. 219)

O pequeno manual "Escola Materna", mais tarde denominado por ele A Escola da Infância (Comenius, 2011), foi concebido por Comenius por volta de 1630, quando ele beirava os quarenta anos e já havia tido uma larga experiência com o ensino na comunidade religiosa protestante da qual era pastor: os Irmãos Boémios. Escrita no exílio em tcheco, a obra era dirigida não somente às mães, mas também aos pais, professores e todos aqueles incumbidos de cuidar das crianças, fazendo parte de uma proposta de reconstrução total de seu país então afligido pela Guerra dos Trinta Anos. Daí a sua preocupação com a saúde, com a própria sobrevivência das crianças, numa realidade social na qual a orfandade marcava invariavelmente sua presença. A desagregação da família nuclear tão acentuada em nossos tempos atualiza seu discurso pedagógico para as creches e jardins de infância do mundo moderno.

Por outro lado, sua proposta de reconstrução educacional incluía a "Didática Tcheca", elaborada no mesmo período, vinculando organicamente seu manual às suas concepções pedagógicas, fazendo com que suas ideias sobre a educação infantil fossem retomadas e desenvolvidas em trabalhos posteriores, tanto na Didáctica Magna (Comenius, 1976], como na Pampaedia (Comenius, 1971), obras na qual ele se refere explicitamente ao seu manual de educação infantil. Entretanto, a continuidade da guerra fez com que ele decidisse publicar uma versão do manual em alemão, então língua majoritária dos protestantes da Europa Central (Figura 1). O fato dele ter tomado a criança como passível de uma prática educativa, doméstica ou institucional, marcou indelevelmente sua teoria pedagógica. Seu manual, considerado o primeiro dedicado inteiramente à educação da criança de zero a seis anos de idade, revela claramente a intenção de Comenius de reformar o mundo através da educação (rerum humanarum emendatione), começando exatamente pelas criaturas mais inocentes, marcadas tão somente pelo pecado original congênito.

Fonte: Comenius (1962)

Figura 1 Frontispício da primeira edição da Escola da Infância 

Sintonizado com um período histórico de humanização da criança, no qual ela deixava de ser vista apenas como um pequeno ser irracional para dis-tração do adulto, tal como um animal de estimação, Comenius identificava sua inocência com a pureza divina, elevando moralmente a condição infantil na sociedade. Como mostrou Ariès (1986), essa mudança transformou a fraqueza da criança em virtude, levando a um cuidado maior com as crianças, preocupação essa dominante na literatura pedagógica progressista daqueles tempos. Podemos dizer que a qualificação posterior de "renascimento" das cultura gregas e latina do mundo antigo, dada pelos historiadores a todo um período histórico que termina exata-mente no século XVII para dar lugar à época moderna, pode ser usada para significar o reconhecimento de que um novo homem, uma criança, portanto, estava surgindo naquele momento.

Mesmo partindo do princípio de que a sociedade de seu tempo já está imbuída dos deveres relativos ao cuidado das crianças, Comenius abre seu manual com um extenso capítulo onde, a partir de citações bíblicas, ele justifica a atenção que devemos dar às crianças. Ele atribui o fato de não darmos tanta importância às crianças, porque as consideramos "apenas como o são no presente e não como elas poderiam e deveriam ser segundo seus desígnios" (Comenius, 2011, p.2), o que nos remete imediatamente à célebre concepção de natalidade de Arendt (1993], segundo a qual a criança que nasce não é meramente um novo ser humano, pois, na verdade ela ainda se tornará humana. Tomando o caso do nascimento de Jesus Cristo como exemplo, Arendt argumenta que é totalmente impossível prever no momento do nascimento qual vai ser o futuro daquela criança. Por isso, logo no início de seu manual, Comenius cita o exemplo de Melanchton que surpreendeu a todos ao adentrar numa sala de aula de uma escola pública, tratando as crianças como elas poderiam ser no futuro: ministros, presidentes, juízes, astros de futebol etc. (Comenius, 2011).

Mas não é só por causa das crianças que os preceptores devem proceder com o devido cuidado ao lidar com elas, mas também para sua própria edificação. Na introdução à Didáctica Magna, comentando a passagem do evangelho de Mateus, "Eu lhes garanto: se vocês não se converterem e não se tornarem como crianças, vocês nunca entrarão no Reino do Céu", Comenius refere-se assim à relação entre os adultos e as crianças:

Eis que nós, adultos, que julgamos que só nós somos homens e vós sóis macaquinhos, só nós sábios e vós doidinhos, só nós faladores inteligentes e vós ainda não aptos para falar, eis que, enfim somos obrigados a vir à vossa escola! Vós fostes-nos dados como mestres, e as vossas obras são dadas às nossas como espelho e exemplo!", acrescentando em seguida: "Cristo ordena que nós, adultos, nos convertamos para que nos façamos como criancinhas, isto é, para que desaprendamos os males que havíamos contraído com uma má educação e aprendido com os maus exemplos do mundo, e regressemos ao primitivo estado de simplicidade, de mansidão, de humildade, de castidade, de obediência, etc. (1976, pp. 63-65)

Comenius não limita o bem que a criança nos faz apenas ao mundo espiritual, estendendo-o também ao bem estar físico ao dizer nesse capítulo que "Quem repousa na escuridão da noite junto de uma criança pode ficar tranquilo porque estará protegido do espírito das trevas" (2011, p. 5), dito familiarizado entre nós pela "paz de criança dormindo" da canção popular. Dada a estreita vinculação do manual com a educação religiosa, que praticamente restringiu o seu uso às comunidades evangélicas e a tardia implantação dos jardins de infância, esse livro de Comenius ainda permanece desconhecido da maioria dos educadores. Todavia, convencidos que estamos da atualidade do manual comeniano para as crianças-e para os adultos-do nosso tempo faremos a seguir uma exposição sumária de A Escola de Infância de Comenius, comentando os trechos que consideramos mais significativos, seja devido à sua atualidade, seja devido à sua importância para a compreensão da proposta pedagógica comeniana em geral.

