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Avances en Enfermería

On-line version ISSN 0121-4500

av.enferm. vol.34 no.3 Bogotá Sep./Dec. 2016

https://doi.org/10.15446/av.enferm.v34n3.45590 

Doi: http://dx.doi.org/10.15446/av.enferm.v34n3.45590

Artículo de Investigación

Problemas éticos na prática de profissionais de saúde em um hospital escola

Problemas éticos en la práctica de profesionales de la salud en un hospital-escuela

Ethical issues in the practice of health professionals in a school-hospital

Livia Cozer Montenegro1, Heloiza Maria Siqueira Rénno2, Carolina Silva Caram3, Maria José Menezes Brito4

1 Doutora em Enfermagem. Professora adjunta da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Administração e Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais. Minas Gerais, Brasil. E-mail: liviacozermontenegro@gmail.com
2 Doutora em Enfermagem. Professora adjunta do Curso de Enfermagem, Universidade Federal de São João Del-Rei. Minas Gerais, Brasil.
3 Doutoranda em Enfermagem, da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa Administração e Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais. Minas Gerais, Brasil.
4 Doutora em Administração. Professora Associada, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais. Minas Gerais, Brasil.

Recibido: 18/09/2014 Aprobado: 14/12/2016


Resumo

Objetivo: Conhecer os problemas éticos que se expressam nas práticas de profissionais de saúde em um hospital escola.

Metodologia: Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada em unidades de internação de um hospital universitário com trinta profissionais de saúde. A coleta de dados se deu por entrevista gravada, orientada por um roteiro semiestruturado, que foi submetido à Análise Textual Discursiva.

Resultados: Os resultados apontaram problemas éticos em duas dimensões: Problemas decorrentes do trabalho interdisciplinar e Problemas decorrentes da relação profissional-paciente. No que tange aos problemas decorrentes do trabalho interdisciplinar, foram considerados a falta de coesão entre as ações e os procedimentos da equipe de profissionais, a ausência do conhecimento do papel do outro profissional e a disputa de poder sobre o conhecimento técnico-científico. Em relação aos problemas éticos estabelecidos na relação profissional-paciente, foram identificadas as atitudes de exposição, a discriminação e o preconceito com o paciente.

Conclusão: Percebeu-se que, na prática, a ética muitas vezes não é manifestada em coerência com o que se espera de um profissional de saúde, o qual evidencia situações de negligência e falta de respeito nas relações entre profissionais e destes com os pacientes.

Descritores: Enfermagem; Ética Profissional; Prática Profissional (fonte: Decs BIREME).


Resumen

Objetivo: Identificar los problemas éticos que se presentan en las prácticas de profesionales de la salud en un hospital-escuela.

Metodología: Se trata de un estudio cualitativo, el cual se llevó a cabo en las unidades de interna-miento de un hospital universitario con treinta profesionales de la salud. La recolección de datos se registró mediante una entrevista guiada por un guión semiestruc-turado, que fue sometido a análisis textual del discurso.

Resultados: Los resultados mostraron problemas éticos en dos dimensiones: Problemas del trabajo interdisciplinario y Problemas derivados de la relación profesional-paciente. Con respecto a los problemas derivados del trabajo interdisciplinario, se consideraron la falta de cohesión entre las acciones y procedimientos de los profesionales, la falta de conocimiento del papel de otros profesionales y la lucha por el poder en el conocimiento técnico-científico. En cuanto a los problemas éticos establecidos en la relación profesional-paciente, fueron identificadas las actitudes de exposición, la discriminación y el prejuicio con el paciente.

Conclusión: Se observó que, en la práctica, la ética a menudo no se manifiesta en concordancia con lo esperado en los profesionales de la salud, lo cual evidencia situaciones de negligencia y falta de respeto en las relaciones del equipo interdisciplinario y en la relación profesional-paciente.

Descriptores: Enfermería; Ética Profesional; Práctica Profesional (fuente: DeCS BIREME).


Abstract

Objective: To identify the ethical problems that arise in practices of health professionals in a school-hospital.

Methodology: This is a qualitative study, carried out in internment units of a university hospital with thirty health professionals. The collection of data was recorded by interview conducted by a semistructured script, which was submitted to a textual discourse analysis.

