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Investigación y Desarrollo

Print version ISSN 0121-3261On-line version ISSN 2011-7574

Investig. desarro. vol.18 no.2 Barranquilla July/Dec. 2010

 

Desigualdades, exclusões e engenharia social:
a proposta do "relatório de desenvolvimento humano
(RDH/PNUD/ONU), de 2004"

Inequalities, Exclusions and Social Egineering:
the "Human Development Report
(HDR/UNDP/UNO)Proposal of 2004"

Desigualdades, exclusión e ingeniería social: la propuesta del "Informe
de Desarrollo Humano de las Naciones Unidas de 2004"

María José de Rezende
Universidade Estadual de Londrina, Brasil
Ph.D. Universidade Estadual de Londrina, Brasil.

Fecha de recepción: agosto 11 de 2010
Fecha de aceptación: octubre 15 de 2010


RESUMO

Neste artigo, refletir-se-á sobre as propostas feitas pelo "Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH/PNUD/ONU) de 2004" -aos governantes, lideranças políticas, técnicos e líderes da sociedade civil— para promover um desenvolvimento humano capaz de combater as exclusões assentadas em motivos étnicos, raciais, religiosos, culturais e de gênero. O documento ora analisado traz à tona muitos desafios postos aos processos de mudanças desencadeados no limiar do século XXI. Verificar-se-á como são construídas as propostas de geração de uma democracia multicultural como fator, por excelência, de fortalecimento dessa forma de desenvolvimento humano proposta pelas Nações Unidas. Detecta-se que há, no interior dos Rdhs, a geração de uma nova modalidade de engenharia social que pressupõe a corresponsabilização de uma multiplicidade de agentes que deveriam empenhar-se na construção de uma teia maior de oportunidades aos diversos segmentos sociais.

Palavras Chaves: Engenharia social, democracia, desenvolvimento humano, desigualdades.


ABSTRACT

In this article there will be a reflection on the proposals provided by the hdR/ UNDP/UNO of 2004 -to leaders, political leaderships, technicians and civil society leaders- to promote a human development that is capable of fighting exclusions based on ethnic, racial, religious, cultural and gender reasons. The document that was analyzed give rise to several challenges imposed to the change processes that were triggered in the threshold of the XXI century. It will be verified how the development proposals of a multicultural democracy are built, as a strengthening factor of this human development way proposed by the United Nations. It is observed that there is, within the HdRs, the development of a new model of social engineering that presupposes the coresponsabilization of a multiplicity of agents that should do their utmost in the construction of a bigger web of opportunities to several social segments.

Keywords: Social engineering, democracy, human development, inequalities.


RESUMEN

Las propuestas de acciones que están contenidas en el "Informe de Desarrollo Humano (RDHs/PNUD/ONU), de 2004", han reforzado un conjunto de medidas que se encuadran como un trabajo de ingeniería social. Ello puede constatarse por la búsqueda de un cálculo que sea capaz de prever los desdoblamientos de todas las acciones involucradas en la construcción de una democracia multicultural. A través de una investigación documental, el informe de 2004 es tomado como parte de un contexto social, económico y político, permitiendo comprender los significados de las propuestas que contiene. De esa manera, con este análisis se demostrará que existe una dificultad, por parte de los técnicos encargados de la elaboración de los RDHs, al enfrentar los anacronismos institucionales, la concentración de renta y de poder, resultantes de la globalización en curso, y los obstáculos estructurales que minan la posibilidad de cambios substanciales.

Palabras clave: Ingeniería social, democracia, desarrollo humano, desigualdades.


INTRODUÇÃO

A finalidade deste artigo é demonstrar que as propostas de ações contidas no interior dos Relatórios do Desenvolvimento Humano (RDHs/PNUD/ONU) têm reforçado um conjunto de medidas que se enquadram como um trabalho de engenharia social. O que pode ser constatado pela busca de um cálculo que seja capaz de prever os desdobramentos de todas as ações envolvidas na construção de uma democracia multicultural. Através de uma pesquisa documental, o relatório, de 2004, está sendo tomado como parte de um contexto social, econômico e político que possibilita compreender os significados das propostas geradas no seu interior. Assim, esta análise demonstrará que há uma constante tentativa, por parte dos técnicos encarregados da feitura dos RDHs, de não enfrentar os anacronismos institucionais, a concentração da renda e do poder advindas da globalização em curso, os entraves estruturais que minam a possibilidade de mudanças substantivas e os bloqueios mais recentes à expansão de uma ação política, de fato, capaz de questionar às estruturas de poder atuais.

