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Avances en Enfermería

Print version ISSN 0121-4500

av.enferm. vol.32 no.2 Bogotá July/Dec. 2014

https://doi.org/10.15446/av.enferm.v32n2.46242 

http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v32n2.46242

Refletindo sobre os centros de atenção psicossocial

Reflexión sobre los centros de atención psicosocial

Reflating on psychosocial attention centers

Ândrea Cardoso de Souza1, Ana Paula de Freitas Guljor2, Jorge Luiz Lima da Silva3

1 Enfermeira. Doutora em Saúde Pública-Ensp/Fiocruz. Professora Assistente do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense. E-mail: andriacz@ig.com.br.

2 Médica. Doutoranda da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca/Fiocruz Hospital Psiquiátrico de Jurujuba/Fundação Municipal de Saúde de Niterói. E-mail: anapaulaguljor@gmail.com.

3 Enfermeiro. Doutorando da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio-Ensp/Fiocruz. Professor Assistente do Departamento de Enfermagem Materno Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa da Universidade Federal Fluminense. E-mail: jorgeluiz@id.uff.br.

Recibido: 09/03/2011 Aprobado: 14/03/2014


Resumo

Introdução: O processo de Reforma Psiquiátrica, em curso no Brasil, aponta para a construção e incorporação de novas práticas em saúde mental, como a implantação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). O Ministério da Saúde incorporou esse dispositivo como a principal estratégia de enfrentamento do modelo assistencial tradicional.

Objetivos: Este artigo tem como objetivo refletir sobre a importância dos CAPS como projeto político-social na produção de novos sentidos para a doença mental.

Metodologia: Trata-se de um estudo de revisão de literatura de abordagem qualitativa. Resultados: Percebeu-se que a dificuldade de inserção desses serviços, de maneira mais ampla, no território constitui-se empecilho para a promoção de novos sentidos para a loucura. Como também, que o projeto de promover uma transformação cultural acerca de loucura ainda é incipiente.

Conclusão: Faz-se necessário que os CAPS se inscrevam de maneira mais ampla no território, aumentando sua projeção frente às políticas sociais.

Palavras-chave: Centros Comunitários de Saúde Mental; Atenção Primária à Saúde; Saúde Mental (Fonte: DeCS BIREME).


Abstract

Background: The Psychiatric Reform process currently underway in Brazil points to the construction and adoption of new mental health practices, among which is the implementation of Psychosocial Attention Centers (PAC). The Brazilian Health Ministry adopted this device as the main strategy for coping with the traditional welfare model.

Objectives: This article aims to perform reflection on the importance of psychosocial, political and social project in the production of new directions for mental illness.

Methodology: This is a study of literature review of qualitative approach.

Results: It was felt that the difficulty of inserting these services more widely in the territory constitutes a hindrance to the promotion of new directions for the madness. Furthermore, the project of promoting a cultural change about madness is still incipient.

Conclusion: It is necessary that the PAC expand more broadly into the territory, increasing its projection in the face of social policies.

Keywords: Community Mental Health Centers; Primary Health Care; Mental Health (Source: DeCS BIREME).


Resumen

Introducción: El proceso de la Reforma Psiquiátrica en curso en Brasil apunta a la construcción e incorporación de nuevas prácticas de salud mental, como la implementación de los Centros de Atención Psicosociales (CAPS). El Ministerio de Sanidad de Brasil incorporó este dispositivo como la principal estrategia para hacer frente al tradicional modelo asistencial.

Objetivos: Este artículo pretende reflexionar sobre la importancia de los CAPS como proeyecto político y social en la producción de nuevos sentidos para la enfermedad mental.

Metodología: Se trata de un estudio de revisión de la literatura de abordaje cualitativo. Resultados: Se observó que la dificultad de inserción de estos servicios, más ampliamente en el territorio, constituye un factor que impide la promoción de nuevos sentidos a la locura. Además, el proyecto de promover una transformación cultural en relación con la locura es todavía incipiente.

Conclusión: Es necesario que los CAPS se registren de manera más amplia en el territorio, incrementando su proyección frente las políticas sociales.

