SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.31 issue2Cognitive style in nursery students of the National University of Colombia 2009Nursing diagnose in individuals admitted to the intensive therapy unit author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Avances en Enfermería

Print version ISSN 0121-4500

av.enferm. vol.31 no.2 Bogotá July/Dec. 2013

 

av.enferm., XXXI (2): 65-73, 2013

Artículo de Investigación

Exame preventivo do câncer de colo uterino: a percepção das mulheres.

Preventive exam of uterine cervix cancer: the perception of women.

Examen preventivo de cáncer del cuello uterino: la percepcion de las mujeres.

Lúcia Beatriz Ressel1, Karine Eliel Stumm2, Andressa Peripolli Rodrigues3, Carolina Carbonell dos Santos4, Carolina Frescura Junges5.

1Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria, RS–Brasil. Líder do Grupo de Pesquisa Cuidado, Saúde e Enfermagem/UFSM. Tutora do Programa de Educação Tutorial – PET Enfermagem/ UFSM. Correo: lbressel208@yahoo.com.br.

2 Enfermeira. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria, RS–Brasil. Membro do Grupo de Pesquisa Cuidado, Saúde e Enfermagem/UFSM. Correo: kkstumm@hotmail.com.

3 Enfermeira. Doutoranda pela Universidade Federal do Ceará-UFC, CE-Brasil. Integrante dos Grupos de Pesquisa Cuidado à Saúde das Pessoas, Famílias e Sociedade (PEFAS/UFSM) e Enfermagem na Promoção e Educação em Saúde da Família e da Criança (UFC). Correo: andressaufsm@hotmail.com.

4 Enfermeira. Docente do curso de Enfermagem da Universidade da Região da Campanha-Campus Bagé. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem/Universidade Federal de Pelotas-RS-Brasil. Membro do grupo de Pesquisa Cuidado, Saúde e Enfermagem/UFSM e Núcleo de Estudos em Prática de Saúde e Enfermagem NEPEn/UFPel. Correo: carolinaufsm@hotmail.com.

5 Enfermeira. Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (PEN/UFSC). Membro do Grupo de Pesquisa em Enfermagem na Saúde da Mulher e do Recém-Nascido (UFSC) e do grupo de pesquisa Cuidado, Saúde e Enfermagem (UFSM). Correo: cfjunges@hotmail.com.

Recibido: 18/07/2012 Aprobado: 10/04/2013.


Resumo

Conhecer as percepções das mulheres atendidas em uma Unidade Básica de Saúde acerca do exame preventivo do câncer de colo uterino. Pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa, desenvolvida com 15 mulheres assistidas em uma Unidade Básica de Saúde do interior do Rio Grande do Sul, utilizando-se um roteiro para entrevista semiestruturada. Os dados foram submetidos à análise temática. As mulheres apresentam um conhecimento acerca do exame, mesmo sendo superficial e confuso. Os profissionais têm, ao seu alcance, a educação em saúde como estratégia para o empoderamento das usuárias, considerando suas subjetividades pessoais adquiridas. A falta de conhecimento adequado faz com que muitas mulheres tenham dúvidas sobre o verdadeiro sentido da realização do exame preventivo de câncer de colo uterino.

Palavras-chave: enfermagem; saúde da mulher; prevenção de câncer de colo uterino (Fonte: DeCS, BIREME).


Abstract

To know the woman perceptions assisted in a Basic Health Unit about the preventive exam of uterine cervix cancer. Exploratory research, descriptive, with qualitative approach, developed with 15 women who frequent a Basic Health Unit of a country town of the state Rio Grande do Sul, using a script for the half-structured interview. The women show some knowledge about the exam, even being superficial and confusing. The health professionals have, at their reach, the health education as strategy for the women empowerment, considering their personal subjectivity acquired. The lack of a proper knowledge makes that a lot of women have doubts about the real value that exist in the preventive exam of uterine cervix.

Key words: nursing; women’s health; cervix neoplasms prevention (Source: DeCS, BIREME)


Resumen

Conocer las percepciones de las mujeres atendidas en una Unidad Básica de Salud (UBS) acerca del examen preventivo del cáncer de cuello uterino. Investigación exploratoria, descriptiva, con abordaje cualitativo, realizado con 15 mujeres atendidas en una UBS del interior del Rio Grande do Sul, utilizándose un guión para entrevista semiestructurada. Los datos fueron sometidos al análisis temático. Las mujeres presentan un conocimiento acerca del examen, aunque sea superficial y confuso. Los profesionales tienen, a su alcance, la educación en salud como estrategia para el empoderamiento de las usuarias, considerando sus subjetividades personales adquiridas. La falta de conocimiento adecuado hace con que muchas mujeres tengan dudas sobre el verdadero sentido de la realización del examen preventivo del cáncer de cuello uterino.

