SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31 issue2TELEJORNALISMO CONTEMPORÂNEO NO BRASIL. UMA ANÁLISE DA COBERTURA DA POSSE DE JAIR BOLSONARO E DO PAPEL DESEMPENHADO PELOS TELEJORNAIS AO INFORMARProduction and Distribution of Fiction Feature Films in Maranhão: Contradictions of an Invisible Market in Brazil author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Investigación y Desarrollo

Print version ISSN 0121-3261On-line version ISSN 2011-7574

Investig. desarro. vol.31 no.2 Barranquilla Jul./Dec. 2023  Epub Nov 12, 2023

https://doi.org/10.14482/indes.31.02.410.639 

Artículos de Investigación

EXPLORANDO LA EVIDENCIA DE LAS ASIMETRÍAS RACIALES EN LA FEMINIZACIÓN DEL PERIODISMO BRASILEÑO*

Exploring Evidence of Racial Asymmetries in the Feminization of Brazilian Journalism

Nayara Nascimento de Sousa1 
http://orcid.org/0000-0002-9721-1685

Camilla Quesada Tavares2 
http://orcid.org/0000-0001-5490-6850

1 Universidade Federal do Maranhão, Brasil. Mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação pela Universidade Federal do Maranhão, campus Imperatriz. Integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Sociedade e do Núcleo Interdisciplinar de Estudo, Pesquisa e Extensão em Comunicação, Gênero e Feminismos - Maria Firmina Dos Reis. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-9721-1685. nayara.nascimento@discente.ufma.br

2 Doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense. Professora adjunta do curso de Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Maranhão, campus Imperatriz. Coordenadora do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Sociedade. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-5490-6850. camilla.tavares@ufma.br


RESUMEN

El objetivo del artículo es relacionar aspectos interseccionales de la raza en el fenómeno de la feminización del periodismo, además de contribuir a la producción de datos sobre el perfil femenino en el periodismo brasileño. La literatura señala que las mujeres son mayoría en el periodismo, por lo que proponemos avanzar en las discusiones para observar su perfil y las asimetrías raciales en contrapunto a la homogeneización. La metodología utilizada para la construcción del trabajo es la cuantitativa, teniendo como método la encuesta. El corpus de la investigación está compuesto por 217 mujeres que ejercen o han ejercido el periodismo en Brasil, 135 autodeclaradas blancas, 75 negras, 3 indígenas y 2 amarillas - 2 informantes optaron por no identificar su color/raza. A partir del análisis descriptivo, verificamos que el perfil de las entrevistadas corrobora las investigaciones sobre profesionales del periodismo brasileño: mujeres cisgénero, blancas y con alto nivel de escolaridad. Los resultados inducen que las mujeres negras tienen el menor nivel de estudios, lo que puede repercutir en su posición en el mercado. En cuanto a la situación laboral, la mayoría de los informantes de la investigación trabajan fuera de los medios de comunicación, principalmente en consultorias. Considerando los grupos raciales, las mujeres blancas se distribuyen en todas las categorías delimitadas (medios de comunicación, fuera de los medios, docencia, etc.), mientras que las mujeres negras son las que acumulan más espacios laborales diferentes y las que actualmente están más fuera del periodismo. Los datos interseccionales apuntan a posibles desventajas de las mujeres negras en relación con las mujeres blancas en el periodismo en Brasil.

PALABRAS CLAVE: mujeres; periodismo brasileño; género; intersec-cionalidad racial; encuesta

ABSTRACT

The objective of the article is to relate intersectional aspects of race in the phenomenon of the feminization of journalism, as well as to contribute to the production of data on female profiles in Brazilian journalism. The literature points out that women are the majority in journalism, therefore, we propose to advance the discussions to observe their profile and the racial asymmetries in counterpoint to homogenization. The methodology used for the construction of this work is quantitative, with the survey as a method. The research corpus is made up of 217 women who work, or have worked, in journalism in Brazil, 135 self-declared as white, 75 as black, 3 as indigenous, and 2 as "yellow" (meaning East Asians) - 2 informants chose not to identify their color/race. From the descriptive analysis, we verified that the profile of the respondents corroborates research on professionals in Brazilian journalism: cisgender women, white, and with a high level of education. The results indicate that the self-declared black female respondents have the lowest level of education, which may impact their position in the job market. Regarding work situations, most of the women in the survey work outside the media, mainly in consulting firms. Considering the racial groups, white women are distributed in all the delimited categories (media, outside the media, teaching, etc.), while black women are the ones who most accumulate different work spaces, and the ones who are currently outside journalism. The intersectional data points to possible disadvantages of black women compared to white women in journalism in Brazil.

KEYWORDS: women; Brazilian journalism; gender; racial intersectionality; survey

INTRODUÇÃO

O jornalismo surge como produto do capitalismo e da industrialização (Traquina, 2020; Genro Filho, 1987), mas também como uma profissão masculinizada1, visto que a sociedade patriarcal tradicionalmente atribui espaços e papéis sociais para homens (tidos como responsáveis pelo sustento financeiro do lar, a partir do trabalho no âmbito público) e mulheres (no caso das brancas e de classes privilegiadas, cumpriam as funções de mães e donas de casa no ambiente privado) (Santos & Temer, 2018). Nesse sentido, o gênero é uma das instâncias que organizam a sociedade, bem como o jornalismo (Scott, 1995; Miguel & Biroli, 2014).

Se por um lado os meios de comunicação são encarados como mecanismos que reproduzem e estruturam as desigualdades de gênero (Biroli, 2011), também é necessário reconhecer o potencial de ação política desses espaços para visibilizar a diversidade de mulheres, além de outras minorias sociais (Fonseca et al., 2020a). Dessa forma, as teorias feministas do Sul Global defendem que a comunicação não é somente um instrumento de dominação, se configurando também em lugar de resistência essencial para o combate às assimetrias de gênero e raça (Fonseca et al., 2020a).

Assim, a partir das contínuas transformações nas sociedades, tais como a institucionalização de direitos femininos e a ampliação da atuação das mulheres nos mais diversos âmbitos, há uma crescente demanda pela maior visibilidade feminina no jornalismo. Porém, muito mais do que representatividade meramente quantitativa das profissionais nesses espaços, é importante pensar na diversidade, sobretudo a racial.

