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Pedagogía y Saberes

versión impresa ISSN 0121-2494

Pedagogía y Saberes  no.56 Bogotá ene./jun. 2022  Epub 28-Sep-2022

https://doi.org/10.17227/pys.num57-13524 

Articulo de investigação

Práticas educativas e o currículo da educação básica no Brasil: desafios para professores(as) dos anos iniciais

Educational Practices and the Curriculum of Basic Education in Brazil: Challenges to Teachers in the Initial Years

Prácticas educativas y currículo de educación básica en Brasil: desafíos para los profesores de los años iniciales

Jane Mery Richter Voigt* 
http://orcid.org/0000-0003-2180-5476

Dilma Alexandre** 
http://orcid.org/0000-0002-7259-9855

Silvia Sell Duarte Pillotto*** 
http://orcid.org/0000-0003-4497-2285

* Pós-Doutora em Ciências da Educação na especialidade Desenvolvimento Curricular pela Universidade do Minho, ÜMINHÜ, Braga, Portugal. E-mail: jane.mery@univille.br.

** Mestre em Educação pela Universidade da Região de Joinville, ÜNIVILLE sc. E-mail: dilma.alexandre@hotmail.com

*** Pós-Doutora no Instituto Estudos da Criança - IEC na Universidade do Minho, UMINHO, Braga/Portugal em 2007/2008. E-mail: pillotto0@gmail.com


Resumo

Este artigo tem como objetivo proporcionar reflexões sobre os desafios de professores (as) dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em relação às suas práticas educativas e curriculares. O referencial teórico da pesquisa contempla estudos sobre o currículo e as práticas educativas. A pesquisa, de abordagem qualitativa, contou com entrevistas com professoras dos anos iniciais de uma escola pública da rede municipal de uma cidade do norte de Santa Catarina - Brasil. Por meio de análise de conteúdo, os resultados ressaltam a necessidade da profissionalização dos professores e de autonomia curricular. Portanto, é preciso uma discussão coletiva de um projeto educacional que partilhe um currículo onde se respeite as diversidades culturais e sociais das crianças, assim como da comunidade.

Palavras-chave: práticas educativas; currículo; anos iniciais; projeto político pedagógico

Abstract

This article provides reflections on teachers' challenges in the initial years of elementary school concerning their teaching and curriculum practices. The theoretical reference of the research includes studies on the curriculum and the teaching practices. The research, with a qualitative approach, consisted of interviews with teachers from the initial years of a teaching institution of the municipal public network of the municipal network in a city in the north of Santa Catarina - Brazil. Through content analysis, the results highlight the need for the professionalization of teachers and curricular autonomy. There is a need for a collective discussion of an educational project that shares a curriculum that respects the cultural and social diversity of children and the community.

Keywords: educational practices; curriculum; fundamental education; political pedagogical Project

Resumen

Este artículo tiene como objetivo brindar reflexiones sobre los desafíos que enfrentan profesoras de los años iniciales de la enseñanza fundamental, con relación a sus prácticas docentes y curriculares. El referente teórico de la investigación incluye estudios^ sobre el currículo y las prácticas educativas. La investigación, de abordaje cualitativo, incluyó entrevistas con profesoras de los años iniciales de una institución de enseñanza de la red pública municipal en una ciudad en el norte de Santa Catarina, Brasil. Por medio del análisis de contenido, los resultados resaltan la necesidad de la profesionalización de las profesoras y la autonomía curricular, en tanto existe la necesidad de una discusión colectiva de un proyecto educativo que comparta un currículo donde se respete la diversidad cultural y social de los niños y de la comunidad.

Palabras clave: prácticas educativas; currículo; enseñanza básica; proyecto político pedagógico

Introdução

As práticas educativas nas escolas de Educação Básica envolvem o processo de ensino e aprendizagem, as condições sociais, históricas e culturais, bem como os anseios dos professores que ao ministrarem suas aulas, reconhecem cada estudante como sujeito de direito e protagonista de sua história.

Essas práticas têm como ponto de partida o currículo prescrito para cada etapa da Educação Básica, que no Brasil é definida pela Lei n2 9.394 de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases - LDB (Ministério da Educação e Cultura do Brasil, 1996) e Base Nacional Comum Curricular - BNCC (Ministério da Educação e Cultura do Brasil, 2018). A Educação Básica no Brasil é obrigatória dos 4 aos 17 anos, contemplando a Educação Infantil (idade de 0 a 5 anos), o Ensino Fundamental (idade de 6 a 14 anos) e o Ensino Médio (idade de15 a 17 anos). O Ensino Fundamental, que vai do 1° ao 9° ano é dividido em anos iniciais, do 1° ao 5° ano, e anos finais, do 6° ao 9° ano.

Os documentos curriculares para a Educação Básica brasileira orientam para uma proposta pedagógica integrada, que envolva as diferentes áreas do conhecimento presentes no currículo. É por meio de suas práticas educativas que os professores interagem com os estudantes, proporcionando condições para a aprendizagem. Dessa forma, a escola é compreendida como espaço social, onde os professores desempenham papel decisivo de mediação, instigando os estudantes na busca do conhecimento.