Um guia prático para a educação infantil

Continuando sua justificativa sobre a importância que tem as crianças, Comenius argumenta no segundo capítulo que a finalidade última da educação das crianças, como de resto da educação em geral, é conduzir o homem à vida eterna através de sua progressiva aproximação com Deus, a cuja imagem foi criado. Na feliz formulação aristotélica de Mariano Fernández Enguita, na introdução à edição de bolso em espanhol da Didactica Magna: "La educación convierte en acto lo que el pecado de Adán dejó reducido a potencia" (Comenius, 2012, p. 14), ou seja, só através da educação o homem poderá voltar ao estado de pureza e inocência que tinha no paraíso. Assim, ele afirma no segundo capítulo:

Os pais não cumprem completamente sua obrigação se apenas ensinarem sua prole a comer, beber, andar, falar e vestir sua roupa. Isso serve simplesmente ao corpo, que não é o homem, apenas sua morada. O hóspede que a habita (a alma racional] reclama maior cuidado que o invólucro externo. (Comenius, 2012, pp. 7-8)

Por isso, o primeiro objetivo da educação é a formação da alma, depois os bons costumes, a educação moral, e só por último o conhecimento das línguas e das artes, ou seja, das coisas práticas, mundanas. Todavia, como veremos, apesar desta ordem nas finalidades da educação é através do conhecimento do cotidiano, das coisas do mundo, que se chega à educação moral e à elevação espiritual.

Concluindo suas admoestações iniciais, no terceiro capítulo Comenius (2011) argumenta que a criança não aprenderá voluntariamente e sem esforços. Essa é a tarefa dos pais porém, como eles nem sempre estão preparados ou dispõem de tempo para isso, criaram--se as escolas, palavra originada do grego skolé, designando um local de lazer o que, diz ele, "nos lembra que é da natureza da ação docente e discente, a doçura e a alegria, o puro divertimento e deleite para a alma" (p. 12). Aqui Comenius denuncia o desvirtuamento desse sentido original de escola e de ensino:

Essa candura praticamente desapareceu com o decorrer do tempo e, em vez de prazer e lazer, as escolas passaram a significar prisão e tortura para a juventude, especialmente quando as crianças estão entregues a pessoas incompetentes, minimamente instruídas na sabedoria e bondade divinas, inutilizadas pela preguiça, sórdidas, dando mau exemplo e que, passando-se por professores e preceptores, vendem-se por dinheiro. (Comenius, 2011, p. 12).

Foi exatamente como defensor de uma escola agradável, livre da violência das vergastadas e da palmatória, que Comenius viria a ser exaltado a partir do final do século XIX em todo o mundo ocidental. 1.

Após acentuar a obrigatoriedade, a conveniência e a necessidade da educação infantil, Comenius (2011), no quarto capítulo, define que competências a criança deveria ter quando completasse os seis anos. Usando a metáfora da muda de árvore cujo desenvolvimento está condicionado à disposição de seus primeiros brotos, ele assevera que "o homem deve ser formado desde os primeiros momentos do desenvolvimento de seu corpo e de sua alma, para que essa formação permaneça durante toda sua vida" (p. 15). Fazendo uso da máxima segundo a qual é melhor corrigir do que remediar, ele acentua a importância da educação desde o início, "pois não é possível endireitar a árvore que cresceu torta" ou, popularmente, pau que nasce torto morre torto. Ele passa então a elencar os conteúdos necessários para um ensino adequado da criança durante seus primeiros anos de vida. Para isso ele se baseia em sua famosa tríade de instrumentos do conhecimento, sensus, ratio, fides, da qual ele extrai o modo de ensinar a fé, a moral e as artes e as ciências, nesta ordem.

Com relação à fé, Comenius considera suficiente que uma criança de seis anos saiba:

(1) que Deus existe, (2) que em todo lugar ele nos observa, (3) para quem o obedece ele fornece comida, bebida, roupas e tudo o mais que for necessário, (4) leva à morte o desobediente e o arrogante, (5) por isso é preciso temê-lo, chamá-lo sempre e amá-lo como ao pai, (6) fazer tudo que ele mandar, (7) que se formos bons e honestos ele nos elevará aos céus etc. (2011, p. 16)

Bem mais adiante, no capítulo X, Comenius (2011) fornece instruções detalhadas de como atingir esses objetivos sempre de forma gradativa, ano a ano, característica metodológica que, aliás, fez com que ele seja considerado um precursor do construtivismo moderno: "a preparação eficaz das crianças na piedade pode começar no segundo ano de vida, quando sua razão, como uma pequena flor, desabrochar e começar a distinguir as coisas" (2011, p. 67). Com essa finalidade, Comenius descreve procedimentos simples que ilustraremos com alguns exemplos, sempre tendo presente sua advertência: "Se o que aqui escrevemos parecer a alguém pueril, dizemos: com certeza que sim, pois se trata aqui de assuntos referentes às crianças e não se poderia falar disso a não ser de modo infantil", sinal inequívoco de uma ruptura cultural em relação à criança:

(...) quando os filhos mais velhos orarem ou cantarem antes e depois das refeições, habitue as crianças a fazer silêncio, a ficarem quietas sentadas ou em pé, a terem as mãos postas e mantê-las assim (... ) será útil também, conforme a razão da criança for progredindo, acostumá-la a, toda que vez que pedir comida, primeiro dizer sua pequena prece. E quando a língua e a memória da criança dominarem a primeira súplica, passa-se para a segunda, fazendo com que a repita novamente por duas semanas. Depois se adiciona a terceira e assim por diante até o fim (...) pode-se às vezes apontar para o céu com o dedo mostrando para a criança que ali se encontra Deus, que tudo criou e que, graças a Ele, temos comida, bebida e roupa. Então ele entenderá porque olhamos para o céu quando oramos (...) Para não perturbar o enraizamento da piedade no coração das crianças, será bom e extremamente necessário nessa idade protegê-las do mal: é preciso tomar todo cuidado para que nenhuma maldade ou sujeira, penetrando através dos olhos ou ouvidos das crianças, contaminem suas mentes. (Comenius, 2011, pp. 67-71)

