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Avances en Enfermería

Print version ISSN 0121-4500

av.enferm. vol.36 no.1 Bogotá Jan./Apr. 2018

https://doi.org/10.15446/av.enferm.v36n1.65229 

Artículos de investigación

Morte de neonatos: percepção da equipe multiprofissional à luz da complexidade

Muerte de neonatos: percepción del equipo multiprofesional a la luz de la complejidad

The death of neonates: the multi-professional team's perceptions of the problem in the light of its complexity

Larissa Spies Subutzki1 

Maria de Lurdes Lomba2 

Dirce Stein Backes3 

1 Mestranda profissional em Saúde Materno-infantil, Universidade Franciscana, Santa Maria-RS, Brasil. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: spieslarissa@yahoo.com.br

2 Doutora em Ciências de Enfermagem. Professora adjunta do curso de licenciatura em Enfermagem e mestrado em Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria, da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal. E-mail: mlomba@esenfc.pt

3 Doutora em Enfermagem. Coordenadora e professora adjunta do mestrado profissional em Saúde Materno-infantil e Professora do mestrado acadêmico em Ciências da Saúde e da Vida, da Universidade Franciscana, Santa Maria-RS, Brasil. E-mail: backesdirce@unifra.br


Resumo

Objetivo:

conhecer a percepção da equipe multiprofissional da unidade de terapia intensiva neonatal sobre o processo de morte e morrer de neonatos.

Método:

pesquisa qualitativa, de abordagem exploratório-descritiva, realizada a partir de três grupos focais, com 35 profissionais da equipe multi-profissional de uma unidade de terapia intensiva neonatal de uma instituição hospitalar localizada na região noroeste do estado do Rio Grande do Sul (Brasil), decodificados com base na análise de conteúdo.

Resultados:

a análise dos dados resultou em quatro categorias temáticas: Morte: interrupção da ordem natural; Morte: processo complexo para o qual não se tem respostas; Morte: o despertar para um novo estado de vida e Morte: a convivência entre o tangível e o intangível.

Conclusões:

a morte ainda é apreendida como fenômeno fragmentado e dissociado do processo de viver humano, embora tenha se evidenciado a expectativa, por parte dos profissionais, de querer falar, refletir e ampliar a sua compreensão teórico-prática.

Descritores: Enfermagem; Morte; Equipe de Assistência ao Paciente; Dinâmica não Linear (fonte: DeCS, BIREME)

Resumen

Objetivo:

conocer la percepción del equipo multiprofesional de unidad de terapia intensiva neonatal sobre el proceso de morir y muerte de neonatos.

Método:

investigación cualitativa, de enfoque exploratorio-descriptivo, realizada a partir de tres grupos focales con 35 profesionales del equipo multi-profesional de unidad de terapia intensiva neonatal de una institución hospitalaria ubicada en la región noroeste del departamento de Rio Grande do Sul (Brasil), decodificados con base en el análisis de contenido.

Resultados:

los datos determinaron cuatro categorías temáticas: Muerte: interrupción del orden natural; Muerte: proceso complejo para el que no se tienen respuestas; Muerte: el despertar a un nuevo estado de vida y Muerte: convivencia entre lo tangible y lo intangible.

Conclusión:

se concluyó que la muerte aún es comprendida como fenómeno fragmentado y disociado del proceso de la vida humana, aunque se haya evidenciado la expectativa, de parte de los profesionales, de querer hablar, reflexionar y ampliar su comprensión teórico-práctica.

Descriptores: Afecto; Cuidadores; Envejecimiento; Filosofía; Libertad (fuente: DeCS, BIREME)

Abstract

Objective:

to learn about the perception which the multi-professional team of a neonatal intensive care unit have of the process of dying and death of neonates.

Method:

this is a qualitative, exploratory-descriptive study, undertaken with three focus groups made up of 35 professionals from the multi-professional team of the neonatal and pediatric intensive care unit of a hospital located in the northwest region of the State of Rio Grande do Sul in Brazil. The data were decoded on the basis of content analysis.