É nesse sentido que se pode atribuir relevância ao currículo como elemento norteador das práticas educativas. Uma proposta educacional é mediada pelos mecanismos que a definem, representados no currículo e projetos educativos, que devem ser criados coletivamente (Sacristán, 1999). O projeto educativo que articula as práticas na escola é o projeto político pedagógico. Para Gadotti (2016), este documento contempla o que está instituído na escola, sua história, seus currículos, metodologias de ensino, a cultura da comunidade escolar e local, ou seja, características de seus atores internos e externos. A partir disso, busca-se mecanismos que contribuam para enfrentar as necessidades impostas pelas "novas exigências da cidadania e busca de nova identidade de cada escola, pautas de uma sociedade cada vez mais pluralista" (Gadotti, 2016, p. 2).

As transformações na sociedade acarretam mudanças também nas políticas educacionais. Ao pensar nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, faz-se necessário relembrar as mudanças advindas da lei N° 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que altera a redação dos Art. 29, 30, 32 e 87 da Lei no 9.394 de 20 de dezembro de 1996 referente às diretrizes e bases da educação nacional brasileira - DBENB, ampliando de oito para nove anos o Ensino Fundamental e instituindo a matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade.

A partir dessa lei, os estudantes podem ingressar aos cinco anos de idade na Educação Infantil, preparando-se para o ciclo dos três anos de alfabetização. Essa importante mudança curricular passou a exigir novas posturas dos professores diante da complexidade do fenômeno escolar, pois o ingresso com seis anos no Ensino Fundamental faz com que se antecipe o processo de alfabetização, reduzindo práticas lúdicas que são fundamentais para as infâncias.

Nesse contexto observamos, com base nos dados da Secretaria Municipal de Educação da cidade na qual foi realizada a pesquisa e na experiência das pesquisadoras na área da educação, que mesmo com o reforço escolar, recuperação paralela e o envolvimento dos pais e professores, fica evidente a fragilidade do processo de ensino e aprendizagem.

Diante das problemáticas apresentadas e atuais políticas educacionais, nos questionamos sobre os desafios das práticas educativas diante de um currículo que antecipa o processo de alfabetização e que traz novos desafios aos professores que atuam nos Anos Iniciais. Portanto, com base nos resultados de uma pesquisa,1 de abordagem qualitativa, realizada em uma escola municipal pública com professoras dos Anos Iniciais, o objetivo do presente artigo é proporcionar reflexões sobre os desafios dessas professoras dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em relação às suas práticas educativas e curriculares.

Esse artigo foi organizado de modo a apresentar algumas considerações sobre as práticas educativas e curriculares voltadas aos Anos Iniciais. Também serão apresentados os processos metodológicos que destacam a entrevista e sua análise revelando aspectos relevantes a serem repensados.

Práticas Educativas e Curriculares nos Anos Iniciais

Pensar em práticas educativas para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental requer o pensamento voltado ao processo de ensino e aprendizagem nas e para as infâncias. Ao ingressar na escola a criança traz a sua

Este artigo contempla uma investigação concluída, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação, na Universidade da Região de Joinville - Univille, em Joinville - Brasil, pesquisa intitulada Desafios da prática docente: percepções de professoras dos anos iniciais do ensino fundamental da rede pública municipal. E-mail para contato ppge@univille.br

história, seus conhecimentos e suas culturas. Assim cabe aos professores o papel de oportunizá-las, a fim de que se apropriem de novos saberes, construindo outras relações em seus processos de aprendizagem. Além de assegurar a aprendizagem da leitura e da escrita às crianças, o professor em suas práticas educativas, precisa compreender as crianças enquanto sujeitos em processo de formação.

A criança é um ser histórico, cultural e social, inserida na sociedade, na qual se apropria de determinadas culturas. Adquire comportamentos e assim, vai constituindo suas singularidades. Nenhuma criança é igual à outra, cada uma está inserida em um contexto social com acesso ou não aos bens culturais. Segundo Kramer (2007, p. 14):

Numa sociedade desigual, as crianças desempenham, nos diferentes contextos, papéis diferentes. A ideia da infância moderna foi universalizada com base em um padrão de crianças das classes médias, a partir de critérios de idade e de dependência do adulto, característico de sua inserção no interior dessas classes. (Kramer, 2007, p. 14)

Os conhecimentos que as crianças vão se apropriando ao longo das infâncias, da sua vida escolar e de sua trajetória, são frutos das relações sociais estabelecidas. A escola se constitui como um dos espaços importantes das relações sociais e é onde a criança passa boa parte de sua vida. Por essa razão é imprescindível oportunizar o acesso às crianças aos bens culturais e à compreensão e apropriação desses bens, além das oportunidades de interagir, imaginar e expressar-se.