Observe-se a estreita vinculação entre a formação moral e a religiosa, característica dessa época e que faz Comenius recomendar aos pais que repartam a educação dos seus filhos não somente com os professores da escola, mas também com os "ministros da Igreja" (2011, p. 15). Por outro lado, ele distingue claramente os deveres espirituais dos deveres sociais, dos "bons costumes" a serem inculcados nas crianças desde pequenas. Por causa disso é comum encontrarmos na historiografia educacional referência ao caráter burguês de sua pedagogia, classe social em ascensão na Europa daquele período. A seguir, reproduzimos na íntegra suas treze disposições para que as crianças apresentem um bom comportamento ao fim de seis anos:

  • a) Moderação, de modo a que bebam e comam conforme sua natural necessidade, sem voracidade e sem se servir demasiado de comida e bebida.

  • b) Asseio, para que observem o decoro à mesa, no vestir e no cuidado com o corpo.

  • c) Respeito aos superiores, respeitando seus atos, suas palavras e seus desígnios.

  • d) Cortesia, estando sempre prontos para atender imediatamente aos sinais e aos chamados dos superiores.

  • e) Especialmente necessário é acostumá-los a falar a verdade, de modo que suas palavras estejam sempre de acordo com a doutrina de Cristo: É, o que é; o que não é, não é. E que não se habituem, por qualquer razão, a mentir ou inventar algo, nem seriamente, nem de brincadeira.

  • f) É preciso também incutir-lhes justiça, para que assim não mexam, não movam, não furtem e não escondam o que pertença aos outros e para que não façam mal a ninguém.

  • g) Deve-se também neles instilar bondade e disposição para favorecer os outros, para que sejam amáveis e não mesquinhos ou invejosos.

  • h) Será muito útil iniciá-los no trabalho, para que criem aversão à indolência.

  • i) Eles devem ser ensinados não só a falar, mas a ficar em silêncio quando necessário, como na hora da prece ou quando outros estão falando.

  • j) Eles devem ser exercitados na paciência, para que não julguem que tudo acontece para eles a um simples aceno e para que aprendam a conter seus desejos desde a primeira idade.

  • l) Servir com civilidade e presteza aos mais velhos é uma qualidade precípua dos jovens, por isso é preciso levá-las a ter esse hábito desde a infância.

  • m) De tudo isso resultará a civilidade das boas maneiras, graças à qual as crianças saberão como saudar a alguém, apertar sua mão, dobrar os joelhos, agradecer a presentes etc.

  • n) Para evitar a leviandade ou a grosseria, é preciso que a instrução seja acompanhada de gestos circunspectos, para que tudo se faça com respeito e modéstia. Uma vez iniciada nessas virtudes, será fácil para a criança seguir o exemplo de Cristo e obter a graça de Deus e dos homens (2011, pp. 17-18, grifos no original).

Note-se como na última alínea (n), Comenius amarra esses preceitos temporais e profanos com os princípios religiosos. Mais do que isso, podemos identificar em suas prescrições de comportamento socialmente correto, notadamente nas alíneas c, d, e, h, elementos do que Max Weber chamou de "ética protestante", própria do capitalismo então em gestão.

No capítulo IX, sempre fazendo uso da sua metáfora preferida, "assim como é muito mais fácil envergar uma árvore ainda nova antes que cresça e se torne adulta, da mesma maneira pode-se rapidamente formar a juventude em seus primeiros anos de infância" (p. 53], Comenius (2011) detalha suas instruções para a preparação das crianças nos bons costumes2. Identificando nas crianças uma "índole imitativa: tudo que elas veem os outros fazerem, elas querem copiar" (pp. 53-54), ele enaltece o valor dos exemplos bons e constantes em sua formação:

Por isso em casa, onde estão as crianças, é preciso cuidar com esmero para que não aconteça nada contrário à virtude, agindo todos com moderação, asseio, respeito, tolerância mútua, sinceridade etc. Se formos assim diligentes, com certeza não serão precisas muitas palavras para instruí-los e nem repreensões para trazê-los à ordem. (2011, p. 54)

Observe-se que, ao contrário do que se poderia supor de um educador famoso por suas críticas à educação tradicional, Comenius não renuncia à disciplina no ensino, considerando necessárias advertências, repreensões e até punições físicas para que os exemplos sejam efetivos na educação das crianças:

Primeiro, levantar a voz para um menino que fez algo indigno. Não de modo que ele fique apavorado, mas prudentemente, para que se preocupe e tome consciência. Às vezes pode-se ameaçá-lo severamente a ponto de deixá-lo envergonhado, imediatamente após uma advertência, para que aquilo nunca mais se repita (... ) se por acaso este primeiro grau de disciplina for ineficaz, o segundo consistirá em açoitar com varas ou dar palmadas para que os meninos não se esqueçam e cuidem melhor de si. (2011, p. 54, grifos no original).