Results:

the data yielded four thematic categories: Death: an interruption of the natural order; Death: dying is a complex process for which there are no answers; Death: awakening to a new state of life and Death: the coexistence of the tangible and the intangible.

Conclusion:

is the study concluded that death is still conceived of as a fragmented phenomenon and it is dissociated from the process of human life, although there is evidence that the professionals believe in the prospect of being able to speak about and reflect on the matter and expand their theoretical and practical understanding of death.

Descriptors: Nursing; Death; Patient Care Team; Nonlinear Dynamics (source: DeCS, BIREME)

Introdução

Vive-se em uma sociedade em que quase tudo se volta para a produção e o consumo. A partir dessa meta, tem-se a ilusão do progresso contínuo e ilimitado, ou seja, a ilusão de que a pessoa humana é eterna, e a morte já não encontra mais lugar. Assim, a negação da morte acontece na mesma proporção em que é temida e banalizada 1,2. Enquanto manifestação da condição humana, a morte expressa o que o homem tem de mais secreto em sua vida 3.

A morte faz parte do cotidiano da prática dos profissionais da saúde e precisa ser incorporada nas discussões diárias, uma vez que o tema é complexo e merece apreensões teórico-práticas igualmente complexas. A superficialidade e banalização das discussões acerca desse processo não permitem, frequentemente, a ampliação do entendimento desse fenômeno, visto que a morte é considerada como a aniquilação do processo de viver, e não como integrante do ciclo vital 4,5.

O processo de morte e morrer em unidade de terapia intensiva neonatal é, por excelência, um fenôme-no complexo, tendo em vista que a morte infantil é, geralmente, considerada pelas pessoas mais próximas como castigo divino. Assim, salvar a vida de um neonato torna-se o principal objetivo da equipe multiprofissional. Os sentimentos que surgem desse processo são adversos, e a exposição continua a esse fenômeno, nas unidades de terapia intensiva, demandam recorrentes construções, desconstruções e reconstruções teórico-práticas 6,7.

Embora tenha se buscado desde os primórdios da civilização uma justificativa para comprovar que a morte não é um evento pontual, esta tem despertado tanto ou maior interesse de investigação quanto à própria vida 8. Assim, o estudo tem o objetivo de conhecer a percepção da equipe multiprofissional da unidade de terapia intensiva neonatal sobre o processo de morte e morrer de neonatos.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de caráter descritivo-exploratório, realizada em uma unidade de terapia intensiva neonatal, de um hospital de médio porte, situado na região noroeste do estado do Rio Grande do Sul (Brasil).

Foram convidados para participar do estudo, por meio de convite formal, 45 profissionais que integram a equipe multiprofissional da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, dos quais participaram 35, quais sejam: 5 enfermeiros; 20 técnicos de enfermagem; 2 médicos; 2 fisioterapeutas; 1 psicóloga; 1 assistente social; 2 auxiliares administrativas e 2 auxiliares de limpeza. Excluíram-se do estudo os profissionais que estavam em férias, de atestado ou de licença-maternidade no período da coleta de dados, além daqueles que, por algum motivo, não aceitaram participar do estudo.

Os dados foram coletados por meio da técnica de grupo focal, a qual parte da interação grupal e da problematização ampliada sobre a temática investigada 9. Sob esse enfoque, a técnica adotada possibilitou o debate coletivo aprofundado entre os participantes, além de permitir o (re)pensar da prática profissional no âmbito individual e coletivo.

Foram realizados três grupos focais, com dois encontros para cada grupo, sendo um no período matutino e um no período vespertino, possibilitando a escolha de horário. Os encontros ocorreram no período de maio a junho de 2016, sempre com a mesma temática e dinâmica de trabalho. Os encontros foram agendados com os responsáveis pela unidade e organizados conforme a escala de trabalhos dos participantes. Os participantes dos grupos focais apresentavam pelo menos um traço em comum, conforme preconizado pela literatura 10, ou seja, todos estavam atuando na unidade intensiva proposta.

