Introdução
Conceituado como lesão autoprovocada e incluído nas categorias que vão de X60 a X84 da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (conhecida pela sigla CID) 10a Revisão 1, o suicídio é um fenômeno viven-ciado por pessoas que compreendem, na realização desse ato, a libertação de uma dor psicológica intolerável 2. Nesse contexto, vale ponderar que essa grave situação, de provocar deliberadamente a própria morte, está relacionada a múltiplos fatores determinantes e explicativos como o resultado da complexa interação de condições psicológicas, biológicas, sociais, culturais e econômicas 3.
De proporções universais, há registros de suicídio desde a alta Antiguidade, evocado pelos mitos das sociedades primitivas; é um fenômeno grandemente criticado pelas religiões por ser considerado uma atitude de extrema rebelião contra o criador; contudo, existem muitas linhas filosóficas que tratam o autoextermínio como um ato de máxima liberdade 4. Dessa maneira, o suicídio é, muitas vezes, considerado um dos comportamentos humanos mais brutais 5. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que ocorram mais de 800 mil casos de suicídio no mundo por ano, com taxa global de mortalidade de aproximadamente 11,6 óbitos por 100 mil habitantes 6.
Além disso, a análise dessas mortes apresenta uma grande assimetria em sua distribuição. No Leste Europeu, por exemplo, as taxas de mortalidade são superiores a 30 por 100 mil habitantes; nos países escandinavos, esses valores ficam em torno de 20, ao passo que, no Sul da Europa, não atingem 10 por 100 mil habitantes 7.
No ano de 2014, o Brasil se configurou na lista dos dez países que registraram os maiores números absolutos de suicídio (10.653) 6. Vale destacar que, entre 2004 e 2014, ocorreu aumento na tendência de mortalidade por lesões autoprovocadas intencionalmente entre os brasileiros, avançando de 4,56 por 100 mil em 2004, alcançando 5,73 por 100 mil em 2014 em todo o território nacional. Tal incremento, ao se comparar a estratificação por regiões, revela que a Região Sudeste foi onde ocorreu maior inclinação ascendente na reta de tendência, sendo superior àquela observada no país 8. Essa assimetria de distribuição já vem sendo observada em estudo que analisou a mortalidade por suicídio no Brasil no período entre 2000 e 2012, no qual se evidenciou maior coeficiente de mortalidade na Região Sul (9,8 por 100 mil) e maior crescimento percentual na Região Nordeste (72,4 %) 9.
Nesse contexto, considerando que a morte por lesões autoinfligidas é um fenômeno complexo, que exige a articulação dos diversos setores e a ação de vários atores sociais nas medidas de prevenção, e que somente a partir do estabelecimento do cenário epidemiológico do problema será possível a elaboração e implementação de medidas que visem mitigar a problemática do autoextermínio, o presente estudo tem por objetivo descrever a mortalidade dos óbitos por lesões autoprovocadas intencionalmente no Espírito Santo, Brasil.
Materiais e métodos
Trata-se de estudo epidemiológico, descritivo, baseado em dados secundários, no qual foram analisados os registros relacionados aos suicídios no Espírito Santo, referentes ao período de janeiro de 2012 a dezembro de 2016.
O Espírito Santo, cuja capital é a cidade de Vitória, está localizado na Região Sudeste do Brasil; apresenta área geográfica de aproximadamente 46 mil quilômetros quadrados e é constituído por 78 municípios agrupados em quatro Regiões de Saúde (Região Central, Região Metropolitana, Região Norte e Região Sul). A população do Espírito Santo estimada em 2018 foi de aproximadamente quatro milhões de habitantes.
Nesse cenário, foram analisados os óbitos por suicídios de indivíduos com idade igual ou superior a 10 anos (idade mínima encontrada no banco). Os dados foram coletados a partir do banco do Centro Integrado Operacional de Defesa Social do Espírito Santo (Ciodes), que contém os registros das ocorrências atendidas pela Polícia Militar do Espírito Santo e pelo Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo.
Inicialmente, foram calculadas as taxas de suicídio para cada ano em estudo. Para o cálculo, foi feita a razão entre o número de óbitos por suicídio em pessoas com idade igual ou maior que 10 anos e a população com a mesma faixa etária no Espírito Santo, no período, e multiplicado por 100 mil. Em seguida, calculou-se a variação percentual das taxas de suicídio no período de 2012 a 2016. Esses cálculos foram realizados em planilhas do programa Microsoft Excel.