Results: The results showed ethical problems in two dimensions: Problems of interdisciplinary work and Problems resulting from the professional-patient relationship. In regard to problems resulting from interdisciplinary work, the lack of cohesion between actions and procedures of professional staff, the lack of knowledge of the role of other professionals, and the struggle for power on the technical/ scientific knowledge were considered. Regarding ethical problems raised in the professional-patient relationship, attitudes of exposure, discrimination, and prejudice with the patient were identified.

Conclusion: It was perceived that, in practice, the ethics do not often appear in accordance with what is expected of health professionals, which demonstrate incidences of neglect and lack of respect in the interdisciplinar work team relationship, and in the professional-patient relationship.

Descriptors: Nursing; Ethics, Professional; Professional Practice (source: decs BIREME).


Introdução

A prática de profissionais de saúde, no cotidiano de unidades de internação hospitalares, é permeada por um processo de trabalho complexo e interdependente que exige a integração das ações dos vários profissionais, o qual é, portanto, um trabalho coletivo.

O caráter coletivo do trabalho em saúde requer uma complementaridade de ações de diferentes profissionais, nas quais estão incluídas a dimensão técnica e a dimensão ética. No que diz respeito à dimensão técnica, refere-se às atividades, aos procedimentos e a todos os instrumentos necessários para atingir a finalidade de prestação de cuidados. A dimensão ética não se reduz ao relacionamento interpessoal entre os profissionais, mas estende-se à preocupação em reconhecer e considerar o trabalho dos demais, sejam da mesma área de atuação, sejam de outras áreas (1).

Os grupos de profissionais devem estar conectados a um processo de trabalho que permita a evolução harmoniosa do trabalho de todos, por meio da conduta de cada um. Neste sentido, o trabalho em saúde deve ultrapassar o foco da subjetividade alcançando a intersubjetividade, no qual é afetado pela alteridade e pelo discurso e saber vindo do outro.

Este contexto revela que nas atividades de saúde não basta que os profissionais utilizem apenas a dimensão técnica do trabalho, mas é imprescindível realizar uma ação sobre o outro e para o outro, caracterizando a dimensão ética. Assim, a prática dos profissionais tem como essência as relações, pois suas ações repercutem no outro (2).

No ambiente hospitalar, a tensão natural exigida pelo fato de se trabalhar com a vida das pessoas, com a complexidade que permeia as possibilidades de cura e com os temores de um agravamento e morte, fragiliza os que precisam deste serviço e também aqueles que nele atuam. Portanto, o ambiente hospitalar necessita de profissionais com competências para lidar com os aspectos essencialmente humanos, de forma que, por meio da sua prática, possam fortalecer sua humanidade ressonando no outro (3).

Porém, no atual contexto de transformações sociais, caracterizado pelo fenômeno da globalização, a sociedade tem experenciado novas maneiras de viver, as quais apontam para um endeusamento de aspectos materiais, individuais e virtuais em detrimento de relações pessoais humanas e solidárias (4).

No setor saúde, está cada vez mais comum se deparar com ambientes pouco humanizados nos quais as ações de saúde deixaram de focalizar a atenção aos usuários reconhecendo-os como objeto do cuidado. Neste cenário, o usuário perde sua identidade ficando dependente e passivo à espera do poder científico que os profissionais julgam ter (5).

Transparecem nas práticas de saúde as raízes de uma assistência despersonalizada, centrada na execução de tarefas e com predomínio das ações curativas. A falta de compromisso profissional com o ser humano tem fortalecido ações mecanicistas e impessoais, provocando um distanciamento dos aspectos éticos nas relações entre pacientes e profissionais.

Este cenário tem configurado um ambiente de trabalho marcado por divergências de valores, incertezas sobre as tomadas de decisões e enfrentamentos na relação com os outros, que resultam em problemas éticos, ou seja, aspectos, questões ou implicações éticas de ocorrências comuns.

Portanto, como uma possibilidade de compreender como os problemas éticos se expressam no contexto de um hospital escola, questionou-se Como os profissionais têm percebido os problemas éticos que se apresentam na sua prática?

Diante disso, o objetivo deste estudo foi conhecer os problemas éticos que se expressam nas práticas de profissionais de saúde em unidades de internação hospitalar de um hospital escola.