No meio escolar a criança é inserida em processos de comunicação e interação, que segundo Libâneo (2010) lhe permitirão assimilar saberes, desenvolver habilidades, atitudes e valores desse espaço culturalmente organizado. Com isso as crianças aprendem a produzir outros saberes, desenvolvendo novas técnicas e construindo seus próprios valores.

Sendo assim, diante das exigências sociais, a escola tem um papel fundamental nos percursos de formação da criança. Para Libâneo (2011) o papel da escola é insubstituível, uma vez que estabelece o intercâmbio entre a cultura de base em que a criança está inserida e a cultura promovida pela ciência cada vez mais complexa. No espaço escolar, as práticas educativas precisam levar a criança a pensar, contribuindo para que ela se aproprie criticamente da realidade.

Além desses aspectos, é importante lembrar que as crianças precisam ser respeitadas considerando as especificidades das infâncias. Para tal, as práticas educativas devem contemplar atividades que despertem o interesse das crianças, e as levem a buscar informações e transformá-las em conhecimento. Segundo Kramer (2007, p. 20):

É preciso garantir que as crianças sejam atendidas nas suas necessidades (a de aprender e a de brincar) que o trabalho seja planejado e acompanhado por adultos na Educação Infantil e no Ensino Fundamental e que saibamos em ambos, ver, entender e lidar com as crianças como crianças e não apenas como estudantes. (Kramer, 2007, p. 20)

É importante considerar a fase em que as crianças se encontram, respeitando suas peculiaridades e suas características. Além de proporcionar o contato com o mundo letrado, é preciso levar em consideração todas as outras necessidades próprias das infâncias, como: a criação, a imaginação, a brincadeira, dentre outras.

A criança precisa de novos espaços, novos objetos e imagens para aprender a ver sob novos os olhares. Necessita, sobretudo, de ações lúdicas em que o brincar mistura-se com o apropriar, aprender e relacionar-se com o outro e com o entorno. (Pillotto e Bohn, 2014, p. 286)

Estas especificidades das infâncias têm sido objeto de estudo por parte de pesquisadores na área da educação, no sentido de discutir como as instituições educativas podem se organizar para melhor compreender e orientar a criança. Na legislação brasileira, após 2006, com a implantação do Ensino Fundamental de nove anos, houve a ampliação do tempo do ensino obrigatório. Assim, o ingresso da criança passou a ser aos seis anos no Ensino Fundamental e a organização dos três primeiros anos em ciclo nas classes de alfabetização.

Com as mudanças ocorridas no Ensino Fundamental, a organização do currículo precisa considerar as características sociais, culturais e escolares das crianças. Segundo o Ministério da Educação (Ministério da Educação e Cultura do Brasil, 2006), a inclusão das crianças com seis anos de idade no Ensino Fundamental deve ocorrer sem interrupção nos Ciclos das Infâncias. É importante discutir e refletir se realmente as mudanças poderão melhorar o ensino nas escolas, mobilizando os processos de ensinar e aprender, ou se apenas servirão para somente alterar a nomenclatura do último estágio do ensino infantil pelo nome do primeiro ano do Ensino Fundamental.

É função da escola o desenvolvimento do ser humano, oportunizando espaço para que a criança possa realizar atividades significativas, o que muitas vezes requer tempo livre e oportunidades de vivências desvinculadas da lógica de produção. A educação tem uma função social e está inserida numa cultura, que necessita ser construída pela interação entre escola e sociedade, considerando o componente universal e os aspectos regionais e locais (Sacristán, 2013).

É nesse sentido que se atribui relevância ao currículo como elemento norteador das práticas educativas. Sacristán (2013) entende que uma proposta educacional é mediada pelos mecanismos que a definem, representados no currículo e pelos planos educativos, que devem ser criados coletivamente e inseridos num projeto educacional. Na passagem da Educação Infantil para os Anos Iniciais, o projeto da escola e as práticas educativas precisam contemplar os vínculos com a criança, conduzindo-a de maneira segura e confiável para que ela possa perceber gradativamente o sentido que a escola traz para a sua vida.

Para Libâneo (2011, p. 35), a ação docente contempla ideias como "ensinar a pensar" ou do "ensinar a aprender":

A ideia do "ensinar a pensar" ou do "ensinar a aprender" está associada aos esforços dos educadores em promover meios de autossocioconstrução do conhecimento pelos alunos. Muitos alunos desenvolvem, por si próprios, procedimentos alternativos de aprendizagem ou modelos de pensar. Outros, no entanto, têm dificuldades de usar os conceitos, organizar ou reestruturar o pensamento, interpretar textos, adquirir métodos próprios de trabalho. (Libâneo, 2011, p. 35)

Por meio das atividades diárias, a criança vai experimentando, formando novos conceitos e se constituindo como sujeito. Por isso é preciso conhecer a sua realidade, saber quem elas são e de onde vem, onde moram e o que fazem quando não estão na escola. Enfim, é preciso investigar para ter conhecimento sobre aspectos sociais das suas vidas.

