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Estudios de Filosofía

versión impresa ISSN 0121-3628

Estud.filos  n.42 Medellín jul./dic. 2010

 

Rawls: construtivismo e justificação coerentista*

Rawls: constructivism and coherentist justification

Por: Elnora Gondim

Departamento de Filosofia do Centro de Cienciâs Humanas e Letras

Universidade Federal do Piauí

Brasil

elnoragondim@yahoo.com.br

Fecha de recepción: 9 de junio de 2010

Fecha de aprobación: 15 de julio de 2010


Resumen: Rawls tiene una justificación coherentista de la justicia como equidad cuando afirma que el constructivismo procedimental puede ser utilizado para identificar los principios de la justicia de los ciudadanos con diversas doctrinas morales comprensivas haciendo uso de la posición original, del equilibrio reflexivo y de una razón pública.

Palabras clave: Rawls, justificación, coherentista, posición original, equilibrio reflexivo, doctrinas.

Resumo: Rawls tem uma justificação coerentista para a justiça como eqüidade quando afirma que o construtivismo procedimental pode ser usado para identificar os princípios da justiça através de cidadãos com várias doutrinas morais compreensivas fazendo recurso da posição original, do equilíbrio reflexivo e de uma razão pública.

Palavras-chave: Rawls, justificação, coerentista, posição original, equilíbrio reflexivo, doutrinas.

Abstract: Rawls has a Coherentist justification for justice as equity when he states that the Procedural Constructivism can be used to identify the Principles of the Justice of Citizens with various comprehensive morals doctrines making use of the Original Position, of Reflective Equilibrium and of a Public Reason.

Key-words: Rawls, justification, Coherentist, Original Position, Reflective Equilibrium, doctrines.


 Considerações Iniciais

Neste trabalho, me proponho a descrever de que maneira John Rawls pretende alcançar uma justificação epistêmica para a ação moral. Em uma Teoria da Justiça (TJ), Rawls tem um projeto muito ambicioso em relação à sociedade, isto significa dizer que em TJ ele se propõe como tarefa a função de encontrar, dentro da multiplicidade da sociedade, um princípio único de justificação. Nó s vimos que, nesta etapa de seu pensamento, o autor de TJ parece buscar uma verdade absoluta sobre a definição das normas que norteiam a sociedade democrática como tal. Em TJ há uma ênfase muito grande em relação ao descobrimento dos dois princípios fundamentais de sua teoria que são eles: princípio da liberdade e princípio da igualdade e da diferença, os quais seriam aplicados a todos os sujeitos e a todas as formas de vida.

Diferentemente da sua teoria em TJ, em O Liberalismo Político (LP), Rawls afirma que a razoabilidade é mais aceitável do que a verdade moral. É dentro deste prisma da razoabilidade, enquanto paradigma para um processo de discussão com a finalidade de encontrar um consenso, é que nossa análise sobre o coerentismo epistêmico-moral de Rawls será feita. Tentaremos mostrar que no construtivismo rawlsiano, a idéia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, a crença não é dada, em nenhuma instância, como algo terminado. O construtivismo de Rawls se constitui pela interação do indivíduo com outros, com o meio físico e social, com o simbolismo humano, com o mundo das relações sociais; e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e muito menos idéias básicas ou fundacionais. Cumpre aqui salientar que o construtivismo político de Rawls é um modelo de construção da sua teoria, onde o método é o equilíbrio reflexivo; neste  constatamos com maior rigor o coerentismo de sua teoria.

I.    Justificação epistêmica

1. Noção Geral

A característica distintiva da justificação epistêmica significa que se aceita todas, e apenas, aquelas crenças que se tem boa razão para pensar que são verdadeiras. Justificar é, em ampla medida, crê em uma crença tendo o direito de defendê-la; onde isto significa que há causas que a justifique; um justificador pode ser uma evidência ou outras crenças, outros estados mentais conscientes além das crenças, outros fatos sobre nó s e nosso ambiente aos quais não temos acesso. Uma justificação é uma autorização da qual o sujeito dispõe explicitamente.

Existem quatro possibilidades básicas de justificação epistêmica são elas: 1ª. estrutura linear finita – quando uma crença 1 é justificada por uma crença 2 que, por sua vez, é justificada por uma crença 3, onde esta permanece sem justificação; 2ª. estrutura linear infinita – quando uma crença 1 é justificada por uma crença 2, esta, por sua vez, é justificada por uma crença 3 e assim infinitamente; 3ª. estrutura circular – quando uma crença 1 é justificada por uma crença 2 e esta é justificada pela crença 1; 4ª. estrutura linear fundacional – quando uma crença 1 é justificada por uma crença 2 e esta se justifica a si mesma; 5ª. aquela que afirma que a justificação não possui estrutura e nada pode ser justificado.