Materiais e método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa com trinta profissionais de saúde das seguintes categorias: médica (quatro), enfermagem (oito enfermeiros e oito técnicos), fisioterapia (quatro), psicologia (três), nutrição (dois) e farmácia (um). A escolha desses sujeitos se deu pelo fato de serem profissionais que exercem atividades assistenciais ininterruptas nas unidades de internação de clínica médica e cirúrgica de um hospital de ensino da capital mineira.

A opção por pesquisar diferentes tipos de profissionais decorreu do fato de estes sujeitos estabelecerem relações entre si e com o ambiente de trabalho em seu cotidiano. Apesar das especificidades de cada área, os profissionais deste estudo vivenciavam as mesmas situações e condições de trabalho semelhantes, o que se tornou relevante para conhecer os problemas éticos decorrentes da prática em unidades de internação.

Elegeu-se para fins deste trabalho aqueles sujeitos que manifestaram interesse em participar do estudo. Desta maneira, os sujeitos foram selecionados por conveniência, convidando-os em seu próprio local de trabalho e definindo um horário de acordo com suas disponibilidades e vontades pessoais.

A coleta de dados foi realizada no período de dezembro de 2012 a abril de 2013 por meio de entrevistas gravadas, orientadas por um roteiro semies-truturado. Os dados foram analisados por meio da Análise Textual Discursiva (ATD), que vem se revelando como uma técnica que tende a valorizar elementos subjetivos, sempre no sentido da busca de múltiplas compreensões dos fenômenos (6). Essas compreensões têm seu ponto de partida na linguagem e nos sentidos que por ela podem ser instituídos com a valorização dos contextos e movimentos históricos em que os sentidos se constituem.

A ATD organiza seus argumentos em torno de quatro focos: desmontagem dos textos; estabelecimento de relações; captura de um novo emergente; e recolocação dos achados -em um processo auto-organizado- (6).

A desmontagem dos textos se deu por meio de uma tempestade de ideias que nos permitiram produzir um conjunto de unidades elementares de significado. Posteriormente, foi necessário um aprofundamento das leituras para a composição de unidades constituintes. Para a composição das unidades constituintes, utilizou-se como critério de recorte e desconstrução dos textos a análise do vocabulário usado em um enunciado -análise lexical-, a forma como o enunciado é estruturado -análise sintática- e a recorrência, ao longo do discurso de elementos semânticos subjacentes -análise semântica-.

Após o exercício analítico de desmembramento de enunciados constitutivos de uma comunicação, foi possível detectar os elementos de sentido. A segunda etapa compreendeu o estabelecimento de relações, que consistiu na categorização das unidades anteriormente obtidas. Durante esta etapa, reuniram-se as unidades de sentido por semelhança e aproximação em categorias, surgindo assim a captura de um novo emergente. Esta fase representou o esforço de conceber um consolidado teórico baseado nas novas combinações dos elementos construídos ao longo dos passos anteriores e que deu origem à recolocação dos achados, construindo um processo auto-organizado.

A pesquisa foi analisada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa de Seres Humanos da Universidade Federal de Minas Gerais, CAAE 08165512.8.000.5149, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde 466/12 do Ministério da Saúde (7).

Resultados e Discussão

Após as entrevistas gravadas, nas quais os profissionais responderam questões sobre as relações pessoais no seu cotidiano de trabalho e as circunstâncias vivenciadas que apresentassem questões éticas envolvidas, os profissionais consideraram problemas éticos como aquelas situações que geraram desconforto e que, de alguma maneira, trouxeram prejuízos para a assistência do paciente e ou da família. Assim, os problemas éticos reconhecidos pelos profissionais de saúde foram revelados em as seguintes duas dimensões: Problemas decorrentes do trabalho interdisciplinar e Problemas decorrentes da relação profissional-paciente.

Optou-se por discutir as duas dimensões descrevendo trechos dos discursos dos profissionais entrevistados. Estes estão identificados com os códigos adotados na análise textual discursiva, representados por uma letra inicial que aponta a categoria profissional, seguida do número da entrevista e da numeração que representa as questões da entrevista na qual o discurso foi relatado.