Dessa maneira, a escola é um espaço no qual se pode aproximar o conhecimento que a criança traz consigo aos conhecimentos formais inseridos no currículo, que o ensino escolar oferece. O seu saber poderá ser aprimorado e entrelaçado com um saber mais apurado, que o professor oportuniza por meio de suas práticas educativas. Assim, as vivências das crianças na escola:

devem ser permeadas de ações que alimentem o imaginário infantil, mobilizando movimentos de busca e aprendizagens. Implica tempo de espera, de maturação e reflexão. Não acontece imediatamente, pois o tempo linear controlado pelo adulto em suas práticas educativas, nem sempre segue o ritmo do tempo-espera da criança. (Pillotto e Bohn, 2014, p. 289)

O currículo dos Anos Iniciais exige uma intensa articulação entre os conhecimentos escolares, as experiências e vivências das crianças, sempre mediadas pelas práticas educativas. Leite (2012) ressalta que essa articulação curricular é fundamental para favorecer a aprendizagem significativa. Para isso é necessário que se promova a leitura de situações reais, partindo dos conhecimentos de quem está a aprender, permitindo interpretar as situações em qualquer disciplina que esteja estudando. Assim, "a articulação entre conteúdos e a articulação curricular justificar-se-iam, segundo as ideias até aqui sistematizadas, por razões de acesso a modos de apropriação de conhecimentos, mas também de atribuição de sentidos às situações vividas" (Leite, 2012, p. 88). A articulação mencionada pela autora também requer observar que o conhecimento da criança está cada vez mais afetado pelas mudanças tecnológicas, que tem um impacto cada vez maior na educação e na vida cotidiana. E assim, como afirma Libâneo (2011, p. 40) :

Os professores não podem mais ignorar a televisão, o vídeo, o cinema, o computador, o telefone, o fax, que são veículos de informação, de comunicação, de aprendizagem, de lazer, porque há tempos o professor e o livro didático deixaram de ser as únicas fontes do conhecimento. (Libâneo, 2011, p. 40)

Por meio das fontes mencionadas pelo autor são estabelecidas novas relações, gerando novos saberes que precisam ser considerados nas práticas educativas. Essa pluralidade de saberes deve ser contemplada no Projeto Político Pedagógico (ppp) das escolas de Educação Básica. Leite (2012, pp. 89-90) ressalta a importância dessa articulação ao dizer que:

O reconhecimento da importância de projetos que promovam articulações com o local é também realçado pelos educadores que, elegendo como objetivo a configuração e a vivência de um currículo que positivamente responda à multiculturalidade, propõem processos que ultrapassem os limites estruturais dos espaços físicos da instituição escolar e permitam a construção de um conhecimento contextualizado. (Leite, 2012, pp. 89-90)

O projeto político pedagógico da escola é um dos elementos que norteia as práticas educativas que oportunizam à criança construir novos significados nas atividades que desenvolve no contexto escolar. Voigt (2018) defende a ideia de que o Projeto Político Pedagógico dá a possibilidade de a escola e de seus professores desenvolverem uma autonomia curricular. Esse conceito tem como base os estudos de Morgado (2003) ao elencar a autonomia curricular como possibilidade de a escola e os professores tomarem decisões no âmbito do currículo. Refere-se ao respeito à adaptação do currículo, que é nacionalmente prescrito, bem como as necessidades dos estudantes e às especificidades do contexto na qual a escola está inserida. Assim, a autonomia curricular é fundamental para as práticas educativas com as crianças para que seus saberes sejam respeitados e as suas necessidades sejam atendidas.

Veiga (2010) entende que a elaboração, aplicação e avaliação do Projeto Político Pedagógico é uma tarefa da escola, que deve ser desenvolvida de forma democrática, ultrapassando as relações pessoais, no sentido de repensar as relações de poder:

Constituindo-se em processo participativo de decisões, o Projeto Político pedagógico procura instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que desvele os conflitos e as contradições, busque eliminar as relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando pessoal e racionalizado da burocracia e permitindo as relações horizontais no interior da escola. (Veiga, 2010, p. 1)

Dessa forma, a construção de um Projeto Político Pedagógico sugere uma concepção de currículo como instrumento de escolarização, o que demanda diferentes práticas educativas nas diferentes etapas de ensino. Essas práticas podem mobilizar e envolver as crianças em seus processos de aprendizagem.

Aspectos Metodológicos da Pesquisa

Para desvelar aspectos relevantes sobre os desafios das práticas educativas e curriculares nos Anos Iniciais foi realizada uma pesquisa de abordagem qualitativa, fundamental para compreender as percepções dos participantes e contemplar as referências, experiências e valores das pesquisadoras envolvidas no processo da investigação (Gatti e André, 2010).