Objetiva-se retomar um debate que tem estado presente nas Nações Unidas desde a década de 1950 acerca da definição de estratégias de ações que sejam capazes de lidar com a imprevisibilidade decorrente dos processos de mudança. A oposição entre planejamento democrático e engenharia social, na década de 1950, continha no seu âmago uma disputa política de grande envergadura: a de que as energias sociais pró-mudanças deveriam ser incentivadas, mas não controladas e a de que deveriam ser incentivadas, porém controladas dentro de alguns contornos definidos por técnicos, governantes, gestores, administradores e outras lideranças. Nos relatórios (PNUD/ONU, 2001; PNUD/ONU, 2002; PNUD/ONU, 2003; PNUD/ONU, 2004; PNUD/ONU, 2005 a, 2005 b; PNUD/ONU, 2006 a, 2006 b) produzidos desde o início da década de 2000 1 após a Declaração do Milênio 2 das Nações Unidas (2000), há uma diluição maior desses controles, porém, o Estado é chamado a exercer um papel-chave na definição de estratégias capazes de circunscrever as mudanças dentro de alguns parâmetros considerados aceitáveis pelos organismos internacionais.

Colocam-se, então, os seguintes problemas sociológicos: Quais são as implicações sociais e políticas da elaboração de propostas fundadas numa perspectiva de engenharia social que põe como objetivo tanto o envolvimento de uma multiplicidade de agentes corresponsáveis pela geração de uma democracia multicultural, quanto a responsabilização do Estado como lócus privilegiado da implementação de formas de gerir e controlar tais mudanças sociais? Pergunta-se o seguinte: Não há uma tentativa de calcular excessivamente tanto os processos quanto os resultados das mudanças que visam alcançar o desenvolvimento humano?

1. POR QUE O RDH/2004 SUGERE AÇÕES QUE SE DEFINEM COMO UMA FORMA DE ENGENHARIA SOCIAL?

As propostas de ações contidas no "Relatório do Desenvolvimento Humano, de 2004", podem, sem sombra de dúvida, ser consideradas como obras de engenharia social. Isto porque há uma tentativa de circunscrever as ações do Estado, dos governantes, dos técnicos e administradores e da sociedade civil a algo que se define, a priori, como o único caminho possível. Desde a década de 1950, pode ser verificado no interior das Nações Unidas, entre os seus técnicos graduados, um embate em torno de dois encaminhamentos políticos distintos: aquele que defendia a elaboração de um planejamento democrático capaz tanto de operar mudanças na estrutura social quanto de potencializar as ações políticas dos múltiplos segmentos sociais; e aquele que está voltado, com maior ênfase, para trabalhos de engenharia social que se ocupam de fixar mecanismos de controle, pelo Estado, governantes e, até mesmo, pela sociedade civil, para todo o processo de mudança social em curso.

As análises das ações de Celso Furtado (1992), Josué de Castro (1959; 1968), Gunnar Myrdal (1960, 1967), entre outros, podem fornecer elementos para se compreender como se processaram, desde a década de 1950, no interior da ONU, uma disputa política relevante entre os defensores e críticos das ações que podem ser caracterizadas como uma obra de engenharia social. Celso Furtado, em "Brasil: a construção interrompida" (1992), afirma:

[Empenhei-me] desde a época em que trabalhei na Cepal [Comissão Econômica para América Latina] nos anos 50, em elaborar uma técnica de planejamento econômico que viabilizasse com mínimo custo social a superação do subdesenvolvimento. Essa técnica objetivava modificar estruturas bloqueadoras da dinâmica socioeconómica, tais como o latifundismo, o corporativismo, a canalização inadequada da poupança, o desperdício desta em formas abusivas de consumo e sua drenagem para o exterior. As modificações estruturais deveriam ser vistas como um processo liberador de energias criativas, e não como um trabalho de engenharia social em que tudo está previamente estabelecido. Seu objetivo seria remover os entraves à ação criativa do homem, a qual, nas condições do subdesenvolvimento, está caracterizada por anacronismos institucionais e por amarras de dependência externa (Furtado, 1992, p. 75).

Josué de Castro (1959; 1968), à frente da fao/ONU (Food and Agriculture Organization), também na década de 1950, fazia críticas a algumas propostas que se encaixavam na perspectiva de engenharia social, as quais visavam alcançar um desenvolvimento humano sem o desencadeamento de ações e de pressões sobre os governantes, instituições políticas e organizações internacionais. Toda ação política em favor de melhorias sociais deveria suscitar enfrentamentos a serem respondidos, pelos dirigentes, de forma democrática. A expansão das demandas sociais deveria, segundo ele, ser tomada como um ponto de partida das ações futuras de todos os setores sociais (governamentais, sociedade civil, Estado, técnicos, lideranças políticas à frente das instituições, etc.) e não como algo que teria de ser controlado por ações tecnocráticas daqueles que estavam à frente do Estado.

Josué de Castro (1959; 1968) considerava que os engenheiros sociais tendiam a deslocar as ações para âmbitos que podiam ser facilmente controlados no que diz respeito aos resultados. Como exemplo, ele mencionava as propostas de combate à fome e à miserabilidade. Para aqueles que advogavam rigidez e controle nas ações, as propostas giravam sempre em torno não da distribuição de rendas e de recursos, mas sim em torno do controle das taxas de nascimento. Os neomalthusianos (Vogt, 1951; Osborn,1965) eram tipos de engenheiros sociais que elaboravam uma teoria culpabilizadora dos próprios pobres pela pobreza.