Neste presente trabalho, nó s vamos levar em consideração somente o tipo de justificação epistêmica que aparece na alternativa 3ª e que é chamada de coerentismo.

2. Coerentismo

2.1.                    Visão Panorâmica

Em geral, há dois tipos de coerentismo, são eles: 1º. o linear, ou seja, aquele que afirma que uma crença 1 é justificada por uma crença 2 que, por sua vez, é justificada por uma crença 3, onde esta é justificada pela crença 1; 2º. o holístico, isto é, aquele que afirma que o status epistêmico de uma crença é dado pelo suporte simétrico e recíproco que o sistema de crenças dá a ela.

Somente o coerentismo holístico vai nos interessar neste presente trabalho. Nele é afirmado que as múltiplas crenças de um sistema colaboram para justificar cada crença pertencente a este mesmo sistema, onde cada uma é reforçada pela outra. Para tal sistema ser coerente, é necessário, também, haver uma consistência no conjunto de crenças. Aqui convém salientar que, para os coerentistas, há um sistema total de crenças, onde este inclui vários outros subsistemas que são julgados pelo sistema geral. Assim, as teorias coerentistas consideram que uma crença é justificada porque e só porque ela é coerente com as outras crenças do sujeito.

Cumpre aqui enfatizar que existem duas importantes características fundamentais das teorias coerentistas, são elas: 1ª. as teorias coerentistas recusam que existam algumas crenças básicas ou fundacionistas; 2ª. a justificação de uma crença é em função de outras crenças.

II.  O Construtivismo kantiano em Rawls

1. Construtivismo político

Em LP, os limites do construtivismo de Rawls são mais claros. Dentre eles, pode-se citar: 1º. a concepção de razão prática é especificamente uma concepção da razão pública; 2º. a teoria rawlsiana é limitada aos estados democráticos; 3º. a visão contida no livro é política; 4º. há diferenças em relação aos comunitaristas (aqueles que propõem que o indivíduo seja considerado membro inserido numa comunidade política de iguais.); 5º. a questão política é focalizada em detrimento das questões éticas; 6º. a concepção da justificação ética de Kant é um construtivismo mais radical do que o que Rawls propõe.

No Construtivismo kantiano na teoria moral, 1980, Rawls fala de um procedimento razoável de construção. Neste sentido, o construtivismo, como modelo metodoló gico na teoria moral no texto rawlsiano de 1980, coloca os elementos dispersos em uma sistematicidade, respeitando a autonomia e a razoabilidade, onde Rawls com os primeiros princípios de justiça pretende alcançá-los conforme uma fundamentação racional que vai resultar em uma objetividade moral que implica em princípios razoáveis para os indivíduos, dadas as suas concepções de pessoa como livre e igual e membro cooperante de uma sociedade democrática. Isto ocorre baseado na aceitação dessas pessoas e na coerência interna desses princípios, não levando na noção de verdade como estrutura da realidade e afirmando que a objetividade das proposições morais ocorre quando um conjunto de proposições coerentes entre si, através do equilíbrio reflexivo, é aceito pelos participantes em Posição Original (recurso heurística procedimental). Desta forma, a objetividade é o resultado da soma coerência dos princípios com a aceitação. Neste caso, um acordo hipotético prova uma justificação categó rica.

Rawls a optar como fundamento de sua teoria o fato de que a característica básica das sociedades modernas é o pluralismo, constatação vista em LP, é conduzido à seguinte questão: como uma sociedade estável e justa de cidadãos livres e iguais pode viver em harmonia quando está profundamente dividida por doutrinas abrangentes? Rawls responde a isto com uma redefinição de contrato e de sociedade bem ordenada.

Portanto, ele explica que uma sociedade bem ordenada tem uma concepção de justiça advinda de um consenso justaposto de doutrinas razoáveis e gerais onde os cidadãos se unem para afirmar uma mesma concepção política, baseada em suas pró prias doutrinas que, embora distintas, convergem para um mesmo ponto.

