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Avances en Enfermería

versão impressa ISSN 0121-4500

av.enferm. vol.31 no.2 Bogotá jul./dez. 2013

 

av.enferm., XXXI (2): 136-143, 2013

Artículo de revisión

Percepções das mulheres sobre a violência contra a mulher: uma revisão integrativa da literatura.

Percepciones de las mujeres sobre la violencia contra la mujer: una revisión integradora de la literatura.

Women´s perceptions about violence against women: an integrative literature review.

Franciéle Marabotti Costa Leite1, Maria Aparecida Vasconcelos Moura2, Lucia Helena Garcia Penna3.

1Mestre em Saúde Coletiva. Professora assistente II do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em acidentes e Violências (GEPAVI). ES-Brasil. Correo: emaildafran@ig.com.br.

2Doutora em Enfermagem. Professora Associada III do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil da Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Pesquisadora e membro do Núcleo de Pesquisa em Saúde da Mulher (NUPESM). RJ-Brasil. Correo: maparecidavas@yahoo.com.br.

3Doutora em Saúde da criança e da Mulher. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. RJ-Brasil. Correo: uciapenna@terra.com.br.

Recibido: 11/12/2012 Aprobación: 11/09/2013.


Resumo

Este artigo analisa as evidências presentes na literatura acerca das percepções das mulheres no que se refere à violência contra a mulher. Estudo de revisão integrativa em que foram identificados 12 artigos que compuseram a amostra do estudo, a partir das bases de dados BDENF, LILACS, MEDLINE, CINAHL e PUBMED, nos idiomas português, inglês e espanhol. Os resultados apontam a baixa percepção de mulheres sobre as situações vividas como violentas, sendo muitas vezes, complacentes e tolerantes à violência cometida por parceiro íntimo, percebendo-a como cultural e norma religiosa. Elas buscam encontrar justificativas para a agressão, reduzindo a responsabilidade do agressor o que dificulta ou retarda a tomada de decisão, que permite romper o ciclo de violência. Compreende-se ser necessário ampliar os estudos acerca deste tema.

Palavras-chave: violência, violência contra a mulher, percepção, percepção social (Fonte: DeCS, BIREME).


Resumen

Este artículo analiza las evidencias encontradas en la literatura acerca de las percepciones de las mujeres sobre la violencia contra la mujer. Para esta revisión fueron identificados 12 artículos que conforman la muestra del estudio, a partir de las bases de datos BDENF, LILACS, MEDLINE, CINAHL, y PubMed. Se encontraron tres categorías: reconociendo y conviviendo con la violencia; sentimientos atribuidos y percepción de los motivos de la violencia. Los resultados apuntan a la baja percepción de las mujeres al respecto de las situaciones vividas como violentas siendo, muchas veces, complacientes y tolerantes a la violencia cometida por el compañero íntimo, percibiéndola como cultural y religiosa. Se comprende que es necesario ampliar los estudios sobre este tema, en los diferentes estados brasileños, una vez que la violencia contra la mujer constituye un fenómeno que alcanza todo el Brasil y que es percibido de forma multifacética y heterogénea.

Palabras Clave: violencia; violencia contra la mujer; percepción; percepción social (Fuente: DeCS, BIREME)


Abstract

This article examines the evidence in the literature on the about women`s perceptions regarding violence against women. Study Integrative review we identified 12 articles that composed the sample, from databases BDENF, LILACS, MEDLINE, CINAHL and PubMed. The results: show to low perception of women about the situations as violent, and often complacent and tolerant of violence committed by an intimate partner, perceiving it as cultural and religious norm. It is necessary to expand the studies on this topic.

Key words: violence against women; perception; social perception (Source: DeCS, BIREME)


Introdução

A violência refere-se às noções de constrangimento e de uso da superioridade física sobre o outro. Esse fenômeno sofre a influência de épocas, locais, circunstâncias e realidades diferentes. Existem violências do tipo toleradas e condenadas, apresentando-se sob diferentes formas, cada vez mais complexas e, ao mesmo tempo, fragmentadas e articuladas (1).