Desse modo, se coloca a necessidade de problematizar quais mulheres ocupam as redações, já que pesquisas indicam que elas são maioria2, mas a atuação das profissionais negras é baixa. Em levantamento realizado em 2012, o Perfil do Jornalista Brasileiro (Mick & Lima, 2013) indicou que somente 23% das/os jornalistas eram negras/ os, sendo 18% pardas/os e 5% pretas/os. Os dados atualizados em 2021 (Lima et al., 2022) apontam que houve crescimento quantitativo desse grupo racial, porém a representatividade ainda é insuficiente: 29,9% se autodeclaram negras/os, com 20,6% pardas/os e 9,3% pretas/os. A pesquisa Mulheres no Jornalismo Brasileiro (Mazotte & Toste, 2017) enfatiza que 94,5% das mulheres respondentes disseram haver mais pessoas brancas do que negras em seus veículos de atuação.

Conforme Carneiro (2001, n.p.) questiona: "Quando falamos em garantir as mesmas oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho, estamos garantindo emprego para que tipo de mulher?". Assim, é necessário um olhar interseccional para analisar a inserção das mulheres no jornalismo, uma vez que as redações continuam ocupadas predominantemente por pessoas brancas, e isso pode impactar inclusive na perspectiva adotada para a produção do conteúdo. Para além do gênero, nos interessa incluir a raça para observar a feminização da profissão, embora a interseccionalidade não se resuma a esses dois marcadores - destacamos outros como etnia, classe, geração, regionalidade, deficiência etc.

Diante desse contexto, esta pesquisa parte da problemática: quais as assimetrias raciais percebidas entre o perfil de profissionais mulheres e os aspectos do trabalho no jornalismo no Brasil? Como objetivo principal, nos interessa relacionar características interseccionais da raça no fenômeno da feminização do jornalismo, além de contribuir na produção de dados sobre o perfil feminino no jornalismo brasileiro.

A pesquisa se justifica pela lacuna de trabalhos que tenham como objeto as próprias jornalistas (Tavares et al., 2021) e a necessidade de ouvir essas profissionais para compreender as disputas internas da profissão (Massuchin et al., 2020). Destacamos, ainda, a importância de analisar a relação entre gênero e jornalismo, na medida em que esses debates propiciam reflexões sobre a temática, fortalecem o campo científico e visibilizam as questões de gênero, contribuindo para a formação (Camargo & Woitowicz, 2018).

FEMINIZAÇÃO DO JORNALISMO BRASILEIRO: REVISITANDO A LITERATURA

Propor reflexões a partir do fenômeno da feminização do jornalismo no Brasil é uma tarefa árdua, especialmente em virtude da produção literária incipiente. Ainda que o jornalismo tenha nascido como uma profissão masculinizada, Duarte (2017) destaca que a atuação de mulheres em jornais se dá desde o surgimento da própria imprensa brasileira, no início do século XIX. Pinto (2003) explica que, nesse período, mesmo com o índice de analfabetismo alarmante entre o público feminino, havia mulheres que escreviam para a grande imprensa e pequenos jornais editados por feministas que circulavam no país.

Apesar desse registro da atividade de mulheres na imprensa, a entrada expressiva das profissionais nas redações acontece somente a partir da década de 1970. Na obra Elas ocuparam as redações: depoimentos ao CPDOC,Abreu & Rocha (2006) realizam um estudo sobre a imprensa brasileira na transição do regime autoritário para o democrático (1974-1985), no qual apontam que, nesse período, o jornalismo estava se tornando cada vez mais feminino.

As autoras argumentam que os principais fatores contribuintes para essa transformação profissional foram: a economia, na medida em que as mulheres passaram a atuar cada vez mais no mercado de trabalho, e a escolaridade, tendo em vista o expressivo ingresso delas nas escolas e universidades. Abreu & Rocha (2006) enfatizam que a regulamentação da profissão de jornalista em 1969, que passou a exigir diploma universitário de jornalismo ou comunicação para o exercício profissional, impulsionou o surgimento de uma grande quantidade de faculdades na área.

Uma das principais investigações que discute a feminização do jornalismo é a tese As mulheres jornalistas no Estado de São Paulo: o processo de profissionalização e feminização da carreira, da pesquisadora Paula Melani Rocha (2004), na qual a autora argumenta que as transformações no mercado, a partir de 1970, propiciaram o acesso feminino. Entre as mudanças ocorridas nesse período, a obrigatoriedade do diploma para exercer a profissão favoreceu a atuação de mais mulheres no jornalismo, já que coincidiu com o aumento do ingresso feminino nos cursos de graduação da área.

Tendo em vista esse contexto, é possível verificar que houve crescimento quantitativo feminino no mercado do jornalismo, mas essas mudanças são acompanhadas por assimetrias de gênero. Abreu & Rocha (2006) evidenciam que, embora as mulheres estivessem ingressando cada vez mais nos jornais, ainda era rara a presença feminina nos conselhos editoriais das empresas jornalísticas e em postos de editora-chefe, por exemplo. De modo semelhante, Rocha (2004) observou que as mulheres se concentram em áreas de menor prestígio, como no jornalismo online, enquanto os homens ocupam mais os espaços tradicionais e a maioria dos cargos de chefia.

Olhando para aspectos mais subjetivos do jornalismo, a dissertação Masculino, o gênero do jornalismo: um estudo sobre os modos de produção das notícias, de Márcia Veiga da Silva (2010), oferece caminhos imprescindíveis para os estudos que fazem a interface entre jornalismo e gênero. Embora não trate especificamente da feminização, o trabalho contribui ao constatar que o jornalismo é constituído por sujeitos/as generificados/as e que, por isso, os procedimentos adotados na produção das notícias são perpassados por determinadas concepções de gênero e por relações de gênero e poder. Ao concluir que o gênero do jornalismo é masculino, a autora argumenta que não apenas os valores masculinos são reproduzidos e valorizados como padrão nos atributos pessoais e profissionais e nas características das notícias, mas também as concepções da classe média, geração (meia idade), cor/ raça branca, heterossexual, entre outros.

Em síntese, ao longo do tempo as pesquisas têm avançado nas problematizações entre jornalismo e gênero. Embora as mulheres estejam em maioria nesse mercado, o ingresso delas é marcado por assimetrias de gênero. Se homens e mulheres ocupam espaços distintos e mantêm relações desiguais no jornalismo devido ao gênero, como a racialização das/os sujeitas/os perpassa essas relações e hierarquias em uma área expressivamente branca?