A engenharia social lança, muitas vezes, um olhar fatalista sobre a vida social. Daí a obsessão pelo controle das mudanças que podem levar a caminhos não imaginados. Não se deve supor que os métodos de ação assim denominados sejam sempre de caráter autoritário e conservador. Há, também, no interior do pensamento progressista formas de aproximações diversas com tal proposta de ação. No interior das Nações Unidas, Gunnar Myrdal (1960, 1967) pode ser definido como um técnico propenso a defender ações que se enquadram como uma engenharia social progressista e, até mesmo, utópica 3. O modo como ele se aproximou dos debates acerca do planejamento familiar, nos anos 60s do século passado, pode ser tomado como exemplo disso.

No final dos anos 1950s, os dirigentes da rede radiofônica australiana tentavam aparentemente dissuadir Gunnar Myrdal de abordar o tema do controle da natalidade na Ásia do Sul em uma conferência pública pelo rádio, Myrdal (...) era ao mesmo tempo o mais brilhante, o mais cosmopolita e a quintessência dos secularizados engenheiros sociais protestantes escandinavos (Therborn, 2006, p. 398).

Na Suécia, Gunnar Myrdal e sua esposa Alva Myrdal tinham se destacado em defesa da maternidade voluntária em oposição a uma ideia corrente na década de 30, do século XX, sobre a geração de uma série de incentivos, por parte do Estado, para que as mulheres fossem estimuladas a ter filhos. Isso era tido como uma forma de combater a diminuição das taxas de nascimentos naquele país. Carlos Aurélio Pimenta de Faria (1997, p. 81) faz a seguinte afirmação:

(...) Os Myrdal derivaram proposições radicais do conceito de maternidade voluntária. [Segundo eles] as medidas assistencia-listas e setorializadas deveriam ser substituídas por mecanismos redistributivos efetivos. Certamente, a maternidade voluntária iria demandar a implementação tanto de medidas sociais quanto educacionais, e os direitos, necessidades e expectativas pessoais deveriam estar em sintonia com os objetivos sociais mais abrangentes, fossem eles quantitativos ou qualitativos (Pimenta de Faria, 1997, p. 81).

Note-se que existem muitas formas de engenharia social e não apenas uma. Quando Goran Therborn (2006) afirma que Gunnar Myrdal era um dos mais brilhantes engenheiros sociais, ele tinha em conta o grau de sofisticação de suas propostas de ação para redefinir as ações do Estado em favor dos interesses coletivos. Myrdal supunha que, uma vez desfechados processos de mudanças com direcionamentos bens calculados e bem definidos, ocorreriam modificações em cadeias em todas as esferas sociais. Veja-se a sua fala seguinte:

Quando todo o sistema começa a mover-se, depois desse choque (intervenção externa, governamental, por exemplo), as mudanças que se operam nas forças atuam na mesma direção (...). Isto ocorre porque as variáveis entrelaçam de tal sorte, em processo de causação circular, que a mudança em qualquer delas provoca alteração nas outras, estas fortificam as primeiras, seguindo-se efeitos terciários sobre aquela primeira variável afetada, e assim sucessivamente (Myrdal, 1969, p. 40).

As referências a Myrdal, como propositor de um tipo de engenharia social, devem-se à necessidade de assinalar a existência de diversas correntes teórico-políticas que se enquadram como tais. Há um amplo leque de ações propositivas que podem ser definidas como uma das muitas roupagens que a engenharia social pode assumir.

Quando se está afirmando que há uma perspectiva de mudança social nos RDHs, que se definem como engenharia social, tem-se em mente que esta última possui muitas ramificações e que elas são multivariadas. Assemelham-se em alguns aspectos e se distanciam inteiramente em outros. Todavia, pode-se dizer que na sua forma mais clássica temos duas grandes correntes propositivas que podem ser definidas como engenharia social. Uma elaborada por setores progressistas que elegiam o Estado como lócus por excelência de mudança minuciosamente planejada. Porém, dava-se um papel importante às demandas sociais oriundas dos diversos segmentos sociais. Tais demandas deveriam ser tratadas democraticamente como forma de gerar as condições de mudanças capazes de incorporar uma gama cada vez maior de reivindicação social.

Contudo, há ainda um segundo conjunto de proposições que se enquadram dentro das ações denominadas de engenharia social, as quais podem também estar alinhadas às visões tecnocráticas e autoritárias. Neste caso, os governantes, técnicos, funcionários públicos, etc. arrogam-se a tarefa de operar toda e qualquer mudança, não sendo aceitáveis intervenções dos diversos grupos sociais, já que eles são tidos como incapazes de formular demandas exequíveis e viáveis. Os tecnoburocratas brasileiros do período de 1964 a 1985 podem ser tomados como exemplo de formuladores de políticas de intervenção social que se enquadravam dentro dessa perspectiva autoritária de engenharia social. Sônia Draibe (1994) mostrou como se operou, nesse período, todo esse processo em seus múltiplos desdobramentos.