Criticando severamente o "afeto simiesco e asinino de certos pais para com seus filhos", que "toleram e perdoam todo tipo de desatino que eles cometem", dizendo que crianças "não devem ser contrariadas, pois elas ainda não entendem isso", Comenius atribui essa atitude exatamente à irracionalidade dos pais:

Não digas a ti mesmo que a criança não entende. Se ela sabe fazer coisas petulantes como ficar brava, enfurecer-se, brigar, inflar as bochechas, xingar os outros etc., certamente saberá também o que é uma vara e para que serve. Não foi a criança que perdeu a razão, mas tu, homem imprudente, pois não compreendes e não queres compreender o que serve melhor para a saúde e tranquilidade de ti e do teu filho (2011, pp. 55-56)

Em nossos tempos de consumismo desenfreado, mas de horários rígidos, vale a pena citar na íntegra sua defesa da moderação e da frugalidade, consideradas por ele "os fundamentos da saúde e da vida, quando não a mãe de todas as outras virtudes" (p.57), no comportamento das crianças:

as crianças deveriam somente comer, beber e dormir quando a natureza as incitar a isso, ou seja, quando as apertar a fome, a sede, ou o sono. É uma loucura deixá-las comer, beber, dormir sem que haja necessidade e, mais ainda, dar-lhes de comer, beber ou colocá-las para dormir contra sua vontade: basta oferecer-lhes tais coisas de acordo com a natureza. É preciso também tomar cuidado para não estragar seu paladar com inúteis petiscos e guloseimas. Essas comidas são veículos de gordura, que assim é ingerida acima de sua necessidade enganando o estômago: são verdadeiros estímulos à luxúria. Embora nada impeça que às vezes se ofereça aos meninos algo mais saboroso, fazer dos doces uma refeição é muito prejudicial à saúde. (Comenius, 2011, p. 57)

Se alimentar com decoro, apresentar asseio no vestir, respeitar aos mais velhos, agir com sinceridade, honestidade, bondade e solicitude, aprender e falar e se calar nos momentos certos, serem prestativas e amáveis, são alguns dos comportamentos descritos e exaltados por Comenius neste verdadeiro manual de civilidade, certamente inspirado naqueles de Erasmo3, e que, segundo ele, constituem apenas uma versão condensada de suas "Regras de conduta para uso da juventude", escritas por ele durante sua estadia na Hungria onde, ao enfrentar o desafio de trabalhar com jovens de extração social diferente da sua, radicalizou suas posições em defesa de um ensino ativo e prazeroso, escrevendo inclusive a cartilha Schola Ludus, onde o latim é ensinado através de diálogos teatrais4. Essa predileção pelos jogos infantis está contemplada num capítulo do seu Orbis sensualium pictus (1658), onde se mostram diversas brincadeiras de crianças (Figura 3).

Fonte: Comenio (1993, p. 228)

Figura 2 Os jogos infantis no Orbis sensualium pictus 

Fonte: Comenius (1985, p. 2)

Figura 3 Abertura do Orbis Sensualium Pictus (século XVII) 

Sobre o valor educativo das atividades lúdicas, diz Comenius neste capítulo IX referindo-se ao perigo das tentações supostamente provocadas pelo diabo:

Por isso é prudente que não se permita que a criança se entregue à ociosidade, justamente fazendo com que ela realize atividades assiduamente, fechando--lhe assim o caminho das piores tentações. Penso em atividades que não pesam nos ombros das crianças, pois tais práticas não são nada mais (e não poderiam ser outra coisa) que simplesmente jogos. É melhor brincar do que ficar sem fazer nada, pois brincando a mente está sempre dirigida para algo e pode assim aprimorar alguma habilidade. (2011, p. 61, grifos no original)

Uma vez contempladas a educação religiosa e moral, Comenius se debruça sobre o que se chamava então "artes liberais", ou seja, o conteúdo mesmo das escolas de seu tempo, que ele define do seguinte modo: "aprendemos para saber coisas, para fazer coisas e para falar coisas" (p. 18, ênfase no original). Saber coisas significa para ele o conhecimento do mundo, das coisas naturais, que envolve o conhecimento dos quatro elementos (fogo, ar, água e terra), das plantas e animais, da óptica, da astronomia, da geografia, da história, da economia e da política. Por isso ele é considerado o introdutor do ensino das várias ciências no currículo escolar e, portanto, precursor do enciclopedismo e do iluminismo. Durkheim (1995), em seu célebre livro sobre a evolução pedagógica produzido no início do século XX, analisando a Didactica Magna, opõe o currículo clássico das humanidades ao currículo moderno das ciências, o estudo do homem ao estudo do mundo, considerando Comenius o introdutor do que ele chamou de realismo pedagógico, exemplificado pelas "lições de coisas", então em voga na educação do seu tempo na França.

É preciso que se diga que o conteúdo da ciência a ser aprendido pelas crianças deve ser adequado à sua idade, como de resto deve ocorrer em todo processo educacional: a cada idade corresponde um tipo de escola e, embora o conteúdo a ser trabalhado em cada uma delas seja o mesmo, varia o grau de aprofundamento e extensão desses conteúdos, como ocorre no chamado currículo em espiral. Para se ter uma ideia desses conteúdos para a educação infantil, apresentamos a concepção de Comenius para os conhecimentos necessários para fazer as coisas, isto é, aqueles que envolvem a mente e a linguagem ou a mente e as mãos:

Os princípios da dialética podem ser incutidos nos primeiros seis anos de tal modo que a criança entenda o que é uma pergunta e o que é uma resposta, para que ela possa responder diretamente a uma questão proposta e não fale de cebolas quando a pergunta for sobre alhos.

  • b) Os fundamentos da aritmética começam por saber se algo é muito ou pouco, contar até 20 ou 60, saber o que é número par e ímpar. Também que 3 é maior que 2, que 3 mais 1 é 4 etc.

  • c) A geometria começa pelo conhecimento do que é grande ou pequeno, curto ou comprido, estreito ou largo, fino ou grosso e o que chamamos de palmo, côvado, passo etc.

  • d) Música será para a criança aprender a cantar de memória algumas estrofes de salmos ou hinos.

  • e) A iniciação nas artes ou ofícios começa por aprender a cortar, fender, esculpir, entalhar, arrumar, encaixar, destacar, montar e desmontar, coisas familiares às crianças. (pp. 19-20, grifos no original).

Finalizando esse capítulo IV, onde Comenius discute tudo que deve ser ensinado e aprendido pelas crianças até os seis anos, ele aborda os conhecimentos que dizem respeito à linguagem, gramática, retórica e poética, a modo de introdução aos componentes tradicionais do trivium curricular adotado então nas escolas secundárias.