Palabras clave: Centros Comunitarios de Salud Mental; Atención Primaria de Salud; Salud Mental (Fuente: DeCS BIREME).


Introdução

No Brasil, nas últimas décadas, o campo da atenção em saúde mental tem sido marcado por um processo de críticas e de elaboração de proposições de transformação denominado de Reforma Psiquiátrica.

O movimento da psiquiatria democrática italiana foi um dos principais norteadores do processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil. Este possibilitou o surgimento de um novo modelo de assistência em saúde mental inserido no território, e constituído por diversos dispositivos de cuidado. O forte conteúdo ideológico desse processo apontava, não apenas, para o fechamento do hospício, mas, também, para uma luta contra-hegemônica pelo resgate da cidadania do “louco”.

Distante de uma perspectiva que reduz a Reforma Psiquiátrica ao “campo técnico-assistencial” evidencia-se, ao mesmo tempo, que sua efetivação exige a invenção, a concretização e a ampliação de práticas que possam superar o asilamento psiquiátrico e tecer novas formas de lidar com a experiência da loucura.

O processo de Reforma Psiquiátrica direciona-se para a construção de novos modos de atenção em saúde mental, que possam proporcionar a ruptura com o aparato institucional criado para conter a loucura. Assim, em alternativa ao modelo hospitalar de atenção, a priori excludente, foram desenvolvidas diversas experiências que objetivavam transformar as práticas e saberes relacionados à área, em que se pretendia, dentre outras coisas, a construção de novos modos de atenção em saúde mental que se diferenciassem do que, hegemonicamente, era oferecido, quais sejam: ambulatórios superlotados, consultas breves, respostas padronizadas e internações frequentes (2). Dentre estas experiências incluem-se os Centros de Atenção Psicossocial (caps), considerados como serviços de atenção diária, de base territorial (3), que trabalham na perspectiva da desinstitucionalização e têm o sujeito e sua família -e não mais a doença- como foco de atenção.

O termo caps, foi utilizado pela primeira vez, pela Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo para descrever um serviço de atenção diária, com funcionamento em dois turnos, durante cinco dias na semana, que pretendia ser intermediário entre a unidade hospitalar e a comunidade. Foi definido, na época de sua implantação, como espaço de referência para o usuário, lugar para ir, encontrar pessoas, desenvolver alguma atividade, conversar, tomar um lanche, tomar remédio e ir para casa dentre outras (4).

Nestes serviços, a vida do usuário é que deve estar no centro do trabalho. Portanto, estar ou não “louco” é secundário, em relação a que tipo de vida leva esse usuário. Considera-se, enfim, o gradiente de sofrimento psíquico em que o usuário se encontra, privilegiando a pessoa que sofre e não mais a doença (5).

Mediante ao exposto, este artigo tem como objetivo realizar reflexão sobre a importância dos caps como projeto político-social na produção de novos sentidos para a doença mental.

A Reforma Psiquiátrica Brasileira

A Reforma Psiquiátrica Brasileira surge em decorrência do intenso debate que se propagou no país a partir dos anos setenta, frente aos movimentos de redemocratização e de luta pelos direitos humanos e civis da população. Nascido no âmbito da Reforma Sanitária, e afirmando-se como de caráter democrático e social, propõe-se a busca de melhores condições de saúde e de vida para as pessoas que se encontram em sofrimento psíquico, levando a discussões e debates acerca dos direitos civis, humanos e sociais, isto é, a questões relacionadas à conquista e exercício de cidadania, entre outras. Vislumbra a construção de formas mais humanas e mais acolhedoras de se pensar e de se promover a saúde, propondo um alargamento na concepção tanto do processo de saúde quanto no de doença, implicando na elaboração de novos modos de atenção que contemple essa perspectiva mais ampliada.