Todavia, as propostas de engenharia social contidas nos RDHs não se assemelham a nenhuma dessas duas propostas clássicas. Elas têm um caráter diferente, ou seja, foram redefinidas em razão das próprias condições vigentes no limiar do século XXI e em vista do tipo de ação que os problemas atuais demandam de um organismo internacional como as Nações Unidas. São propostas de ações que distribuem responsabilidades para uma gama enorme de agentes (governantes, lideranças da sociedade civil, técnicos, voluntariado, organizações não-governamentais), mas o Estado tem peso maior como gestor, fiscalizador e implementador de várias políticas. Como as propostas não se pautam em modificações estruturais, tem-se, nos relatórios, o cuidado para circunscrever as ações a algo previamente definido como o único caminho possível.

É uma proposta que se encaixa como engenharia social porque se pauta num empenho constante, por parte de seus formuladores, para encontrar formas de balizamento das múltiplas ações derivadas do processo de mudança sugerido nos RDHs. Não se verifica preocupação com a remoção «dos entraves à ação criativa» (Furtado, 1992, p. 75), constata-se sim uma intenção de ir tecendo um corpo de atividades, ações, políticas que vão resolvendo paulatinamente aqueles problemas indicadores de geração de conflitos, lutas, embates, violências, etc. As desigualdades econômicas, sociais, políticas, culturais devem ser combatidas através de um corpo de ações que vão gerando ajustes e melhorias, o que leva o relatório de 2004 a dar ênfase à ampliação das oportunidades sociais.

As propostas de intervenção social sugeridas pelo RDH/2004 enquadram-se inteiramente dentro do que Gilberto Freyre (1987) denominava de engenharia social4. Segundo ele, esta última não se confunde com ações de reforma social e/ou de assistência social. «A engenharia social5. lidando principalmente com estruturas mais do que com funções [...] preocupa-se mais com a criação de novas formas e de novos estilos de convivência social do que com a adaptação do comportamento de um grupo social a normas pré-fabricadas de convivência» (Freyre, 1987, p. 12).

Ao correlacionar o desenvolvimento humano à diversidade e à liberdade cultural, o RDH/2004, ao longo de seus diversos capítulos, sugere muitas ações (tais como políticas afirmativas, políticas de valorização da diversidade e da liberdade cultural, política de ampliação das oportunidades sociais de indivíduos excluídos por motivos étnicos, raciais ou de gênero, entre outras) para tornar a convivência social não-perpetuadora de exclusões e conflitos. Em diversos momentos, do relatório, mas principalmente no capítulo 3, que se intitula "Construir democracias multiculturais", há uma insistência na necessidade de os Estados nacionais envidarem esforços para construir um processo de harmonização das diferenças, das disputas e dos conflitos.

2. CRIANDO UMA AGENDA DE INTERVENÇÕES E CONTROLES SOBRE O PROCESSO DE MUDANÇA

As propostas, contidas no "Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), de 2004", de geração de uma agenda de mudanças —as quais visam fazer avançar o cumprimento dos "Objetivos do Desenvolvimento do Milênio" das Nações Unidas (odms)— enquadram-se como uma forma de engenharia social porque se dedica inteiramente a identificar quais são os problemas mais candentes do mundo atual e quais são também os remédios que devem ser-lhes aplicados. Os estados nacionais devem, assim, juntamente com outros agentes (sociedade civil, ongs, voluntariado) criar uma agenda de ações capazes de desarmar os conflitos oriundos tanto das condições culturais, quanto das econômicas e políticas. O grande objetivo da valorização da diversidade cultural, étnica e racial, da geração de oportunidades e da impulsão de uma democracia multicultural é o apaziguamento social.

É uma forma de engenharia social reelaborada em razão dos desafios postos no limiar do século XXI. A incorporação de vários agentes na definição da agenda de ações que devem ajudar a construir uma sociedade mais democrática e inclusiva é, de fato, uma exigência da conjuntura política, hoje. É interessante notar que, como toda proposta que se inscreve dentro dessa perspectiva, há uma intenção de controlar os processos de mudança para evitar todas as imprevisibilidades contidas nas ações futuras. O RDH/2004 parece tatear em busca de um envolvimento cada vez maior de inúmeros agentes que devem, cada qual, desenvolver mecanismos de controle das mudanças que urgem para tornar possível o cumprimento da "Declaração do Milênio" (ONU, 2000).

Há uma corresponsabilização de diversos grupos tanto na construção da agenda quanto no controle das mudanças em curso. Há elementos positivos e negativos nessa proposta que incorpora demandas formuladas, na segunda metade do século XX, pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Porém, há também alguns elementos incômodos que vêm à tona no relatório, os quais estão relacionados a uma tentativa de definir previamente todos os caminhos e percursos que com as mudanças devem ser seguidos. Isso é negativo uma vez que se supõe um engessamento da participação política e das políticas públicas que visam reparar as exclusões (PNUD/ONU, 2004, p. 50).

