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Avances en Enfermería

Print version ISSN 0121-4500

av.enferm. vol.38 no.3 Bogotá Sep./Dec. 2020  Epub Jan 05, 2021

https://doi.org/10.15446/av.enferm.v38n3.84775 

Artigos de pesquisa

Perspectivas da enfermagem sobre o protocolo da sepse materna: análise à luz da teoria da complexidade

Perspectivas de enfermería en el protocolo de la sepsis materna: análisis a la luz de la teoría de la complejidad

Nursing perspectives on the maternal sepsis protocol: Analysis from the complexity theory

Adriano da Costa Belarmino1 

Maria Clara de Oliveira Pinto2 

Auritônio de Castro Frota3 

Larissa Cunha Alves4 

Antonio Rodrigues Ferreira Júnior5 

1Universidade Estadual do Ceará (Fortaleza, Ceará, Brasil). ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4401-9478 Correio eletrônico: adrian_belarmino@hotmail.com

2Hospital Regional Norte (Sobral, Ceará, Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7431-9880 Correio eletrônico: enfamariaclara@gmail.com

3Universidade Estadual do Vale do Acaraú (Sobral, Ceará, Brasil). ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5396-0855 Correio eletrônico: audecafo@gmail.com

4Centro Universitário Inta (Sobral, Ceará, Brasil). ORCID: http://orcid.org/0000-0001-6173-7549 Correio eletrônico: larissacalves@hotmail.com

5Universidade Estadual do Ceará (Fortaleza, Ceará, Brasil). ORCID: http://orcid.org/0000-0002-9483-8060 Correio eletrônico: arodrigues.junior@uece.br


Resumo

Objetivo:

Analisar as perspectivas da equipe de enfermagem sobre a implementação do protocolo da sepse materna à luz da teoria da complexidade.

Método:

Estudo descritivo com abordagem qualitativa fundamentada no pensamento complexo de Edgar Morin. Foi realizada entrevista individual com 13 profissionais de enfermagem que atuam no setor obstétrico, entre julho e agosto de 2017, em um hospital do Nordeste, Brasil.

Resultados:

Evidenciaram-se dificuldades na identificação adequada da sepse materna, atraso no início do antibiótico, falta de comunicação entre categorias profissionais e no alinhamento de condutas, o que prejudica a linha de cuidado à paciente obstétrica com sepse.

Conclusões:

Há perspectiva positiva quanto à empregabilidade do protocolo; no entanto, evidenciam-se fragilidades com a necessidade de novas reflexões acerca da complexidade dos cuidados implementados, do papel dos profissionais e da comunicação dentro da equipe de saúde.

Descritores: Gravidez; Período Pós-Par-to; Sepse; Enfermagem; Protocolos (fonte: DeCS, BIEEME)

Resumen

Objetivo:

Analizar las perspectivas del personal de enfermería sobre la implementación del protocolo de sepsis materna a la luz de la teoría de la complejidad.

Método:

Estudio descriptivo con enfoque cualitativo basado en el pensamiento complejo de Edgar Morin. Se realizaron entrevistas individuales con 13 profesionales de enfermería que trabajan en el sector obstétrico, entre julio y agosto de 2017, en un hospital del noreste de Brasil.

Resultados:

Se apuntaron dificultades en la identificación adecuada de la sepsis materna, retraso en el inicio de los antibióticos, falta de comunicación entre las categorías profesionales y una alineación de las conductas, lo que afecta la línea de atención de pacientes obstétricas con sepsis.

Conclusiones:

Existe una perspectiva positiva en cuanto a la emplea-bilidad del protocolo; sin embargo, las debilidades son evidentes, con la necesidad de nuevas reflexiones sobre la complejidad de la atención implementada, los roles profesionales y la comunicación dentro del equipo de salud.

Descriptores: Embarazo; Periodo Posparto; Sepsis; Enfermería; Protocolos (fuente: DeCS, BIEEME)

Abstract

Objective:

To study the perspectives of nursing staff on the implementation of maternal sepsis protocol from complexity theory.