Esta pesquisa foi realizada com seis professoras que atuavam nos Anos Iniciais em uma escola pública da rede municipal de Educação Básica na região norte de Santa Catarina - Brasil. Nessa escola, apenas mulheres atuavam como professoras, aspecto muito comum na docência da Educação Infantil e dos Anos Iniciais, pois como ressalta Apple (1995), a atividade docente está muito relacionada ao cuidado das crianças e a maternidade. O magistério, historicamente, tem sido definido como trabalho feminino e infelizmente esse cenário ainda está longe de ser modificado, pois é uma dinâmica social, econômica e cultural da sociedade. "A mesma combinação de relações patriarcais e pressões econômicas continua a operar sobre o magistério" (Apple, 1995, p. 67).

As participantes da pesquisa têm formação em Pedagogia e atuavam, no momento da coleta/produção de dados, a mais de 5 anos no magistério e, somente na escola em que foi realizada a pesquisa. Neste texto serão nomeadas como Professora 1, Professora 2 até Professora 6.

Os dados foram produzidos por meio de entrevistas semiestruturadas gravadas em áudio, que foram transcritas e analisadas com base na análise do conteúdo (Bardin, 2009). O roteiro de questões da entrevista versou sobre os desafios que as professoras encontravam em relação às práticas educativas e curriculares nos Anos Iniciais, considerando os processos de aprendizagem dos estudantes e o seu ingresso precoce no Ensino Fundamental.

A análise da transcrição das entrevistas teve critério semântico, o que permitiu estabelecer tendências e padrões nas falas das professoras entrevistadas. Para esse artigo selecionamos três desafios da prática educativa e curricular, são eles: a) buscar formação continuada para atender as demandas das práticas educativas e curriculares com crianças; b) lidar com as diferentes culturas das crianças; c) desenvolver autonomia curricular frente ao currículo prescrito.

As entrevistas se pautaram basicamente no significado dos atores sociais participantes da pesquisa, os quais em seus dizeres exteriorizaram evidências de lacunas sobre as práticas educativas curriculares. Portanto, a análise teve uma interpretação criteriosa, respeitando cada uma das entrevistadas e seus contextos sociais e culturais (Bardin, 2009).

Percepções das Professoras

dos Anos Iniciais

Na fala das professoras identificou-se que ao perceber que nem todas as crianças têm o mesmo desempenho escolar, seja por meio das avaliações ou nas práticas educativas em sala de aula, as professoras falavam em buscar formação continuada e novas formas de trabalhar com as crianças. Seguem alguns excertos: "um profissional que está em constante busca e novos conhecimentos, incentivadora dos alunos [...]" (Professora 2); "busco valorizar-me, estou sempre pesquisando para trazer atividades que venham ao encontro das necessidades dos alunos" (Professora 4).

Considerando que há saberes necessários específicos para a atuação docente nos Anos Iniciais, e um dos espaços no qual se constituem esses saberes são os cursos de Pedagogia, é necessário destacar que a formação inicial precisa oferecer conhecimentos necessários e que gerem uma atitude interativa e dialética. Nesta etapa da Educação Básica, as crianças precisam ser respeitadas considerando as especificidades das infâncias. Para que isso ocorra os professores devem estar preparados para pensar atividades que despertem o interesse e as necessidades das crianças (Kramer, 2007).

Assim a formação inicial pode ainda, apresentar um currículo que contemple experiências interdisciplinares, que deem condições ao futuro professor atuar na escola de Educação Básica (Imbernón, 2010). Entretanto, é preciso considerar que a formação inicial é uma etapa da formação docente, que se constitui num processo permanente.

Os resultados da pesquisa também mostram que frente à complexidade do fenômeno escolar, as professoras sentem necessidade de formação continuada para que possam ampliar seus conhecimentos, e com isso aprimorar suas práticas educativas, assegurando a aprendizagem das crianças, como explicita a Professora 6 ao dizer que "não aceito deixar o aluno sair da sua turma sem aprender nada".

Para Imbernón (2010) a formação inicial fornece as bases para que o sujeito construa o conhecimento pedagógico necessário para ser professor. Além disso é preciso que se construam metodologias capazes de gerar interação, dinamismo e diálogo, e que o professor compreenda que seu percurso formativo se estende ao longo da sua carreira profissional e na relação com as crianças, demais professores da escola e a comunidade em geral.

Ao falar de sua carreira, a Professora 3 diz que é "uma eterna aprendiz, sempre aberta às sugestões, críticas, busca aperfeiçoar-se constantemente". Ao buscar novos conhecimentos, as professoras são desafiadas em seu desenvolvimento profissional, que "pode ser um estímulo para melhorar a prática profissional, convicções e conhecimentos profissionais, com o objetivo de aumentar a qualidade docente" (Imbernón, 2010, p. 49).