Como já chamamos a atenção, daqui para frente Comenius inverte a ordem que ele apresentou quando discutiu os objetivos e as finalidades da escola. Assim, primeiro ele vai tratar do conhecimento das coisas, depois dos ofícios, em seguida da eloquência, para só então tratar dos costumes e da virtude e, finalmente, da religião. Ou seja, ele toma por base o conhecimento do mundo advindo dos sentidos para constituir o homem racional o qual, por sua vez, viabilizará a formação do homem piedoso. Em sua concepção triádica, os sentidos, a razão e a fé, estão em correspondência harmónica com a intuição, a mente e o espírito, e todo progresso num campo se reflete nos outros. É pensando justamente na criança que chega ao mundo Comenius prioriza o conhecimento proporcionado pelos sentidos para o posterior desenvolvimento da mente e do espírito. Para Comenius, a educação começa com a criança porque ela, antes de tudo, sente o mundo, e é através desse sentimento que começa o seu conhecimento das coisas.

Porém, considerando que não é possível educar as crianças a não ser que gozem de boa saúde, Comenius (2011) expõe inicialmente no capítulo V como preservar a saúde das crianças. Num verdadeiro prontuário de atenção materno-infantil, ele apresenta conselhos às mulheres desde o momento em que se derem conta de que estão grávidas. Primeiro, ele orienta a mãe com os cuidados que deve ter no período pré-natal para evitar o aborto acentuando o caráter não mórbido da gravidez. Em seguida ele faz uma defesa apaixonada do aleitamento materno denunciando aquelas mães que "enfastiadas de cuidar de sua própria descendência, permitem que ela seja mantida por fêmeas estranhas" (p. 26). Em primeiro lugar, excluindo-se "os casos inevitáveis, como quando a mãe não é capaz de amamentar, isso é contra Deus e a natureza" (p.26), diz Comenius para as mães: "o leite que Deus deu é para uso dos teus filhos e não de ti, pois sempre que um novo feto vem à luz imediatamente começam a jorrar tuas fontes e para proveito de quem, senão do novo hóspede?" (p. 27).

Estendendo-se longamente sobre a questão, Come-nius, que teve vários filhos de seus três casamentos, considera que entregar a criança a uma ama de leite, usual entre a nobreza daqueles tempos, além de ser prejudicial ao filho, esse costume é pernicioso para a própria mãe e ele adverte: "as mães delicadas do tipo que receiam cuidar de seus filhos para não prejudicar a simetria ou elegância de sua silhueta, muitas vezes acabam por perder, nem tanto a serenidade, a beleza, mas a saúde e a vida" (p. 28). Finalmente, Comenius considera indigno o comportamento de uma mãe que se recusa a dar o seio ao próprio filho e que, no entanto, "preferem acariciar seu cão a carregar seu filho nos braços e muitas vezes se envergonham de levar seus próprios filhos pela mão, em vez do cão ou esquilo" (p. 29). A mudança de mentalidade a respeito da criança desvelada por Ariès (1986), de que falávamos anteriormente, é comprovada exemplarmente nessa parte do discurso comeniano.

Com o desenvolvimento da criança, Comenius passa a fazer uma série de recomendações sobre os cuidados a serem tomados, "aprender a segurar o bebê com as mãos, levantá-lo, carregá-lo, deitá-lo, pegá-lo, envolvê-lo nos panos, colocá-lo no berço com prudência e segurança", alimentá-lo adequadamente de acordo com a idade, não ministrar medicamentos sem necessidade, "cuidar para que a criança não seja exposta a contusões, calor ou frio demasiado, excesso de comida ou bebida, nem passar fome ou sede", fazer com que ela se movimente: "quanto mais a criança está ocupada, corre, brinca, mais tranquilamente pega no sono, mais facilmente seu estômago faz a digestão, mais depressa cresce, mais forte é seu corpo e sua alma" (pp. 30-33). Considerado um precursor da educação física, ele associa estreitamente o desenvolvimento físico com o desenvolvimento moral e espiritual, de acordo com o aforismo derivado de um verso do poeta romano Juvenal, mens sana in corpore sano.

Comenius conclui seu aconselhamento dizendo que nunca se deve tolher a alegria das crianças. Alegria que o seu manual retoma, após toda uma série de contenções e repreensões, para motivar os pais empenhados na educação de seus filhos:

Por exemplo: no primeiro ano é preciso excitar suas almas balançando o berço, embalando-os, cantando e tocando pandeiro para eles, levando-os para passear na praça ou no jardim e até mesmo animá-los através de beijos e abraços, fazendo tudo isso com moderação. A partir do segundo ano podem-se organizar jogos para brincar junto com eles ou para que eles brinquem entre si, bate-papos, esconde-escondes, ouvir músicas ou ver qualquer espetáculo ameno, pinturas etc. Em suma, se percebermos que a criança gosta ou se alegra com algo, de nenhum modo esse algo lhe deve ser recusado; pelo contrário, o seu entretenimento em pequenas ocupações convenientes e agradáveis aos seus olhos, ouvidos e outros sentidos contribuirá para o vigor do seu corpo e de sua alma. (p. 34)

O capítulo central do livro, "como educar as crianças para o conhecimento das coisas", mostra como introduzir o ensino das várias ciências na educação da criança desde os primeiros anos de vida. Na ausência desses conhecimentos não se pode falar de sabedoria e, consequentemente, de elevação moral e espiritual do homem. As ciências seguintes estão relacionadas nominalmente por ele: Física, Óptica, Astronomia, Geografia, Cronologia, História, Economia e Política, enquanto podemos identificar em sua proposta ciências que, como a Química ou a Biologia, não existiam em sua época. Como já comentamos esta é a contribuição mais duradoura da obra de Comenius, não só para a educação infantil, mas também para a educação em geral. Ciências cuja presença consideramos hoje normal na escola como física, história ou geografia foram introduzidas no currículo por Comenius.