Já não é possível pensar a feminização do jornalismo apenas pela categoria do gênero, sem considerar o atravessamento de outros marcadores essenciais que atuam na estruturação do mercado, como a raça. Assim, é necessário analisar com maior profundidade os aspectos do ingresso das mulheres no jornalismo, de modo que a formação e a profissionalização se constituem em fatores importantes para entender esse fenômeno, mas que precisam do olhar interseccional. Nesse sentido, a baixa diversidade nos espaços de produção jornalística pode acarretar inúmeros problemas que vão desde a ocupação assimétrica dos cargos até o conteúdo entregue ao público.

Quem são as mulheres do jornalismo: indícios de assimetrias raciais na profissão

No Brasil, as mulheres estiveram excluídas da educação formal até o século XIX, sendo que esse processo foi muito mais demorado para as não-brancas. Em relação às mulheres brancas de classes privilegiadas, parte delas dispunha de uma instrução particular, muitas vezes voltada ao ensino de prendas domésticas, religião, línguas estrangeiras, como francês e inglês, além das aulas de piano e música, visando a formação de boas esposas (Pinto, 2003; Goulart, 2009).

Tendo em vista que o jornalismo é uma atividade essencialmente intelectual (Traquina, 2020), o ingresso das mulheres brancas letradas, apesar das dificuldades, foi mais propício do que para as mulheres negras - e homens negros. Isso não significa que mulheres negras não conseguiram atuar no jornalismo3, mas que, uma vez impedidas de estudar, seria muito mais difícil ingressar na profissão.

Olhando para as sociedades ocidentais, o estereótipo do ideal de beleza das mulheres é um dos fatores que contribui na construção de um padrão de profissionais no jornalismo. Para se ter ideia, Martino & Zancoper (2017) observaram o perfil das apresentadoras dos principais telejornais da TV aberta no Brasil e avaliam um padrão branco, mais jovens do que os homens, e dentro de um tipo físico considerado "magro", com pouco espaço para jornalistas fora desse modelo. O autor e a autora refletem que a escolha das mulheres para os telejornais parece ter uma forte ligação com essa estética considerada ideal.

Nesse cenário, Borges (2007) pontua que os veículos televisivos brasileiros são moldados por um código estético que exclui ou dificulta a atuação de profissionais negras e negros. "A gramática de produção de nossa televisão diz que o 'estar bem' / 'se sair bem' no vídeo corresponde a um conjunto de atributos estéticos que, normalmente, nós negros não somos portadores" (Borges, 2007, online).

Ampliando o debate sobre a questão racial, Carrera (2020) argumenta que, no contexto brasileiro, a branquitude se organiza para colocar outras raças em situação de inferioridade, mas, sobretudo, para se privilegiar. A autora explica que o privilégio da branquitude se instaura como parte do racismo institucional ou sistêmico, como componente da dimensão estrutural. No jornalismo, pontuamos que a branquitude pode tirar proveito de cargos de prestígio, por exemplo, enquanto não-brancas/os são alocadas/os a outros espaços.

Na obra As diferentes formas de ser jornalista,Pereira (2020) traz uma série de depoimentos de 32 jornalistas do Brasil e, entre outros aspectos, aborda a escolha pela profissão. Nesse ponto, um dos entrevistados indica que "se você é inteligente, você trabalha no impresso; se você é bonito você trabalha na televisão" (p. 230). Sobre a relação entre estereótipos da beleza e raça, Fanon (2008, p. 60) reflete a dualidade entre branco e negro do seguinte modo: "ser branco é como ser rico, como ser bonito, como ser inteligente" e "o negro é o símbolo do Mal e o do Feio. Cotidianamente, o branco coloca em ação esta lógica" (Fanon, 2008, p. 154). Desse modo, tendo em vista o estereótipo da brancura, ser bonito é ser branco na sociedade brasileira, e esse padrão funciona como dispositivo que distingue quais espaços as/os profissionais devem ocupar.

Com base em entrevistas realizadas com jornalistas, Pereira (2020) aponta que os principais motivos para a decisão de seguir carreira no jornalismo são: a existência de jornalistas de referência que inspiram as pessoas, o interesse pessoal pelo trabalho do jornalista e o estilo de vida de quem pratica a profissão. Nesse sentido, para a maioria das/os entrevistadas/os de Pereira (2020), a escolha pelo jornalismo é influenciada por jornalistas de referência. Abreu & Rocha (2006) identificaram que o prestígio da profissão de jornalista relacionado, em grande parte, ao jornalismo de televisão, que inclusive possibilitou maior visibilidade às mulheres, também é um fator que contribui na escolha pela profissão.

Com efeito, sendo o telejornalismo a representação visual da atuação das/os jornalistas, de modo que esse espaço reflete o padrão de beleza da mulher branca e do homem branco, como mulheres negras e homens negros podem se inspirar em jornalistas de referência para a escolha da profissão?

Assim, o jornalismo é atravessado pelo racismo estrutural, pois a organização da sociedade brasileira do período colonial ainda impacta os espaços ocupados pelas mulheres negras, empurradas ao subalterno, uma vez que o racismo estabelece a inferioridade social delas (Carneiro, 2001). Pela lógica da dominação, "mulher negra, naturalmente, é cozinheira, faxineira, servente, trocadora de ônibus ou prostituta" (Gonzalez, 1984, p. 226).

Uma vez que as mulheres negras são submetidas a múltiplas formas de dominação, é essencial encontrar meios de resistência ao silenciamento, apagamento e subalternização (Fonseca et al., 2020b), inclusive no jornalismo. Conforme Gonzalez (2011), as mulheres negras precisam ocupar todos os espaços possíveis, para que a sociedade brasileira consiga refletir e reconhecer as desigualdades raciais.

Além do racismo estrutural que impacta o jornalismo, o sexismo também é um fator importante, especialmente quando se verifica que homens brancos são os que mais ocupam cargos de chefia. Conforme aponta a pesquisa Mulheres no Jornalismo Brasileiro (Mazotte & Toste, 2017), realizada pela organização feminista Gênero e Número em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), 65,4% das jornalistas respondentes indicaram que, em seus locais de trabalho, há mais homens exercendo funções de liderança, tais como editores, coordenadores, diretores etc.