Os encontros de grupos focais contemplaram momentos de sensibilização, de aprofundamento, de reflexão e de discussão conjunta acerca do processo de morte e morrer de neonatos em unidade de terapia intensiva, além de fechamentos conforme propõe a técnica. Os encontros foram norteados por um tema específico, a fim de contemplar a temática central do estudo, e o tempo estipulado para cada encontro foi de cerca de duas horas.

No primeiro encontro de grupo focal, além do detalhamento da proposta de trabalho e da solicitação da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi discutido o significado de morte para cada participante, por meio de dinâmica interativa e participativa. Ao final do encontro, foi realizada uma síntese descritiva das principais ideias e, na sequência, o moderador do encontro socializou um vídeo de Edgar Morin denominado "Lições sobre a existência", e entregou um artigo sobre o pensamento da complexidade a cada participante, como leitura individual prévia para o segundo encontro.

O segundo encontro de grupo focal teve início com a apresentação e discussão da síntese do primeiro encontro, a fim de aprofundar e ampliar os significados à luz do pensamento da complexidade, com base nas leituras individuais previamente realizadas. Na sequência, foi realizado um longo debate sobre as potencialidades e fragilidades relacionadas ao cuidado da equipe multiprofissional da unidade de terapia intensiva neonatal no processo de morte e morrer de neonatos. Por fim, socializou-se o vídeo intitulado "A morte é um dia que vale a pena viver", da médica geriatra Ana Cláudia Quintana Arantes.

O terceiro encontro de grupo focal teve por objetivo retomar a síntese dos dois encontros anteriores e, coletivamente, identificar estratégias de cuidado multiprofissional para a compreensão teórico-prática ampliada do processo de morte e morrer de neonatos em unidade de terapia intensiva.

Os debates dos encontros focais foram gravados e, na sequência, transcritos. O material empírico foi submetido à análise de conteúdo temática, que busca descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação, cuja presença ou frequência acrescentava perspectivas significativas ao objeto de estudo. Para tanto, seguiram-se as três etapas preconizadas nessa técnica de análise. Na pré-análise, foram realizadas leitura exaustiva dos dados, seguida da organização do material e formulação de hipóteses. Na fase exploratória, os dados brutos foram codificados e, na última fase, os dados foram interpretados e delimitados em eixos temáticos 11.

Para cumprir os critérios éticos, foram atendidas as recomendações da Resolução CNS n.° 466/2012, que prescreve a ética em pesquisa com seres humanos 12. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Etica em Pesquisa sob o n.° 1.478.885/2016 e conta com o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n.° 54719316.1.0000.5306. Para manter o anonimato dos participantes, as falas foram identificadas, no texto, pela letra "P" (participante), seguido de um número, em ordem crescente, correspondente à ordem das falas. Por exemplo: "P1", "P2" e assim sucessivamente até o número total de participantes.

Resultados

Os resultados foram decodificados com base na análise de conteúdo e agrupados em quatro categorias temáticas: Morte neonatal: interrupção da ordem natural; Processo complexo para o qual não se tem respostas; O despertar para um novo estado de vida e A potencialização da espiritualidade.

Morte neonatal: interrupção da ordem natural

A morte de um neonato, para a maioria dos participantes, limitou-se à interrupção da ordem natural do ciclo vital. Compreendem-na como evento pontual e não como parte integrante do ciclo vital. Essa percepção fica clara na medida em que os profissionais mencionam que o "normal" é os pais e os avós morrerem antes de seus filhos e, ainda, que o "normal" é a pessoa nascer, crescer, amadurecer e morrer, conforme destacado nas falas a seguir.

