Introdução
O pensamento complexo, de acordo com Morin 1, caracteriza-se por buscar se apropriar da realidade de maneira aprofundada e interligada. Dessa forma, esse pensamento não se opõe ao pensamento simples, cujas segmentação, objetividade e não consideração da complexidade o caracterizam, mas o englobam. O pensamento complexo se sustenta nos princípios: dialógico (utiliza duas lógicas que se contradizem para explicar algo), de recursão organizacional (processo em que os produtos e os efeitos são simultaneamente causa e produtores do que os produz) e o holográfico (indica que não apenas a parte está no todo, mas o todo também está na parte), na tentativa de compreender a realidade.
Entender que o estilo de vida faz parte de um sistema composto por diversos elementos, também compostos por outros elementos, será o ponto de partida deste estudo, considerando o contexto da saúde. Assim, embora o estilo de vida constitua um sistema complexo, formado por diversos elementos, não se reduz à soma das partes, mas estas interagem entre si, modificando-se e modificando o todo, sendo sujeito e objeto no mesmo sistema.
Nessa compreensão, Morin mostra que tentar entender as partes isoladamente não contempla a realidade, simplifica-a, e simultaneamente desconsidera a sua complexidade 2. Logo, a busca para entender os diferentes contextos do estilo de vida saudável se torna necessária. Desse modo, pode-se diferenciar o pensamento simples do pensamento complexo. O primeiro é aquele que se afasta da verdade por causa de seu processo de fragmentação e simplificação ao se apropriar da realidade, enquanto o pensamento complexo busca a ordem, a clareza e a exatidão no conhecimento, na tentativa de aproximar-se da realidade 2-4.
Entender as diferenças entre os tipos de pensamento e como os aspectos constitutivos do estilo de vida interagem entre si, com a saúde e com todo um mundo de informações, percebe-se um sistema contextualizado na perspectiva de vida saudável. Reunir as distintas partes do estilo de vida em busca de um melhor estado de saúde torna-se um desafio. Morin defende a ideia de que "o todo só funciona enquanto todo quando as partes funcionam enquanto partes" 1,5.
O estilo de vida encontra-se em sua própria complexidade ao longo dessa reflexão. O termo complexus significa "aquilo que se tece em conjunto" 5,6, o que conduz o pensamento para uma rede de informações em torno do objeto, e que também constitui o mesmo objeto, o qual, por sua vez, faz parte da rede que o envolve.
Morin afirma que, além de nos perguntar sobre os próprios conhecimentos, precisamos perguntar sobre o próprio entendimento 1. Assim, na produção do conhecimento, deve-se levar em consideração o contexto e a realidade das interações nas relações complexas. Por exemplo, um estudo mostrou a importância de uma análise mais detalhada do estilo de vida saudável, percebida além dos comportamentos individuais para a saúde, a influência dos diferentes papéis sociais exercidos pelas pessoas com estilo de vida saudável 7.
Portanto, é necessário entender o estilo de vida saudável que não busca a completude no conhecimento, mas sim o que pode ser complementado nas interações com esse objeto. Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo refletir, à luz do pensamento complexo de Edgar Morin, sobre o que significa estilo de vida saudável.
O presente manuscrito trata de uma reflexão teórica, crítica dos autores sobre o tema proposto, que não deriva de uma investigação e não possui nenhuma forma de financiamento ou patrocínio.
A complementaridade e o conceito de saúde
Em função de sua complexidade, o conceito de saúde não é algo de simples entendimento, pois envolve um emaranhado de outros conceitos. Precisa-se entender o significado de saúde para prosseguir na compreensão do que seja estilo de vida saudável. Assim, passa-se a refletir sobre três conceitos de saúde: o primeiro, baseado na Teoria Bioestatística de Saúde, criada por Cristopher Boorse; o segundo, proposto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e, na sequência, o conceito de saúde positiva.
Para Morin, o paradigma da simplificação predominante sobre a humanidade oculta a evidência de que somos ao mesmo tempo seres físicos, biológicos e humanos 1, sem comunicação entre essas dimensões humanas. O princípio da complexidade permite a procura por uma inteligibilidade que afaste as pessoas da visão reducionista, tendo em vista que todos os elementos se comunicam entre si. Essa concepção é fundamental para a compreensão do conceito ampliado de saúde, observando as diferentes buscas pela aproximação da realidade.