A mera ocupação quantitativa das mulheres nas redações não é suficiente, sendo que é necessário incluir outros fatores para que o jornalismo consiga de fato suprir a invisibilidade das mulheres, em especial as negras, tanto na profissão quanto no material veiculado. A pouca diversidade no jornalismo pode incidir na forma como o conteúdo é produzido e sobre quais pessoas e assuntos estão sendo privilegiados, já que essa profissão se mantém em normativa branca e masculinista.

Apesar dos esforços em produzir pesquisas sob a perspectiva de gênero no jornalismo, a interseccionalidade ainda é pouco considerada ou abordada de maneira complementar. Por interseccionalidade, Crenshaw (2004) indica que o termo se refere à relação entre classe, raça e gênero, de forma que essas discriminações não operam separadas ou excludentes, mas juntas. Desse modo, é importante entender que não estamos lidando com grupos distintos de mulheres, mas grupos sobrepostos (Crenshaw, 2004), visto que já não se pode olhar para o gênero de maneira isolada, sem considerar outros marcadores, como a raça.

METODOLOGIA

A metodologia empregada para a construção do trabalho envolve a pesquisa bibliográfica, utilizada para a construção do referencial, e a empírica, na medida em que busca analisar um objeto concreto (Martino, 2018). A abordagem quantitativa articula o método do survey de amostragem não-probabilística, predominantemente elaborado com perguntas fechadas, direcionado a mulheres que atuam ou já atuaram no jornalismo no Brasil.

A escolha pela abrangência nacional e a aplicação do survey se deve ao fato de que esta pesquisa pretende relacionar variáveis para encontrar padrões assimétricos raciais no perfil das mulheres e aspectos do trabalho no jornalismo. As variáveis consideradas são: identidade de gênero, faixa etária, cor/raça, região geográfica, escolaridade, situação de trabalho e área de trabalho no jornalismo.

A pesquisa com survey, assim como qualquer método e técnica, possui vantagens e desvantagens. Como pontos positivos, Marconi & Lakatos (2003) e Novelli (2005) destacam que o questionário permite a coleta de uma grande quantidade de dados de um alto número de informantes, além do alcance da abrangência mais ampla das áreas geográficas, a liberdade nas respostas em razão do anonimato e menos riscos de distorções pela não influência da pesquisadora ou do pesquisador.

Por outro lado, o survey também pode ter déficit na taxa de respondentes e a impossibilidade de ajudar as/os informantes no caso daquelas/es que tenham dificuldades de compreensão (Marconi & Lakatos, 2003). Para solucionar o problema de uma possível dificuldade das/os informantes entenderem as questões, é recomendável a aplicação do pré-teste.

Desse modo, inicialmente foi construído um roteiro de perguntas e transferido para a plataforma online SurveyMonkey, incluindo o termo de consentimento direcionado às informantes para a participação na pesquisa. Após a preparação do survey, aplicamos um pré-teste a um grupo de jornalistas convidadas, no mês de maio de 2021. O objetivo foi identificar questões que pudessem causar dúvidas entre as respondentes. As perguntas dúbias foram alteradas mediante o feedback das convidadas nessa fase pré-teste.

A aplicação oficial do survey aconteceu entre 2 de junho e 3 de setembro de 2021 e procurou englobar jornalistas de todos os estados brasileiros. Entre as estratégias de divulgação adotadas para a circulação do questionário, foi levantada uma lista de contatos de potenciais participantes e/ou divulgadoras/es, na qual incluímos nome, WhatsApp e/ou redes sociais (Twitter, Instagram, Facebook) tanto de profissionais quanto de organizações. A partir disso, solicitamos apoio de instituições para o compartilhamento do survey, tais como a Rede de Jornalistas e Comunicadoras com visão de Gênero e Raça (RIPVG Brasil), a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), sindicatos de jornalistas de todo o Brasil e do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Política e Sociedade (COPS).

O survey também foi divulgado em encontros e congressos de comunicação e jornalismo, nas listas de organizações da área e durante aulas em disciplinas de Programas de Pós-Graduação, contando também com apoio individual de pessoas que se prontificaram a compartilhar a pesquisa. Após a coleta, realizamos a limpeza dos dados, para excluir respostas incompletas e/ou incorretas do questionário, e validamos o total de 217 participantes advindas de todos os estados do Brasil e do Distrito Federal. A seguir, apresentamos os dados, com base na análise descritiva à luz das discussões teóricas referentes ao fenômeno da feminização do jornalismo.

RESULTADOS

Conforme a pesquisa se direciona às mulheres que trabalham ou já trabalharam no mercado do jornalismo, inicialmente nos interessou verificar como elas entendem as próprias identidades de gênero. As opções dispostas no survey são as seguintes: mulher cisgênero, sendo aquela que se identifica com o sexo que lhe foi atribuído ao nascer - nesse caso, o feminino; mulher trans (transgênero, transexual, travesti), quem se entende pelo feminino, embora tenha recebido uma designação oposta ao nascer; e identidade não-binária/e, sendo aquelas/es que não se reconhecem com o que é designado como feminino e masculino.

Os dados indicam que 99,5% das respondentes se reconhecem como mulher cisgênero, apenas 0,5% se identificam como pessoa não-binária/e, e nenhuma das participantes se entende como trans. Desse modo, os índices apontam para uma cisnormatividade entre as mulheres do jornalismo. A seguir, o gráfico 1 assinala que a maioria das respondentes possui até 40 anos, com 68,2% - 41,9% têm entre 31 a 40 anos e 26,3% entre 18 a 30 anos.

Fonte: elaboração própria.

Gráfico 1 Faixa etária das respondentes 

No gráfico 2, a variável sobre a cor ou raça das respondentes assinala que a maioria se declara branca (62,2%), corroborando outras pesquisas (Mick & Lima, 2013; Mazotte & Toste, 2017; Lima et al., 2022). As informantes pardas representam 26,3%, ao passo que 8,3% se declaram pretas, 1,4% indígenas, 0,9% amarelas e 0,9% não sabem ou preferem não informar. Em síntese, o perfil das mulheres do jornalismo no Brasil se mostra cisnormativo, com tendências à juvenilização e branqueamento.

Fonte: elaboração própria.