A morte da criança, na verdade, vem de encontro a um processo histórico. A gente sempre aprende, e a sociedade impõe muito isso, que os pais, os avós vão morrer antes que os filhos. E o processo da morte da criança é inverso, então muita coisa ainda não é aceita na sociedade e que gera angústias e muitos questionamentos [P5].

Eu acho que, quando é uma pessoa adulta, fica mais fácil de aceitar, tem aquelas pessoas que ficam meses sobre uma cama, você acaba se preparando de certa forma, pra deixar essa pessoa ir, mas, quando é uma criança, é muito difícil, pelo fato de acharmos que temos que nascer, crescer, envelhecer e morrer [P8].

Os profissionais mencionaram que muitos pais não compreendem a gravidade do estado de saúde do neonato e/ou, por vezes, negam a gravidade para não se deparar com o inesperado. Nessa direção, alguns participantes destacaram a importância da informação clara e transparente, além da paciência e do profissionalismo em responder aos novos e recorrentes questionamentos ou dúvidas.

Já presenciei uma situação em que a família nem sabia que a criança tinha morrido, porque eles não entenderam, estavam em um processo de negação e não entenderam que havia morrido, achavam que estava ruim, que estavam fazendo o que podiam, mas que não estava dando certo, né. Mas não tinham ou não queriam entender que uma criança também pode morrer. Parece que foge do normal [P21].

A "ordem natural", conforme expresso pelos profissionais, reproduz a ideia de que a morte, socialmente, é previsível e cronológica, ou seja, o normal é as pessoas nascerem, crescerem, se desenvolverem e morrerem. Tal compreensão, no entanto, traduz-se num pensamento linear e simplificado, por isso passível de angústia, tristeza, depressão, dentre outros sinais aparentes ou inaparentes.

Morte: processo complexo para o qual não se tem respostas

Além de complexa e efêmera, a morte é concebida pelos profissionais como um fenómeno incerto, obscuro e inexplicável, embora inevitável. Reconhecem que se encontram diante de um evento para o qual não encontram respostas prontas. Em outros momentos, alguns profissionais preferem calar ou se restringir a dar informações para não incorrerem no "erro" de dar alguma informação errónea ou que possa "machucar" o familiar.

Eu nunca falo que tenho certeza se vai morrer ou não, porque a gente já viu crianças que estavam muito mal e sobreviveram [P6].

Eu já procuro nem falar, pra não falar bobagem, porque nessa hora não tem, tu fala, tu dá conforto, mas não há o que dizer [P9].

Outros profissionais relataram a sensação de impotência, de intenso desgaste físico e emocional diante do processo de morte de uma criança, sobretudo no contato com a família. Além de alguns profissionais paralisarem, outros não encontraram palavras para confortar os pais nem mesmo explicações para o que sentem diante da morte, principalmente ao se depararem com o sofrimento dos pais.

Eu estava na noite que ela morreu e sabe o que é não conseguir olhar pra ela... eu tive um sentimento de impotência, sei lá, eu não conseguia nem olhar [P20].

Sabe daquela criança que veio de longe, que chegou e em seguida morreu. Eu estava lá, a mãe logo pegou no meu braço assim [fazendo o gesto] e disse: "Enfermeira, ela vai sobreviver, ela vai ficar bem?" Ela fez aquilo, e a criança estava praticamente morta. Eu paralisei na hora e não consegui falar nada [P23].

Quando eu cheguei, a criança já tinha morrido. Eu vi a mãe sobre a criança, segurando-a com firmeza. Eu não sei nem explicar o que eu sentia na hora. É uma dor que não tem explicação, eu não sei nem o que dizer [P32].

Embora reconheçam que tenham feito o melhor que podiam, alguns profissionais sentem tristeza e a sensação de que pouco ou nada fizeram para salvar a criança ou que poderiam ter feito mais, conforme expresso na fala de um profissional:

É muito triste, de tristeza mesmo, de impotência. Tu pensa que podia ter feito mil coisas a mais, mas naquele momento. Tu se questiona: será que eu fiz tudo? será que não ficou nada? será que ela piorou e eu não percebi? Na hora volta tudo [P34].