Desta maneira, Rawls, em LP, tem como procedimento um tipo diferente de construtivismo onde as faculdades da reflexão e do julgamento se desenvolvem no quadro de uma cultura comum que as forma. Dentro deste contexto, ele afirma que os princípios de justiça além de serem políticos, são, também, o resultado de um procedimento de construção. Os princípios de justiça, neste caso, utilizam certas concepções puramente políticas da pessoa e da sociedade para elaborarem uma concepção de um regime constitucional justo que possa ser admitido por quem detém diferentes concepções abrangentes. Sendo assim, a idéia de sociedade consiste em um sistema eqüitativo de cooperação que se estende ao longo do tempo de geração a geração. A concepção de pessoa é a do cidadão livre e igual que tenha a capacidade de elaborar, revisar e perseguir racionalmente concepções do Bem.

Para Rawls as concepções de pessoa e sociedade são idéias fundamentais que os cidadãos compartilham na cultura política, ainda quando eles têm doutrinas abrangentes diferentes. O Rawls do LP é mais restrito quanto à aplicação de sua teoria da justiça, isto é, ele delimita o seu campo às sociedades democráticas modernas. Nelas ele enfatiza a sua legislação e evidencia a característica que elas devem ter como um padrão de correção que é a razoabilidade conforme situações concretas onde a justiça é exigida.

Em TJ, Rawls tem um projeto muito ambicioso em relação à sociedade, isto é, nó s notamos que ele se propõe como tarefa a função de encontrar, dentro da multiplicidade da sociedade, um princípio único de justificação. Nó s vimos que, nesta etapa de seu pensamento, o autor de TJ parece buscar uma verdade absoluta sobre a definição das normas que norteiam a sociedade democrática como tal. Em TJ há uma ênfase muito grande em relação ao descobrimento dos dois princípios fundamentais de sua teoria que são eles: princípio da liberdade e princípio da igualdade e da diferença, os quais seriam aplicados a todos os sujeitos e a todas as formas de vida. Diferentemente da sua teoria em TJ, em LP, Rawls afirma que a razoabilidade é mais aceitável do que a verdade moral.

Apesar de tudo o que foi visto acima, o Rawls de TJ não é mais kantiano do que em LP, embora nó s pudéssemos pensar o contrário, porque em TJ ele busca um elevado grau de abstração em sua teoria política e, em contrapartida, em LP ele é mais delimitado no sentido de que os axiomas do pluralismo e das tolerâncias intentam derivar os interesses em comuns da participação e da constituição da unidade comum dos cidadãos, apesar disto, nó s vimos que em LP, dentre outros fatores, Rawls quando faz uma alusão à questão da razão pública: ele é fortemente influenciado pela distinção que Kant faz da razão pública e privada no seu artigo O Que é O Iluminismo.

Com todo o exposto, nó s acreditamos que em LP há uma possibilidade de revolução rawlsiana no sentido kantiano, pois Rawls neste escrito fornece a real aplicabilidade na sociedade da teoria kantiana, isto é, fornece uma teoria que nela contem as condições para propor uma realização possível, dentro de um procedimento que tem como unidade a razão pública esta fundamentando a ação e o conhecimento, ou seja, fundando tanto os juízos sintéticos a priori quanto o imperativo categó rico. Desta forma, nó s vimos que Rawls coloca a razão pública como referência de unidade para a superação dos dualismos kantianos entre fenômeno e liberdade, tudo isto decorrendo de uma concepção de pessoa, de sociedade e de uma representação satisfató ria destas concepções, isto é, a razão teó rica, neste caso, formando as crenças e os juízos requeridos na formulação dos primeiros princípios de justiça e a aplicabilidade dos mesmos, ocorrendo através de uma forma similar ao imperativo categó rico (mandamento da razão que diz que toda pessoa deve agir conforme os princípios que ela quer que todos os seres humanos sigam e que isso seja uma lei da natureza humana).

O problema básico da filosofia kantiana é o de fornecer uma unidade para a razão. Kant divide este problema em duas dimensões: uma dimensão teó rica ou epistemoló gica e outra prática ou ética. A parte epistemoló gica do problema kantiano está presente na Crítica da Razão Pura. Esta parte teó rica, por sua vez, está dividida em duas questões, a saber: a primeira diz respeito à possibilidade da metafísica como ciência e a segunda sobre como são possíveis a física e a matemática como ciência. A questão que Kant pretende é saber sobre a possibilidade do conhecimento a priori, ou seja, fundar uma necessidade sintética para o conhecimento e que, ao mesmo tempo, seja universal e necessária. As palavras-chave para tal resposta são aquelas que Kant chamou de “revolução copernicana”, ou seja, a afirmação de que o sujeito é parte ativa na elaboração do objeto, efetuando, assim, a sua constituição. Desta maneira, o sujeito só pode conhecer aquilo que ele representa, ou seja, aquilo que ele percebe e sintetiza. Em outras palavras, isto significa que a razão só percebe aquilo que ela mesma produz segundo seu pró prio projeto. Kant, desta maneira, detecta a existência de juízos sintéticos a priori, isto é, juízos universais e necessários que podem ampliar os nossos conhecimentos.