Na escola, de acordo com Imbernón (2010), os professores têm a possibilidade de construir um conhecimento profissional coletivo, mediante reflexões e resolução de situações da prática cotidiana, como as vivenciadas pelas professoras participantes dessa pesquisa. Para o autor,

Não podemos entender a formação permanente apenas como atualização científica, pedagógica e cultural do professor, e sim sobretudo como a descoberta da teoria para organizá-la, fundamentá-la, revisá-la e combatê-la, se preciso. Trata-se de remover o sentido pedagógico comum e recompor o equilíbrio entre os esquemas práticos e os esquemas teóricos que os sustentam. (Imbernón, 2010, p. 72)

Ainda para o autor a formação permanente tem em suas bases a reflexão prático-teórica, estendidas às práticas educativas do professor (Imbernón, 2010). Dessa forma a organização escolar pode favorecer um ambiente de trabalho coletivo, abandonando o individualismo da profissão docente e na busca dos saberes docentes. Com isso os professores poderão (re)significar as práticas educativas e curriculares compartilhadas, com vistas a elaboração e desenvolvimento de um projeto educativo comprometido com o contexto de seus estudantes.

Neste sentido, uma formação permanente não se restringe a uma simples reciclagem, mas sobretudo, é entendida como qualificação das práticas educativas do professor e das funções emergentes da escola. Assim, é necessário trabalhar com propostas autônomas e oportunizar a ampliação de conhecimentos e novos conceitos, que venham contribuir com o desenvolvimento do profissional e da instituição escola (Nóvoa, 1999).

Da mesma forma, Marcelo (2009) afirma que a formação permanente se desenvolve ao longo da vida em movimentos contínuos e apropriações de diferentes concepções, saberes, culturas e valores. São ciclos de vida, que considera a trajetória já construída, abrindo-se para novas possibilidades. Logo, o professor vive um processo de desenvolvimento profissional e pessoal, constituído de singularidades, que são agregadas aos processos coletivos.

Outro desafio identificado nas falas das professoras participantes da pesquisa é a sua relação com as crianças de diferentes culturas, especialmente as crianças haitianas e venezuelanas que frequentavam a escola na ocasião. A recente crise humanitária em países como a Venezuela e o Haiti, fizeram com que muitas famílias deixassem seus países e viessem ao Brasil. A cidade em que foi realizada a pesquisa também recebeu um significativo número de imigrantes, entre eles, especialmente as crianças que frequenta-vam as escolas públicas.

Nas entrevistas as professoras mencionaram as dificuldades que encontravam em suas práticas educativas com essas crianças que ainda não tinham o domínio da língua portuguesa e consequentemente, tinham dificuldades na leitura e escrita. Isso pode ser observado na fala da Professora 6:

o aluno apresenta dificuldade na comunicação em razão do seu idioma, mas é uma criança inteligente, sabe ler, reconhece os numerais de 0 até 100. Ele não tem limites, quer brincar o tempo todo, correr dentro e fora da sala de aula. Na disciplina de matemática não se consegue ter uma comunicação para que ele compreenda o processo das operações de adição e subtração.

Analisando essa situação no viés do currículo, podemos dizer que a intenção da professora era o seguir um currículo prescrito, pré-determinado nas diretrizes e em seus planejamentos. Porém, o que de fato ocorre é que o professor precisa compreender o currículo com algo vivo, uma proposta a ser interpretada e desenvolvida de diferentes modos e em diferentes contextos (Morgado, 2005).

Os padrões culturais dominantes, bem como as tendências e valores são desafiados nessa situação. Cada professor procura lidar de forma diferente com essas crianças, a exemplo do que diz a Professora 2: "por meio de diálogo e de uma maneira mais sensível, valorizando a criança nas suas especificidades". Em outro excerto a Professora 5 diz que procura envolver as crianças "por meio de conversas com os alunos sobre respeito, acionando os pais para conversar". Para a Professora 6, "o processo na aprendizagem de leitura foi possível por meio do computador, apresentava a letra, palavra, repetia o som e solicitava a palavra e repetia o som e solicitava ao aluno para que reproduzisse o mesmo aos poucos foi se apropriando da leitura".

A situação vivida nessa escola por essas professoras reflete visões de cultura, escola, ensino e aprendizagem, que para Moreira e Candau (2003, p. 156) muitas vezes não dão conta dos

desafios encontrados em uma sala de aula "invadida" por diferentes grupos sociais e culturais, antes ausentes desse espaço. Não dão conta, acreditamos, do inevitável caráter multicultural das sociedades contemporâneas, nem respondem às contradições e às demandas provocadas pelos processos de globalização econômica e de mundialização da cultura. (Moreira e Candau, 2003, p. 156)

Não podemos inferir se as práticas das professoras participantes dessa pesquisa dão conta dessas situações, mas as falas nos indicam alguns indícios de que há uma mobilização para integrar essas crianças na escola. Os autores supracitados, em suas pesquisas, também perceberam que mesmo expressando dificuldades, as professoras têm realizado muitas experiências com o propósito de "transcender o pluralismo 'benigno' de visões correntes de multiculturalismo e a afirmar as vozes e os pontos de vista de minorias étnicas e raciais marginalizadas e de homens e mulheres das camadas populares" (Moreira e Candau, 2003, p. 156). Nessa mesma direção, Pillotto e Voigt (2016, p. 14) comentam que