Observe-se que o documento insiste muito na ideia de reparação das exclusões econômicas, políticas e culturais. Ao circunscreverem-se as ações neste âmbito desfaz-se a possibilidade de uma politização do debate acerca da formulação de políticas públicas universais que lidariam com processos de desconcentração da renda. O caminho indicado pelo Rdh/2004 passa a ser, então, o de geração de políticas que resolvam os problemas emergenciais e focalizados em alguns grupos específicos, o que não significa que não haja uma reflexão acerca do modo como as soluções pontuais se inserem na sociedade como um todo. Mas há, muitas vezes, críticas às ações que possuem caráter mais universal. Ao propor políticas para garantir a participação de grupos excluídos por razões culturais, étnicas, raciais e religiosas, o RDH/2004 insiste que a reparação da exclusão dos «grupos marginalizados exige mais do que prover as suas liberdades cívicas e políticas através de instrumentos de democracia majoritária e de políticas socioeconômicas equitativas» (PNUD/ONU, 2004, p. 50).

Não se deve supor que o documento esteja desprezando a democracia representativa, pelo contrário, ele faz elogios a esta última e insiste que pretende aperfeiçoar essa forma de democracia liberal através da conciliação política que pode, muitas vezes, «moderar as fontes de conflito» (PNUD/ONU, 2004, p. 74). Uma das formas de amainar as disputas e as violências entre grupos seria a implantação, em muitas nações que não se organizam dessa forma, do federalismo, o qual é mais adequado à consecução de uma democracia multicultural fornecedora de «mecanismos eficazes de partilha do poder entre grupos culturalmente diferentes» (PNUD/ONU, 2004, p. 50).

Percorre todo o relatório a feitura de propostas que combinam novos arranjos democráticos e novos arranjos culturais. As consociações, instrumentos para garantir a participação de diversos grupos, tornam-se centrais nas propostas de mudanças defendidas pelos preparadores do documento em análise. Isso porque elas se «baseiam no princípio da proporcionalidade: a composição étnica ou cultural da sociedade é espelhada proporcionalmente nas instituições do Estado» (PNUD/ONU, 2004, p. 51).

Não há dúvida que o documento procura fazer um movimento que vai dos grupos específicos, em geral excluídos das possibilidades de ter as suas demandas contempladas, até as instituições políticas geralmente controladas por alguns segmentos que detêm capacidade de mando e de decisão. Suas críticas são endereçadas àquelas suposições de que bastam medidas genéricas (por exemplo, o fortalecimento de democracias maioritárias) para garantir a inclusão dos setores repelidos por motivos diversos (étnico, racial, religioso, cultural, econômico, etc.). Os regimes que se definem genericamente como democráticos —mas que não abrem espaços para a inclusão dos vários grupos sociais— acabam instrumentalizando estados que ignoram, continuamente, as demandas dos segmentos mais frágeis, politicamente. O RDH/2004 dá vários exemplos das dificuldades dos povos indígenas para fazer valer suas reivindicações. Isso ocorre em várias partes do mundo. Evitar o domínio de grupos maioritários é o objetivo dos mecanismos de consociação.

Do ponto de vista constitucional, medidas que privilegiem as minorias em processos eleitorais levantam questões de igualdade de tratamento. Mas as minorias pequenas e disseminadas não têm nenhuma possibilidade de estar representadas em democracias maioritárias sem ajuda. A partilha do poder executivo pode proteger os seus interesses. A proporcionalidade em tais arranjos políticos e executivos espelha a composição diversificada da sociedade nas suas instituições estatais. Belize, Guiana, Suriname e Trindade e Tobago usam, há muito, mecanismos de partilha de poder para resolver divisões raciais e étnicas, com diferentes graus de êxito (PNUD/ONU, 2004, p. 53).

O relatório, às vezes, otimiza, de modo exagerado, algumas ações que visam a valorização das demandas dos grupos excluídos. No entanto, é positivo o modo como ele não deixa de ressaltar a complexidade das muitas experiências que tentam construir medidas de fortalecimento político dos segmentos que não possuem voz no interior de um dado sistema político. O grande desafio é desmontar, cotidianamente, as muitas formas de sabotar —as quais estão sedimentadas nas relações sociais— o potencial dos grupos excluídos da arena política.

Entre as propostas de consociação defendidas pelo RDH/2004 está a representação proporcional. Ou seja, todos os grupos devem ser representados de acordo com o número de pessoas que constituem esses grupos. É essa a única forma de evitar «o sistema de o vencedor ganha-tudo» (PNUD/ONU, 2004, p. 54), que pode sedimentar uma tirania da maioria.