Para analisar a tendência da mortalidade por suicídio, no período do estudo, primeiramente, foram gerados diagramas de dispersão das taxas de óbitos por suicídio conforme os anos. Em seguida, foi feita a regressão linear simples (y = β0 + β1χ), cujos y = taxa de óbito por suicídio, β0 = taxa média do período, β1 = incremento médio anual e x = ano. Além do coeficiente de determinação R2, que varia no intervalo de 0 a 1.
Ainda, os casos de suicídio foram caracterizados segundo as variáveis: sexo, idade, raça/cor, meios utilizados, hora de ocorrência e região, sendo os resultados apresentados em frequência bruta, relativa e intervalo de confiança de 95 %.
Em seguida, os óbitos por suicídio segundo os meios utilizados foram analisados como desfecho de acordo com as variáveis independentes (sexo, idade, raça/cor, meios utilizados, hora de ocorrência e região). Para analisar a relação entre as variáveis, foram utilizados os testes Qui-quadrado de Pearson ou Exato de Fisher, conforme pressuposto (total de observações e valor esperado nas caselas), determinando-se diferenças significantes quando p < 0,05. As análises univariadas e bivariadas foram feitas através do programa Stata versão 13.0.
A pesquisa obedeceu aos critérios da Resolução do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, mediante o Parecer n.° 2.354.510, de 27 de outubro de 2017, e com o registro do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética n.° 76467717.7.0000.5060.
Resultados
O estudo permite identificar a ocorrência de 888 casos de suicídio no estado do Espírito Santo de 2012 a 2016, apresentando as seguintes taxas por 100 mil habitantes ao longo do período: 4,75 (2012), 4,92 (2013), 5,09 (2014), 5,72 (2015) e 6,20 (2016). No que tange à análise da variação percentual de 2012 a 2016, observa-se um aumento de 30,3 %, passando de 4,75 para 6,20 casos de suicídio por 100 mil (Figura 1).
A análise de tendência (Figura 1) indicou crescimento da taxa de mortalidade por suicídio por 100 mil, ao longo do período de 2012 a 2016 (R2 = 0,9307, p < 0,001).
A Tabela 1 apresenta os casos de suicídios registrados no Ciodes no período de 2012 a 2016. Em relação ao sexo, verifica-se que, em 72,9 % dos casos, as vítimas são homens e, em 26,2 %, mulheres. Observa-se uma maior prevalência de óbitos na faixa etária adulta (N = 689; Ρ = 77,6 %). Apesar de menor a frequência no grupo de adolescentes e idosos, vale destacar a ocorrência de casos nesse ciclo de vida, o que representa uma prevalência de 3,8 % e 13,9 %, respectivamente. Em relação à raça/cor, 28,7 % dos casos foram classificados como pardos; 25,8 %, mento (n = 98) e arma de fogo (n = 97), com 11 % brancos e 5,4 %, pretos.
Quanto aos meios utilizados, 53,2 % (n = 472) ocorreram por enforcamento, seguidos de envenenacada. Em 8 % (n = 71) dos casos, o meio utilizado foi a precipitação de lugar elevado, e a arma branca foi registrada em 4,4 % (n = 39). Vale destacar que, em aproximadamente 9 % dos registros, não se sabe o meio utilizado no suicídio.
Quanto ao horário de ocorrência de suicídio, notase que 36,7 % ocorreram no horário matutino (das 6h às 11h59) e 35,4 % entre 18h e 5h59. Uma menor proporção dos casos (27,9 %) aconteceu no período da tarde (das 12h às 17h59). No que tange à região, a maioria dos casos aconteceu na região metropolitana do Espírito Santo (56,5 %) (Tabela 1).
Verifica-se, conforme a Tabela 2, que o suicídio com a utilização do meio enforcamento acontece de forma mais prevalente entre os homens (Ρ = 63,7 %; p < 0,001). Por sua vez, o uso do envenenamento e a precipitação de lugar elevado são os meios mais utilizados pelas mulheres (Ρ = 20,8 %; p = < 0,001; Ρ = 14,0 %; p = 0,007). Outro achado relevante foi a maior frequência de suicídio por precipitação de lugar elevado, na região metropolitana (Ρ = 13,8 %; p = < 0,001) (Tabela 2).