Por ser um fenômeno histórico e social, vale ponderar que a violência apresenta diferentes conteúdos e formas nas diversas sociedades, mediante a variação de valores culturais que influenciam os juízos éticos de cada uma delas. Assim, sua conceituação é dificultada devido às diferenças culturais, porém certos aspectos que a envolve são mantidos, nas diversas sociedades e culturas, permitindo sua caracterização (2).

Em todas as culturas as mulheres vivem em condições de desigualdade social quando comparadas aos homens; tal situação adquire diferente manifestação e magnitude (3). A violência contra a mulher é resultado de uma assimetria de poder que se traduz em relações de força e dominação (4), sendo encontrada suas diversas formas, entre elas, a violência doméstica, familiar, sexual, psicológica, física, dentre outras classificações, e podem estar associadas ou não, no sentido de manifestar-se mais de um tipo de violência (5). A violência contra a mulher constitui a violação dos direitos humanos e liberdade fundamentais, a qual atinge mulheres de diferentes etnias, religiões, níveis de escolaridade e classes sociais (6) e, associa- se, sobretudo, ao domínio doméstico ou da casa, espaço social que, a princípio, está ligado à família e deveria constituir-se em um contexto que proporcione segurança, lealdade, companheirismo e solidariedade (7).

Vale enfatizar que, embora a violência contra a mulher, ao longo da década de 80, tenha se tornado mais visível por ações do movimento feminista que chamavam atenção para o absurdo da tese da “legítima defesa da honra” e para a necessidade de mudança do padrão cultural que legitima esta violência (8). E ainda que tais reivindicações contribuíssem para a criação de serviços específicos como as Delegacias de Defesa da Mulher, as Casas-Abrigo e os Centros de Atendimento Multiprofissionais (9), verifica- se que apesar da notória evolução da conscientização social sobre os direitos das mulheres, ainda existe muito a ser feito em todos os campos, desde o incentivo às pesquisas até o encorajamento das mulheres na denúncia de seus agressores e, infelizmente, o problema da violência contra a mulher em geral permanece oculto (10).

Nesse contexto, compreendendo a violência como problema de interesse público e, entendendo que o aprofundamento da compreensão de investigações sobre essa temática pode contribuir para pensarem-se estratégias que reduzam e previnam esse fenômeno, este estudo teve como objetivo analisar as evidências presentes na literatura acerca das percepções das mulheres no que se refere à violência contra a mulher.

Método

Trata-se de uma revisão integrativa. Este método permite a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais acerca de uma particular área de estudo (11). O percurso metodológico seguiu as seguintes etapas: formulação do problema, coleta dos dados, avaliação dos dados coletados, análise e interpretação dos mesmos e apresentação dos resultados (12).

Inicialmente, para direcionar esta revisão foi elaborada a seguinte questão norteadora: “Como as mulheres percebem a violência contra a mulher?”. O levantamento foi realizado pela Internet, através das seguintes bases de dados: BDenf (Base de Dados Brasileira de Enfermagem), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências de Saúde),CINAHL (Cumulattive Index to Nursing and Allied Health Literature), MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval Sistem On-Line) e PUBMED (National Library of Medicine), sem recorte temporal. Os descritores utilizados foram “violência”, “violência contra a mulher”, “percepção” e “percepção social”, que foram agrupados da seguinte forma: violência e percepção; violência e percepção social; violência contra a mulher e percepção; violência contra a mulher e percepção social. A seleção do material ocorreu no período de abril a junho de 2012.

Os critérios de inclusão dos estudos na pesquisa atual foram: textos nos idiomas português, inglês ou espanhol, publicados em periódicos nacionais e internacionais, que abordassem o tema da percepção da mulher acerca da violência contra a mulher, os quais foram selecionados, independente da metodologia utilizada na pesquisa.