Gráfico 2 Cor/raça declarada pelas respondentes 

Quanto à região geográfica das respondentes, indicadas na figura 1, se observa que a pesquisa alcançou um equilíbrio entre mulheres do Sudeste (27,2%), Nordeste (26,7%) e Sul (24%) do país. O resultado é positivo, na medida em que boa parte dos trabalhos tende a focar no eixo Sul-Sudeste. As regiões com menor número de participantes são Norte (10,1%) e Centro-oeste (10,6%). A categoria "outros países" se refere às mulheres que estão fora do Brasil no momento da pesquisa (em Portugal e no Canadá), mas que tiveram uma trajetória profissional no mercado do jornalismo brasileiro.

Fonte: elaboração própria.

Figura 1 Região do país das respondentes no Brasil 

O nível de escolaridade é apresentado no gráfico 3, que indica um expressivo grau de respondentes com pós-graduação (completa ou em andamento) - 51,6% possuem ou estão no Mestrado ou Doutorado. Nenhuma das participantes da pesquisa tem formação abaixo da graduação - 25,8% são graduadas ou estão se graduando. É importante ressaltar que o survey foi bem acolhido entre a comunidade acadêmica, o que pode ter gerado o maior número de respondentes pós-graduadas/pós-graduandas.

Fonte: elaboração própria.

Gráfico 3 Nível de escolaridade das respondentes (completo ou em andamento) 

Quanto ao curso da graduação, 96,3% das respondentes possuem formação no Jornalismo/Comunicação Social - 47,9% em Jornalismo, seguido de 39,6% em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, 8,3% em Comunicação Social e 0,5% habilitação em Radialismo. O Perfil do Jornalista Brasileiro 2021 (Lima et al., 2022) também indica que 91,9% da amostra tem graduação em Jornalismo ou Comunicação com habilitação em Jornalismo. Desse modo, observamos que o jornalismo brasileiro é majoritariamente formado por profissionais capacitadas/os por meio do ensino superior.

Observando o nível de escolaridade em relação à cor/raça das informantes da pesquisa, o gráfico 4 indica que o mestrado é o grau de formação mais encontrado entre brancas (33,3%) e pardas (36,8%), mas esse nível também é relevante entre pretas - embora seja mais baixo (27,8%). De modo geral, se observa a considerável formação entre todos os grupos raciais, apontando para uma característica entre as profissionais que atuam/atuaram no jornalismo. Por outro lado, o nível somente da graduação é mais frequente entre as mulheres pretas (38,9%), o que pode impactar, por exemplo, a posição delas no mercado, como o cargo ocupado. Assim, notamos avanços na formação das/os profissionais do jornalismo, mas as assimetrias podem convergir em desvantagens para aquelas que apresentam escolaridade mais baixa.

Fonte: elaboração própria.

Gráfico 4 Comparativo entre cor/raça e nível de escolaridade das respondentes 

Na medida em que o público da pesquisa envolve mulheres que atuam ou já atuaram no mercado do jornalismo, desde que tenham experiência com produção jornalística, delimitamos a atual situação de trabalho das respondentes no gráfico 5. Foram consideradas as seguintes categorias: mídia (quem atua em redações, empresas jornalísticas), fora da mídia (assessoria, agências e sindicatos), docência (somente nas habilitações da comunicação social, como jornalismo, radialismo etc.), mídia e fora da mídia, mídia e docência, fora da mídia e docência, fora do jornalismo (já trabalhou no jornalismo, mas atualmente não está em nenhum setor desse mercado específico).

Fonte: elaboração própria.

Gráfico 5 Situação atual de trabalho das respondentes 

Boa parte das respondentes trabalha fora da mídia (36,4%), seguida do duplo vínculo mídia e fora da mídia (18,9%), e exclusivamente na mídia (17,0%). É relevante observar o percentual de mulheres que já trabalharam no jornalismo, mas que atualmente estão em outra carreira ou desempregadas (17,0%), sendo um ponto que merece atenção nas pesquisas. Kikuti & Rocha (2018) analisaram a trajetória profissional de jornalistas entre 2012 e 2017, pontuando que, nesse período, houve uma queda maior no número de mulheres do que homens em diversas áreas do jornalismo (TV, jornal impresso, internet, rádio). Embora esta pesquisa não realize a comparação entre profissionais homens e mulheres, contribui ao corroborar discussões sobre a evasão feminina do jornalismo. Investigações posteriores podem observar quais motivos levam as mulheres a seguirem em outra carreira e se (e de que modo) as assimetrias de gênero têm relação com esse problema.

Nos interessa perceber aspectos da interseccionalidade da cor/ raça correlacionados à situação de trabalho das informantes do survey, no sentido de verificar possíveis diferenças por grupos raciais. Para este dado, demonstrado no gráfico 6, consideramos somente as respondentes que declararam cor/raça, totalizando 215.

Fonte: elaboração própria.

Gráfico 6 Comparativo entre cor/raça e situação atual de trabalho das respondentes 

De maneira geral, o trabalho fora da mídia se destaca entre os grupos raciais - corresponde a 35,6% entre brancas, 40,3% entre pardas e 27,8% entre pretas. O Perfil do Jornalista Brasileiro de 2012 (Mick & Lima, 2013) assinalou que a área fora da mídia teve mais participação de negras/os do que nos demais segmentos. Olhando para as respondentes brancas, observamos que elas se distribuem em todas as categorias delimitadas para as atuais situações de trabalho.

Chama a atenção que as mulheres pretas compõem o único grupo que não atua exclusivamente na mídia - ao contrário das 18,5% das mulheres brancas e 15,8% das pardas que estão na área. A docência em jornalismo foi assinalada somente entre as informantes brancas (4,4%) e pardas (3,5%). As respondentes pretas acumulam mais trabalho na mídia e fora da mídia (38,9%) - esse percentual cai para 19,3% entre brancas e 14,1% entre pardas. As respondentes pretas também apresentam o maior percentual na categoria fora do jornalismo (27,8%) - entre as brancas o índice corresponde a 16,3%, e 17,5% entre as pardas.

Desse modo, observamos possíveis áreas nas quais as mulheres pretas podem ter mais dificuldade de acesso, como mídia e docência, apontando para o racismo estrutural (Borges, 2007). A literatura indica que o padrão estético branco ainda impacta o mercado do jornalismo, embora tenhamos notado avanços importantes. Já o trabalho fora da mídia parece absorver uma maior diversidade de profissionais femininas com menos barreiras raciais - o que não significa que o racismo não esteja presente nesses espaços.