Palabras Clave: nfermería; salud de la mujer; prevención de cáncer de cuello uterino (Fuente: DeCS, BIREME)


Introdução

O câncer de colo uterino é uma doença relacionada com a vivência da sexualidade. Resulta de alterações que determinam um crescimento desordenado do tecido do colo do útero, podendo invadir tecidos próximos ou distantes. É uma doença que comumente evolui lentamente, favorecendo a cura, se detectada e tratada precocemente (1).

Em todo mundo, aproximadamente, surgem 529 mil casos novos de câncer de colo uterino, sendo apontado como o terceiro tipo de câncer mais comum entre as mulheres e responsável pelo óbito de, aproximadamente, 275 mil mulheres por ano (1). No Brasil, esse quadro também é alarmante e, segundo estimativas para o ano de 2012, esperam-se 17.540 casos novos de câncer do colo do útero (1).

De acordo com pesquisa na área da saúde (1), as evidências apontam o Papilomavírus Humano (HPV) como o agente infeccioso mais importante no desenvolvimento do câncer de colo uterino. A disseminação do HPV tende a ser universal entre os indivíduos sexualmente ativos. No entanto, a transmissão desse vírus pode ser minimizada por meio de atividades realizadas pelos profissionais da saúde, em especial no que diz respeito à orientação quanto ao uso de preservativos e a realização de exame ginecológico regularmente (2).

Apesar da importância do exame ginecológico, os fatores que contribuem para que as mulheres não realizem este exame periodicamente é o fato de desconhecimento deste tipo de câncer, da técnica e da importância do exame preventivo; sentimento de medo na realização do exame; medo de se deparar com resultado positivo para câncer; sentimentos de vergonha e constrangimento; necessidade de modelo de comportamentos adequados à prevenção de saúde; e dificuldades para a realização do exame (3).

Em muitas sociedades as normas que regulamentam o comportamento feminino influenciam o cuidado de si e a forma de expressar e relacionar seu corpo e seu sexo, produzindo constrangimentos, temor e ignorância no que envolve a sexualidade (4).

Sob a ótica cultural, as representações do corpo humano manifestam-se de diferentes formas, segundo condicionantes específicos. O corpo é reconhecido e simbolizado, nas diferentes sociedades, como um organismo físico influenciado por um conjunto de crenças sobre seu significado social e psicológico, sua estrutura e função. É, pois, a cultura que orienta a percepção e a interpretação dos corpos em todas as sociedades, bem como das mudanças que ocorrem neles (5).

Assim, as percepções das mulheres em relação ao seu corpo e aos eventos que envolvem a sexualidade influenciam na maneira de vivenciar e reconhecer as situações de cuidado. Por outro lado, a forma como são realizadas as consultas ginecológicas e o primeiro exame preventivo de câncer de colo uterino, bem como o provável vínculo criado entre o profissional da saúde e a mulher, é determinante para o reconhecimento da importância da prevenção e do autocuidado. Para a mulher é fundamental estabelecer um elo de confiança com o profissional, fortalecendo uma relação de respeito e de solidariedade que proporcionam que ela se sinta à vontade para realizar o exame periodicamente (2). Nesta direção, este artigo apresenta os resultados da pesquisa “A percepção das mulheres em relação ao exame preventivo do câncer de colo uterino”, cujo objetivo foi conhecer as percepções das mulheres atendidas em uma Unidade Básica de Saúde acerca do exame preventivo do câncer de colo uterino.

Metodologia

Trata-se de uma pesquisa exploratória e descritiva, com abordagem qualitativa, que teve como cenário de estudo uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do interior do Rio Grande do Sul. A opção pelo método qualitativo, além de permitir investigar processos sociais ainda pouco conhecidos referentes a grupos particulares, propiciou a construção de novas abordagens, revisão e criação de novos conceitos e categorias durante a investigação (6).

Participaram do estudo 15 mulheres que frequentavam esta unidade de saúde, convidadas aleatoriamente para participar da pesquisa, sendo incluídas aquelas que realizaram o exame citopatológico no período da coleta de dados, que já haviam realizado este exame anteriormente e que estavam na faixa etária entre 25 e 60 anos de idade. Justifica-se esta faixa etária porque o Ministério da Saúde preconiza o rastreamento prioritariamente neste período (7). O local de estudo está inserido em uma área urbana que apresenta uma série de problemáticas relacionadas às desigualdades sociais. Além disso, a violência e o tráfico de drogas estão presentes de forma marcantes na realidade social dos moradores. A condição de pobreza da maioria dos moradores é outra situação notável na região. O atendimento à população acontece nos períodos manhã, tarde e noite, no entanto as consultas ginecológicas destinadas à realização do exame preventivo ocorrem no turno da manhã com o profissional médico.