Algo que se percebe no documento em análise é que há preocupação enorme com o estabelecimento dos procedimentos políticos capazes de harmonizar as disputas políticas visando desmontar conflitos e violências que têm sido comuns em várias partes do planeta. O exercício de engenharia social fica completo quando o relatório passa a sugerir reformas políticas que devem ser seguidas passo a passo pelos governantes e lideranças da sociedade civil, de modo geral.

Todavia, as propostas não se restringem somente à esfera política. Há sugestões de ações governamentais para tornar harmônicas as políticas de tratamento igualitário das religiões e das práticas religiosas. «O Estado é responsável por garantir políticas e mecanismos que protejam as escolhas individuais. A melhor maneira de o conseguir é quando as instituições públicas não fazem discriminação entre os crentes e os não-crentes, e não só entre seguidores de religiões diferentes» (PNUD/ONU, 2004, p. 55). O Estado é detonador de conflitos quando se declara neutro no que diz respeito à religião, mas faz vistas grossas as ações que violam as liberdades religiosas.

Na sua tarefa titânica de tentar construir processos de harmonizações, o "Relatório do Desenvolvimento Humano, de 2004", sugere também que o Estado estabeleça políticas de reconhecimento do direito consuetudinário. Todavia, somente é possível reconhecer aquele direito tradicional que não atente contra a liberdade de alguns grupos e muito menos contra os direitos humanos. Vem à tona, nesta proposta, uma gama de conflitos derivados da dificuldade insolúvel de combinar, algumas vezes, as ações que, ao mesmo tempo, preservem culturas e valores tradicionais e atentem contra os direitos humanos fundamentais. «Numa perspectiva de desenvolvimento humano, todos os sistemas legais —sejam unitários ou plurais— têm de conformar com os padrões internacionais dos direitos humanos, incluindo a igualdade entre sexos» (PNUD/ONU, 2004, p. 58).

O documento em questão não supõe a possibilidade de prevalência do direito consuetudinário sobre as demais formas de direito; ele está pressupondo sim uma coexistência que não subtraía os sistemas formais de jurisprudência. Propõe-se uma espécie de adaptação de alguns aspectos do direito tradicional ao direito formal. O direito consuetudinário que alcança força de lei é capaz de coexistir com aquele último, diz o relatório. Apontando sempre para a necessidade de apaziguar os conflitos, o documento vai construindo uma obra de engenharia social que nem sempre parece forte o bastante para suportar os vendavais econômicos, políticos e sociais atuais.

O RDH/2004 passa, às vezes, a impressão de que tudo é solucionável através de algumas medidas engendradas pela ação de alguns agentes (governamentais e não-governamentais) capazes de desmontar as hostilidades e as animosidades entre os diversos grupos sociais. O documento, às vezes, parece não supor que os conflitos sejam capazes de desencadear forças criativas que dispensam quaisquer apazigamentos, mas que requerem, sim, espaços, nos quais as demandas não sejam repelidas com violências, e possam, então, dar resultados favoráveis aos interesses daqueles que reivindicam melhorias sociais.

No entanto, em alguns momentos, especialmente quando o relatório discute as formas de enfrentamento das dificuldades oriundas dos investimentos sociais desiguais, verifica-se que está em causa a possibilidade de mobilizar algumas forças sociais em favor de uma divisão melhor de recursos sociais. Isso fica visível quando o PNUD reitera a necessidade de as multinacionais —que exploram os recursos naturais de países como Repúbica Democrática do Congo, Libéria, Moçambique, Angola, Serra Leoa, Nigéria— adiram a uma política denominada "Publique o que paga". Isso que objetivo teria, exatamente? Em primeiro lugar tornar público o que os governantes desses países recebem das multinacionais sob a forma de impostos e royalties para evitar processos de corrupção e de favorecimentos a alguns indivíduos e grupos em detrimento de muitos outros. Em segundo, a publicação de tais dados poderia ajudar os setores menos favorecidos a construir processos de luta para que os recursos fossem aplicados naquelas áreas (educação, saúde) de que mais necessitam.

Em muitos países da América Latina, por exemplo, os serviços sociais básicos acabam por desfavorecer ainda mais alguns grupos. Os indígenas, por exemplo, recebem muito menos serviços sociais do que outros grupos.

O governo brasileiro gastou 7 dólares per capita em cuidados de saúde para a população indígena, contra 33 dólares de média para o país. No México, há 79 camas de hospital e 96 médicos por 100.000 habitantes a nível nacional, mas o número de camas de hospital cai para 8 e o dos médicos para 14 por 100.000 habitantes nas áreas em que os povos indígenas constituem mais de dois quintos da população (PNUD/ONU, 2004, p. 66).

O caminho do desenvolvimento humano somente é construído, diz o documento, se forem implantadas políticas capazes de combinar o crescimento e a igualdade e favorecer não somente alguns grupos, mas a todos. A inclusão socioeconômica deriva dessa junção. O RDH/2004 insiste que os países mais pobres deveriam investir recursos no desenvolvimento da agricultura, o que implicaria na facilitação do acesso à terra para que as pessoas mais empobrecidas possam ter condições de sobrevivência.