O conceito de saúde como "ausência de doenças" emerge da Teoria Bioestatística de Saúde, criada por Cristopher Boorse, na década de 1970. Esse conceito coloca a saúde em oposição à doença e foi criticado em função do caráter naturalista e do estabelecimento da dicotomia entre teoria e prática 8.
O senso comum, reforçado pelo pensamento biomédico, parece apoderar-se das ideias de Boor-se e acreditar, muitas vezes, na simplificação do conceito de saúde. Considera-se que esse conceito, devido ao reducionismo e à fragmentação que o caracterizam, insere-se na noção do pensamento simples 1. Tal concepção não reconhece a multi-dimensionalidade na qual a saúde está envolvida, uma vez que limita a compreensão ao ponto de vista biológico e fortalece a oposição saúde-doen-ça. Para Morin, a redução do conceito à dimensão biológica restringe-se ao ser físico, ser corporal, unidimensional 6.
Em contraposição, tem-se uma proposta mais ampliada que consta no histórico documento da Constituição da OMS, instituída em 1946 e efetivada em 1948, no qual a saúde é conceituada como: "um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade" 8. Percebe-se um avanço em direção à multidimensionalidade, uma vez que apresenta uma compreensão de saúde que transcende o aspecto biológico e agrega a dimensão mental e social.
Nesse segundo conceito, entretanto, percebe-se que há uma preocupação com a "completude", ao citar "um estado de completo bem-estar". Morin considera a completude como a busca da totalidade, enquanto a busca deveria ser para compreender a realidade por meio de uma complementaridade, não tentando encontrar uma definição única e totalitária de saúde 1.
Não obstante a preocupação com a completude, uma vez que se tentaram agregar ao conceito as dimensões física, mental e social, a visão de saúde permanece fragmentada. No contraponto a essa ideia, Morin preza pela prevalência de ideias de totalidade, em detrimento de ideias totalitárias que não conseguem explicar a realidade complexa, evitando-se, assim, um conceito de saúde único e totalitário 1. Portanto, observando a ideia como algo complexo, tem-se que a fragmentação (as partes) parece se destacar mais do que o todo em sua globalidade do todo (saúde), o que dificulta a compreensão da realidade.
Apesar de a OMS visar à superação do conceito de saúde proposto por Boorse, também se tornou passível de críticas, como, por exemplo, ser algo inatingível e imensurável, por conta de sua abrangência e subjetividade 9. O questionamento à luz do pensamento complexo seria: como juntar os fragmentos que compõem o conceito de saúde?
De acordo com Morin 1,5, o princípio da complexidade permite que seja evidenciado que o paradigma da simplificação reduz o humano ao biológico, e o biológico ao físico, como unidades incomunicáveis, e abre possibilidade ao discernimento para a procura da inteligibilidade não redutora da realidade. Por outro lado, a viabilidade de unir as diversas dimensões da saúde não está evidente no conceito da OMS, o que permite refletir que se pode avançar no sentido de uma organização e reorganização, aproximando-se das ideias de Morin, nas quais as inter-relações fazem parte da organização de um sistema e do próprio sistema 1.
Nas redes de atenção básica, por exemplo, destacase que os profissionais de saúde estão submetidos a um sistema de saúde complexo, marcado por regras que burocratizam o cuidado à saúde, impedindo a realização dos procedimentos conforme o previsto. Dessa forma, na proposta do pensamento complexo, considerou-se o maior entendimento tanto das dificuldades como das possibilidades de transformação da realidade do serviço de saúde público brasileiro, com vistas a uma reorganização 10.
É importante frisar que a reorganização seria necessária para poder explicar a saúde em sua complexidade, o que cada fragmento pode, de fato, contribuir para a saúde, e quais os fragmentos que poderiam surgir da desordem para retomarmos uma ordem no que refere ao conceito de saúde. Em um estudo de revisão, por exemplo, entendeu-se que a maior parte dos estudos em serviços de saúde aborda a teoria da complexidade em relação aos aspectos de relações e interações entre as pessoas 11. Morin mostra que se deve levar em consideração a inter-retroatividade ou a organização das partes ligadas ao contexto 2, pois cada parte ou fragmento, quando reorganizado, pode ser maior do que o todo e contribuir para a complexidade do conceito.
Aproximando-se um pouco mais da proposta de complementaridade, o conceito de pesquisadores 12,13 que consideram a saúde como uma condição humana multidimensional (biológica, sociológica, psicológica, econômica, dentre outras dimensões) se destaca. Tal ideia trata a saúde como algo contínuo, a pessoa tem mais saúde ou menos saúde, em relação aos extremos (polo positivo, saúde plena; polo negativo, morbidade ou morte) 13.