A coleta dos dados perpassou os meses de abril e maio de 2009. Foi realizada entrevista semiestruturada, que permite o direcionamento da entrevista, tanto pelo entrevistador como pelo entrevistado (6). A entrevista semiestruturada foi baseada nas seguintes perguntas: O que você sabe/ ou ouviu falar sobre o Exame Citopatológico (ECP)? Como você adquiriu esta informação? Você já realizou o ECP? Quando foi a última vez? De quanto em quanto tempo realiza? Por que está realizando este exame? Você conversa sobre este exame com outras mulheres? Com quais mulheres? O que é falado? Você conversa sobre este exame com seu companheiro/marido? O que vocês falam a respeito? Quais os sentimentos que antecedem a consulta? Como você se sente ao realizar este exame? Você recebeu informações sobre o ECP de profissionais da saúde? Qual profissional informou? O que foi informado?

O projeto da pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 10/11/2008, obtendo parecer favorável sob número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 0214.0.243.000-08. Empregou-se o sistema alfanumérico na identificação dos relatos para a preservação do anonimato das participantes.

Os dados receberam tratamento conforme a análise temática, que se caracteriza pela realização de procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição dos conteúdos das mensagens (8). A escolha desta deveu-se ao fato de esse ser um método rápido e eficaz na condição de se aplicar a discursos diretos e simples (8) embasado na regularidade das afirmações denotando, dessa forma, estruturas de relevância, valores de referência e comportamentos presentes ou subjacentes nos discursos (6). Realizou-se a leitura sistemática do material, a qual permitiu agrupar os fragmentos que se repetiam ou possuíam semelhança semântica nos diferentes depoimentos. Posteriormente, procedeu-se a categorização dos elementos constitutivos do tema, e emergiram três unidades temáticas: “A construção do conhecimento em relação ao exame citopatológico”; “O cuidado de si mesma”; e “Sentimentos que emergiram ao realizar o exame citopatológico”.

Resultados e discussão

Em relação à unidade temática de construção do conhecimento quanto ao exame citopatológico de colo uterino, as mulheres apontam em seus relatos entendimentos referentes ao aspecto preventivo do exame, a necessidade de realização periódica e a forma de coleta do material, como se observa a seguir:

Tem que se prevenir, pra ver se tem ferida, câncer. (B3).

É pra se fazer um diagnóstico precoce. (B7).

... que tenho que fazer todos os anos e se der alterado tenho que fazer em seis meses e que tudo que tiver no útero ele mostra. (B2)

...É uma raspagem? Coloca na lâmina e depois analisa. (B4)

Põe um aparelho lá dentro e puxa um liquido que eu já vi fazer. (B8)

O que se observa nas falas e em outro estudo, é que as mulheres apresentam um conhecimento acerca do exame, mesmo sendo, algumas vezes, superficial e confuso (9). Além disso, as mulheres em idade de realizar a prevenção do câncer de colo uterino têm pouca clareza do significado da prevenção, uma vez que somente o ato de realizar o exame é visto como método preventivo, pois elas desconhecem os fatores de risco envolvidos no câncer de colo uterino e os conhecimentos relacionados à educação em saúde (10-11). Percebemos que estas mulheres reconhecem a importância do exame, porém não relacionam o exame com alguma patologia específica, não demonstrando conhecer o real motivo de sua realização.

Isso reverte em interesse na busca do serviço para a realização do exame, e sinaliza um cuidado previsto por elas para algo que entendem importante para preservarem sua saúde. Chama atenção o fato de que mesmo não entendendo corretamente a técnica do exame, elas o relacionam com o aspecto preventivo, com uma forma de diagnóstico precoce, com a periodicidade e com o procedimento de coleta do material. Nesse sentido, as mulheres apresentam um equívoco quando alegam haver coleta de um “líquido”, pois o que na verdade ocorre é a análise das células da ectocérvice e da endocérvice que são extraídas por raspagem do colo do útero (12). Isto pode ocorrer, pois muitas vezes o exame não é explicado pelo profissional de saúde, o que poderia ser diferente, sendo que à medida que o exame é realizado o profissional pode e deve explicar o procedimento que realiza naquele momento (13).