A busca inicial pelos descritores agrupados permitiu a obtenção de um total de 2738 artigos que, após a leitura dos títulos, dos resumos e, posterior análise obedecendo aos critérios de inclusão, permitiu a seleção de 12 estudos, que apresentavam relação com o tema em questão. Tais estudos foram publicados entre os anos de 1999 a 2010. Após a seleção, os estudos foram codificados com uma sequência alfanumérica (E1, E2, E3 e assim sucessivamente), a fim de facilitar a identificação.

Em seguida, fundamentado em pesquisa (13) foi elaborado um formulário de coleta de dados, contendo a identificação do artigo e autores; fonte de localização; objetivos; metodologia; resultados; discussão e conclusões. O nível de evidência foi discutido entre os autores e atribuído com base na classificação proposta (14): nível I–evidência proveniente de metanálise de estudos clínicos controlados e com randomização; nível II–evidência obtida de estudo de desenho experimental; nível III–evidência obtida de pesquisas quase experimentais; nível IV–evidências provenientes de estudo descritivo ou com abordagem metodológica qualitativa; nível V – evidências obtidas de relatórios de casos ou relatos de experiência; nível VI – evidências baseadas em opiniões de especialistas ou com base em normas ou legislação.

Os dados incluídos neste estudo foram analisados, segundo seus conteúdos, por meio da estatística descritiva, bem como a partir dos trechos que configuram evidência científica, dividindo-os pelas semelhanças temáticas em categorias.

Resultados e Discussão

Na presente revisão integrativa foram analisados 12 artigos que atenderam aos critérios de inclusão, conforme apresentado no Quadro 1. As fontes de publicação foram variadas totalizando 10 periódicos, dentre os quais destacamos periódicos da área de saúde coletiva/saúde pública (19, 20, 22, 24) que colaboraram com 33,3%, e os da área da Enfermagem (16, 23, 25, 26), representados por três revistas diferentes que, também contribuíram com 33,3% da amostra.

As publicações concentraram-se no período de 1999 a 2010. Verifica-se que a maioria (83,3%) das produções científicas tem origem no Brasil (15, 17, 20, 26), 8,3% no México (19) e 8,33% na África (18). Dos estudos brasileiros, a maioria (70,0%) foi realizado na região sudeste (15, 17, 20, 22, 24, 26) ,dos quais, 85,7% foram feitos em São Paulo (15, 17, 20, 22, 24, 26) e 8,3% no Rio de Janeiro (16). Na região sul do país foram desenvolvidas 20,0% das pesquisas (21, 25), que foram realizadas em Santa Catarina. Na região centro-oeste foi produzido um estudo (23) realizado em Goiás, correspondendo a 10,0%.

Quanto à formação acadêmica dos autores, notase que a maioria (33,3%) foram publicados por médicos (17, 18, 20, 22), seguidos de 25,0% de publicações por enfermeiros (15, 16, 26), psicólogos (16,6%) (21, 23), médicos e enfermeiros (8,3%) (24), enfermeiros e odontólogos (8,3%) (25) e em apenas um estudo (8,3%) não houve especificação da formação acadêmica do autor (19). Ao analisar-se a abordagem, identificou-se que oito (66,7%) utilizaram a abordagem metodológica qualitativa (15, 16, 18, 21, 24, 26) e quatro (33,3%) desenvolveram estudos com métodos quantitativos (17, 22, 23, 25). Todos os estudos da amostra evidenciaram nível de evidência IV (15, 26).

As publicações foram produzidas em diferentes cenários de estudo. Nota-se que 33,3% das pesquisas foram realizadas em serviços de saúde (17, 19, 22, 25); 25,0% em Delegacias (16, 21, 23); 8,3% em um Centro de Referência e Apoio às mulheres vítimas de violência e unidade básica de saúde (24); 8,3% em uma unidade prisional (15), 8,3% dos estudos realizados em um Instituto Médico Legal (26); e 16,8% das pesquisas foram desenvolvidas em uma comunidade rural da Nigéria (18) e na cidade de São Paulo, com homens e mulheres de baixa renda e escolaridade (20).