Ao observar um "holograma", Morin afirma que cada parte dele contém a totalidade de informação que o representa, ou seja, por menor que seja cada unidade, esta faz parte de um todo, e o todo faz parte de cada uma das unidades que o compõem. Cada polo (negativo ou positivo) da saúde passa a representar um sistema complexo, tendo em vista que cada um deles representa uma única saúde.
Percebe-se uma amenização de fragmentar a saúde, quando a coloca como "um contínuo", em que os polos, positivo e negativo, da saúde fazem parte de uma mesma organização, sujeitos à ordem e à desordem, à separação e à união. A interação entre os polos pode ser explicada pelo complexo "sistema-interações-organização", proposto por Morin, em uma perspectiva multidimensional, na qual um todo não se reduz à soma de suas partes constitutivas, que, devido à interação entre elas, se modificam e acabam modificando o todo 5.
Portanto, a saúde pode ser influenciada por muitos outros fatores, dentre eles, o estilo de vida e o ambiente social em que está envolvido 12,13. Assim, começa-se a perceber o estilo de vida como um dos componentes que formam a saúde, seja positiva, seja negativamente, contribuindo para a sua constituição.
Estilo de vida, condição humana e multi-dimensionalidade
Na perspectiva de Morin, necessita-se "situar tudo no contexto e no complexo planetário. O conhecimento do mundo como mundo é necessidade ao mesmo tempo intelectual e vital" 2. O ser humano faz parte de um complexo indivíduo-socieda-de-espécie que compõe um planeta e relaciona-se com a natureza existente. Nesse sentido, a máxima "pense global, faça local" 14 traduz tal pensamento, pois a complexidade global e a local têm que estar unidas, sem separação entre esses pontos. É necessário observar o ser humano como um ser complexo e, a partir do diálogo entre os diferentes saberes que o forma, almejar mudanças nas condições de vida e de saúde 15.
Destaca-se que a busca pela vida faz parte de uma organização muito maior do que a individual, e que há necessidade de considerar as relações entre o todo e as partes 2. Essa visão do global inclui não só o indivíduo, mas este e suas relações com a sociedade, com a natureza, com o planeta e o universo. Assim, tanto o homem quanto o mundo sofrem fragmentações de diversas ordens, cabendo à complexidade mesclar a "multiplicidade" e o "uno", ou seja, o global e o individual 1,16.
Na compreensão da promoção da saúde, uma das dimensões encontradas, na complexidade que envolve o tema, é o estilo de vida, fazendo parte de um todo, influenciando e sendo influenciado por esse todo, por meio de comportamentos, positivos ou negativos, que contribuirão na ordem e na desordem do estado de saúde das pessoas. Nahas define o estilo de vida como um "conjunto de ações habituais que refletem as atitudes, os valores e as oportunidades na vida das pessoas" 13. Nota-se que o estilo de vida saudável pode levar a maior parte das pessoas a uma saúde positiva e com maior longevidade.
Os comportamentos esperados, positivos ou negativos, correspondem ao previsto para a maioria da população. Deve-se salientar que o acaso pode acontecer, ou seja, algumas pessoas podem ter um estilo de vida saudável e adoecer ou falecer precocemente, enquanto outras podem apresentar comportamentos de risco à saúde e mesmo assim apresentar longevidade. O acaso seria a desordem encontrada na interação entre estilo de vida e saúde.
O estilo de vida negativo apresenta alguns aspectos sobre os quais se pode ter o controle daquilo que afeta negativamente a saúde, por exemplo: consumo excessivo de álcool, estresse elevado, isolamento social, sedentarismo 13. Os comportamentos negativos também estão associados às doenças infecciosas, a exemplo de doenças crôni-co-degenerativas como hipertensão arterial, obesidade, diabetes, câncer, doenças cardiovasculares, dentre outras, que podem afetar negativamente diversos órgãos e sistemas do corpo humano 13,17.
Entretanto, a adoção de comportamentos como alimentação adequada, práticas de atividades físicas regulares, controle do estresse, dentre outros, podem ocasionar o desenvolvimento positivo do estilo de vida e da saúde. Mudanças comportamentais, quando feitas positivamente, mostram-se aliadas ao objetivo de ser saudável. Ao considerar "um conjunto de ações habituais", nota-se a importância, autonomia e dependência do estilo de vida dentro da complexidade que envolve a definição de saúde 13.