No entanto, muitas vezes, a falta de conhecimento adequado sobre este exame e sua importância, pelas mulheres, podem constituir uma barreira, tanto para os serviços de saúde, quanto para as usuárias que o utilizam. O investimento de orientações e esclarecimentos oportuniza que as mulheres voltem seus olhares, com maior compromisso, para questões relacionadas ao autocuidado, e exercitem seu papel de protagonistas na preservação de sua saúde (9).

Salienta-se que a comunicação das informações de maneira adequada, considerando a linguagem, os conceitos transmitidos e os valores culturais impregnados nas atitudes dos profissionais, podem ser instrumentos para a humanização e difusão do conhecimento. Portanto, para a construção do conhecimento das mulheres sobre o exame citopatológico, devemos considerar que a compreensão e a utilização das informações contemplem as características e o contexto em que as usuárias estão inseridas (9,14). Pois muitas vezes é usada uma linguagem pouco compreensível ou até mesmo a comunicação é restringida em dados objetivos da mulher em detrimento do subjetivo, de seus sentimentos e expectativas para aquele momento.

Além disso, os profissionais de saúde têm, ao seu alcance, a educação em saúde como estratégia para o empoderamento das usuárias. A maneira como estas informações são colocadas à disposição das mulheres, vai repercutir na aderência e na busca de cuidados por parte delas. Soma-se a isso, que as subjetividades pessoais como suas crenças, opiniões, concepções e conhecimentos já adquiridos anteriormente devem ser considerados pelos profissionais que as assistem.

Quando indagadas sobre como se deu a construção destes conhecimentos, as mulheres indicaram as informações veiculadas nos meios de comunicação, as rodas de conversa entre mulheres e as orientações dos profissionais de saúde e agentes de saúde, como principais fontes de conhecimento acerca deste tema, conforme é destacado nas falas:

Dá na televisão, no rádio, as mulheres conversam, a gente escuta, onde a gente tá a gente ouve, aqui e ali vai pegando. (B1)

Fiquei sabendo desta informação quando fui realizar o exame, que por curiosidade eu perguntei. (B8)

(...) só a agente de saúde que explica (B9)

Através do posto, do ginecologista. (B7)

A enfermeira sempre que vai fazendo vai conversando comigo e explicando o exame (B10)

Nessa unidade temática, percebe-se nos depoimentos a influência da comunicação midiática por meio da televisão, rádio, revistas, e também por parte dos serviços de saúde. Isso traduz a necessidade dos profissionais de saúde em adotar nas suas atividades preceitos de educação em saúde que tenham como pano de fundo a cidadania, considerando a saúde, não como necessidade, mas como um direito do cidadão. Neste cenário de cuidado, tal investimento significa criar condições de empoderamento às mulheres.

O enfermeiro, ao desenvolver ações educativas, tem um papel fundamental na prevenção e promoção da saúde das pessoas. Neste sentido, ao deixar de lado o modelo biomédico, que se preocupa, prioritariamente, com o tratamento de doenças passa a promover o conhecimento das mulheres e o incentivo do cuidado de si (15). Esta ferramenta, além de aproximar o enfermeiro da mulher, permite dar voz a esta, favorecendo sua fala, sentimentos e conhecimento acerca de seu próprio corpo.

A mídia mostrou-se como uma das fontes de informação que incentiva as mulheres a procurar o serviço de saúde para a realização do exame. Os meios de comunicação exercem forte influência no comportamento das pessoas, e se usados de forma positiva podem contribuir para a divulgação dos benefícios e da desmistificação do exame preventivo de colo uterino (15).

Observa-se que a construção do conhecimento acerca deste exame se dá de forma variada, demonstrando a relevância da comunicação por parte dos profissionais da saúde e as mulheres. Nesse sentido, o enfermeiro deve utilizar-se da escuta e da interação, estando atento às dúvidas, queixas e necessidades, para que consiga relacionar-se efetivamente com a mulher a ser atendida (16).

No grupo de mulheres deste estudo fez-se referência sobre o compartilhamento dos conhecimentos acerca deste tema. Nessa unidade temática, algumas mulheres referiram compartilhar com amigas, com mulheres do círculo de parentesco próximo como irmãs, mãe, filhas, cunhada e também com seus maridos:

Ah eu converso com as minhas amigas, minhas irmãs também. (B1)

Sim, com a minha cunhada e minha mãe. (B2)

Falo com amigas, no grupo de ginástica e de tricô (B7)

Ele (marido) pergunta pra vê como é que foi. Ele diz que é importante eu fazer. (B5)

Percebe-se a existência de redes de compartilhamento de informações e geração de conhecimento no círculo de convívio social próximo. Embora informal, este saber torna-se importante à medida que (re) produz crenças e traduz significados específicos aos grupos. Nesta direção destaca-se a relevância da aproximação dos saberes entre os profissionais e as mulheres e a compreensão de seus valores (17-18). Com isso pode-se construir uma relação de cuidado receptiva, apoiadora e flexível.