Ao analisar os estudos, a fim de responder a questão norteadora “Como as mulheres percebem a violência contra a mulher?”, emergiram as seguintes categorias temáticas: reconhecendo e convivendo com a violência; sentimentos atribuídos e percepção dos motivos da violência (Quadro 2).

Reconhecendo e convivendo com a violência

A primeira categoria nesta revisão integrativa estava presente em nove estudos (75,0%) (E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9, E11, E12). Nota-se em pesquisa realizada com usuárias de um serviço de saúde sobre a percepção, definição e nomeação da violência vivida, que 63,4% das entrevistadas que vivenciaram algum episódio de violência não perceberam o vivido como violento. Destacase dentre as mulheres que mais reconhecem a situação vivida como violência aquelas que afirmaram ter sofrido abusos sexuais e físicos, sugerindo que estes seriam os mais identificados como violentos. Vale ressaltar que em nenhum dos casos a associação entre a violência vivida e a consciência da violência tenha correspondido a 100% dos casos (17).

Dessa forma, verifica-se a baixa percepção de mulheres sobre as situações vividas como violentas. O estudo intitulado: “Violência contra mulheres entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo” demonstrou que apenas 39,1% das mulheres que já haviam relatado qualquer tipo de agressão por algum agressor responderam positivamente quando questionadas sobre se consideravam que haviam sofrido violência na vida. Essa taxa aumenta quando entre as agressões vividas estava presente o tipo sexual, mostrando-se significantes as diferenças gradualmente crescentes entre os tipos psicológico (menor percepção), físico e sexual (maior percepção) (22). Nesse sentido, vale ressaltar que, o termo violência é percebido mais aderido às situações de agressões por estranhos e, sobretudo, de ordem sexual (21).

Outro achado que vale referir é a complacência e tolerância de algumas mulheres à violência cometida por parceiro íntimo, percebendo-a como cultural e norma religiosa (18). Entretanto, para outros autores, algumas mulheres percebem a violência como injustificável e intolerável, sendo aceitável apenas como revide, servindo como lição ao agressor, evitando a ocorrência de novos episódios, bem como, a violência contra a mulher é admissível no caso daquelas que gostam de apanhar (20).

Vale destacar que apesar dos relatos de violência e agressões, quando questionadas sobre a nota que dariam para o seu relacionamento conjugal, 25,8% das mulheres deram nota igual ou inferior a sete e 74,2% deram nota igual ou superior a oito (25). Em outro estudo, 82,5% das mulheres possuem visão negativa do relacionamento com o parceiro, caracterizando-o como ruim e conflituoso (23). O convívio com este fenômeno pode se relacionar com a dependência psicológica e financeira que essas mulheres têm de seus parceiros, uma vez que se constatou 8,1% das mulheres dependem exclusivamente da renda do companheiro para seu sustento, 35,5% dependem do parceiro para sustentar a família e 43,6% dependem dele para complementar a renda familiar (25).

Destaca-se ainda que o desejo de separação conjugal para a continuidade do processo da denúncia o qual pode levar o parceiro a ser preso gira em torno de 2 a 3% (23). Algumas mulheres mantêm seu casamento uma vez que a separação é vista como algo contraditório às suas crenças, não tendo a aceitação pública da separação e dificuldade de refazer sua vida (21). Dessa forma, apesar de perceberem o casamento como uma experiência não satisfatória, trazendo repercussões em sua vida, pode se constatar que os filhos são os fatores que levam essas mulheres a viverem neste contexto de violência, bem como a dependência financeira, fator cultural e ameaças, a levam viverem muitos anos com o parceiro (21).

Constata-se nesta revisão, que as mulheres toleram por muitos anos inúmeros tipos de violência e somente com o tempo e a ajuda da rede social aprendem a reconhecer os maus-tratos, a evitá-la, sair dela e não permitir a reincidência. As mulheres que não possuem redes sociais recorrem às instituições formais em busca de ajuda, com maior frequência do que as mulheres que contam com redes (19). Nesse sentido, as mulheres buscam a princípio ajuda em seu próprio meio social mais próximo, sendo importante a participação dada à família e à rede de amigos (26).