Tais comportamentos são ações habituais que caracterizam o estilo de vida; logo, fazem parte do cotidiano das pessoas. Assim, entendendo-se a complexidade como parte da vida cotidiana, pode-se considerar os conhecimentos de senso comum que as pessoas possuem, e não somente o conhecimento científico, evitando a fragmentação desses conhecimentos e prezando-se pela compreensão e articulação entre eles.
Nesse sentido, Morin 1 destaca que o método deve ser capaz de articular aquilo que está separado e unir aquilo que está dissociado. Dessa forma, entende-se que a organização/desorganização na construção do estilo de vida dialoga com diferentes formas de conhecimento (comum e científico); não se trata, assim, de uma forma acabada de conhecimento e necessita de reformulações que considerem a complexidade dos diferentes saberes que fazem parte do cotidiano das pessoas.
Nota-se que o estilo de vida não foge aos princípios da complexidade, sendo dialógico quando mostra associação complexa entre as suas dimensões, e no conjunto delas contribui para a organização do estilo de vida como um todo. É recursivo por caracterizar-se como um processo em circuito, no qual as dimensões do estilo de vida e seus efeitos retroagem sobre o seu resultado final; é hologramático, no entendimento de que o estilo de vida (todo) está nas dimensões (partes), que estão no todo, e as dimensões podem positiva ou negativamente restaurar o todo 3.
Ao avaliar e mensurar o perfil do estilo de vida, tem-se cinco componentes, são eles: fator nutrição, controle do estresse, atividades físicas, comportamentos preventivos e relacionamentos 13. As ações do estilo de vida refletem as atitudes, os valores e as oportunidades na "vida" das pessoas. Logo, torna-se tão complexo como a saúde e maior que seus próprios componentes para explicar o real. Ressalta-se que cada componente é composto por uma série de outras subunidades, e todas juntas aproximariam o estilo de vida da realidade.
Morin coloca que o encontro da ordem e da desordem é responsável por formar o real, uma realidade única que leva à reflexão de se dizer que o estilo de vida é saudável porque também há possibilidade do não saudável, o que seria a desordem dentro desse processo organizacional do estilo de vida, e de seu conjunto de comportamentos que o determina 1.
O estilo de vida saudável na perspectiva do pensamento complexo
Na perspectiva que foi descrita até aqui, o estilo de vida, à luz do pensamento de Morin, é um emaranhado de informações, que são tecidas não somente no contexto da saúde, mas também nos contextos social, econômico, religioso, político, afetivo, dentre outros. Assim, o estilo de vida compõe um todo, inseparável de seus diversos contextos, e que, por estarem "tecidos juntos", são interdependentes e interagem com as suas partes, e as partes entre si 2.
Compreende-se que o estilo de vida é a expressão de comportamentos humanos, e, ao abordar a condição humana, dentro da perspectiva de Morin, entende-se que o conceito de homem pode ser entendido em duas vertentes: a biofísica, e a psicossociocultural, considerando-as como indissociáveis, formando uma relação dialógica 2. Destaca-se que essas vertentes contribuem para o conhecimento humano e não devem ser separadas do universo, mas consideradas parte dele 18.
Refletindo sobre tais comportamentos, observase que as pessoas exercem uma gama de atividades cotidianas, e que o estilo de vida se torna um conceito amplo, dependente das condições e oportunidades que as pessoas possuem. Assim, para entender o complexo, é importante não iniciar pelas partes, pelo simples, pois elas isoladamente não conseguem tal entendimento, por possuírem suas próprias necessidades, também complexas 19.
Deve-se perceber a complementaridade e seus antagonismos dentro do processo interacional das organizações, o que Morin chama de configuração dialógica, funcionando como grandes unidades teóricas complementares, concorrentes e antagonistas 5. Nesse sentido, o dialógico apresenta dentro de suas grandes unidades teóricas, uma relação de "parasitismo mútuo" que pode perdurar até a morte 1.
O estilo de vida saudável como um dos fatores que seria promotor de saúde já vem sendo discutido há algum tempo, como, por exemplo, no relatório Lalonde, no qual o Canadá propõe, em 1974, uma oposição ao modelo biomédico de como tratar a saúde ao defender a promoção desta; dentre suas propostas, encontra-se a adoção de comportamentos saudáveis 8. Lalonde considerou em igualdade de importância conceitual o biológico, o meio ambiente, o estilo de vida e a organização de cuidados de saúde 20.