Ademais, observa-se que este tema é recorrente na intimidade das mulheres, uma vez que envolve pessoas muito próximas e seus companheiros. A relação dialógica com o companheiro pode contribuir no cuidado de sua saúde, no compartilhamento de responsabilidades e saberes.

Este entendimento denota a necessidade de ampliar as possibilidades de atenção através da aproximação entre sujeitos e serviços de saúde e da participação efetiva destes indivíduos na atenção à saúde, procurando o reconhecimento e a valorização das pessoas pela consideração de suas alteridades, subjetividades, necessidades, sentimentos, afetos, alegrias e sofrimentos (19).

Em menor intensidade, algumas mulheres, posicionaram- se expressando dificuldade em tratar este assunto com demais pessoas. Observa-se nos depoimentos:

Não me sinto bem, eu fico meio envergonhada de conversar essas coisas. (B11)

Não, não costumo, é difícil. Com as minhas gurias a gente não tem esse assunto. (B12)

Esta unidade temática demonstra nas falas que há dificuldade de falar sobre o exame. A vergonha, a falta de informação, de autoconhecimento e a repressão cultural que a mulher sofreu durante anos contribuem para a dificuldade de conversar sobre sexualidade, sobre o corpo e consequentemente sobre cuidados com mesmo, como a realização do exame preventivo. Além disso, as mulheres estão acostumadas a tomarem para si a responsabilidade de sua saúde. Muitas mulheres alojam assuntos referentes ao cuidado de seu corpo, no que tange a sexualidade, no silêncio, na negação de sua existência, e em estratégias de proibição de compartilhamentos (4).

É na família, no decorrer da infância e parte da adolescência, que se firmam os valores culturais da sexualidade e do cuidado com seus corpos, para homens e mulheres. É no convívio com os pais e demais familiares que se marca o padrão cultural da sexualidade e dos eventos adjacentes a este. A partir daí, o comportamento feminino e o masculino são delineados numa construção pertinente aos valores sociais do grupo em que faz parte, delineando limites, restrições, vergonha (4).

Na unidade temática que aborda o motivo da realização do exame citopatológico as participantes do estudo referiram o cuidado de si mesmas, o estímulo por parte dos companheiros/maridos, a solicitação do médico, o aparecimento de algum sintoma e o controle porque já tem o vírus do HPV, como se verifica nas falas:

Eu faço sempre de seis em seis meses ou de ano em ano. (B11)

Porque faz muitos anos que não faço, para fazer uma revisão. (B8)

Porque eu sentia muito dor por dentro, daí o médico disse que eu tinha o vírus. (B2)

“Parecia que tinha uma bolinha... daí me preocupei em fazer o exame.” (B4)

(...) ele (o marido) diz pra eu fazer o exame porque é importante. (B8)

Evidencia-se que as mulheres procuram o serviço, prioritariamente, em função da presença de sinais e sintomas de doença, mas também motivadas pelo cuidado rotineiro de sua saúde, apoiadas pelos companheiros ou encaminhadas por profissionais de saúde. Embora confundam este exame com um cuidado preventivo, elas veem a possibilidade de serem acometidas pela doença ao perceberem alterações fisiológicas no seu corpo.

A busca pelo exame somente quando aparecem sintomas é preocupante, alertando que há necessidade de maior interação entre profissionais de saúde e as mulheres. Esta interação deve estar pautada na compreensão do contexto cultural em que se insere esta mulher, a fim de criar um cuidado mais efetivo, que possibilite a ela entender a importância do cuidado de si, e não fique centrado apenas nos procedimentos meramente técnicos.

Compreende-se que, esta busca por assistência médica é, para elas, um cuidado com o seu corpo, mesmo que este cuidado se dê apenas com o surgimento de sintomas (20). No entanto é muito importante que o profissional da saúde propicie a autonomia da mulher explicando-lhe sobre a doença, sobre o exame, e estimulando- a a conhecer seu próprio corpo, para torná-la ativa no cuidado de si e na tomada de decisões referentes à sua vida e saúde (21).

Ressalta-se ainda, que as mulheres acham importante a realização do exame para descobrirem uma doença, esse motivo mostra a pouca informação que possuem frente a seu próprio corpo (8,22). Muitas vezes, a indicação para a coleta do exame parte dos próprios profissionais a partir das queixas ginecológicas das mulheres. Com isso, o exame é visto de forma obrigatória e não no seu verdadeiro significado de cuidado de si, de autonomia e oportunidade de protagonismo na saúde das mulheres, reforçando o aspecto mecanicista que as campanhas para o exame citopatológico difundem, tanto na mídia quanto nos serviços de saúde.