Na Tabela 2, verifica-se uma maior prevalência de suicídio por afogamento entre os homens (p = 0,018). Nota-se ainda que o uso da arma de fogo como meio para provocar o suicídio foi mais prevalente entre os brancos e entre aqueles residentes da região Central (p < 0,05).
Discussão
O suicídio tem se tornado um problema de saúde de proporções assustadoras. Importante destacar que, dentre as causas externas da violência autoprovocada, no mundo, está entre as três principais causas de mortalidade, o que reflete um aumento de 60 % nos últimos 45 anos, com tendência de crescimento nas próximas décadas 10,11.
O presente trabalho revelou a ocorrência de 888 casos de suicídio entre 2012 e 2016. Em números absolutos, esse valor representa 177 mortes por ano, 14 por mês e dois óbitos por semana. Em termos relativos, o risco de morrer por suicídio entre os capixabas apresentou tendência de crescimento (R2 = 0,9307, p < 0,001), saindo de 4,75 em 2012 para 6,20 casos por 100 mil habitantes em 2016, incremento da ordem de 30,3 %, o que foi superior aos 16,2 % encontrados no Brasil, no período de 2000 a 2012 9.
O aumento na taxa de mortalidade por suicídio, somado aos fatores psicossociais e biológicos apontados como capazes de desencadear o ato suicida, pode-se relacionar à maior identificação e classificação do suicídio como causa de morte, provavelmente em decorrência do progresso na cobertura do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e do preenchimento das declarações de óbito 12.
No Brasil, em decorrência das questões culturais, do estigma e do preconceito social, há uma ineficiência dos serviços de saúde pública ante o suicídio 13. Pode-se deduzir que o país não possui um programa de prevenção para esse grave desvio de saúde, embora algumas atividades no sentido de orientar profissionais da rede de serviços de saúde no que se refere aos cuidados com as vítimas de tentativa de suicídio são conhecidas, mas incipientes para abranger a magnitude do problema 9.
Quanto à variável raça/cor, nota-se que, em 40 % das ocorrências, não havia o registro de tal variável (n = 356). De acordo com os parâmetros de qualidade de completude de dados 14, tal variável é classificada como ruim, apontando para a fragilidade na fonte de informação e para as dificuldades no delineamento do perfil das vítimas, o que interfere no planejamento e nas intervenções de cunho preventivo.
No Paraná, Brasil, estudo epidemiológico da mortalidade por suicídio ocorrida no período de 1999 a 2012, o qual utilizou o banco de dados do sim, foi detectado incompletude em vários campos, com destaque para a ausência de informação sobre a escolaridade (33,1 %), sobre o local de ocorrência do óbito (4,4 %) e a situação conjugal da vítima (3,1 %) 15.
Reconhecer os fatores implicados na gênese do suicídio e quais suas principais características torna-se importante na medida em que podem subsidiar a implementação de estratégias mais eficazes no enfrentamento da problemática e prevenir sua ocorrência por parte dos gestores de políticas públicas. Estudos vêm apontando que a análise da distribuição da mortalidade e seu perfil epidemiológico tem orientado ações preventivas exitosas nos diversos setores e níveis governamentais 9,15.
A maioria dos óbitos analisada neste estudo ocorreu entre os homens, respondendo por 72,9 % dos casos. Esse dado vai ao encontro de diversos outros estudos 9,10,12,16-18 que demonstram sobremortalidade masculina (razão em torno de 3,7/1 homens por mulher). A maior prevalência de óbitos entre homens é encontrada na maioria dos países, todavia vale ponderar que esse achado não é evidenciado em países como a Índia, onde a razão de mortalidade é de 1,3:1 19,20.
Diversos fatores podem contribuir para a diferença de gênero verificada na mortalidade por suicídio. Culturalmente, é atribuída ao homem maior agressividade, assim como a esse grupo é mais acessível meios de agressão do tipo letal, como a arma de fogo. No grupo de mulheres, há uma menor exposição, bem como se destaca maior capacidade de lidar com as emoções decorrentes de falência financeira, competitividade e impulsividade. Importante ponderar que os conflitos nas relações afetivas são os mais significativos na etiologia do suicídio e suas tentativas 21.