A parte ética da filosofia kantiana é aquela em que Kant mostra que a razão pura é prática por si mesma e que ela nos fornece a lei em que toda a moralidade é alicerçada. Ela pode ser vista nos livros: Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Crítica da Razão Prática e Metafísica dos Costumes. Neles Kant passa a ter como preocupação a fundamentação da ética. Ele procura desvelar em que consiste a universalidade e a necessidade do dever. A consciência do dever é um Faktum da Razão. A Razão é autônoma e, por sua vez, dita a sua pró pria lei que vem na forma de um imperativo, tendo em vista que os seres não são somente racionais, mas que, também, são dotados de razão e sensibilidade (impulsos, paixões etc.), a lei tem que adquirir um caráter de imperativo. Neste sentido, nó s podemos constatar que há uma tentativa por parte de Kant de fundamentar em uma única base tanto à moralidade quanto o conhecimento. Em ambos os casos, esta fundamentação não é metafísica, mas, sim, uma possibilidade de legitimidade da razão, colocando o sujeito como centro fundador de possibilidades, Kant operando, desta forma, uma espécie de revolução copernicana.

Dentro deste contexto, nó s vimos que a referência a Kant ocupa um papel expressivo textual na obra de Rawls. Muitas críticas apareceram em virtude da analogia da teoria de Rawls com a concepção kantiana relativa ao sujeito moral.[1] Com isto, poder-se-ia pensar Rawls como um fundacionista (utiliza-se de crenças básicas). No entanto, para rebater essas críticas e outras que surgiram em relação à sua teoria da justiça, Rawls publica outros escritos. Por este motivo, nó s podemos falar em duas etapas não excludentes do pensamento rawlsiano: 1°- é aquela onde Rawls escreve TJ; 2°- é a fase seguinte a TJ onde o filó sofo de Harvard tenta responder às criticas feitas a sua obra acima citada.

No artigo O Construtivismo Kantiano, a filosofia rawlsiana inicia um processo de aprofundamento dos conceitos originários apresentados em TJ, tais como: 1°. a racionalidade agora significa uma teoria da escolha racional e ela está subordinada ao conceito de razoabilidade. Logo, no escrito acima citado, o autor fala em ser humano razoável como elemento fundador de sua teoria e, não mais, como em TJ em ser humano racional; 2°. os Bens Primários não são mais aquilo que satisfaz às necessidades vitais, como em TJ, mas são aquilo indispensável à realização pelo ser humano de sua personalidade moral no sentido kantiano.

Vale a pena aqui ressaltar que, apesar das reformulações que a teoria rawlsiana sofreu, ainda é clara a influência do pensamento kantiano quanto à questão da elaboração do conceito de justiça de Rawls. Neste sentido, nó s vimos um Rawls afirmando a questão da autonomia moral dos cidadãos em uma sociedade bem ordenada, mostrando a questão da natureza da pessoa no sentido kantiano que ele já esboçou em TJ, comparando a sua Posição Original, o desinteresse que lá ocorre e o Véu de Ignorância ao imperativo categó rico kantiano, dentre outras influências.

Contudo, no artigo O Construtivismo Kantiano, Rawls ainda permanece com algumas imprecisões vistas em TJ como àquelas sobre as crenças morais, defendendo que as concepções de pessoa e sociedade são construídas. Daí decorre a necessidade de Rawls em explicar a sua teoria como política e não metafísica.

No escrito A Teoria da Justiça como Eqüidade: uma teoria política e não metafísica, o autor abandona completamente o conceito de racionalidade visto em TJ, como também a sua ambição universalista. Com isto exclui uma referência à Verdade, limitando o campo de aplicação da sua teoria da justiça às sociedades democráticas, afirmando que o objetivo da mesma é aquele prático, baseado em uma razão pública e fazendo um diferencial entre a sua teoria da justiça como eqüidade em relação ao liberalismo kantiano. Neste sentido a teoria da justiça como eqüidade não pode ter a pretensão de ser a única base das instituições democráticas, nem a mais apropriada e nem a única correta.