Na busca de entendimentos relacionados à realização do exame citopatológico, evidenciaram-se nesta unidade temática os sentimentos vividos pelas mulheres deste estudo. A vergonha é o sentimento mais referido por elas:

Olha, eu fico nervosa. (B11)

Antes eu tinha vergonha, agora não tenho mais. (B12)

Fico ansiosa e prefiro que seja a enfermeira porque é mulher e explica mais. (B10)

Algumas mulheres apontaram vergonha, nervosismo, ansiedade, medo de dor e constrangimento por realizar exame com profissional do sexo masculino, preferindo realizar o exame com uma enfermeira. A exposição do corpo para uma pessoa desconhecida é o principal motivo da vergonha para as mulheres, pois elas se sentem expostas ao julgamento do profissional, o que lhes causa grande desconforto e constrangimento (10).

Estudo aponta que 39,3 % das mulheres indicam a vergonha como principal sentimento desafiador para a realização do exame, enquanto para 21,4% das mulheres o medo é o principal sentimento que dificulta a realização do exame. Outros sentimentos vivenciados também são a ansiedade e a tensão, além da insegurança e a invasão de privacidade relatados pelas mulheres como problemas que antecedem a realização do exame (12).

Isso sinaliza, aos profissionais de saúde, que é necessário aprender a lidar de uma maneira diferente com o corpo do outro e com sua sexualidade, uma vez que na prestação do cuidado, os profissionais renegam o constrangimento e a forma como se construiu os significados em relação ao corpo, a intimidade e a sexualidade dos sujeitos cuidados (4,20,23). Além disso, o fato do profissional de saúde ser do mesmo sexo, as mulheres subentendem que esta seja uma garantia de atendimento humanizado, já que a maioria passa pela mesma experiência (8). Percebemos isto em vista de que as mulheres sentem-se mais à vontade e falam mais sobre sua sexualidade quando realizam o exame com a enfermeira.

Os sentimentos de nervosismo e ansiedade podem estar relacionados com o procedimento de coleta do exame e também ao medo de obter um resultado positivo para uma doença, fazendo com que as mulheres sofram por antecipação frente à possibilidade de terem câncer e de terem dor na coleta. Isso foi relatado em outro estudo sobre esta temática revelando que, no momento em que o exame termina e o profissional de saúde comenta que está tudo bem, elas sentem-se aliviadas, esquecendo o desconforto, o medo, o nervosismo e a ansiedade (20).

Assim, se faz necessário que o profissional da saúde compreenda a mulher no seu contexto social, cultural e econômico de forma a proporcionar um acolhimento humanizado e integral. Ao formar vínculo com a mulher, o/a enfermeiro/a consegue minimizar os sentimentos negativos, assegurando que ela busque novamente o serviço para realizar prevenção e sinta menos constrangimento e nervosismo (24). Logo, uma adequada preparação para este exame, visando o bem estar da mulher propicia um relacionamento de empatia e confiança, assegurando uma maior efetividade na relação entre o profissional de saúde e a mulher (25).

Outras mulheres referiram os sentimentos de tranquilidade e alívio presentes no processo de cuidar de si por meio da realização deste exame, como se pode ver a seguir:

Me sinto bem. Agora ela fez e disse que tá tudo bem, eu tenho as crianças, eu cuido das crianças sozinha. (B3)

Me sinto realizada por estar fazendo o exame, porque é um exame bem necessário, é importante me preocupar com meu corpo. Tem que fazer esse exame. (B8)

Para as mulheres deste estudo, a realização do exame assegura a manutenção da saúde e a possibilidade de autocuidado e de sua família, revelando assim um sentimento de tranquilidade. Suas expectativas estão relacionadas ao desejo de um resultado negativo do exame ou de um diagnóstico precoce que pode possibilitar a cura. O envolvimento familiar reforça, intrinsecamente, essa motivação e o sentimento de segurança frente à realização do exame. A conotação da importância desse exame e os sentimentos de alívio externalizados também estão presentes em outros estudos referentes à temática (15,20), o que reforça a necessidade de incentivo por parte dos profissionais de saúde as mulheres no cuidado de si.

Considerações finais

Com este estudo, foi possível identificar que as mulheres apresentam conhecimento em relação ao exame preventivo de câncer de colo do útero, mesmo sendo pouco profundo e equivocado algumas vezes. Elas o relacionam com o aspecto preventivo ou com uma forma de diagnóstico precoce.