Isso significa, por parte do professor, um olhar apurado sobre aqueles conhecimentos e saberes trazidos pelos estudantes e o que é necessário que eles aprendam para além desses saberes, que poderão melhor qualificar suas vidas. Em outras palavras, ... é preciso refletir sobre as contribuições desse processo para o gerenciamento de vida dos estudantes e qual o sentido do que aprendem para os desdobramentos de suas vidas no campo pessoal, profissional e, sobretudo, afetivo. (Pillotto e Voigt, 2016, p. 14)

Para reiterar esse pensamento nos ancoramos em Freire (2016), que defende a ideia de que a educação tem múltiplos sentidos, repletos de histórias e significados. O professor precisa levar em conta a bagagem pessoal do estudante quando este chega à escola. Assim, Freire (2016, p. 32) sugere: "por que não estabelecer uma 'intimidade' entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?".

Em suas práticas, cabe também aos professores valorizar as diferentes manifestações culturais, partindo do interesse e conhecimento das crianças, ampliando-os e executando-os por meio de projetos de trabalhos interdisciplinares. Além disso, é preciso pensar na educação como espaço de humanização e de luta contra as desigualdades. Para Freire (2016, p. 26),

quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética, e ética, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade. (Freire, 2016, p. 26)

Neste sentido, um projeto educativo emancipatório se pauta também nos conteúdos, objetos de estudo nas escolas, que são parte integrante de um currículo. Conforme Sacristán (2013), o currículo, oriundo das políticas educacionais, tem a função reguladora dos conteúdos a serem ensinados e das práticas educativas. Porém, nem sempre o currículo escolar contempla conhecimentos que atendam às necessidades afetivas, sociais e culturais das crianças.

Por essa razão, o professor, ao fazer escolhas, requer alguma autonomia para decidir não apenas as metodologias, mas também o que deve ser ensinado para as crianças. Isso pode ser percebido nas seguintes falas: "alguns conteúdos deveriam ser organizados e compactados para não ser repetitivo" (Professora 5); 'A disciplina de filosofia deveria ter uma carga horária maior" (Professora 6).

Na análise referente as entrevistas das professoras verificaram-se que elas percebem a necessidade de mudanças curriculares, especialmente porque nem sempre o currículo prescrito pelos documentos oficiais atende às necessidades das crianças. Sobre as mudanças curriculares, Morgado (2011) alerta sobre a exigência de uma nova relação entre os sistemas educativos e a sociedade. Para o autor, hoje com a complexidade da trama social e as tensões oriundas das mudanças sociais, econômicas, tecnológicas, nos deparamos com a urgência de tratar as diferenças de outra forma. Isso exige uma descentralização das decisões curriculares, para que estas não fiquem apenas centrados nos órgãos reguladores de políticas educacionais, mas que as escolas e os professores passem a ter autonomia curricular. Essas mudanças implicam numa nova forma de compreender as práticas educativas e os processos de aprendizagem na escola.

Com base no que dizem as professoras 5 e 6 ao dizer que "a escola deve oportunizar momentos para debates, estudos e reflexões sobre o ppp". As professoras ressaltam a necessidade de discutir e refletir sobre o currículo previsto no projeto da escola. Contudo, a instituição não tem autonomia para modificar os componentes curriculares ou os conteúdos mínimos de cada disciplina. Essa situação implica num grande desafio para as professoras que de forma coletiva poderiam tomar decisões imprescindíveis para o processo de ensino e aprendizagem. Essas decisões envolvem: o que, quem, quando e como ensinar e avaliar.

Com isso é possível mobilizar os professores em torno dos objetivos de cada área do saber, entendidos também como "capacidades, atitudes e competências a desenvolver pelos estudantes, bem como dos modelos metodológicos que devem presidir ao desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem" (Morgado, 2011, p. 397). Além desses aspectos, a participação dos professores na elaboração do projeto também faz com que a escola se torne um local de reconstrução do currículo e não apenas o de implementação de algo prescrito.

Ao falar sobre o currículo dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, todas as professoras entrevistadas utilizam a palavra 'base' para dizer que essa fase constitui numa preparação para as demais, como podemos observar nas considerações: "É a base, no entanto todo o processo já inicia na educação infantil, respeitando cada fase da infância, estimulação e cuidar, trabalhar com lúdico sem queimar etapas ou exigir o que não corresponde naquela fase" (Professora 1). "É a base e tudo, momento em que se prepara o aluno para dar continuidade do processo de aprendizagem" (Professora 4). "É o começo de todo o processo da aprendizagem, a base" (Professora 3). "É a base do conhecimento, processo inicial de ensino e aprendizagem" (Professora 5) (grifo nosso).