Method:

Descriptive study with a qualitative approach based on Edgar Morin's Complex Thought. Individual interviews were conducted, between July and August 2017, with 13 nursing professionals working in the obstetric area at a hospital in northeast Brazil.

Results:

Difficulties in adequate identification of maternal sepsis, delayed antibiotic initiation, lack of communication between professionals, and a weak alignment of conducts were observed, issues that impair the line of care for obstetric patients with sepsis.

Conclusions:

There is a positive perspective regarding the use of the protocol. However, some weaknesses are evident, establishing the need for new reflections on the complexity of the implemented care, professional roles, and communication within the health team.

Descriptors: Pregnancy; Postpartum Period; Sepsis; Nursing; Protocols (source: DeCS, BIEEME)

Introdução

A sepse caracteriza-se como considerável problema de saúde mundial, responsável por altas taxas de morbidade e mortalidade. Além disso, acarreta altos custos hospitalares anualmente, com gastos de USD$ 20 bilhões nos Estados Unidos (EUA) e de USD$ 9,1 mil por paciente no Brasil 1,2. A sepse materna é definida, conceitualmente, como disfunção orgânica resultante de infecção durante a gravidez, o parto, o pós-aborto ou o período pós-parto 3.

Atualmente, as ocorrências de mortes maternas por sepse estão aumentando proporcionalmente à taxa de mortalidade observada em outros grupos, sendo responsável por 28 % dos óbitos e 15 % das internações em unidades de terapia intensiva nos EUA 4. É considerada uma das cinco principais causas de morte materna no mundo, com maior frequência em países subdesenvolvidos da Ásia, da África, da América Latina e do Caribe 5. No Brasil, sua ocorrência é de 0,001 % a 0,02 % dos partos, com mortalidade de 28 % 2.

Além de as mulheres serem mais suscetíveis a infecções devido a mudanças fisiológicas, imunológicas e mecânicas, as adaptações da gravidez como taquicardia e circulação hiperdinâmica, esforços maternos no segundo estágio do parto, intervenções no parto e perdas sanguíneas podem mascarar sinais de infecção e identificar, de forma precoce, a sepse 6.

Nessa perspectiva, a Surviving Sepsis Campaign: International Guidelines of Management of Sepsis and Septic Shock: 2016, que consiste na principal diretriz de medidas para a sepse no âmbito mundial, em 2018, efetuou a revisão das principais ações recomendadas na primeira hora de ouro. Essa ação teve o objetivo principal de alcance do aumento da sobrevida, a partir da união de ações da terceira e sexta hora na primeira hora de ouro 7.

Diante disso, percebe-se que a implantação de protocolos para reduzir a sepse torna-se necessária para diminuir a mortalidade decorrente de quadros de sepse materna e choque séptico. O protocolo de sepse, além de sistematizar cuidados para a paciente obstétrica, reduz a morbidade e os riscos para o feto, como o parto prematuro e o óbito 8.

A enfermagem tem papel primordial na perspectiva de prevenção e cuidado à sepse, pois é a categoria profissional que permanece por mais tempo ao lado das pacientes, podendo identificar precocemente a sepse materna e atuar no seu combate. Do mesmo modo, envolve também a sistematização de medidas de identificação e gerenciamento de cuidados precoces no surgimento de disfunções orgânicas, desde a admissão até a alta do paciente, além de abordar o desenvolvimento de atividades educativas voltadas à prevenção da sepse em todo o período perinatal da mulher 9,10.

Ademais, há a urgência de mudanças nos modelos fragmentados do conhecimento em saúde, particularmente na atenção obstétrica à sepse materna, com o desenvolvimento de práticas baseadas na complexidade para a assistência da mulher com sepse de modo ampliado, multiparadigmático, multicultural, multidimensional 11,12.

Destarte, é premente compreender perspectivas sobre cuidados alicerçados em protocolos para pacientes sépticos e sua aplicabilidade prática pela equipe de enfermagem, diante dos índices de mortalidade e morbidade materna observados, o que consiste em meta das políticas públicas mundiais de saúde materna e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas 11,13.