Indicam conhecimento sobre o objetivo do exame, a periodicidade e o procedimento de coleta do material. Constroem estes conhecimentos por meio de informações veiculadas na mídia, de orientações dos profissionais de saúde (ginecologistas e enfermeiros) e agentes de saúde, e no compartilhamento em rodas de conversa entre mulheres.

O compartilhamento de informações é importante à medida que (re) produz crenças e traduz significados específicos aos grupos. E como seres culturais a linguagem, os conceitos transmitidos e os valores impregnados nas atitudes dos profissionais, podem ser instrumentos para a humanização do cuidado, a reflexão destas mulheres quanto ao cuidado de si e seu interesse na busca do serviço para a realização do exame.

Logo, a aproximação dos saberes entre os profissionais e as mulheres e a compreensão de seus valores devem ser considerados na maneira como as informações são colocadas à disposição delas, uma vez que isso reverte na difusão do conhecimento e em condições de criar empoderamento às mulheres.

A atitude do profissional de saúde é fundamental para aderência e busca de cuidados pelas mulheres. Com atitude de respeito e solidariedade, cria-se vínculo e sentimento de confiança, que potencializa o cuidado e reforça a integralidade do mesmo, o que vai repercutir na construção de uma relação de cuidado receptiva, apoiadora e flexível.

Para minimizar os sentimentos negativos que envolvem a realização do exame preventivo ratifica-se a criação do vínculo entre a mulher e o profissional, que assegura um relacionamento de empatia e confiança, fazendo com que ela busque novamente o serviço para realizar prevenção e sinta menos constrangimento e nervosismo.

Isso orienta os profissionais de saúde, quanto à necessidade de lidar de maneira diferente com o corpo do outro e com sua sexualidade, uma vez que na prestação do cuidado, muitas vezes, os profissionais renegam o constrangimento e a forma como se construiu os significados em relação ao corpo, a intimidade e a sexualidade dos sujeitos cuidados. Ademais, o profissional, ao se aproximar das reais necessidades da mulher assistida, promove a autonomia e a corresponsabilização pela sua saúde. Entendemos que esta reflexão, pode contribuir aos profissionais de saúde quanto à prestação do cuidado a estas mulheres que enfrentam muitos tabus até chegarem ao serviço de saúde em busca do atendimento e realização do exame preventivo.

Destacamos, ao final que, as ações relacionadas à informação clara sobre a prevenção de doenças ginecológicas e a importância do exame citopatológico, além de estimular à mulher a conhecer o seu próprio corpo, tornam- na ativa no cuidado de si e na tomada de decisões referentes à sua vida e saúde. Apontamos este estudo como relevante à comunidade científica à medida que permite a reflexão acerca do cuidado de saúde às mulheres, a partir de suas falas explicitadas neste estudo e da lógica do cuidado humanizado. Sugerimos outros estudos a cerca do tema que possam compreender a não adesão de mulheres ao exame preventivo, visto que em grande parte das falas as mulheres reconhecem a importância deste exame.


Referências

( 1 ) Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação Geral de Ações Estratégicas. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2012 : incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: Inca; 2011.         [ Links ]

( 2 ) Oliveira MM, Pinto IC, Coimbra VCC. Potencialidades no atendimento integral: a prevenção do câncer do colo do útero na concepção de usuárias da estratégia saúde da família. Revista Latino-americana de Enfermagem. 2007; 15(3).         [ Links ]

( 3 ) Ferreira MLSM. Motivos que influenciam a não-realização do exame de Papanicolau segundo a percepção de mulheres. Esc Anna Nery Rev Enferm 2009 abr/jun; 13 (2): 378-84.         [ Links ]

( 4 ) Ressel LB, Budó MLD, Sehnem GD, Büttenbender. Um exercício reflexivo acerca da sexualidade na ótica dos acadêmicos de enfermagem: avaliando o processo. OBJN. 2008; 7(1).         [ Links ]

( 5 ) Helman CG. Cultura, Saúde e Doença. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2003.         [ Links ]

( 6 ) Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 10ª ed. São Paulo: Hucitec; 2007.         [ Links ]

( 7 ) Instituto Nacional de Câncer. Brasil. Plano de ação para redução da incidência e mortalidade por câncer do colo do útero: sumário executivo. Rio de Janeiro: INCA; 2010.         [ Links ]

( 8 ) Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977.         [ Links ]

( 9 ) Oliveira SL, Almeida ACH. A percepção das mulheres frente ao exame de Papanicolau: da observação ao entendimento. Cogitare Enferm. 2009; 14 (3): 518-26.         [ Links ]