Morte: o despertar para um novo estado de vida

Embora alguns profissionais da equipe multiprofissional tivessem demostrado limitada compreensão teórica, sensação de impotência ou não tivessem encontrado palavras para expressar o que sentiram diante da morte ou para confortar os pais e os familiares, outros também sinalizaram que a morte desperta para um novo estado de vida, em outras palavras, para uma nova "ordem" existencial que transcende a compreensão humana.

A morte é uma passagem para uma outra vida, é um novo ciclo que se inicia [P3].

E eu também acredito que morte significa a gente despertar para uma nova vida. Quando a gente perde alguém, é que a gente se dá conta que precisa melhorar as relações com as pessoas que estão conosco, no nosso dia a dia. A gente reconhece que precisa ser uma pessoa do bem, auxiliar quem está do nosso lado [P12].

Ao mencionarem que a morte desperta para um novo estado de vida, os profissionais não se referiram apenas à morte da criança. Percebem que a morte desperta uma autorreflexão e autoanálise relacionadas às relações de trabalho, às relações familiares. Dito de outro modo, a morte desperta, em muitos profissionais, o repensar de atitudes pessoais e profissionais, conforme expressão a seguir:

A morte possibilita você sair daqui e chegar em casa e olhar tudo diferente, a fazer diferente com as pessoas que estão a nossa volta... faz a gente refletir sobre as próprias atitudes [P29].

A morte de uma pessoa querida, que está ao nosso lado, nos desperta para as coisas boas que a gente pode fazer por quem ainda está conosco. Eu fiz o desenho de algumas flores e eu acredito que as flores significam o bem, significam o cuidado que a gente tem que ter nas relações com as pessoas que ainda estão conosco [P24].

Com base nas falas dos participantes, percebe-se que a morte de neonatos dificilmente passa indiferente. De alguma forma, todos os profissionais se mobilizam, interna ou externamente, e todos passam a conviver em contínuo processo de ordem-desordem-ordem isto é, num processo de ser-para-a-morte.

Morte: a potencialização da espiritualidade

Na fala de vários profissionais, ficou evidente a dificuldade que encontram para aceitar, compreender e conviver com a aparente aceitação dos pais ante a morte do neonato. Reconheceram que muitas mães e familiares facilmente se conformam e/ou demostram aparente aceitação diante da morte da criança. Para os profissionais, essa aparente atitude de conformação dos pais é inatingível, conforme depoimentos a seguir.

Tanto que, às vezes, a gente até comenta: 'Nossa! A criança morreu, e a mãe, assim, puxa, parece que está tão conformada'. A gente fica em choque... [P8].

Ao conversar com a mãe, ela estava muito tranquila. Meu Deus do Céu! Primeiro não queria nem acreditar que ele tinha ido a óbito porque, quando eu vim pra trabalhar, eu encontrei a família, vindo tão tranquilos, contando "causos". Daí eu fiquei parada, e a tia fez sinal que ele tinha morrido. Meu Deus! [P15].

No sábado antes dele falecer, a mãe me disse que ela e o pai haviam feito a decisão mais difícil de suas vidas, a entrega do filho a Deus. Ela estava muito preparada, porque eu chorava junto com ela, e ela não chorava. Aí eu disse pra ela que ele ia vencer, que ele era forte e ela me disse que estava muito preparada para o que poderia acontecer. Eu me lavei chorando e não conseguia acreditar [P18].

Em outros depoimentos, os profissionais demostraram que se bloqueiam diante da possibilidade da morte de uma criança, mesmo que, para a mãe, o evento já tenha sido percebido e acolhido. Nessa relação, percebe-se, inclusive, a dificuldade que os profissionais encontram ao se referirem ao termo morte ou morrer.