Além disso, outro aspecto associado à proteção das mulheres em relação ao suicídio é a religião. Mulheres geralmente são mais religiosas, e a religiosidade pode auxiliar no enfrentamento de situações difíceis. Desse modo, esse grupo desenvolve com mais frequência estratégias para lidar com conflitos, uma vez que, ao longo da vida, as mulheres são mais comumente submetidas a mudanças de papéis e possuem maior facilidade de reconhecer sinais de risco de suicídio e buscar ajuda profissional 21.
Outros fatores que explicam a maior prevalência masculina nos casos de suicídio estão relacionados ao maior consumo de álcool, ao tipo de ocupação e ao nível educacional e de renda 22. O diagnóstico psiquiátrico também é elencado como fator de risco entre eles, especialmente a esquizofrenia, o transtorno de humor bipolar e a dependência de álcool e de outras drogas psicoativas 23.
Na faixa etária adulta, entre 20 e 59 anos, foi encontrada maior prevalência de óbitos por autoextermínio, o que correspondeu a 77,6 % dos casos. Apesar do amplo espectro de eventos que geralmente ocorrem nessa fase da vida, tais como a definição e o ingresso em uma carreira profissional, os desafios de conquistar e se manter no mercado de trabalho, os conflitos que advêm do estabelecimento das relações erótico-afetivas e os confrontos enfrentados por muitos por deixarem a casa dos pais, sendo obrigados a desenvolver a capacidade de cuidar de si e assumir responsabilidades até então não preocupantes, podem ser apontados como situações geralmente associadas ao medo, à ansiedade e a conflitos, aumentando o risco de suicídio nesse grupo etário.
O início da vida universitária nessa fase leva à ocorrência de múltiplas mudanças na dinâmica de vida do sujeito. Estas, muitas vezes, acompanhadas de desafios e incertezas que podem dar origem a vários problemas de saúde mental, entre eles o comportamento suicida. As pressões sociais e acadêmicas, associadas ao isolamento e à falta de suporte social, podem representar importante fator de risco de suicídio para esse grupo populacional 24.
Ademais, o diagnóstico de doenças com grande estigma social, tais como a infecção pelo vírus da imunodeficiência humana e o câncer, pode estar associado à importante sensação de desamparo que culmina em ideação suicida e, até mesmo, em suicídio 25.
Vale destacar que, mesmo com menor prevalência, este trabalho demonstra que, nas faixas etárias de 10 a 19 anos e de 60 anos ou mais, respondendo respectivamente por 3,8 % e 13,9 % dos casos, o tema exige um olhar cuidadoso. Óbitos por suicídio na adolescência são pouco estudados, mas vem-se observando uma curva ascendente na ocorrência nas últimas décadas, fato que levou a OMS a recomendar o desenvolvimento de estratégias de prevenção de suicídio em escolas, as quais envolvem estudantes, familiares e toda a equipe escolar 26.
Ao longo do tempo, a assistência à clientela infanto-juvenil no Sistema Único de Saúde tem permitido acompanhar muitas mudanças e transformações nas demandas apresentadas pelos adolescentes 27. A quantidade e a gravidade dos casos de adolescentes que chegam aos serviços de saúde passaram a chamar a atenção dos profissionais, especialmente relacionados às situações de auto-mutilação e tentativas de suicídio; no que se refere à situação de rua, tem-se percebido aumento no comportamento de risco, atos impulsivos e auto e heteroagressividade 28.
Na maioria dos casos, tais comportamentos refletem mecanismos mal-adaptativos de enfrentamento de conflitos, comuns nessa faixa etária, e a automutilação deliberada aparece como um comportamento autodestrutivo cada vez mais frequente como uma tentativa de alívio de emoções fortes e difíceis de lidar por parte do adolescente e uma estratégia para diminuir sua tensão psíquica 29. Portanto, as auto-mutilações exigem acompanhamento de perto, pois, além de resultarem em ferimentos graves, elas estão associadas com o risco aumentado de tentativa de suicídio e de suicídio entre os adolescentes 28.
Outra questão que permeia a problemática do suicídio infanto-juvenil refere-se ao quadro de depressão. Uma revisão de literatura sobre a temática revelou haver certa dificuldade em se construir um diagnóstico da depressão em adolescentes, considerando a gama de possibilidades que sugerem sua presença 28. Assim, questões pautadas à idade e ao gênero precisam ser consideradas no entendimento do suicídio 6,30.