A transformação da assistência psiquiátrica, a qual denominamos de Movimento de Reforma psiquiátrica, é um processo histórico que vem ganhando força desde o final dos anos setenta. Este foi impulsionado pela criação do movimento de trabalhadores em saúde mental em 1978, pela criação do movimento de luta antimanicomial em 1987, pela criação de serviços como os naps de Santos 1989, pelo caps de Bauru 1987 e pelo caps sp 1987 e recentemente com a aprovação da lei 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental e com a implementação da portaria ms 336/02, que regulamenta os Centros de Atenção Psicossocial.

O movimento da Reforma Psiquiátrica tem proporcionado um intenso debate sobre as novas exigências políticas e éticas no contexto das transformações assistenciais propostas pela nova política nacional de Saúde Mental. Poderíamos definir que o principal objetivo da Reforma Psiquiátrica constitui-se em poder transformar as relações que a sociedade e os sujeitos estabeleceram com a loucura, no sentido de garantir um novo lugar para o louco na sociedade.

A Reforma Psiquiátrica Brasileira encontrou na implantação do Sistema Único de Saúde as condições institucionais de desenvolvimento. A implementação de políticas públicas ancoradas na ampliação do direito universal à saúde, criou um ambiente favorável à multiplicação das inovações assistenciais do campo da saúde mental.

A política nacional de saúde mental reforça a atenção de base territorial, em substituição à atenção hospitalar tradicional. Essa reorientação pode ser observada na diminuição do total de leitos psiquiátricos no país nos últimos oito anos em 26,6% no período de 1996 a 2003. Outro apontamento nesse sentido diz respeito em relação ao aumento do número de caps no mesmo período em cerca de 190%, observando- -se uma tendência à inversão do modelo de assistência em saúde mental, havendo uma retração do modelo hospitalar em detrimento do modelo de atenção psicossocial. Esta é apenas mais uma das evidências que sugerem as mudanças na política nacional de saúde mental. Poderíamos somar a estes outros indicadores, como a redução do número de leitos, o crescimento do número de serviços como caps, Serviços Residenciais Terapêuticos, entre outros.

A Reforma Psiquiátrica ultrapassou os limites de uma transformação do modelo assistencial em saúde mental, configurando-se como um movimento de transformações jurídico, política e cultural do lugar social atribuído à loucura.

A Reforma Psiquiátrica propõe abandonar um lugar zero de trocas sociais (o manicômio) para passarmos a um lugar múltiplo, diverso, que é o território. Propõe preocupar-se e ocupar-se do sujeito e não de sua doença. Nesse contexto a relação a ser estabelecida é com o sujeito da experiência e não mais com a doença.

E é nessa dimensão que os caps podem ser dispositivos altamente potentes para promoverem outros modos de relacionamento com a loucura, desconstruindo e construindo outras relações com as diferenças, permitindo à loucura outro espaço de circulação na comunidade.

Os caps através do desenvolvimento de suas ações podem proporcionar o estabelecimento de relações consistentes com a comunidade, operando em seu interior, as tão almejadas mudanças e transformações sociais, e talvez por isso, possa ser o dispositivo que melhor venha atender aos objetivos da Reforma Psiquiátrica, pois pode viabilizar a construção de outras representações e lugares para a loucura.

Os caps propõem a ruptura com os antigos padrões assistenciais e apontam para a superação da racionalidade médica, além de buscar a produção de modos de atenção coerentes com os princípios do Sistema Único de Saúde (universalidade, equidade, integralidade, resolutividade, intersetorialidade, humanização do atendimento e participação social).

Os caps constituem-se dispositivos privilegiados da saúde mental para promover a inserção das pessoas no território de abrangência, contribuindo para a transformação cultural da sociedade em relação à loucura, dado ao modo de desenvolvimento de suas ações, tornando- se assim em um dispositivo importante na atenção psicossocial.

Resultados

caps: práticas para além dos serviços

Os Centros de Atenção Psicossocial surgem no Brasil, na década de 1980, como análogo, ainda incipiente, dos Centros de Saúde Mental italianos, no que tange a oferecer cuidado intensivo ao portador de sofrimento psíquico a partir de uma lógica de inserção no território, vínculo, acolhimento e atenção diária.