Como uma das críticas sofridas pelo relatório, tem-se que ele não lida devidamente com as questões política, econômica e social. Isso vem reforçar uma tendência à simplificação, lembrando-se que não há como simplificar as ações de um elemento complexo 20. Assim, o estilo de vida pode ser considerado um dos aspectos que promovem saúde, mas que, para ser considerado como saudável, depende de outros aspectos complementares externos. Nesse raciocínio, retomam-se as relações entre produto e produtor encontradas no princípio da recursividade proposto por Morin, as quais fazem parte de um sistema único 4.
A carta de Otawa destaca, dentre outras dimensões, a dimensão social como um fator determinante para a adoção de um estilo de vida saudável 8. Sobre o conceito de saúde, abordou-se que "tal conceito reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural" e advertiu as pessoas sobre a necessidade de considerar os aspectos sociais como preponderantes para o estilo de vida e para a sua saúde, contextualizados dentro de determinado momento (espaço e tempo) em que vivem 8. A dimensão econômica é destacada por Morin devido à sua interretroação permanente com as demais dimensões humanas, o que contribui para a composição de sua multiplicidade 2.
Ao avaliar as dimensões social, econômica e política, no contexto da compreensão do estilo de vida, torna-se fundamental utilizar o devido cuidado para não buscar a "totalidade" e cair no reducionismo de que o fenômeno pode ser totalmente explicado ou evidenciado. Portanto, é necessário considerar-se o princípio hologramático para compreender a realidade complexa do estilo de vida. Dentro do holograma "a complexidade organizacional do todo necessita da complexidade das partes, a qual necessita retroativamente da complexidade organizacional do todo" 3.
A ideia de sistema pode ser aplicada à multidi-mensionalidade; isso levanta a reflexão sobre a fragmentação do estilo de vida, que, para ser saudável, implica o estudo de várias perspectivas, como hábitos alimentares, práticas de atividades físicas, estresse, relacionamentos, comportamentos preventivos e outras partes que poderiam ser incluídas ao estudo e que também se constituem em ações habituais, a exemplo dos comportamentos sedentários (tempo assistindo à τν, utilização de computadores, dentre outros), religiosidade, horas de sono e vários outros.
Em um estudo com estilo de vida com enfermeiros, considerando-o como multidimensional, tem-se que os baixos valores encontrados nas dimensões do estilo de vida estudadas (atividade física, nutrição, relações interpessoais, responsabilidade sanitária, crescimento espiritual e controle do estresse) mostraram a dificuldade de enfermeiros em cuidar de si mesmos 21. Nesse sentido, outro estudo encontrou que os comportamentos saudáveis do estilo de vida mais significativos foram: a dieta com baixo teor de gordura e o sono adequado, entretanto destaca a importância de outros comportamentos como formas de promoção da saúde: a prática de exercícios aeróbicos e o hábito de não fumar 22.
Percebe-se que o "todo" que vem sendo estudado pode ser fragmentado e, ao se tentar reunir as partes, nota-se, na complexidade do estilo de vida saudável, que ele pode ser modificado, não se reduzindo, apenas, à soma das partes que o constituíam inicialmente. Os comportamentos sedentários, por exemplo, caracterizam-se pelo envolvimento em atividades que gastam pouca energia na maior parte do tempo acordado, seja assistindo à televisão ou utilizando o computador, ambos colaborando com a maior permanência na posição sentada, o que demanda menos gastos energéticos 23,24. As pessoas que assistem à televisão ou utilizam o computador por muitas horas por dia correm riscos à saúde e aumentam as chances de desenvolverem, sobretudo, doenças cardiometabólicas 25,26.
Em vista disso, pensa-se que o estilo de vida, na dimensão atividade física, "evitaria" os comportamentos sedentários. Visão errônea. Tais comportamentos são constructos diferentes, e sabe-se que, mesmo para as pessoas fisicamente ativas, os comportamentos sedentários apresentam riscos. Logo, considerando a reflexão acerca do estilo de vida saudável, preconizam-se baixos níveis de comportamentos sedentários e níveis adequados de práticas de atividades físicas.
Pensando na perspectiva da complexidade, comportamentos sedentários e atividades físicas não são antagônicos, complementam-se e interagem entre si, dentro de uma organização que seria o estilo de vida. Não obstante, Morin indica que o princípio da complexidade não pode ser resumido a associar noções antagônicas de maneira concorrente e complementar; deve-se considerar ainda o caráter da associação 1.