Em contrapartida, a justiça como eqüidade tenta mostrar uma concepção que está enraizada nas idéias intuitivas básicas da cultura pública de uma democracia, onde nela o valor da autonomia completa está concretizada em uma sociedade bem ordenada. Em LP Rawls reformula, em partes, o seu pensamento filosófico político. Nele ele continua vendo a justiça como um problema de imparcialidade, tal como é apresentado em TJ, mas modifica alguns aspectos da sua teoria precedente quando constata que é pouco realista a concepção de uma sociedade bem ordenada, como, também, vê que as sociedades modernas são compostas por doutrinas abrangentes, muitas vezes incompatíveis entre si.

Em linhas gerais, nó s podemos constatar que, embora Rawls cite outros filó sofos e ele mesmo faça modificações no conteúdo de suas obras, a teoria da justiça rawlsiana é kantiana em sua natureza como cita o autor da mesma, onde ele afirma a abdicação do caráter de originalidade da sua teoria, procurando características estruturais que já se encontram na teoria de Kant. Apesar da reformulação da teoria da justiça vista em LP, isto é, mesmo ele partindo de um sistema e de uma prática de argumentação que tem como subsídio a diversidade e se dirige a ela desde a perspectiva da imparcialidade, isto ainda não garante a superação de Rawls em relação ao sistema kantiano, pois, neste escrito, o pró prio Rawls afirma que no argumento sobre a objetividade das concepções políticas, ele é essencialmente kantiano.

2.   O Coerentismo de Rawls

2.1. Visão Geral

No entanto, embora Rawls seja um kantiano, e para muitos seria um fundacionista lidando com conceitos a priori, a justiça como eqüidade se utiliza de uma justificação do tipo coerentista, porquanto o coerentismo pode ser caracterizado segundo a concepção de que as crenças só podem ser justificadas em suas relações com outras crenças e, seguindo esta linha, a forma de coerentismo mais influente em relação às teorias morais é o método rawlsiano intitulado de equilíbrio reflexivo. Segundo Rawls, o método adequado supõe começar por um conjunto de crenças ponderadas, formular princípios gerais e revisar tanto os princípios quanto às crenças até alcançar um equilíbrio. A base de justificação da teoria rawlsiana é aquilo que é publicamente aceitável, tomando como referência que existem idéias implícitas na cultura da democracia constitucional. Rawls invoca isto para mostrar como sua concepção política pode ser estável em face do pluralismo razoável, ou seja, como diferentes doutrinas compreensivas seriam capazes de aceitar uma concepção de justiça e de que maneira isso poderia ser justificado de acordo com as razões afirmadas no interior de cada visão compreensiva.

Neste sentido, o consenso sobreposto responde ao fato do pluralismo razoável. Ele define os parâmetros e o alcance da razão pública, justificando a concepção política em dois aspectos: 1. os cidadãos razoáveis podem entender e aceitar a justificação da concepção política em termos da razão pública, porque as razões e as idéias estão implícitas na cultura democrática política; 2. os cidadãos razoáveis teriam suas doutrinas compreensivas compatíveis com a concepção política.

Aqui é conveniente lembrar que este fato ocorre, porque Rawls apela para um procedimento de representação que tem uma postura abstrata, neutra e hipotética chamada de posição original. Ela é um recurso procedimental que garante um acordo eqüitativo em relação aos princípios de justiça.

Desta maneira, Rawls oferece uma justificação coerentista para a posição original afirmando que: 1º. o construtivismo procedimental pode ser usado para identificar os princípios da justiça; 2º. a fundamental justificação da posição original pode ser oferecida por indivíduos com várias doutrinas morais compreensivas.

Sendo assim, a posição original pode ser justificada pelo equilíbrio reflexivo entre os princípios de justiça gerados por ela e com os nossos julgamentos ponderados. Logo, desta forma, esta abordagem para a justificação é coerentista, pois os princípios de justiça são construídos, partindo da posição original em que as várias partes estabelecem um consenso mínimo para que as diferentes doutrinas morais, filosó ficas e religiosas possam, através de um processo de discussão, coexistir em uma sociedade onde a razão pública é compartilhada por todos.

Considerações Finais

Na teoria rawlsiana vale salientar que o seu procedimento consiste em um modelo construtivista que tem o equilíbrio reflexivo como seu correspondente coerentismo epistêmico-moral.