Sentimentos atribuídos

Esta categoria faz referência aos sentimentos atribuídos pela mulher a esse fenômeno, estando presente em sete artigos (58,3%) (E1, E2, E4, E7, E9, E10, E12). Os atos de agressão e de relações conflituosas de casais e familiares envolvidos no fenômeno da violência contra a mulher compreende uma gama de sentimentos, que se misturam em um primeiro momento (durante a agressão propriamente dita), porém, com o passar do tempo, esses sentimentos tornam-se mais claros e diferenciados, sendo que alguns desaparecem enquanto outros se tornam evidentes (16).

Os sentimentos confundem-se, as mulheres que vivenciaram a violência vivem entre o conflito de sentimentos que marcam a insegurança, o medo, a raiva, a indignação e a surpresa em relação à reação agressiva do companheiro. Observa-se que os caminhos que perpassam pela questão da violência levam à produção de sentimentos muitas vezes ambíguos e contraditórios16. É possível perceber a presença de diferentes tipos de sentimentos envolvidos após a agressão, como a baixa autoestima, tristeza e esperança de que o marido arrependa-se, que não seja mais agressivo e não cometa mais o ato (21).

A manifestação das mulheres com relação ao fato de sofrerem maus tratos e sentirem vergonha e decepção por viverem essa situação em ambiente familiar, sendo a mesma considerada dolorosa e sofredora. A agressão tanto física quanto psicológica provoca dor e desesperança para essas mulheres (24). Quando a violência parte do parceiro, o sentimento de revolta e de querer dar um basta na situação é vivenciado pela maioria (24); entretanto, o medo constitui um dos fatores que leva essas mulheres a permanecerem neste contexto de violência (21,23), não apenas o medo de por em risco a própria vida, mas também a vida dos filhos (16).

Uma das produções analisadas (23) demonstra que em 37% dos casos, a mulher descreve o parceiro de forma negativa, atribuindo-lhe características de bruto, violento, ignorante, agressivo e que, frequentemente, as depreciam nos momentos de briga. Assim, a busca para romper com a violência tem sentimento de justiça e punição ao agressor. As razões que levam a mulher a denunciar seus parceiros íntimos de modo geral ocorrem pelo receio de novas agressões ou ameaças, e de terem que fazer algo para penalizar o parceiro (26).

Nesse sentido, apesar das mulheres relatarem que gostam do companheiro, marido, enfim, da pessoa com quem convivem, ou seja, do próprio agressor, revelam que os seus sentimentos reduzem gradativamente a cada ato de violência, as quais estão expostas diariamente. Desvelando ainda, medo de futuros casamentos, do estigma social, preocupação com os filhos (18), sentimento de destruição da autoimagem e autoestima (15).

Percepção dos motivos da violência

A categoria “Percepção da mulher acerca dos motivos da violência” está presente em oito estudos (66,6%) das publicações analisadas (E1, E2, E5, E6, E7, E9, E10, E11). As mulheres percebem dentre as causas da violência: o machismo, conflitos com a família do cônjuge, pressões no trabalho, características psicológicas, como a necessidade de ser reconhecido e o consumo de álcool (19). Entendem a falta de diálogo na relação, a ausência masculina na divisão das responsabilidades da casa e a falta de reconhecimento da mulher como aquela que se esforça para manter a casa e a família, como responsável pelos episódios de desentendimento e brigas, bem como, a má influência de amigos que trocam a relação com a mulher pelas farras, bares e outras mulheres (20).

O aparecimento da violência é relatado como resultado do abuso de bebida ou uso de drogas pelos homens (20). Estudo realizado com mulheres vítimas de violência que denunciaram o agressor destaca que todas as entrevistadas atribuem que parte das agressões acontece quando os companheiros estão alcoolizados (21). Assinala- se além do uso da bebida, o ciúme e o desemprego (15-16), bem como, algum tipo de aspecto negativo da família de seu companheiro: alcoolismo, instabilidade no emprego, agressividade, violência contra a mulher, comportamento grosseiro (21).