Há, no documento analisado, um alerta acerca das formas de desenvolvimento que têm gerado conflitos e pobreza em larga escala. Ele cita alguns países africanos (Sudão e Nigéria, por exemplo) em que «o controle e distribuição estatais dos recursos minerais tornou-se uma fonte fundamental de diferenças etno--regionais de riqueza (...). A descoberta e a exploração de petróleo, [tornaram-se] a principal fonte de conflitos» (PNUD/ONU, 2004, p. 65) em muitas regiões da África. Ora são grupos étnicos mais bem favorecidos, ora as elites capturam para si todos os dividendos econômicos advindos das novas formas de exploração dos recursos naturais.

Um dos problemas-chaves que se observa no relatório é que ele se dispõe a criticar as formas de distribuição dos recursos capturados pelos dirigentes políticos dos países africanos que têm seus recursos extraídos pelas multinacionais. Contudo, não há uma disposição do documento para questionar a reprodução de um modelo econômico predatório e altamente destrutivo. Como ele está buscando caminhos para atingir melhores condições de oportunidades, ele dá centralidade às formas de distribuição de recursos que advêm dessa economia altamente predatória. Tentar extrair bases para o desenvolvimento humano de recursos oriundos de atividades econômicas que a médio e longo prazo se esgotarão é algo dotado de extrema precariedade.

É positivo que o RDH/2004 insista na necessidade de construir vias de acesso dos povos mais pobres aos recursos do Estado. As oportunidades sociais adviriam, segundo ele, da expansão de tal acesso. No entanto, as ações propostas acabam por dar vazão à defesa de políticas focalizadas em alguns grupos e/ou áreas. Não se encontra, no interior do relatório, uma defesa firme de políticas universais capazes de operar ações duradouras de desconcentração de rendas e recursos. A centralidade nas políticas que promovam as oportunidades sociais favorece as estratégias de não fazer surgir propostas que defendem o estabelecimento de políticas universais de desconcentração da riqueza.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O grande problema das propostas apresentadas nos Relatórios do Desenvolvimento Humano (RDHs), as quais se encaixam numa espécie de engenharia social, é que elas desviam-se das discussões acerca das possibilidades de que os conflitos sociais atuais estejam correlacionados a um padrão de organização social que impede a emergência de processos capazes de reverter, ao menos em parte, os processos de exclusão social e política. Quando o RDH/2004 propõe ações econômicas, jurídicas, culturais, etc., ele o faz desviando-se das discussões sobre mudanças sociais mais profundas, tais como a implementação de processos de desconcentração da renda e do poder. Isso faz que as modificações propostas pelo relatório se enquadrem nas exigências colocadas por uma conjuntura globalizante que exige a harmonização de diferenças.

As propostas do RDH/2004 se enquadram, ainda, como engenharia social pela obstinada busca de previsibilidade para todas as ações. Colocam-se sempre metas que exigem a circunscrição dos movimentos de todos os agentes sociais dentro de parâmetros previamente estabelecidos. Deve-se perguntar o seguinte: É possível controlar todos os desdobramentos das ações de uma multiplicidade de agentes? Pode-se dizer que esse modo de conceber a vida social tem proximidade com as teorias das ações e dos comportamentos que «criam a impressão de que o ser humano é um compósito, uma multiplicidade de atitudes particulares atomizadas. Ou seja, parecem considerar que as ações materiais individualizadas são tudo o que alguém pode perceber de seus semelhantes. (...) Falta-lhe a relação com as pessoas, tratadas como unidades de ações integradas» (Elias, 2006, p. 53).

O que fica mais evidente no RDH/2004 é sua dificuldade de lidar, ao mesmo tempo, com processos planejados e não-planejados (Elias, 1999), o que faz com que o documento não se atenha, suficientemente, às diversas implicações das diferenças de poder que detêm os diversos grupos sociais. É óbvio que um determinado segmento social que desfrute de melhores posições de poder vai tentar conduzir as mudanças, sugeridas pelo documento das Nações Unidas, para determinados caminhos. Não se pode supor que seja possível planejar todos os desdobramentos dos processos desencadeados pelas muitas ações postas em andamento.

O documento, em questão, não somente não se atém ao entrelaçamento de processos planejados e não-planejados como também não leva em consideração «as diferenças quanto às disposições sociais» (Elias, 2006, p. 55) dos diversos agentes envolvidos no processo de mudança. O RDH/2004 passa a impressão de que bastam algumas medidas por parte do Estado, das lideranças políticas, das organizações da sociedade civil para que surja a disponibilidade para um agir voltado a mudanças capazes de apaziguar a vida social. Em nenhum momento está se supondo que o relatório em análise deveria fazer uma análise das disposições sociais dos agentes envolvidos; isso não poderia ser feito por ele, já que levar em conta as «disposições pressupõe a realização de um trabalho interpretativo para dar conta de comportamentos, práticas, opiniões, etc. Trata-se de fazer aparecer os princípios que geraram a aparente diversidade de práticas» (Lahire, 2004, p. 21), o que só uma análise sociológica poderia fazer. Os RDHs não têm esse objetivo, visto que eles estão empenhados na formulação de propostas de ação para os agentes sociais voltados para a geração de processos de mudança. Sua preocupação é propositiva e não acadêmica. Isso não significa que as abordagens acadêmicas não possam ser também propositivas.