Segundo Morin, deve-se observar a inter-retroa-ção existente em um metassistema, que pode ter modificado cada um dos componentes que compõem seus circuitos formadores 1. Destarte, afirma-se que o estilo de vida saudável e seus constituintes interagem entre si e com um sistema maior, que é a saúde, o qual, por sua vez, interage com suas próprias dimensões.
Os demais exemplos citados anteriormente (horas de sono, religiosidade e outros comportamentos) seguem o mesmo raciocínio utilizado com os comportamentos sedentários, ou seja, todos pertencentes a um mesmo sistema, agindo e retroagindo nas relações das diferentes partes 5. Seria uma tentativa de unir o que estava separado, um objetivo da complexidade 1. As críticas sofridas pelo relatório Lalonde em relação à consideração das questões políticas, econômicas e sociais podem ser aplicadas ao estudo do estilo de vida saudável, para que se perceba o contexto em que as pessoas estão inseridas 20.
Dentro das ordens física, biológica e social, que constituem o ser humano - e o estilo de vida é um conjunto de comportamentos humanos -, destaca-se que a educação pode ser uma aliada na busca do estilo de vida saudável, à medida que são conhecidos e praticados os comportamentos no contexto educacional, nessas diversas ordens, contribuindo para uma formação humana complexa capaz de intervir na sociedade em busca de comportamentos saudáveis.
Em conformidade com o pensamento de Morin, o processo de educação deve considerar que a ética do gênero humano se compõe pela tríade indivíduo-sociedade-espécie, cada um desses termos sendo ao mesmo tempo meio e fins uns dos outros. Assim, destaca-se que o ser humano se encontra em um contexto planetário, situado no universo e não separado dele, com todos os seus problemas interligados uns aos outros; nesse processo, é importante ensinar a compreensão mútua 2,27,28.
Nesse sentido, o desenvolvimento humano, o reconhecimento de pertencer a uma espécie e a natureza cultural perpassam pela ideia planetária, na qual uma ação global, a partir do entendimento dos determinantes sociais para superar os problemas de saúde 29, e a educação podem contribuir para a concretização desse pensamento, organizando a estrutura dos próprios saberes 1. A promoção de um estilo de vida saudável, além das cinco dimensões vistas nesta reflexão, a redução dos comportamentos sedentários e as boas condições socioe-conômicas perpassam por diversos estímulos, tais como: aquisição de conhecimentos, troca de experiências saudáveis e principalmente a busca do bem-estar, da satisfação pessoal 13,26,30.
Conclusões
Ao refletir sobre a busca de um estilo de vida saudável à luz do pensamento complexo de Edgar Morin, nota-se que o estilo de vida e a saúde fazem parte de um sistema organizacional bem maior, e na sua complexidade conseguem interagir e possibilitam o estilo de vida saudável.
A busca de uma totalidade é incoerente ao estudo do estilo de vida saudável, uma vez que resultará em um processo de simplificação da realidade, que não pode ser simplificada. Deve-se, portanto, priorizar a busca pela complementaridade, seja na saúde, seja no estilo de vida.
O estudo possibilitou a compreensão de que, por meio do princípio organizador de um conhecimento, pode-se articular o que está separado e tornar mais complexo o simplificado. A ordem-desordem, a organização-desorganização, a saúde-doença, o estilo de vida saudável-o estilo de vida não saudável foram tratados direta e indiretamente no texto. E esses processos foram discutidos no âmbito da complementaridade, e não apenas como algo antagônico, como oposições que se complementam dentro de um contexto complexo e multidimensional.
Ao observar a visão fragmentada do estilo de vida, notou-se a ausência de outras partes que se tornariam importantes para se compreender a aproximação do estilo de vida e a realidade, o que foi consoante à percepção que Morin defende acerca do pensamento complexo dentro do princípio dialógico. Assim, percebeu-se o estilo de vida como multidimensional, sendo maior que a soma de suas partes, e que a interação entre estas e o contexto da saúde onde está inserido o caracterizam como sistema complexo.
Diante do exposto, a presente reflexão sugere que o estilo de vida saudável seja considerado em suas várias dimensões, sobretudo, incluindo questões sociais, econômicas e culturais, sem uma busca pela sua totalidade, reducionismo ou por uma razão, mas sim por uma aproximação da realidade em determinado contexto, com informações que podem compor sua rede complexa.