Esses novos serviços podem ser denominados espaços sociais de geração de sujeitos sociais, de produção de subjetividades, de espaços de convivência, de sociabilidade, de solidariedade e de inclusão. Os serviços substitutivos em saúde mental representam uma inovação em um contexto de prática médica tradicional (6). Dentre eles citam-se os caps -que têm papel estratégico para a transformação das práticas de atenção-, os serviços residenciais terapêuticos, os centros de convivência, entre outros. Para fins deste estudo, privilegiou-se a discussão sobre os caps.

O primeiro Centro de Atenção Psicossocial do Brasil -o caps Professor Luiz Cerqueira, inaugurado em 1987, em São Paulo, Brasil- se constituiu como projeto- piloto de atenção diferenciada ao portador de sofrimento psíquico grave, pois buscava desenvolver um dispositivo em que fosse possível o cuidado ao usuário com graves comprometimentos psíquicos, com vínculos precários e de difíceis relações sociais (7, 2).

Desse modo, a experiência se estabeleceu como dispositivo diferenciado de atenção em saúde mental, mas não como uma estratégia oficial que contemplasse intervenções mais amplas, como a estruturação de uma rede de cuidado. No entanto, teve importância estratégica, no sentido de consolidar um dispositivo que buscava o cuidado intensivo ao portador de transtorno psíquico, ainda que estabelecesse um serviço intermediário entre a internação hospitalar e o serviço ambulatorial, com equipe composta por diversas categorias profissionais e orientando-se pelo conceito de interdisciplinaridade.

Além disso, o funcionamento em regime diário, em dois turnos, permitia um suporte mais efetivo a essa clientela. Dentre seus objetivos estava o de se estabelecer como continente para as pessoas em sofrimento psíquico, auxiliando-as em seu cotidiano. Compunha-se em uma estratégia de cuidado para clientela que vivia à margem do sistema de saúde, a um suporte adequado à complexidade dos aspectos que envolviam o sofrimento psíquico, inexistente nos dispositivos existentes até então -hospitais psiquiátricos e ambulatórios tradicionais, nos quais a complexidade da loucura, a existência- sofrimento do portador de sofrimento psíquico não era valorizada (2).

No contexto das experiências pioneiras, deve ser mencionado o processo implementado no município de Santos (sp), com a constituição dos Núcleos de Atenção Psicossocial (naps) como a principal estratégia de atenção em saúde mental, no processo de transformação do paradigma manicomial, até aquele momento hegemônico. Esta apresenta um importante aspecto da transformação do modelo assistencial em saúde mental, qual seja, a intervenção no território com o objetivo de desencadear mudanças na concepção da sociedade acerca da loucura (8).

Dessa forma, para além da organização de serviços, a experiência deslocava o usuário da posição de passividade para incluí-lo no movimento de transformação de seu próprio cuidado como um de seus atores, ou melhor, como seu protagonista.

Tomando por base tais experiências -os naps santistas e o caps Luiz Cerqueira (sp)-, diversas outras se desenvolveram no país, utilizando-os como referência e como campo de aprendizado. O caps, que na década de 1980 revelou-se como uma experiência utópica, a qual a realidade da psiquiatria parecia mostrar ser impossível, pôde demonstrar que as práticas de assistência adotadas nos asilos estavam, de fato, superadas (8, 9).

Na atual Política Nacional de Saúde Mental, o caps firma-se como o articulador central das ações de saúde mental do município ou do módulo assistencial, ações estas que poderão conformar as seguintes modalidades de serviços: caps i, caps ii, caps iii, caps infanto-juvenil e caps álcool e drogas, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional (3):

• caps i: serviço com capacidade para atendimento em municípios com população entre 20 mil e 70 mil habitantes e em funcionamento diário por cinco dias da semana.

• caps ii: atende a municípios com 70 mil a 200 mil habitantes.

• caps i ii: serviço para atendimentos a crianças e adolescentes, configurando-se referência para uma população de cerca de 200 mil habitantes.

• caps ad ii: serviço para atendimento de pessoas com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, com capacidade operacional para atendimento em municípios com população superior a 70 mil habitantes.