Problemas éticos decorrentes do trabalho interdisciplinar

Foram considerados problemas éticos decorrentes do trabalho interdisciplinar a falta de coesão entre as ações e procedimentos da equipe de profissionais, a ausência do conhecimento do papel do outro profissional e a disputa de poder sobre o conhecimento técnico-científico:

A gente tem que ter noção de até que ponto nós podemos passar por cima do outro profissional para ganhar proveito na profissão. Aqui no hospital é uma questão muito forte o poder sobre o conhecimento técnico [FA, 1.4]

Eu acho que, como aqui é um hospital a gente trabalha com vários profissionais, cada um tem uma técnica especifica e nem sempre tem a compreensão do que é o trabalho do outro. Então eu acho que começa por aí. Dessa pouca compreensão do trabalho do outro [p, 2.4].

Há uma percepção que o trabalho interdisciplinar representa um agregado de trabalhadores composto por profissionais de diversas áreas do conhecimento, no qual cada um tem uma técnica específica e nem sempre a compreensão do que é o trabalho do outro. Os participantes do estudo reafirmaram, neste contexto, que a prática em hospitais é permeada por relações hierárquicas, impossibilitadas de integração dos conhecimentos, individualistas e descontínuas.

Os profissionais não vislumbraram as possibilidades de planejamentos e de participação dos membros da equipe sobre o pensar e organizar o trabalho. Desta forma, coloca-se em xeque a viabilidade de projetos coletivos de saúde, com intensificação do individualismo em detrimento da valorização do sujeito e da identidade de classe. Esse modelo de produção enfraquece a subjetividade no trabalho a partir das relações e da precarização das condições dos serviços, gerando sentimentos de medo e insegurança, os quais contribuem para fragmentar as redes de solidariedade, necessárias à reflexão ética (8).

Este processo desordenado dificulta a percepção dos diversos grupos profissionais e, ao invés de produzirem avanços e conhecimentos, reproduzem práticas fragmentadas e alienadas (9). Tendo em vista os problemas éticos apontados pelos profissionais, considerou-se que o cuidado no contexto hospitalar tem sido realizado por meio de ações objetivas e mecanizadas. Quando os profissionais estão inseridos na prática, a atitude de preocupação com o outro e os aspectos mais subjetivos das relações humanas ficam ocultos.

Embora se compreenda que a ética se encontra no mundo da intersubjetividade, percebe-se que no plano da prática destes profissionais de saúde ela não se materializa. Desta maneira, os discursos reforçaram a característica de um trabalho tecnicista e objetivo, diluindo a importância da subjetividade na rotina.

Ainda, no que diz respeito aos problemas éticos decorrentes do trabalho interdisciplinar, destaca-se o fato dos profissionais apontarem com afinco um problema ético na prática de outro colega de trabalho.

Os problemas identificados nas práticas de outros colegas representaram preocupações no nível dos relacionamentos humanos que se dão no cotidiano de trabalho em hospitais. Estas preocupações refletem os problemas e conflitos vivenciados na equipe de saúde, especialmente por constituir uma rede de relações tecida no cotidiano entre agentes que portam saberes diferenciados e desenvolvem práticas distintas. Neste sentido, é necessária certa disponibilidade para que se reconheçam e respeitem suas diferenças (10).

Nota-se nos depoimentos que os profissionais de saúde não se incluem na prática quando há problemas éticos envolvidos. A possibilidade de problemas éticos foi revelada somente na prática do outro:

Na minha prática? Eu vejo problema ético com relação aos médicos. Muita falta de respeito com o colega, principalmente com o técnico de enfermagem. Por a gente ter um cuidado continuo com o paciente; a gente tem uma noção maior do que está acontecendo e nem todos os médicos dão muita atenção para o que a gente fala [T, 1.4].

As relações inerentes ao trabalho em equipe não devem ser circunscritas às profissões, pois é importante considerar as interfaces existentes entre elas, o qual implica em novas formas de realizar o cuidado em saúde. O reconhecimento do trabalho do outro requer o estabelecimento de uma relação entre os envolvidos, mediada pela comunicação e sustentada pela ética (11).