Para o caso da educação infantil é claro que o conceito de ciências tem de ser tomado num sentido bastante lato e abrangente. Selecionamos a ementa de geografia constante desse capítulo vi para ilustrar a proposta comeniana:

O estudo da Geografia se inicia ao final do primeiro ano, no momento em que o bebê começa a diferenciar seu berço do seio materno. Nos segundo e terceiro anos, a criança começa a explorar o seu quarto, onde mora, a notar o lugar de comer, descansar ou passear, onde há luz e onde faz calor. Durante o terceiro ano ela incrementa suas noções de Geografia, diferenciando e nomeando espaços como a sala, a cozinha, o quarto de dormir, o que há no quintal, no jardim, nas construções em volta da casa. No quarto ano, ao sair de casa para visitar seus vizinhos, seus parentes, a criança passa a familiarizar-se com ruas e praças. No quinto ano deverá se consolidar, em sua memória e em seu entendimento, o que é uma cidade, uma aldeia, um terreno, um parque, uma floresta, um rio etc. (p. 37)

Em todo esse capítulo, Comenius mostra o valor da observação feita pela criança na construção de seu conhecimento. Como ele indica na Didáctica Magna:

que o homem enquanto animal racional, se habitue a deixar-se guiar, não pela razão dos outros, mas pela sua, e não apenas a ler nos livros e a entender, ou ainda a reter e a recitar de cor as opiniões dos outros, mas a penetrar por si mesmo até o âmago das próprias coisas e a tirar delas conhecimentos genuínos e utilidade. (1976, p. 164)

Naturalmente isso não quer dizer que ele considere que a criança se desenvolve por si só: é preciso considerar cada momento tudo dentro da mais estrita ordem e disciplina. Assim, por exemplo, no capítulo xxin da Didáctica Magna, "Método para ensinar a moral", escreve Comenius: "Mas, porque as crianças (ao menos, nem todas) não são ainda capazes de proceder assim deliberadamente e assim racionalmente, será de grande proveito que se lhes ensine a maneira de exercitar a fortaleza e de se dominarem a si mesmas, habituando-as a fazer de preferência a vontade dos outros que a própria, por exemplo, a obedecer em tudo e sempre, aos superiores, com a máxima prontidão" (1976, pp. 345-346). Narodowski, constatando a ausência explícita do quesito avaliação na Didática Magna, pondera que: "en la obra de Comenius la vigilancia opera menos sobre el cuerpo infantil y más sobre el método", remetendo assim a questão da avaliação para o desempenho da escola e não para a performance do aluno (1994, p.82).

Jean Piaget, em sua introdução à edição de obras escolhidas do grande educador tcheco publicada pela Unesco em 1957, depois de assinalar que "il est incontestable qu'on peut considérer Coménius comme l'un des précurseurs de l'idée génétique, en psychologie du développement", captou bem essa problemática:

(... ) on a tour à tour interprété Coménius comme un représentant des facultés innées, attribuant l'évolution mentale à une simple maturation de structures préformées ou comme un empiriste considérant l'esprit comme un réceptacle que rempliraient peu à peu les connaissances tirées de la sensation. Cette double interprétation est, à elle seule, très significative de la position réelle de l'auteur qui, comme tous les partisans de la spontanéité et de l'activité du sujet, est accusé tantôt de pencher dans la direction du préformisme et tantôt d'exagérer le rôle de l'expérience acquise (1981, p. 271)

Não é preciso muito esforço dedutivo para perceber o valor metodológico de suas prescrições minuciosas a respeito do valor da observação direta: atividades tais como excursões escolares, estudos do meio e, de maneira geral, o ensino experimental no laboratório, podem e foram deduzidos de sua proposta. Antecipando resultados posteriores da moderna psicologia educacional5, ele encerra esse capítulo recomendando o aprendizado em conjunto, "pois crianças da mesma idade progridem de forma semelhante nos modos e costumes e estão mais bem sintonizadas umas com a outras, pois não há muita diferença entre suas capacidades de pensar" (Comenius, 1981, p. 41) e assim,

(...) ninguém tenha dúvida de que a criança pode, mais do que ninguém, contribuir para o progresso do pensamento de outra criança. Por isso não só se deve permitir que elas brinquem junto e conversem entre si, mas também providenciar para que isso aconteça. (1981, p. 41)

No capítulo seguinte, Comenius trata da aplicação dos conhecimentos à vida prática, citando explicitamente a mecânica, a arquitetura, a aritmética, a geometria e a música como ciências que podem ser postas em ação pelas crianças em suas brincadeiras com os mais diferentes objetos, "exercitando o corpo para serem sãs, a alma para serem perspicazes, os membros do corpo para serem ágeis" (1981, p. 44). Famoso na história da educação como defensor da importância do desenho na formação da criança, Comenius incentiva no seu manual essa atividade:

Como as crianças precisam se exercitar na pintura e na escrita já na escola materna, no quarto ou quinto ano de vida, pode-se estimular ou despertar suas inclinações nessa direção fornecendo-lhes giz (para os menos ricos, carvão) para elas desenharem à vontade pontos, linhas, curvas, cruzes, rodas. Pode-se paulatinamente mostrar-lhes como desenhar, ao menos como divertimento, para o deleite da alma. Assim, se acostumarão a segurar o giz com a mão e formar letras, perceberão o que é ponto ou linha, o que posteriormente facilitará enormemente a tarefa do professor. (1981, p. 45)

Na Didáctica Magna ela também associa o desenho aos exercícios de leitura e escrita que ele recomenda que sejam feitos conjuntamente:

Na verdade, é quase impossível excogitar para os alunos do abc um estímulo ou um atrativo mais forte do que mandar-lhes aprender as letras, escrevendo--as. Com efeito, porque é quase natural às crianças quererem pintar, deleitar-se-ão com este exercício; entretanto, a sua força imaginativa desenvolver-se-á duplamente. (1976, p.297)