Outro aspecto relevante é o suicídio entre idosos. Vale ponderar que esse grupo vem apresentando elevadas taxas de mortalidade por essa causa, em todas as regiões do mundo. Na década de 1990, a taxa de óbito por suicídio por 100 mil habitantes era em torno de 41 óbitos para homens com 65 anos ou mais, chegando a valores maiores que 50 óbitos para aqueles com idade igual ou maior que 75 6. Ainda, vale acrescentar que, de 2000 a 2014, em virtude do suicídio, no Brasil, morreram aproximadamente 19 mil pessoas com 60 anos ou mais.
Nesse cenário, observa-se que, comparado à população geral, os idosos apresentam duas vezes mais risco de suicídio 31,32.
Neste trabalho, a prevalência de suicídio entre os de 60 anos ou mais foi de 13,9 %, o que representou 123 mortes no período de 2012 a 2016. Tais valores vão ao encontro de outros estudos realizados no Brasil 9,33,34 que vêm apontando para o crescimento da mortalidade por autoextermínio nessa população, em ambos os sexos, mas de forma mais intensificada no sexo masculino, no qual se observa uma razão das taxas de mortalidade entre os sexos masculino e feminino de 4:1 12,35,36.
Tais dados se mostram preocupantes visto que, no Brasil, são poucas as discussões sobre o autoex-termínio que envolve pessoas idosas no contexto das políticas públicas de saúde, nas quais o maior enfoque é dado para a população jovem, grupo que possui maiores ações de prevenção e de controle, subvalorizando o fenômeno do suicídio entre as pessoas idosas 12.
A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, ao fazer referência ao campo das violências em seu texto, ressalta apenas ações de combate às violências doméstica e institucional, o que demonstra a importância de se ampliar a discussão sobre as questões de saúde do idoso, com a inclusão do debate sobre a prevenção do suicídio entre eles 12.
O suicídio, na pessoa idosa, pode ser desencadeado por inúmeros fatores, em especial por doenças de caráter mental, como a depressão. Além disso, podem contribuir com o aumento desse agravo as doenças terminais, o mal-estar físico, o isolamento social, a solidão e a ausência ou a deficiência de rede suporte social 35.
No que tange à menor mortalidade por suicídio no grupo de mulheres quando comparado aos homens, isso pode ocorrer devido ao sexo feminino cuidar mais de sua saúde e apresentar, ao longo da vida, maior sociabilidade. Ainda, as mulheres costumam exercer mais a função de cuidadoras, em especial em âmbito doméstico, fato que as torna mais próximas da família e da comunidade; além disso, do ponto de vista cultural, esse grupo é mais persistente à dor e ao sofrimento 36.
Quanto à variável cor da pele/raça, este estudo demonstrou maior prevalência de suicídio entre indivíduos de cor parda (28,7 %), seguido de branca (25,8 %) e preta (5,4 %); contudo, tais dados merecem uma maior observação, haja vista que tal variável foi amplamente ignorada no registro das ocorrências.
O enforcamento (P = 53,2 %), seguido de envenenamento (P = 11,0 %) e arma de fogo (10,9 %) foram os meios mais frequentemente detectados neste estudo para se perpetrar o ato suicida no período de 2012 a 2016. Tal perfil foi semelhante ao encontrado em outros estudos realizados no mundo 37,38 e no Brasil 39.
Investigações sobre os meios utilizados para o suicídio são de suma importância na caracterização do perfil epidemiológico das vítimas, na medida em que o acesso ao meio se torna um fator concorrente para elevar a letalidade e varia de acordo com as características culturais de cada país 39.
O fácil acesso e o alto poder letal desses meios podem justificar sua prevalência. Assim, iniciativas que foquem suas ações na limitação do acesso a tais meios, especialmente os resultantes de atitudes impulsivas, poderiam auxiliar na diminuição da mortalidade por suicídio 6.
Nesse contexto, os resultados da presente pesquisa sugerem que a adoção de regulamentação mais rigorosa para o acesso aos pesticidas e às armas de fogo pode contribuir para a redução da mortalidade por suicídios no Espírito Santo. Infelizmente, o Brasil vem realizando discussões no âmbito do Governo Federal que caminha em direção oposta, com medida que acena para a possibilidade de diminuir o controle de comercialização de pesticidas e agrotóxicos, bem como uma tendência nacional em diminuir as restrições para a aquisição e porte de armas de fogo.