A ética, neste sentido, é reconhecida como a prática reflexiva da liberdade e o exercício do cuidado de si (12). Assim, quando os profissionais não falam sobre si ou não reconhecem suas posições perante uma situação de trabalho, estão omitindo-se e renunciando-se, ou seja: estão negando a si mesmo. A negação de si mesmo tem impacto sobre a percepção da influência dos outros sobre a sua vida e em seu comportamento e relacionamento com os demais (12).

Não se nega o fato de haver problemas éticos que possam ser reconhecidos na prática do outro nem se compreende esta questão como uma luta pelo poder no sentido da valorização de quem delata a prática do outro. O que importa é chamar atenção para a questão de que a ética não foi manifestada no momento da entrevista pelos profissionais que negaram a si, mesmo sabendo que esta é onipresente no trabalho em saúde.

A ética para os profissionais deste estudo foi revelada como uma preocupação sobre a prática do outro. Isto demonstra que o trabalho coletivo no contexto hospitalar tem fronteiras cerradas entre os sujeitos a ponto de alguns membros da equipe se tornar invisíveis.

A negação de si propicia ao sujeito que Dejours denominou de sentimento de robotização, o qual leva ao profissional a sentir-se como um apêndice dos processos a que se submete (13). O mesmo autor afirma que o sujeito torna nada mais que um acompanhamento, um presente à margem e não um ser integrante e constituinte do trabalho em saúde (13).

Problemas éticos identificados na relação profissional-paciente

Nesta categoria, os profissionais identificaram como problemas éticos da prática as atitudes de exposição e discriminação com o paciente. No que diz respeito à exposição, os discursos apontaram para uma compreensão na perspectiva da concessão e troca de informações entre os profissionais de saúde, que por vezes podem violar a privacidade do paciente ao realizarem comentários sobre experiências vividas durante as ações de cuidado.

O paciente confia ao profissional detalhes sobre sua vida, a fim de que este possa entender a natureza e a causa do problema. Neste processo surgem revelações de fatos, muitas vezes, de caráter íntimo, que os confidentes não pretendem que sejam revelados (14).

A privacidade das informações sempre foi considerada característica moral obrigatória da maioria das profissões da área da saúde (15, 16). Na contemporaneidade o segredo profissional adquiriu fundamentação mais rigorosa, centralizada nas necessidades e direitos dos cidadãos à intimidade, passando a ser entendido como confidencialidade.

Segundo os relatos dos profissionais deste estudo, a exposição dos casos dos pacientes caracteriza um problema ético na medida em que, uma vez confiado ao profissional as informações pessoais do paciente ou qualquer informação obtida no curso deste relacionamento, estas não podem ser reveladas para terceiros:

Na prática eu consigo ver problemas éticos assim: na questão do prontuário eletrônico. Eu trabalho muito com sigilo; então, quando eu vou redigir algo sobre meu atendimento, eu tento ser o mais sucinta possível e colocar aquilo que é importante para a equipe escutar. Eu percebo que nem todos tem este cuidado de não expor o paciente; de não expor a vida dele. Colocam isso no prontuário de maneira muito leviana sem pensar que é um sujeito [P, 1.4].

Aqui a gente tem muitos problemas éticos, mas os comentários de casos no corredor todo mundo faz. Eu acho que a gente interiorizou isso, sabe?; esses comentários em público [E, 7.4].

Um estudo brasileiro, realizado com a equipe de enfermagem em um hospital universitário, também revelou a exposição das informações como uma prática antiética (17). A dimensão que a ética assume diz respeito ao fato de os profissionais reconhecerem que há uma colisão com o juramento realizado para praticar a profissão que tem valores e regras de conduta. Além disso, os discursos apontaram que o profissional reconhece que a informação, muitas vezes, é voluntariamente compartilhada entre paciente e profissional, numa relação de confiança e fidelidade.

Nessa relação, o paciente procura o profissional com a confiança de encontrar alívio para sua condição e com a segurança de não sofrer danos. Consequentemente, a confiança se constitui como condição fundamental para um tratamento efetivo.

Na mesma perspectiva, ressalta-se que a primeira forma de confidencialidade se estabelece numa relação interpessoal, desde que exista comprometimento das pessoas que compartilham a informação. A segunda forma é a confidencialidade do registro desta informação.