• caps iii: tem capacidade operacional para atender municípios com população acima de 200 mil habitantes e seu funcionamento são de atenção contínua, durante 24 horas.

Nos dez anos transcorridos entre a publicação da primeira regulamentação e sua republicação, em 2002, a cartografia da Atenção Psicossocial no Brasil apresentou importantes transformações, no que diz respeito à oferta dos caps e o papel por este desempenhado na rede de saúde mental. Nos últimos anos, houve crescimento exponencial desses novos serviços e, hoje, participa-se da consolidação dessas experiências (10). Atualmente, existem mais de mil caps em funcionamento, espalhados por todo o Brasil (11).

Refletindo sobre a temática caps

Os caps podem ser definidos como uma experiência em saúde coletiva ainda em construção. Por meio de suas ações propõem intervenção cultural, tendo como objetivo interferir na produção do imaginário social no que concerne à loucura. Com ele e outros dispositivos de atenção territorial, a sociedade, que durante toda a existência da psiquiatria aprendeu que o melhor tratamento e encaminhamento destinado ao louco seria o hospital psiquiátrico, está conhecendo outros modos de lidar com a loucura que não a segregação e a exclusão, o que traz auxílio à construção de outros circuitos, evitando institucionalização dessas pessoas.

Segundo o Ministério da Saúde são as funções do caps: prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando as internações em hospitais psiquiátricos; acolher e atender as pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu território; promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais por meio de ações intersetoriais; regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação; dar suporte a atenção à saúde mental na rede básica; organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios; articular estrategicamente a rede e a política de saúde mental em um determinado território e promover a reinserção social do indivíduo através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários (12). A execução destas ações é garantida por incentivos repassados pelo Governo Federal (13).

Diferentemente do hospital psiquiátrico, que impunha barreiras ao intercâmbio social, às possibilidades de troca com o mundo exterior, o caps busca, deseja e, de certa forma, corre ao encontro da “afetação” ou da “invasão” da loucura na sociedade.

Neste sentido, os caps se apresentam como dispositivos de cuidado cujo objetivo é firmar-se como substitutivo ao hospital psiquiátrico e, desse modo, eles encontram- -se voltados para a atenção integral ao portador de sofrimento psíquico (14). Portanto, visam o desenvolvimento de projetos de vida, de produção social e a promoção da melhora da qualidade de vida dos usuários (15). Tendo como missão estabelecer e tecer laços para além dos serviços de saúde, os caps deveriam estar direcionados para fora de si, pois necessitam manter aquecidas suas relações com a cultura local.

Os caps passam a ter a delegação de orientador da rede de saúde mental, adotando o princípio de saúde como direito, como o norteador das práticas. A Atenção Psicossocial trabalha para garantir uma atenção digna, acolhedora, singular e responsável a todas as pessoas que se encontram em sofrimento psíquico (3).

Os caps passam a ter a delegação de orientador da rede de saúde mental, adotando o princípio de saúde como direito, como o norteador das práticas. A Atenção Psicossocial trabalha para garantir uma atenção digna, acolhedora, singular e responsável a todas as pessoas que se encontram em sofrimento psíquico (3).

O projeto social e político dos caps

Os Centros de Atenção Psicossocial deparam-se hoje com desafios que requerem um novo olhar sobre o mesmo objeto o sujeito e seu sofrimento psíquico, que é discutido no campo da Reforma Psiquiátrica, há mais de duas décadas. Se, por um lado, ainda tem-se como hegemônico, apesar de extraoficial, o modelo hospitalocêntrico, por outro, a rede de Atenção Psicossocial, ao crescer envolta na perspectiva de atenção integral ao sujeito, defronta-se com demandas para além do estar fora do hospital psiquiátrico e inseridas em unidade de atenção.