Foi justamente essa ênfase no uso integrado de todos os sentidos que, no século XIX, faria de Come-nius um teórico reconhecido do chamado método intuitivo de ensino, com sua ênfase no estímulo da percepção das coisas pelas crianças através de todos seus sentidos6. Na parte que trata do ensino de música nesse capítulo encontra-se uma passagem que ilustra bem essa ideia:

Cantando e mesmo brincando com as crianças, os pais e as amas, sem maiores dificuldades, podem inculcar-lhes essas coisas na mente, pois sua memória fica maior e mais rápida por causa do ritmo e da melodia e assim assimilam muitas coisas de maneira mais fácil e alegre. (2011, p. 47)

Para Comenius, se dentre as qualidades do homem a razão é necessária por si mesma, a fala possibilita que nos aproximemos dos outros, condição indispensável para o entendimento entre os homens e que constituirá a base de sua proposta de reforma social exposta na sua obra magna, De Rerum Humanarum Emendatione Consultatio Catholica (1966). Por isso ele dedica o capítulo viii de seu manual à formação da linguagem pela criança. Como professor de línguas partidário do ensino do vernáculo antes do latim e, em consequência, da semântica antes da gramática, suas prescrições vão no sentido de auxiliar o livre desenvolvimento da fala: palavras simples até a língua se soltar, palavras curtas antes das longas, soletração e silabação. Revelando a importância epistemológica que Comenius confere à linguagem, a ponto de propor na Consultatio uma língua universal (Panglottia), nesse capítulo ele faz uma afirmação basilar para que compreendamos seu credo pedagógico: (...) as raízes de todas as ciências e artes surgem em cada criança (mesmo que não atentemos vulgarmente para isso) na mais tenra idade e que não é nem impossível e nem difícil edificar tudo nesses fundamentos, desde que ajamos racionalmente com criaturas que também são racionais. (p. 51)

Assim, para ele, a retórica começa através de gestos, pois "aprendemos anos entender primeiro através de gestos e depois com a ajuda de palavras, do mesmo modo que procedemos com os surdos" (p. 51). Do mesmo modo, os princípios da poesia, que "liga e arruma as palavras com ritmo e métrica", "fluem com as primeiras palavras, pois tão logo a criança começa a entender as palavras, começa também a gostar do ritmo e da melodia" (p. 51).

Nos capítulos finais da Escola da Infância, Come-nius trata da transição da escola materna para a escola pública. No penúltimo capítulo ele justifica a necessidade da educação doméstica até por volta dos seis anos de idade para, no último, aconselhar os pais a preparar seus filhos para irem a escola, pois eles "não podem mandar fortuitamente os filhos para se instruir na escola sem refletir primeiro porque o estão fazendo e sem abrir os olhos das crianças para isso" (p. 79). Dizendo que não se deve falar da escola em casa como um lugar de castigo, ele desfia uma série de razões que podem ser apresentadas às crianças "para estimular nelas o amor pela escola" (p. 81) e assim se sintam atraídas a frequentá-la. Também é indispensável criar nas crianças amor e confiança em seus futuros professores antes de enviá-las à escola. Aqui Comenius faz da escola uma extensão da vida familiar para que a transição se faça sem atropelos, procedendo do seguinte modo:

(... ) mencionando de vez em quando o quanto o professor é bondoso, chamando-o de senhor tio, compadre, vizinho; elogiando de maneira geral sua erudição, sabedoria, sua humanidade e benevolência; destacando sua fama, seu grande conhecimento e também que é amável com os meninos e que os ama. E que é verdade que ele castiga a alguns, mas somente os sem modos e atrevidos (que são dignos de serem castigados por todos) e que nunca castiga aos obedientes. (p. 81)

Considerações finais

Além de tomarmos a Escola da Infância como um objeto de estudo da educação infantil como fizemos até agora, o manual de Comenius pode ser tomado como uma fonte histórica importante de sua época. As representações da infância, da família, das instituições sociais, o cotidiano da vida numa comunidade religiosa do século XVII, estão descritos, em alguns aspectos minuciosamente, em seu manual. Consideramos que uma exegese-ao modo de Roger Chartier em A mão do autor e a mente do editor (2014)-das edições do livro (que continuam surgindo), de suas tiragens, de seus prefácios, de seus aspectos gráficos, enfim das características materiais desses livros, podem nos fornecer subsídios preciosos para a história da criança e de sua educação através do tempo. Como obra clássica, o manual de Comenius tem servido de referência a todos aqueles que pensam e fazem a educação infantil.

Muito embora aqui não seja o local adequado para tal exegese, vamos ilustrar o valor dessa abordagem utilizando a análise feita por Chalmel (2004) da obra mais difundida de Comenius, o Orbis sensualium pic-tus. Este livro, por conter necessariamente figuras acompanhando estritamente o texto, está mais sujeito a modificações, já que suas gravuras procuram retratar o mundo tal como ele se apresenta numa determinada época. É importante levarmos em conta que em sua análise Chalmel usa um conceito lato de infância, uma vez que esse livro de Comenius foi escrito para estudantes alemães aprenderem latim e, por isso, supostamente já passaram pela "escola vernacular", o que significa no esquema comeniano que o livro é dedicado a estudantes que já tem 12 ou mais anos de idade. O quadro de apresentação do livro, publicado originalmente em 1685 em Nuremberg, representa um professor convidando um aluno a adentrar a obra (Figura 3). Chalmel toma esse quadro como "imagem da relação pedagógica" tal como concebida por Comenius no século XVII.