Sobre a docência, Rios & Mello (2019) verificam a omissão e precariedade de dados raciais nos relatórios oficiais da educação superior no Brasil divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A partir dos microdados do Censo da Educação Superior 2018, a pesquisadora e o pesquisador identificaram que, nesse nível de ensino, 52,9% das/os professoras/ es são brancas/os e apenas 16,4% são negras/os (14,4% pardas/os e 2% pretas/os). Considerando o cenário geral, a docência no ensino superior é majoritariamente formada por pessoas brancas com prevalência de homens. Nesse sentido, a área da educação superior pode apresentar entraves para o ingresso das mulheres, ao passo que o fator racial constitui um obstáculo a mais (e talvez mais excludente) para mulheres negras e homens negros.

Ainda sobre a situação de trabalho das respondentes, retomamos os dados de escolaridade. Conforme visto, as informantes declaradas brancas e pardas apresentaram maiores graus de formação em pós-graduação, enquanto boa parte das mulheres pretas são graduadas/graduandas, de modo que essa diferença pode constituir um dos fatores que contribui na situação de trabalho notadamente assimétrica. A distribuição dos dados do gráfico 7 mostra que respondentes de todos os graus de escolaridade estão mais presentes fora da mídia, embora o percentual seja mais baixo para aquelas com doutorado completo/em andamento (20,6%) - 35,7% entre graduadas/graduandas, 39,7% entre mestras/mestrandas e 44,9% entre as mulheres com/em especialização.

Fonte: elaboração própria.

Gráfico 7 Comparativo entre nível de escolaridade e atual situação de trabalho das respondentes 

É relevante notar que 30,3% das graduadas/graduandas estão na mídia e que o percentual de respondentes exclusivamente nessa área vai diminuindo conforme o grau de escolaridade aumenta - 12,3% das mestras/mestrandas e somente 2,6% das doutoras/doutorandas assinalaram a mídia como espaço de trabalho principal. A hipótese é que elas buscam melhores condições de trabalho e remuneração a partir da formação mais elevada - a docência, por exemplo, foi apontada por 17,9% entre as mulheres com doutorado ou doutorandas. O duplo vínculo mídia e fora da mídia apresenta relevantes índices entre todos os grupos separados por nível de escolaridade, sendo que essa situação de trabalho específica é mais recorrente entre respondentes declaradas pretas. Assim, o acúmulo do trabalho na mídia e fora da mídia pode ser reflexo da precarização do trabalho das mulheres no jornalismo.

Olhando para a categoria "fora do jornalismo" (aquelas que já trabalharam em qualquer área desse mercado, mas atualmente estão em outra carreira ou desempregada), os percentuais são relevantes entre todos os grupos separados por nível de formação, porém mais altos entre as respondentes com mestrado completo/em andamento (23,3%) e doutorado completo/em andamento (17,9%). No survey, não questionamos às informantes os motivos da saída (temporária ou permanente) do mercado do jornalismo, de modo que um dos fatores que pode contribuir para explicar o resultado seja o público de mulheres respondentes alcançado entre a comunidade acadêmica. Assim, no momento da pesquisa, parte delas poderia estar se dedicando à formação e, consequentemente, fora do mercado. De qualquer modo, é relevante que outras investigações consigam analisar a evasão feminina do jornalismo, já que a literatura chama a atenção para o maior contingente de profissionais mulheres que deixam a área em comparação aos homens.

A seguir, no gráfico 8, verificamos a principal área de trabalho das respondentes no mercado do jornalismo. Para este dado, solicitamos que elas considerassem: o vínculo empregatício atual, para as informantes que trabalham em apenas uma empresa/organização; o emprego principal, entre aquelas que possuem mais de um trabalho no mercado do jornalismo; o principal vínculo empre-gatício da carreira, para quem não atua no jornalismo atualmente, mas já trabalhou em qualquer área desse mercado. Delimitamos as seguintes áreas: TV, rádio, jornal impresso, site/portal de notícias, revista e assessoria. A categoria "outro" reúne quem não conseguiu determinar uma única área de trabalho, mencionando múltiplas.

Fonte: elaboração própria.

Gráfico 8 Principal área de trabalho das respondentes no jornalismo 

Em alinhamento aos dados que indicam a predominância de respondentes fora da mídia, o gráfico 8 reitera que a assessoria é a principal área de trabalho para mulheres no jornalismo - 44,2% das informantes. Os sites e portais de notícias constituem a segunda principal área de trabalho das respondentes, com 20,3%, indicando que as plataformas digitais superam as mídias convencionais (TV, jornal impresso) entre essas profissionais. Por outro lado, chama a atenção os jornais impressos com percentual relevante (11,5%), apontando que uma parte razoável dessas mulheres têm experiência nesses espaços mais tradicionais. A TV se mostra mais restrita entre as respondentes, o que pode ser explicado pelo enxugamento das equipes das emissoras (Kikuti & Rocha, 2018) ou até mesmo pelo número de funcionárias/os mais restrito ao tipo de função ligada à produção televisiva.

Por fim, no gráfico 9, observamos comparativamente a cor/ raça e a principal área de trabalho das respondentes no jornalismo para verificarmos em que medida as mulheres se distanciam quando consideramos o mercado. Entre todos os grupos raciais, é expressiva a atuação nas assessorias - entre as mulheres brancas o percentual representa 43,0%, sendo 45,6% entre pardas, 44,4% entre declaradas pretas e, para indígenas, chega a 66,7%. Esse resultado corrobora a literatura que indica uma maior diversidade racial nas áreas fora da mídia, especialmente em assessorias (Mick & Lima, 2013).

Fonte: elaboração própria.

Gráfico 9 Comparativo entre cor/raça e área de trabalho das respondentes no jornalismo 

Considerando os veículos da mídia, não observamos diferenças expressivas entre os grupos raciais. As principais colocações são: as respondentes brancas são as únicas que se distribuem em todas as áreas delimitadas, sendo a revista assinalada somente entre essas informantes; os jornais impressos aparecem com relativos percentuais entre brancas (10,4%), pardas (15,8%), pretas (5,6%) e amarelas (50,0%); a TV foi mais apontada pelas mulheres pardas (12,3%), ao passo que o rádio aparece mais entre declaradas pretas (11,1%). Nesse sentido, os dados indicam um possível privilégio entre profissionais brancas que eventualmente conseguem transitar em mais setores, ao passo que mulheres não-brancas parecem se concentrar em poucas áreas.