Dentro deste contexto, nó s podemos constatar que existe na filosofia rawlsiana uma teoria ideal e uma teoria não-ideal que servem para explicar a relação existente entre construtivismo e equilíbrio reflexivo em uma formulação de princípios de justiça que sejam internalistas e anti-realistas.

Sendo assim, a teoria rawlsiana é formulada em função de uma construção racional e relacional com o propó sito de elaborar os princípios de justiça. Ela, também, tem uma fundamentação não-fundacionalista que objetiva eliminar da sua doutrina todo e qualquer aspecto metafisicamente fundamentado que tenha como ponto de partida princípios absolutos.

Portanto, o critério de construção dos princípios de justiça é a razoabilidade. Esta, por sua vez, se funda na razão prática, onde o equilíbrio reflexivo é tido como método. Este tem como objetivo esclarecer uma mútua elucidação das convicções ponderadas que exprimem um consenso justaposto sobre a noção de justiça que tem como características a coerência, a precisão e a consistência.

Assim, a justificação ética de Rawls é possível sem pressuposição antecedente de um acordo sobre normas sociais específicas e esta concepção de justificação é alcançada somente através de um acordo sobre normas comunitárias.

Logo, embora Rawls não mencione em nenhum de seus textos que ele tem uma posição coerentista, nó s constatamos este aspecto em sua teoria. Isto ocorreu, porque ele parece ter subjacente na construção da sua justiça como eqüidade as seguintes idéias centrais: 1ª. somente crenças podem justificar outras crenças, nada além disto pode contribuir para uma justificação; 2ª. todas as crenças justificadas dependem de outras crenças para a sua justificação.

Desta maneira, a teoria rawlsiana é coerentista, pois a idéia central da justificação do coerentismo é que toda crença justificada só pode ser assim em virtude das relações com outras crenças. Com isto, para eles, assim como para Rawls, não há crença básica ou fundacional.

A teoria de Rawls, também, considera que as pessoas são seres racionais e razoáveis. Isto significa dizer que elas têm interesses pró prios conforme a concepção de bem que formulam para as suas vidas.

Deste modo, elas orientam suas vidas em função do sentido da justiça que possuem e ponderam com as outras pessoas sobre quais termos justos de cooperação que devem nortear o convívio social e a distribuição de bens. Assim, elas chegam a um acordo sobre os princípios de justiça que serão escolhidos.

Para mostrar como isto pode ocorrer, Rawls desenvolve uma situação hipotética que ele chama de posição original, isto é, procedimento figurativo que permite representar os interesses de cada um de maneira eqüitativa. A partir da posição original são tomadas decisões. Neste sentido, as doutrinas compreensivas são deixadas de lado e as pessoas são motivadas pela concepção política de justiça, de modo que é constituído um consenso sobreposto.

As pessoas, neste estado, têm como prioridade a noção de justo sobre o bem, através da formulação dos princípios da justiça em equilíbrio reflexivo, isto é, equilíbrio atingido pela reflexão entre nossos julgamentos ponderados.

Rawls, assim como os coerentistas, tem explicações internalistas, onde uma crença, ou um sistema de crenças está justificado sempre quando há coerência, isto é, quando nenhuma de suas crenças entra em contradição com outras crenças do sistema.

Neste sentido, aqui cumpre lembrar que, segundo a teoria rawlsiana, para a pluralidade que existe em uma sociedade democrática, uma concepção de justiça só pode ocorrer se é renunciada toda pretensão de verdade, aspirando à defesa de idéias que consigam conviver com qualquer doutrina compreensiva razoável.

Falando de um outro modo, a concepção de razoabilidade na teoria rawlsiana tem como objetivo separar toda a pretensão de uma razão pura prática, no sentido de que só se pode falar com argumentos razoáveis, coerentes e publicamente defensáveis.

Desta forma, a crença justificada é concebida politicamente enquanto resultado de critérios públicos consensualmente conseguidos através de erros e acertos visando à escolha dos princípios que devem reger as relações e instituições sociais.

Portanto, a teoria rawlsiana é coerentista quando afirma que uma crença é justificada quando ela é coerente com outras e quando mostra que a exigência de consistência da justificação epistêmica é uma propriedade relacional global de um sistema de crenças e não uma relação inferencial de crenças.

Referencias

* Este artículo es resultado de investigación del proyecto “Justificación epistémica en la teoría del John Rawls” realizado en la Universidade Federal do Piauí.

[1]  Como por ex. as de Michael Sandel e as de Charles Taylor dentre outras.

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