Essa preparação da criança para a fase seguinte de escolarização é necessária, porém, não pode ser a única função do currículo. O currículo é algo vivo, se materializa nas práticas educativas e para isso não existem, como afirmam Pillotto e Voigt (2016, p. 15),

[...] fórmulas mágicas que apontem caminhos certos e definitivos. Existe sim uma vontade imensa de acertar o passo, mesmo no descompasso. Nesses caminhos existem variáveis: sistemas educativos, concepções apropriadas por redes de ensino e escolas, leis que tramitem, documentos e políticas públicas que direta ou indiretamente podem interferir em nossas práticas educativas. (Pillotto e Voigt, 2016, p. 15)

Para Kramer etal. (2011, p.78) sugerem algumas prioridades para as práticas educativas, dentre as diversas alternativas curriculares para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental, "que considerem as crianças como sujeitos de cultura, pessoas de pouca idade, cidadãos de direitos". Para as autoras, as práticas educativas com crianças devem:

[...] ampliar a experiência estética com música, artes plásticas, cinema, fotografia, dança, teatro, literatura, diversificando as atividades das crianças com a leitura e a escrita como narrativa, a apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, o convívio, repetimos, com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos. (Kramer et al., 2011, p. 80)

Assim, para que o currículo dos Anos Iniciais contemple esses conhecimentos, o desafio para os professores é, por meio da autonomia curricular, com base nos currículos prescritos, participar da elaboração de um Projeto Político Pedagógico que traga essas experiências articuladas com os conhecimentos obrigatórios que já constam nos currículos prescritos pelas políticas educacionais.

Considerações Finais

Nesse artigo foram apresentadas algumas reflexões sobre as percepções de professoras dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, que atuam numa escola pública municipal, em relação aos desafios que se apresentam em suas práticas educativas e curriculares nessa fase da escolaridade.

A análise dos dados revelou que há muitas situações no cotidiano da escola, em meio as práticas educativas, que levam as professoras a perceber que a formação continuada é fundamental para o seu desenvolvimento profissional, uma vez que a formação inicial não é suficiente para abarcar todas os saberes. Essa consciência também é reveladora de que o currículo dos Anos Iniciais deve contemplar demandas que vão muito além da leitura e escrita, em seu sentido restrito. Por isso, o professor deve buscar a formação continuada ao longo de toda a sua trajetória como docente.

A busca pela formação também está relacionada aos desafios de ensinar com crianças imigrantes, como as venezuelanas e haitianas, que ainda não dominam a língua portuguesa e trazem uma bagagem cultural diferente das brasileiras. Essas questões têm afetado à docência, pois as políticas educacionais ainda são muito escassas e, as condições das escolas, precárias no sentido de apoiar as crianças e também os professores. Mesmo diante dessa realidade, o mundo está cada vez mais plural e sem fronteiras, o que possibilita a apreensão de novos saberes das práticas educativas e curriculares.

Outro aspecto discutido na pesquisa foi a autonomia curricular da escola e do professor. Mesmo que as políticas educacionais tragam princípios de descentralização, o currículo continua prescritivo e o professor ainda não se percebe inserido na discussão do Projeto Político Pedagógico da escola como decisor curricular. Para Morgado (2011), ao considerar a importância currículo como um projeto, havia a possibilidade de construir intenções, pensadas de forma colegiadas, sempre permeadas pelas tensões e contradições necessárias e pertinentes ao processo. Só assim seria possível eleger linhas de ação responsáveis pela condução dos processos educativos.

Também a formação permanente dos professores teve importante espaço na análise das entrevistas, uma vez que conhecer suas necessidades de formação numa abordagem qualitativa e narrativa, apontou suas dificuldades e desafios como professores. Ficou evidente a necessidade da formação permanente, tendo em vista que esta é o prolongamento da formação inicial e o aperfeiçoamento teórico e prático. O exercício profissional é fundamental se faz permanente e se (re)significa na ação e nas trocas de experiências.

Freire (1998) reitera em sua obra que a formação não se reduz ao acúmulo de conhecimentos, mas especialmente as conquistas construídas por meio da leitura e interpretação de livros, do diálogo entre professores, dos estudantes, da internet, entre outros.

Nessa perspectiva Nóvoa (1999) entende a formação permanente como processo crítico-reflexivo do saber docente. As entrevistas evidenciaram essas pistas, pois as falas, mesmo que de modo implícito apontaram a importância do aspecto político emancipatório e do papel ativo do professor. Ou seja, para que se efetive uma formação permanente é imprescindível que se compreenda o professor e os estudante como sujeitos históricos, sociais, políticos e culturais.

Diante das reflexões propostas, acreditamos que os professores podem ser considerados agentes de mudança e, para isso, necessitam de formação continuada, para que possam refletir coletivamente sobre as suas práticas educativas e curriculares, sobre os cotidianos escolares e sobre o que fazer para se concretizar um ideal de justiça e equidade social

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Para citar este artículo: Voigt, J. M. R., Alexandre, D. y Pillotto, S. S. D. (2022). Práticas educativas e o currículo da educação básica no Brasil: desafios para professores(as) dos anos iniciais. Pedagogía y Saberes, (57), 131-142. https://doi.org/10.17227/pys.num57-13524

Recebido: 15 de Março de 2021; Aceito: 13 de Agosto de 2021

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