( 10 ) Thum M, Heck RM, Soares MC, Deprá AS. Câncer de colo uterino: percepção das mulheres sobre prevenção. Cienc Cuid Saúde. 2008; 7 (4): 509-16.         [ Links ]

( 11 ) Albuquerque KM, Frias PG, Andrade CLT, Aquino EML, Menezes G, Szwarcwald CL. Cobertura do teste de Papanicolau e fatores associados à não-realização: um olhar sobre o Programa de Prevenção do Câncer do Colo do Útero em Pernambuco, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2009; 25 (2): 301-9.         [ Links ]

( 12 ) Souza DA, Silva JO, Pinto NMM. Conhecimento e prática das mulheres em relação ao exame citológico do colo uterino. Revista Enfermagem Integrada. 2010 nov/dez; 3 (2): 506-18.         [ Links ]

( 13 ) Moura ADA, Silva SMG, Farias LM, Ferroza AR. Conhecimento e motivações das mulheres acerca do exame de Papanicolau: subsídios para a prática de enfermagem. Rev. Rene. Fortaleza. 2010; 11 (1): 94-104.         [ Links ]

( 14 ) Cruz LMB, Loureiro RP. A comunicação na abordagem preventiva do câncer do colo do útero: importância das influências histórico-culturais e da sexualidade feminina na adesão às campanhas. Saúde Soc. São Paulo. 2008; 17 (2): 120-31.         [ Links ]

( 15 ) Silva SED, Vasconcelos EV, Santana ME, Lima VLA, Carvalho FL, Mar DF. Representações sociais de mulheres amazônicas sobre o exame Papanicolau: implicações para a saúde da mulher. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008; 12 (4): 685-92.         [ Links ]

( 16 ) Araújo CS, Luz AH, Ribeiro GTF. Exame preventivo de Papanicolau: percepção das acadêmicas de enfermagem de um centro universitário do interior de Goiás. Rev Min Enferm. 2011; 15 (3): 378-85.         [ Links ]

( 17 ) Mendonça FAC, Sampaio LRL, Jorge RJB, Silva RM, Linard AG, Vieira NFC. Prevenção do câncer de colo uterino: adesão de enfermeiros e usuárias da atenção primária. Rev rene. 2011; 12 (2): 261-70.         [ Links ]

( 18 ) Sousa IGS, Moura ERF, Oliveira NC, Eduardo KGT. Prevenção do câncer de colo uterino: percepções de mulheres ao primeiro exame e atitudes profissionais. Rev. Rene. 2008; 9 (2): 38-46.         [ Links ]

( 19 ) Mandu ENT. Proposições técnico-políticas em saúde e suas implicações para atenção à saúde reprodutiva. In: Mandu ENT, organizador. Saúde reprodutiva: abordagem para o trabalho de enfermeiros (as) em atenção básica. Cuiabá: UFMT; 2006. p.9-22.         [ Links ]

( 20 ) Duavy LM, Batista FLR, Jorge MSB, Santos JBFdos. A percepção da mulher sobre o exame preventivo do câncer cérvico-uterino: estudo de caso. Ciência & Saúde Coletiva. 2007; 12 (3): 733-42.         [ Links ]

( 21 ) Diógenes MAR, Linard AG, Teixeira CAB. Comunicação, acolhimento e educação em saúde na consulta de enfermagem em ginecologia. Rev. Rene. 2010; 11 (4): 38-46.         [ Links ]

( 22 ) Silva SED, Vasconcelos EV, Santana MED, Rodrigues ILA, Mar DF, Carvalho FDL. Esse tal Nicolau: representações sociais de mulheres sobre o exame preventivo do câncer cérvico-uterino. Rev Esc Enferm USP. 2010; 44 (3): 554-60.         [ Links ]

( 23 ) Ressel LB, Budó MLD, Junges CF, Sehenem GD, Hoffman IC, Büttembender E. O significado de sexualidade na formação de enfermeiros. Rev enfermagem UFPE online. 2010; 4 (2): 184-91.         [ Links ]

( 24 ) Jorge RJB, Diógenes MAR, Mendonça FAC, Sampaio LRL, Júnior RJ. Exame Papanicolau: sentimentos relatados por profissionais de enfermagem ao se submeterem a esse exame. Ciênc. saúde coletiva. 2011; 16 (5): 2443-51.         [ Links ]

( 25 ) Eduardo KGT, Américo CF, Ferreira ERM, Pinheiro AKBF, Ximenes LB. Preparação da mulher para a realização do exame de Papanicolau na perspectiva da qualidade. Acta Paul Enferm. 2007; 20 (1): 44-8.         [ Links ]