Estudo realizado no Paraná aponta um maior rigor no registro, posse e comercialização de armas de fogo a partir da instauração do Estatuto do Desarmamento 15. Somando-se a isso, em 2004, com a Campanha Nacional do Desarmamento, esforços foram somados para que as pessoas se conscien-tizassem acerca do risco de se ter uma arma de fogo em casa. Essas atitudes colaboraram com a redução da mortalidade e, por consequência, com a diminuição das taxas de suicídio 40.
A redução na mortalidade por suicídio também pode ser observada em alguns países. Sugere-se, na Austrália, que a queda na mortalidade tenha se dado por conta do maior rigor na posse de armas de fogo, enquanto, em Hong Kong, a diminuição do suicídio tenha decorrido da restrição na divulgação desse agravo. Por fim, no Reino Unido, a capacitação dos profissionais da atenção primária em identificar os comportamentos suicidas foram importantes ações no processo de redução de óbitos por essa causa 6.
Do ponto de vista da Enfermagem, a literatura aponta para o papel importante do enfermeiro na prevenção do suicídio 41,42. Entretanto, percebe-se, na prática, que esses profissionais, em sua maioria, não se percebem suficientemente preparados para o cuidado nessa situação 42.
A elevação da taxa de mortalidade por suicídio e sua tendência de crescimento apontam para a necessidade de preparo do enfermeiro no sentido de atuar diante dessa questão de modo a planejar a assistência de enfermagem tanto nas intervenções de prevenção quanto no acompanhamento de vítimas de tentativa de suicídio, uma vez que o risco de suicídio é maior entre aqueles que já tentaram o autoextermínio 6.
Existe associação entre atitudes negativas relacionadas ao suicídio, ao despreparo de profissionais, ao estigma e à discriminação com a assistência de pior qualidade. Nesse sentido, conhecer o fenômeno do suicídio e suas características pode contribuir para melhor abordar a temática no preparo dos enfermeiros que lidam com tal realidade 43.
O conhecimento sobre o perfil epidemiológico das vítimas contribui com o planejamento das ações de formação e treinamento do enfermeiro, seja no âmbito do saber acadêmico, seja na educação continuada em serviço, especialmente em um contexto no qual a compreensão sobre o fenômeno do suicídio é ainda tão escassa 43.
Conclusão
A partir dos resultados apontados, o presente estudo verificou que o aumento na mortalidade por suicídio vem acompanhando a tendência de crescimento no Brasil e no mundo.
É importante destacar a sobremortalidade masculina na faixa etária adulta, contudo sem deixar de apontar para a importância do autoextermínio entre os adolescentes e os idosos.
A maior acessibilidade e o grau de letalidade dos meios utilizados tais como artefatos para o enforcamento, substâncias tóxicas e arma de fogo podem explicar o aumento dos suicídios por esses meios. Além disso, ficou evidenciado que a importância da adoção de medidas de contenção e proteção na Terceira Ponte (localizada em Vitória, capital do Espírito Santo) como possibilidade de redução dos suicídios por precipitação de lugares elevados devem ser consideradas.
Assim, esta pesquisa contribui no sentido de apontar o panorama da mortalidade por autoextermínio para futuros estudos, especialmente diante das novas perspectivas na legislação de controle de agrotóxicos e de porte de arma no Brasil. Além disso, pode colaborar para a tomada de decisões por parte dos órgãos competentes no enfrentamento dessa problemática, bem como estimular e ampliar a discussão do tema.
Ainda, esta pesquisa pode contribuir com a prática do enfermeiro, na medida em que, ao revelar as características do ato suicida e de suas vítimas, permite uma reflexão por parte da Enfermagem sobre a importância de desenvolver pesquisa nessa área, já que o enfermeiro atua em diferentes frentes de prevenção e tratamento.
Quanto às limitações do estudo, pode-se mencionar a falta de informações fundamentais no registro para o delineamento do perfil epidemiológico das vítimas. Nesse sentido, para garantir a qualidade das informações para futuras pesquisas, é necessário que os órgãos envolvidos no atendimento às vítimas de autoextermínio criem estratégias para catalogar a maior quantidade de informações sobre a sua ocorrência.