CONCLUSÕES

A pesquisa teve como objetivo principal relacionar características interseccionais da raça no fenômeno da feminização do jornalismo no Brasil, para observarmos possíveis assimetrias raciais na situação das mulheres não-brancas em relação às brancas no mercado. Também tivemos como finalidade contribuir na produção de dados sobre o perfil feminino no jornalismo brasileiro. Para tanto, aplicamos um survey de amostragem não-probabilística, destinado a mulheres que atuam ou já atuaram no mercado do jornalismo no Brasil, seja na mídia ou fora da mídia. Desse modo, o corpus foi constituído por 217 informantes, advindas de todos os estados do Brasil e do Distrito Federal.

Sobre as variáveis do perfil das informantes, de modo geral, observamos que se alinham a outros levantamentos realizados com profissionais do jornalismo: majoritariamente mulheres cis, brancas, jovens e com alto nível de escolaridade. Relacionando cor/raça e grau de formação, verificamos que tanto mulheres brancas quanto não-brancas possuem considerável capacitação, o que indica uma possível característica entre as profissionais do jornalismo. Por outro lado, o nível da graduação (mais baixo em comparação ao mestrado e doutorado) é mais frequente entre as mulheres declaradas pretas, o que pode impactar, por exemplo, a posição delas no mercado.

Olhar para a formação é importante quando verificamos que a escolaridade parece ser um fator que impacta na área de trabalho dessas mulheres no jornalismo. Assim, observamos que, quanto maior o nível de educação, mais elas se deslocam para outros setores fora da mídia (como em assessorias e na docência), possivelmente em busca de melhores condições de trabalho e remuneração que a mídia/redação pode não proporcionar. Assim, se nota avanços na formação das profissionais do jornalismo, mas as assimetrias podem convergir em desvantagens para aquelas que apresentam escolaridade mais baixa, bem como em privilégios para quem possui nível de educação mais alto.

Em relação aos aspectos do trabalho no jornalismo, a principal área de atuação das informantes é fora da mídia, especialmente em assessoria. Verificamos uma maior diversidade racial nesses espaços, ao passo que a mídia e a docência podem apresentar mais barreiras de acesso para profissionais negras, sobretudo pretas. A literatura reitera que o padrão estético branco ainda impacta no mercado do jornalismo e na docência em Ensino Superior.

Retomando a pergunta da pesquisa, quais as assimetrias raciais percebidas entre o perfil de profissionais mulheres e os aspectos do trabalho no jornalismo no Brasil? Diante do que foi exposto, o trabalho evidencia que as mulheres negras, especialmente pretas, tendem a se encontrar em situação de desvantagem no jornalismo. Os dados apontaram que as mulheres brancas eventualmente conseguem transitar em variados setores do jornalismo, enquanto as profissionais não-brancas parecem se concentrar em determinadas áreas.

A partir do que foi observado com a análise das variáveis, é oportuno articular às discussões propostas por Carrera (2020) no que se refere ao privilégio da branquitude. Para a autora, o racismo estrutural impacta as posições de brancos/as, a quem são reservadas vagas de privilégios, e não-brancos/as na sociedade, colocados/as em situações de inferioridade. Desse modo, embora as respondentes tenham pontos relativamente em comum, tal como a formação elevada, enfatizamos que um grupo racial se mostra em desvantagem.

Ressaltamos que esta pesquisa é não-probabilística e, por isso, não se pode generalizar os dados, mas os resultados oferecem indícios de assimetrias raciais no fenômeno da feminização do jornalismo. Por fim, temos como intuito contribuir nas discussões sobre esses fatores que, por vezes, colocam as mulheres na mesma caixinha, sem considerar que há diferenças essenciais entre brancas e não-brancas no jornalismo, e que precisam de um olhar interseccional.

REFERÊNCIAS

Abreu, A. A. & Rocha, D. (Org.) (2006). Elas ocuparam as redações: depoimentos ao CPDOC. FGV. [ Links ]

Biroli, F. (2011). Mídia, tipificação e exercícios de poder: a reprodução dos estereótipos no discurso jornalístico. Revista Brasileira de Ciência Política, 6, 71-98. https://doi.org/10.1590/S0103-33522011000200004. [ Links ]

Borges, R. S. (2007). Informação é poder. Revista Eparrei, VI, 29-31. http://cidinhadasilva.blogspot.com/2007/10/informao-poder.html. [ Links ]

Camargo, B. A. & Woitowicz, K. J. (2018). Formação em Jornalismo e questões de gênero: práticas de ensino, pesquisa e extensão nos cursos de Curitiba e Ponta Grossa/PR. Rebej, 8(23), 26-42. http://rebej.abejor.org.br/index.php/rebej/article/view/16. [ Links ]

Carneiro, S. (2001). Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. Anais do Seminário Internacional sobre Racismo, Xenofobia e Gênero. [ Links ]

Carrera, F. (2020). Raça e privilégios anunciados: ensaio sobre as sete manifestações da branquitude na publicidade brasileira. Revista Eptic, 22(1), 1-28. https://seer.ufs.br/index.php/eptic/article/view/11235/10364. [ Links ]

Casadei, E. B. (2011). A inserção das mulheres no jornalismo e a imprensa alternativa: primeiras experiências do final do século XIX. Al-terjor, 3(1). https://www.revistas.usp.br/alterjor/article/view/88218Links ]

Crenshaw, K. W. (2004). A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero (Cruzamento: raça e gênero). Unifem. [ Links ]

Duarte, C. L. (2017). Imprensa feminina e feminista no Brasil: nos primórdios da emancipação. Revista XIX, 1(4), 95-105. https://periodicos.unb.br/index.php/revistaXIX/article/view/21741. [ Links ]

Fanon, F. (2008). Pele negra, máscaras brancas. (R. Silveira, trad.). EDUFBA. [ Links ]

Fonseca, N. & et al. (2020a). Interfaces entre comunicação e feminismos do Sul Global: construindo direcionamentos analíticos. En D. G. R. Cal & R. S. Brito (Org.), Comunicação, gênero e trabalho doméstico: das reiterações coloniais à invenção de outros possíveis. CRV. [ Links ]