Pesquisa (25) desenvolvida com o objetivo de identificar a dinâmica da violência entre casais a partir das mulheres que sofreram agressões mostra que as mulheres justificam que 25,8% dos motivos para as agressões estavam relacionados ao ciúme que o parceiro demonstra sentir. Dentre os demais problemas relatados pelas mulheres sobre o início das discussões, encontram-se as dificuldades econômicas, o estresse de ambos, uso de álcool e outras drogas pelo parceiro e a diferença de opiniões. Achado que corrobora com outros autores que enfatizam como motivos da violência, segundo as mulheres, o consumo de bebida alcoólica e o ciúme, sendo que 29,36% das agressões são em decorrência da bebida e 11,70% de ciúme (23). Vale destacar que 16,1% das mulheres não identificaram o motivo para o início da agressão (25). Estudo assinala que as mulheres guardam para si seus questionamentos sobre o real motivo que levou o agressor a desencadear a ação de violência, de tal forma que resta a essas mulheres a dúvida (16).

Nota-se nesta categoria, que a mulher busca encontrar justificativas para a agressão atribuindo-as ao alcoolismo, falta de trabalho, situação de dependência dentro da família, falta de recursos financeiros, nervosismo do companheiro ou o uso de drogas. Enfim, reduzindo a responsabilidade do agressor, o que dificulta ou retarda a tomada de decisão que permite romper o ciclo de violência (24). Quando as mulheres justificam as causas da violência apresentam um maior grau de tolerância, ou ainda de não responsabilização do parceiro. A violência surge como uma medida disciplinar, um castigo ao descumprimento das normas do parceiro (19), ou a uma correção em decorrência de uma atitude que os parceiros, frequentemente, consideram errada e devem corrigi-las (23).

Considerações finais

Concluindo, a presente revisão integrativa possibilitou a construção de uma síntese do conhecimento científico acerca da percepção de mulheres sobre a violência contra a mulher, cujos aspectos a serem destacados foram a baixa percepção das mulheres acerca das situações vividas como violentas, sendo reconhecidas como violência, apenas situações nas quais tenham sofrido abusos sexuais e físicos, ou seja, em que se evidenciam marcas visíveis pelo corpo. O estudo destaca a complacência e tolerância de algumas mulheres à violência cometida pelo parceiro íntimo, percebendo-a como cultural e norma religiosa, tolerando por anos inúmeros tipos de violência, seja pelos filhos, pela dependência financeira, por aspectos culturais ou pelas ameaças sofridas.

A vivência da violência envolve uma gama de sentimentos, muitas vezes ambíguos e contraditórios. As vítimas vivem entre o medo, a raiva, a indignação e a surpresa em relação à reação agressiva do companheiro. Vale enfatizar que muitas mulheres reduzem a responsabilidade do agressor, o que dificulta ou retarda a tomada de decisão, que permite romper o ciclo de violência. Assim, somente com o tempo e a ajuda da rede social as mulheres aprendem a reconhecer os maus-tratos e a sair do contexto da violência. Inicialmente a mulher busca ajuda junto à família e à rede de amigos. Porém, o conhecimento relativo às instituições formais ocorre com maior frequência entre as mulheres que não possuem uma rede social efetiva, do que entre aquelas que contam com este apoio.

Foi possível identificar a inexistência de estudos acerca desta temática nas regiões norte e nordeste do Brasil, e a maior produção nas regiões sudeste, com maior produção nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Frente às lacunas e aos achados evidenciados nesta pesquisa, compreende-se ser necessário ampliar os estudos referentes a este tema, nos diferentes Estados brasileiros, uma vez que, a violência constitui um fenômeno que atinge todas as regiões do Brasil e é percebida de forma multifacetada e heterogênea.


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