A gente se coloca tanto no lugar da criança que, muitas vezes, a gente não aceita "aquilo" e não tá preparado para "aquilo", mas a gente não pensa que talvez a mãe já notou que "aquilo" talvez seja o melhor naquele momento. Agente se bloqueia porque, para nós, "aquilo", imagina, de uma criança [P20].

Eu não entendo. Às vezes o familiar já conseguiu perceber e ele aceitou melhor ainda do que a gente mesmo, porque a gente se bloqueia [P22].

Em outro depoimento, o profissional associa a aparente conformação dos pais ao cultivo da religiosidade e da fé. E, nessa relação, o profissional questiona-se sobre a sua própria fé e reconhece que esta se constitui, no processo de morte e morrer, em força que transcende a compreensão e o alcance das possibilidades humanas.

Na verdade, o que a gente percebe, pensando em como que eles conseguem e a gente não. Eu noto que a religião, a fé faz com que eles consigam ir aceitando isso e daí a gente pensa será que não falta fé em nós? Pensar o além disso. Porque tem coisas que realmente são difíceis, e a gente tem que se agarrar na fé para conseguir [P26].

A dimensão transcendental fica evidente também na medida em que alguns profissionais traduzem a morte como passagem para a "vida em Deus", na qual não há dor, sofrimento ou tristeza, ou seja, uma passagem para uma vida melhor.

A morte é uma passagem para a vida eterna, só de entrega a Deus... é o fim de uma caminhada, onde o resultado vai depender muito das nossas ações, sejam elas boas ou más [P29].

Pra mim, a morte é algo que se explica somente pela fé... É um lugar onde se encontra Deus, e a morte é sofrida e dolorosa pra quem fica, para os pais e familiares [P30].

Os profissionais reconhecem que a temática da morte precisa ser abordada com mais frequência e que precisam desenvolver habilidades para lidar com o fenómeno, assim como serem capacitados para as funções técnicas. Destacam, por fim, que o espaço dos grupos focais se constitui em espaço profícuo para a socialização de vivências e práticas profissionais.

Discussão

Tão complexo quanto a própria morte é discuti-la com base em referências que a incorporem no ciclo vital. Assim, na busca da verdade, deve-se olhar a complexa teia de relações e interações associativas que se estabelecem entre as condições antropológicas e socioculturais, as quais provocam perguntas fundamentais sobre a existência humana. Na lógica do pensamento complexo, os antagonismos e as contradições devem ser encaradas como estímulo à autorreflexão das experiências cotidianas 13,14.

No depoimento de um participante, ao mencionar que a morte "desperta para a vida e a qualificação das relações com as pessoas", fica evidente que ela não se esgota em sua dimensão atingível, mas que possibilita reflexões que conduzem a uma nova ordem existencial. Na lógica do pensamento complexo, portanto, toda a desordem pode ser possibilidade para uma nova "ordem" 15. Significa dizer que a pessoa humana, a partir de uma aparente desordem, tem a possiblidade de (re)pensar a própria vida, mesmo que isso, num primeiro momento, lhe pareça adverso ou antagónico.

A morte é, portanto, um fenómeno complexo que não se esgota numa reflexão pontual, mas que proporciona ao ser humano uma consciência de si e do outro, isto é, transcende a dimensão puramente racional ontológica e permite o autoconhe-cimento e a autorreflexão sobre o próprio destino 16. Essa complexidade ficou notória na fala do depoente [P25] ao mencionar: "eu acho que essa questão da morte traz a reflexão para a nossa própria vida".

Contrariar a existência da morte nas mais variadas fases da vida é sinónimo de dor e, por vezes, gera a sensação de desordem tanto para os profissionais de saúde quanto para as famílias envolvidas. Nessa direção, o pensamento complexo possibilita apreender o cuidado em saúde como abertura à realidade igualmente complexa e inatingível. Significa afirmar que cuidar em saúde comporta riscos e desordens, mas também possibilidades e a capacidade de transcender o fazer profissional linear e reducionista 6,13,17.