Fonseca, N . S. & et al. (2020b). Subjetividades em relação: diálogos entre o modelo praxiológico da Comunicação e perspectivas feministas do Sul Global. Logos, 27 (2), 43-59. https://doi.org/10.12957/logos.2020.52891. [ Links ]

Genro Filho, A. (1987). O segredo da pirâmide: para uma teoria marxista do jornalismo. Tchê. [ Links ]

Gonzalez, L. (2011). Por um feminismo Afro-latino-americano. Caderno de Formação Política do Círculo Palmarino, 1, 12-20. [ Links ]

Gonzalez, L. (1984). Racismo e sexismo na cultura brasileira. Anais da Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 223-244. [ Links ]

Goulart, B. F. (2009). Educação das mulheres, magistério e as relações de gênero em sala de aula: rupturas ou continuidades? (Monografia). Universidade do Extremo Sul Catarinense. [ Links ]

Kikuti, A. & Rocha, P. M. (2018). Mercado de trabalho e trajetória profissional de jornalistas mulheres entre 2012 e 2017 no Brasil. Anais do 16° Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo. http://sbpjor.org.br/congresso/index.php/sbpjor/sbpjor2018/paper/viewFile/1497/892. [ Links ]

Lima, S. P. & et al. (2022). Perfil do jornalista brasileiro 2021: características sociodemográficas, políticas, de saúde e do trabalho. Quorum Comunicação. [ Links ]

Marconi, M. A. & Lakatos, E. M. (2003). Fundamentos de metodologia científica. Atlas. [ Links ]

Martino, L. M. S. & Zancoper, J. V. (2017). Padrões estéticos e atuação profissional de mulheres telejornalistas: uma pesquisa exploratória. Observatório, 3(6), 658-679. http://dx.doi.org/10.20873/uft.2447-4266.2017v3n6p658. [ Links ]

Martino, L. M. S. (2018). Métodos de pesquisa em Comunicação: projetos, ideias, práticas. Vozes. [ Links ]

Massuchin, M. G. et al. (2020). O que a produção científica tem a nos dizer? Avanços, lacunas e novas perspectivas para as pesquisas sobre Jornalismo e Gênero. Pauta Geral, 7, 1-19. https://doi.org/10.5212/RevistaPautaGeral.v.7.14904.212. [ Links ]

Mazotte, N., & Toste, V. (Coord.) (2017). Mulheres no jornalismo brasileiro. Abraji. [ Links ]

Mick, J. & Lima, S. (2013). Perfil do Jornalista Brasileiro: características demográficas, políticas e do trabalho jornalístico em 2012. Insular. [ Links ]

Miguel, L. F. & Biroli, F. (2014). Feminismo epolítica. Boitempo. [ Links ]

Novelli, A. L. R. (2005). Pesquisa de opinião. En J. Duarte & A. Barros (Org.), Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. Atlas. [ Links ]

Pereira, F. H. (2020). As diferentes maneiras de ser jornalista: um estudo sobre as carreiras profissionais no jornalismo brasileiro. Editora Universidade de Brasília. [ Links ]

Pinto, C. R. J. (2003). Uma história do feminismo no Brasil. Fundação Perseu Abramo. [ Links ]

Rios, F. & Mello, L. (2019). Estudantes e docentes negras/os nas instituições de ensino superior: em busca da diversidade étnico-racial nos espaços de formação acadêmica no Brasil. Boletim Lua Nova, Cedec. https://boletimluanova.org/estudantes-e-docentes-negras-os-nas-instituicoes-de-ensino-superior-em-busca-da-diversidade-etnico-racial-nos-espacos-de-formacao-academica-no-brasil/. [ Links ]

Rocha, P. M. (2004). As mulheres jornalistas no Estado de São Paulo: o processo de profissionalização e feminização da carreira. (Tese de Doutorado). Universidade Federal de São Carlos. [ Links ]

Santos, M. & Temer, A. C. R. P. (Org.) (2018). Mulheres no jornalismo: práticas profissionais e emancipação social. Cásper Líbero UFG/FIC. [ Links ]

Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, 20(2), 71-99. https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721Links ]

Silva, M. V. (2010). Masculino, o gênero do jornalismo: um estudo sobre os modos de produção das notícias. (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. [ Links ]

Tavares, C. Q. et al. (2021). Comunicação e Gênero como área de pesquisa: características e desenvolvimento dos estudos a partir da análise bibliométrica. Intercom, 44 (3), 83-102. https://doi.org/10.1590/1809-58442021305. [ Links ]

Traquina, N. (2020). Porque as notícias são como são. Insular Livros. [ Links ]

Zin, R. B. (2018). Maria Firmina dos Reis e a imprensa literária no Maranhão do século XIX. Revista Interdisciplinar em Cultura e Sociedade, 4(especial), 15 -27. https://periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/ricultsociedade/article/view/9576. [ Links ]

* A pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA), no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, da Universidade Federal do Maranhão. Agradecemos a contribuição das professoras e alunas participantes da 8a Escuela de Verano de la Asociación Latinoamericana de Investigadores de la Comunicación (ALAIC). Agradecemos, ainda, pelos comentários valorosos das professoras Thaisa Bueno e Tamires Coêlho, e das pesquisadoras no V Encontro de Jovens Investigadores da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (SOPCOM).

1 Casadei (2011) aponta que o mercado de trabalho jornalístico brasileiro foi um local exclusivamente masculino durante muito tempo, e que esse cenário mudou lentamente. Não obstante, a autora destaca a atuação de mulheres na imprensa alternativa desde o século XIX.

2O Perfil do Jornalista Brasileiro 2021 (Lima et al., 2022) indica que 57,8% das/os respondentes se identificam com o gênero feminino, 41,9% masculino e 0,3% outras designações (agênero, bigênero, não-binário, queer e trans não-binário).

3No século XIX, por exemplo, a escritora e professora negra Maria Firmina dos Reis colaborou em diversos jornais literários no Maranhão, tais como Eco da Juventude e Semanário Maranhense (Zin, 2018).

Recibido: 16 de Diciembre de 2022; Aprobado: 08 de Marzo de 2023

Creative Commons License Este es un artículo publicado en acceso abierto bajo una licencia Creative Commons