Ao não indicar as distintas disposições sociais, o RDH/2004 leva os seus leitores a supor que diferenças de desenvolvimento social não impedem a construção de ações capazes de harmonizar as diferenças. Estas últimas ganham relevo no interior do documento, mas em seguida elas são apresentadas como um problema que exige a construção de medidas capazes de evitar confrontos e enfrentamentos derivados da exacerbação das diferenças sociais, econômicas, políticas e culturais. E como é possível que o RDH/2004 fixe suas propostas em torno desse movimento inteiramente direcionado à pacificação das diferenças culturais? Porque ele concebe as ações e os comportamentos de um feixe enorme de agentes, geralmente, como passíveis de serem encaminhados a uma dada direção preestabelecida: a pacificação social. Isso é o que caracteriza, por excelência, suas propostas como uma obra de engenharia social.

Os Relatórios de Desenvolvimento Humano publicados desde 1990 pelo PNUD são, certamente, as provas mais cabais de que está em curso um mundo que não pode simplesmente ignorar os problemas que vão despontando em várias partes da terra. Isto se deve, seguindo as indicações de Norbert Elias (2006, p. 62), a uma contínua integração da humanidade.

A progressiva interdependência de todos os subgrupos humanos manifesta-se não apenas numa série de instituições globais tais como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas, mas também em tensões e conflitos específicos relacionados a esse contato mais intenso. Na África, diversas tribos incorporam-se a Estados sob a força do poderoso impulso integrador ao qual estamos submetidos. Podemos ver claramente, nesse caso, o habitus tradicional, inicialmente baseado na identidade com grupos menores, entra em conflito com a necessidade de formar unidades maiores. Um processo análago, embora em outro nível, ocorre na Europa. A pressão para a unificação dentro de uma estrutura europeia mais ampla é inequívoca. Mas o habitus das pessoas, o padrão dominante de sua auto-regulação, concentra-se na identificação com Estados soberanos (Elias, 2006, p. 62).

Observe-se, então, que os RDHs enfrentam, ao longo de suas inúmeras páginas, o desafio de lidar com o seguinte problema: quanto mais as pessoas se integram, mais é necessário construir estratégias de enfrentamento das diferenças que afloram com mais força, sempre que surgem tentativas de integração, de aproximação, de refutação e de recusa do outro.

O momento presente talvez seja o único [...] no qual as pessoas formaram, coletivamente, uma unidade —não simplesmente como um belo ideal, mas como uma realidade social. Mesmo assim, ainda não se compreende bem por que o processo de integração avança na direção da interdependência regional da humanidade, da sua pacificação interna e da redução das diferenças relativas ao bem-estar. Não é fácil entender esse movimento porque, nesse percurso, como sempre ocorre, deparamos com forças poderosas no sentido oposto (Elias, 2006, p. 62).

Talvez o problema do RDH/2004 seja imaginar que é possível construir estratégias de apaziguamento social desviando-se das forças poderosas que atuam, intencionalmente e não intencionalmente, de modo planejado e não planejado, justamente no sentido inverso dos objetivos propostos pelo documento do Pnüd.


1 Sobre esses RDHs, ver: (Rezende, 2007 a, 2007 b; 2008 a, 2008 b, 2008 c, 2008 d).

2 A "Declaração do Milênio" sistematiza um conjunto de metas denominadas Odms (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio) são: erradicar a pobreza extrema e a fome; atingir o ensino básico universal; promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater doenças tais como o hIv/aIds, a malária, a tuberculose; garantir sustentabilidade ambiental; estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento (Onu, 2000). Cada objetivo tem um conjunto de metas que devem ser perseguidas nas primeiras décadas do século XXI.

3 Yvone Hirdman (1992) afirma que Gunnar Myrdal era defensor de um tipo de engenharia social utópica que esteve na base da social-democracia sueca.

4 Gilberto Freyre era defensor de uma engenharia humana, a qual, para ele, diferia daquela denominada de social. «O bem-estar do homem aumenta em consequência de uma engenharia humana a serviço não só das indústrias, fábricas e usinas, que constituam um conjunto tecnológico de importância econômica e dependem das condições de trabalho dos seus técnicos e operários, como a serviço do próprio homem: do seu bem-estar físico e psíquico e da sua saúde no moderno sentido de saúde: o bem-estar além de físico, psíquico, social, ou socioeconômico e cultural» (Freyre, 1987, p. 14).

5 Afirmava que engenharia social significava também «ciência social aplicada ou aplicável» Giberto Freyre (1987, p. 19).


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