Vale a pena reproduzir a leitura que Chalmel faz desta imagem à luz da pedagogia comeniana:

Sua composição é particularmente representativa do pensamento educativo de Comenius: a aula ocorre no exterior, em contato direto com o meio ambiente natural, um dos três "livros" nos quais o homem é convidado a encontrar seu Criador; o pedagogo e a criança parecem vinculados pela palavra, o discurso do primeiro encarna a sabedoria (lembrança da mão do Cristo, que ensina), o segundo aponta para sua orelha, meio de acesso privilegiado para o saber, junto com a visão e o tato; de ambas as partes, a cena organiza-se numa diagonal que, acompanhando os raios do sol, perpassa a mente do pedagogo e a da criança, indicando claramente a origem divina do saber. Abaixo desta, a luz, a vida, as construções humanas; acima dela, as nuvens, a bruma como tantos sinais de ignorância (Chalmel, 2004, p. 68).

É claro que sua leitura é um ato a posteriori, pois pressupõe um conhecimento aprofundado do pensamento pedagógico de Comenius. É uma interpretação e, ao mesmo tempo, uma tradução da relação educativa ali representada, tal como concebida pelo grande educador morávio. Para mostrar como a representação da relação pedagógica entre professor e aluno reflete a concepção de educação vigente numa determinada época, Chalmel toma o mesmo quadro presente numa edição do Orbis sensualium pictus do século xvin (Figura 4).

Fonte: Comenius (1991, p. 31)

Figura 4 Abertura do Orbis Sensualium Pictus (século XVIII) 

Nessa nova representação, Chalmel vê uma verdadeira deturpação da concepção comeniana a respeito da relação pedagógica:

(...) a aula valida um início de clausura, sendo a natureza relegada ao segundo plano, nitidamente suplantada pela presença maciça de livros (aos quais, por sinal, a criança não parece ter acesso direto), que substituem o sol, fonte da diagonal que dividia a imagem original; a relação entre o adulto e a criança é claramente do tipo dominante-dominado: presença de escadas para se ter acesso ao saber, posição sentada de um pedagogo coroado como um príncipe, função ambígua da bengala que ele segura na mão esquerda (palmatória?), necessidade para a criança de se descobrir e de pedir a palavra... (Chalmel, 2004, p. 69)

Naturalmente, na confecção da estampa original Comenius estava presente e sabe-se inclusive que ele, além de explicar ao gravador o que ele queria, lhe forneceu numerosos esboços das cenas a serem representadas na obra. Quem editou no século XVIII o livro de Comenius, ao procurar adaptar as figuras às concepções educacionais vigentes, inadvertidamente, distorceu de modo grave seu pensamento e isso em um livro nominalmente atribuído a Comenius.

O famoso pedagogo genebrino Édouard Claparède utilizou conscientemente essa mesma imagem para distinguir a concepção de infância de Comenius daquela inspirada pela obra do também genebrino Jean Jacques Rousseau. Ao fundar seu famoso Instituto em Genebra em 1912, Claparède, para acentuar a participação ativa da criança em sua própria aprendizagem, mandou fazer uma estampa invertendo a relação professor/aluno escrevendo nela em latim, "aprenda com a criança, professor" (Figura 5).

Fonte: https://vslibre.wordpress.com/tag/institut-rousseau

Figura 5 Instituto Rousseau 

Podemos também interpretar a figura como mostrando uma relação pedagógica mais igualitária, ao colocar professor e aluno em níveis próximos, favorecendo seu relacionamento e consequentemente, a atividade do jovem. Essa imagem, feita também em alto-relevo, passou a simbolizar o movimento escolanovista impulsionado pelo Instituto suíço ao redor do mundo. Como as pesquisas psicológicas e pedagógicas no Instituto Rousseau eram realizadas majoritariamente com crianças, essa imagem difundiu uma oposição entre as concepções de Comenius e Rousseau a respeito da educação infantil, sendo o primeiro mais diretivo do que o segundo, que valorizaria mais a individualidade da criança. Como mostra o juízo de Piaget anteriormente citado-que também foi diretor do Instituto Rousseau -de como a psicologia do desenvolvimento de Comenius tem sido interpretada, nos parece que essa oposição dicotómica é artificial e foi construída exatamente para favorecer um dos seus termos.

Voltando ao manual de Comenius, consideramos importante frisar que Comenius distingue muito claramente entre a educação doméstica de zero a seis anos e a educação escolar posterior. Embora em ambos os casos, Comenius defende uma educação integral, a educação da criança feita adequadamente pelos pais é mais integral do que aquela que ela receberá na escola, a qual consiste quase que inteiramente em mera instrução. O "mestre das nações" afirmava que toda a vida era uma escola e que a educação do ser humano é permanente, todavia ele distinguia claramente diversas fases ou escolas pelas quais ele passa e que cada uma delas tem as suas especificidades exatamente porque não é o mesmo ser que nelas adentra em cada fase.

Fonte: Arquivo do autor

Figura 6 Chamada do ISCHE26 em 2004  

Referências

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1 Ver como foi a recepção da obra de Comenius no Brasil no início do século XX em Kulesza (2015).

2 Na Didactica Magna ele trata as crianças como "arvorezinhas de Deus" (1976, p.67).

3Ver a respeito Cagnolati (2006).

4Conforme Capková (2007).

5Pensamos aqui no conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal, desenvolvido por Vygotsky (1998, especialmente no capítulo 6).

6No Nouveau Dictionnaire de Pédagogie et D'Instruction Primaire, publicado no início do século XX, Buisson, partidário e propagandista do método intuitivo, fazia a seguinte recomendação do manual de Comenius: Cet intéressant petit traité, encore inconnu en France, mériterait, croyons-nous, d'être traduit: il ferait reconnaitre dans Coménius le véritable prédécesseur de Froebel; car il n'y a pas de doute que le créateur des jardins d'enfants n'ait dû s'inspirer dans la lecture des écrits du pédagogue morave. (1911, p. 328)

Para citar este artículo Kulesza, W. (2021). O manual de Comenius para a educação maternal da infância. Pedagogía y Saberes, (54). https//doi.org/10.17227/pys.num54-11479

Recebido: 13 de Março de 2020; Aceito: 01 de Julho de 2020

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