A preocupação com o registro das informações comentado no depoimento de p, 1.4 demonstra que a exposição das informações do paciente é uma realidade também nos instrumentos de trabalho com destaque para o prontuário eletrônico do paciente. O prontuário eletrônico do paciente é uma realidade mundial; caracteriza-se por ser um instrumento de trabalho fundamental para identificação do sujeito que utiliza os serviços de saúde, em especial o hospital. As informações encontradas no prontuário são fornecidas confidencialmente pelo paciente durante o atendimento ou obtidas por meio de exames e procedimentos com finalidades terapêuticas (18).

Nesse sentido, percebeu-se no discurso dos sujeitos que a prática de extrapolar as informações no ambiente hospitalar foi tão interiorizada pelos profissionais a ponto de aceitarem estas práticas como uma normalidade dos processos de trabalho em saúde. Encarar que a exposição das informações de outros foi incorporada à rotina do trabalho no hospital demonstra que a ênfase dos cuidados desconsidera o sujeito em suas múltiplas dimensões, seus valores, suas crenças e seus modos de ser e viver.

Segundo os depoimentos dos profissionais, a realidade presente no ambiente hospitalar vai de encontro aos achados em muitas instituições de saúde brasileira, em que a atuação profissional reflete a falta de compromisso como respeito à privacidade do paciente (19). Neste ambiente, há, portanto, negligências entendidas pelos profissionais como superficiais e corriqueiras que denotam a falta de respeito tanto entre os profissionais quanto entre eles e o paciente.

No que tange às atitudes de discriminação com o paciente, uma das formas de manifestação desta discriminação que merece destaque -revelada nos depoimentos- foi o preconceito:

Eu nem sei se é ético falar, mas vejo muita falta de respeito ao indivíduo na forma como você aborda ou se refere a determinado paciente. Escuta um preconceito com relação a algumas doenças. O profissional de saúde que deveria ter isso bem fundamentado não perde o preconceito de determinadas doenças e subjuga as pessoas [M, 3.4].

O que eu vejo, que é muito comum com relação ao profissio-nal-paciente, é o tratamento diferenciado para algumas pessoas no sentido negativo. Porque o paciente que é etilista, que é usuário de droga, ele não merece atenção nem respeito; e isso eu acho muito antiético [M, 2.4].

O preconceito neste contexto está relacionado ao fato de o indivíduo não conseguir perceber que sua visão preconcebida da realidade decorre de sua própria dificuldade de lidar com determinadas situações (20). A ausência de um trabalho reflexivo caracteriza o preconceito (20). O profissional manifesta uma onipotência velada ou até mesmo transparente, julgando-se superior à situação ou à pessoa correspondente, bem como a impotência que sente para lidar com o sofrimento proveniente da realidade.

Em muitas situações, a exposição do outro, os comentários ou preconceito são manifestações de um profissional que precisa estar no lugar de protegido e não de protetor; do poupado e não daquele que poupa o outro. O limiar entre as fragilidades e onipotência, portanto, pode proporcionar ao profissional o convívio constante com situações que apresentam conflitos éticos e consequentemente levá-lo a um sofrimento moral.

Entende-se que o sofrimento moral se manifesta ao individuo ao se deparar com conflitos éticos que o impossibilitam ou dificultam seu potencial de ação na realidade e a adoção de atitudes e comportamentos considerados corretos, em consonância com seu julgamento moral (21).

De acordo com as afirmações dos sujeitos deste estudo, há situações presentes nas práticas na qual o profissional percebe sua responsabilidade, realiza seu julgamento moral e busca a conduta mais adequada para agir em determinada situação. Porém não encontra condições para atuar conforme seu julgamento e valores, entendendo como inadequada a manifestação da ética que repercute em um sofrimento (21, 22) conforme demonstrado no seguinte depoimento:

O maior conflito é você saber o que é o melhor para o paciente; saber como dar um atendimento de primeira, porém tem que se ater aquilo que você tem. Infelizmente, você tem que se submeter a atender um paciente no corredor e isso não é bom. Então o maior problema é saber administrar o que é correto, o que tem que ser feito e o que é possível fazer [M, 1.4].