Estas estratégias são determinantes, mas, pouco suficientes. O manejo do cotidiano, especificado como: a estruturação de uma rede social solidária em uma sociedade globalizada, regida pela lógica do individualismo; a busca por um lar em um país com tamanha desigualdade social e com mais de 20 milhões de indivíduos abaixo da linha da pobreza; a inserção laborativa no mercado competitivo e excludente do mundo contemporâneo; e, por fim, o gradual esmaecimento da ideologia da Reforma Psiquiátrica, cada vez mais compreendida como técnica pelos novos profissionais dos serviços, nos apontam para a dimensão dessa recomplexificação.

Outro desafio para esse dispositivo de atenção consiste em conseguir escapar do interior da instituição. Torna- -se imprescindível que se faça dos caps mais que um lugar onde, simplesmente, se atende bem as pessoas. O projeto social-político dos caps é muito maior que o cuidar bem, que o lidar bem com a loucura. A proposta idealizada para os caps fundamenta-se na promoção de uma articulação social e intersetorial, evitando se limitar apenas ao restrito âmbito da saúde. É necessário estar atento, no sentido de não incorrer no risco de reproduzir as formas de pensar e agir do modelo asilar (16).

No contexto da Reforma Psiquiátrica Brasileira, atualmente pode se observar importantes avanços no campo técnico-clínico e, sobretudo, no jurídico-político. A despeito de acreditarmos que tais avanços possuem como motriz o movimento social -no caso da saúde mental, representado pelo Movimento Nacional da Luta Antimanicomial-, ressalta-se que os novos serviços vem, há duas décadas, trilhando o percurso de desconstrução/ reconstrução da lógica manicomial, ainda hegemônica, partindo do modelo assistencial hospitalocêntrico, em direção à construção de um projeto de cuidado pautado na lógica da atenção psicossocial (16).

Se por um lado esse momento se apresenta com resultados positivos, no que diz respeito ao crescimento do número de Centros de Atenção Psicossocial e à redução do número de leitos psiquiátricos, pode se observar, por outro, que o eixo de intervenção na cultura da sociedade sobre o louco perde seu espaço como principal bandeira da Reforma Psiquiátrica. Esta afirmação não pretende desqualificar o mérito das transformações até então conquistadas e ainda em curso, mas, apontar para a mudança de seu enfoque.

É indispensável que se amplie a projeção dos caps ante as políticas sociais; faz-se necessário estender as ações e os espaços dos caps. Para tanto, é essencial poder estruturá-lo de forma a ocupar outros territórios, algo muito caro e desejável, no campo da atenção em saúde mental. Os caps precisam se inscrever, de maneira mais ampla, no processo de transformação social acerca da loucura.

Os caps, ao buscarem inovações em suas práticas, devem evitar prescindir do resgate de suas origens. Isto, no sentido conceitual dessas origens: o conceito de território como processo, a tomada de responsabilidade sobre a demanda, o conceito de desinstitucionalização, a dimensão cultural e ética do cuidado em saúde mental e, principalmente, a compreensão da transformação do modelo assistencial em saúde mental como um processo social.


Referências

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(2) Guljor APF. Os Centros de Atenção Psicossocial: um estudo sobre a transformação do modelo assistencial em saúde mental. Rio de Janeiro; 2003. Mestrado (dissertação), Escola Nacional de Saúde Pública. Especialização em Saúde Pública.         [ Links ]

(3) República Federativa do Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no. 336, de 19 de fevereiro de 2002, estabelece que os Centros de Atenção Psicossocial poderão constituir-se nas seguintes modalidades de serviços: CAPS I, CAPS II e CAPS III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional (documento em Internet). Diário Oficial União. 34, de 20 de fev de 2002; Seção 1: 22 (acesso: 10 mar 2011). Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/legislacao/legislacao_det.php?co_legislacao=58        [ Links ]

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(8) Amarante P. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, ENSP, 1995.         [ Links ]

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(13) República Federativa do Brasil. Ministério da Saúde. Portaria no. 245/GM de 17 de fevereiro de 2005, destina incentivo financeiro para implantação de Centros de Atenção Psicossocial e dá outras providências (documento em Internet). Diário Oficial União.180, de 17 de set de 2004; Seção 1:51 (acesso: 10 mar 2011). Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/GM/GM-245.htm        [ Links ]

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