O ser humano é um ser finito e limitado, por conseguinte, morte e vida fazem parte de um emaranhado existencial que comporta ordem e desordem ao mesmo tempo. Logo, a morte não é algo mágico nem acidental, mas um vir a morrer a cada dia para alcançar a plenitude da vida 18-20. Existe, portanto, uma tensão paradoxal entre vida e morte, e, nesse sentido, Morin defende que a morte simplifica a vida e a torna mais complexa simultaneamente 6.

Requer-se, nessa perspectiva integrativa de vida e morte, a superação do pensamento simplificado de que a morte se reduz à finitude, isto é, a um fim em si mesmo 6. Nessa relação, é importante e necessário que o profissional da saúde assuma uma atitude de acolhimento à diversidade e aos antagonismos existenciais, por vezes, contraditórios e paradoxais 21.

O cuidado multiprofissional ante o processo de morte e morrer de neonatos em unidades de terapia intensiva, na lógica do pensamento complexo, pauta-se no respeito aos antagonismos e na aceitação das adversidades e desordens do trabalho em saúde. O conflito e as adversidades, quando compreendidos em sua forma ampliada, transformam-se em terreno fértil para o encontro e o diálogo, ou seja, um espaço para fortalecer as relações e interações sistêmicas entre os envolvidos. E necessário, para tanto, que o profissional passe da compreensão ingênua à atitude consciente, a fim de integrar, religar e dinamizar o cuidado como fenómeno complexo 22-26.

Transcender o cuidado pontual e linear em relação ao processo de morte e morrer implica superar ações mutiladoras e visões lineares simplificadas 6, para se alcançar uma visão complexa da realidade, conforme expresso por um dos profissionais: "é preciso religar os saberes o tempo todo, construir, descontruir e ver uma situação isolada ao mesmo tempo em que se tenta imaginar o todo e do contrário também. Tudo está interligado na verdade" [P21]. Requer-se, assim, a capacidade de incluir, na dinâmica cotidiana, o dilema vida-morte-vida enquanto processo retroativo e auto- organizador.

Conclusão

A percepção da equipe multiprofissional da unidade de terapia intensiva neonatal demostra que a morte é aprendida, frequentemente, como fenómeno fragmentado e dissociado do processo de viver humano, isto é, como um fim em si mesmo. Sob esse enfoque, os profissionais reconhecem que a temática da morte precisa ser abordada com mais frequência e que necessitam desenvolver habilidades para lidar com o fenómeno, assim como serem capacitados para as funções técnicas.

Nesse sentido, o estudo reforça a ideia de que refletir sobre a morte e o morrer se constitui em tarefa complexa, uma vez que a morte ainda é percebida como um evento alheio à dinâmica do ciclo vital. A restrita possibilidade de reflexão acerca do tema resulta em práticas pontuais e lineares; assim, a promoção de espaços de reflexão à luz de referenciais que possibilitam conexões e retroações entre vida e morte constituem-se em estratégias proativas para a transformação dos cenários de saúde.

A técnica de grupo focal, por fim, constitui-se em espaço profícuo para a socialização de vivências e práticas profissionais, e proporciona a ampliação e compreensão teórico-prática sobre o processo de morte e morrer entre os profissionais envolvidos na equipe multiprofissional da unidade de terapia intensiva neonatal. O pensamento da complexidade enquanto referencial teórico foi de fundamental importância para se alcançar uma visão complexa do fenómeno morte.

Como fragilidades do estudo, apontam-se a percepção limitada e pontual dos depoimentos em relação ao processo de morte e morrer, o cenário de estudo que foi restringido à unidade de terapia intensiva neonatal e as poucas referências disponíveis acerca da temática.

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Recebido: 24 de Maio de 2017; Aceito: 26 de Fevereiro de 2018

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