Este depoimento alerta-nos que no contexto do trabalho em saúde o sofrimento moral pode retirar do indivíduo seu potencial para agir, transformando-o em um sujeito passivo às circunstâncias e aos modos de dominação preexistentes. Em este estudo, o impacto da precariedade da estrutura hospitalar revelou o contato frequente do profissional com sentimentos de impotência frente às situações e aparente descaso em relação aos pacientes.

Com relação à estrutura hospitalar, torna-se dispensável discutir sobre suas condições precárias, sobretudo quando se trata de hospitais públicos brasileiros. Porém, vale ressaltar que a estrutura hospitalar apresenta uma ambiguidade paradoxal. O hospital é organizado e até existe em função do enfermo, mas muitas de suas dimensões, horários de seus ambulatórios, visitas e refeições são organizadas claramente de acordo com as exigências do pessoal e do conjunto da estrutura hospitalar, muito mais que dos pacientes (23).

Em face deste cenário, o paciente passa a ser visto como um objeto desprovido de autonomia, de opiniões próprias, cerceado da liberdade de agir de acordo com seus valores e crenças. Os pacientes, segundo os profissionais deste estudo, não tem participação nas discussões sobre a sua experiência de saúde. Percebeu-se que, se a própria estrutura hospitalar impõe uma relação autoritária sobre os pacientes, os profissionais que dela fazem parte reproduzem esta relação na prática profissional.

Assim, existe o desafio de construir uma nova prática profissional, que provoque mudanças nos modelos assistenciais tradicionais. Adotando-se a concepção humanista e a valorização da dimensão ética do trabalho, o profissional de saúde deve ser capaz de superar o normatizado e o já posto como espaço de trabalho. Isso exige o enfrentamento e o posicionamento como sujeito de transformação dos contextos reais, o que significa reconfigurar esses espaços (24, 25).

Considerações finais

Nas práticas em unidades de internação hospitalar, os profissionais de saúde apontaram como problemas éticos aqueles decorrentes do trabalho interdisciplinar e os originados pela relação com os pacientes.

Como problema ético no trabalho interdisciplinar, os profissionais evidenciaram o fato da equipe se constituir como um agregado de trabalhadores, onde um não tem a compreensão do trabalho do outro, consolidando assim práticas individualistas e descontínuas. Os profissionais mencionaram também que os problemas éticos ocorrem frequentemente na prática do outro colega, o que oportuniza a negação a si mesmo como um profissional que se relaciona com aqueles que agem com negligência.

Diante da segregação das relações entre os profissionais, apontada pelos sujeitos deste estudo, infere-se que o cuidado se revela em diferentes versões dependendo do profissional que está diante do paciente.

No que diz respeito aos problemas éticos expressos na relação com os pacientes, este estudo revelou a discriminação e a exposição na prática em saúde. A exposição foi relacionada aos comentários de experiências vividas durante as ações de cuidado a terceiros. Apesar dos profissionais reconhecerem que a privacidade das informações é uma característica moral obrigatória de todas as profissões da saúde, eles assumem que a prática de revelar informações foi interiorizada a ponto de aceitarem como uma normalidade no cotidiano do trabalho.

No que tange à discriminação, os discursos apontaram o preconceito como modo de manifestação. Nas falas dos profissionais foi possível perceber uma onipotência velada quando se julgam aptos para realizar tratamentos diferenciados de acordo com certos tipos de pacientes ou tratar com descaso algumas situações inusitadas relacionadas ao paciente.

Este estudo trás à tona que alguns dilemas morais vivenciados na rotina de hospitais escola -como, por exemplo, suas estruturas precárias- repercutem na possibilidade de desenvolver sofrimento moral por parte dos profissionais, uma vez que a convivência constante com os problemas éticos que se dão no cotidiano do trabalho em saúde são geradores de sentimentos de impotência e descaso em relação aos pacientes.

A relevância dos problemas éticos que emergiram da prática cotidiana de profissionais de saúde representou a necessidade do fortalecimento da discussão dessa temática. Apesar dos limites reconhecidos da pesquisa que valoriza os elementos subjetivos, o estudo reforçou a importância de fomentar a reflexão sobre a necessidade da formação do profissional de saúde ser pautada nas competências éticas.

Patrocínio

Este estudo foi patrocinado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).


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