Contudo, evidenciam-se poucos estudos que exploram as interações entre o papel profissional da equipe de enfermagem e a aplicabilidade dos pacotes de medidas internacionais relacionados à sepse materna, sendo que não há pesquisas realizadas com relação ao pensamento complexo.

Assim, procurou-se analisar as perspectivas da equipe de enfermagem sobre a implementação de protocolo da sepse materna à luz da teoria da complexidade.

Método

Estudo exploratório e descritivo com abordagem qualitativa 14, desenvolvido no setor obstétrico de um hospital do Nordeste brasileiro, sendo integrante de um complexo de atenção obstétrica e neonatal referência na região.

A coleta de informações ocorreu de julho a agosto de 2017, durante os períodos diurno e noturno, com 13 profissionais da equipe de enfermagem de quatro equipes constituintes do setor: três profissionais da equipe da manhã, dois da tarde e oito da noite. Participaram técnicos de enfermagem e enfermeiros que atuavam no setor do estudo. Para a definição do limite de participantes, obedeceu-se aos critérios de saturação teórica, com finalização das entrevistas após evidenciar que o acréscimo de informações não modificaria o entendimento do fenômeno estudado 14. Utilizou-se como critérios de inclusão: estar no setor da pesquisa por mais de três meses, disponibilizar de tempo no horário da entrevista, assim como não estar de férias, licença -maternidade ou afastamento por outras razões.

Primeiramente, os participantes foram contatados para propor a pesquisa e explicar sua finalidade. Após a aceitação em participar, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A partir disso, realizou-se entrevista individual com duração de 20 a 30 minutos, na qual os participantes responderam aos questionamentos. A entrevista ocorreu em local reservado do setor para manter a privacidade dos participantes; foi utilizado instrumento semiestruturado baseado em diretrizes da SCC com questões abertas e fechadas acerca de dados sociodemográficos e do protocolo de sepse. As entrevistas foram efetuadas por dois pesquisadores previamente treinados, sendo os depoimentos registrados em gravador de voz, com posterior transcrição minuciosa. Para o sigilo dos participantes, foi empregado o código alfanumérico, em que eles foram identificados pela letra E, seguido de números arábicos correspondentes.

Utilizou-se como perguntas disparadoras na entrevista: como ocorre a identificação da sepse? Como ocorre o acionamento para a conduta? O antibiótico é feito em até uma hora? Quais as medidas após o antibiótico? Percebe fragilidades no processo?

A organização dos depoimentos ocorreu mediante a análise de conteúdo, com três etapas sistemáticas definidas. Na primeira etapa, as entrevistas foram transcritas e lidas diversas vezes para a exploração do material e a identificação de temas categorizáveis; na segunda, foram identificadas as unidades contidas nas sentenças que demonstravam maior importância e consonância ao objetivo; na terceira etapa, foram categorizadas as unidades de significado, com o objetivo de responder à questão principal que orientou o desenvolvimento da pesquisa. A categoria foi definida com base na repetição de palavras e trechos pelos depoentes 15.

Os dados foram analisados à luz da teoria da complexidade de Edgar Morin. A escolha deu-se por permitir a análise da intrincada rede de ações executadas no tecido dos acontecimentos, admitindo que o paradigma simplificado não é o bastante para explicar as situações em saúde vivenciadas 16. Para explicar as relações com a teoria da complexidade, utilizou-se de associações entre os princípios recursividade organizacional, hologramático, circuito retroativo, circuito recursivo, dialógico, reintrodução do conhecimento e da autoeco-organização e os depoimentos coletados 11,16.

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar e aprovado com o parecer 2.175.375. A pesquisa foi desenvolvida seguindo as diretrizes da Resolução 466/2012, que regulamenta as pesquisas com seres humanos no Brasil 17. Também obedeceu à Resolução 510/2016, que rege pesquisas humanas e sociais nesse país 18.

Resultados

A caracterização sociodemográfica e ocupacional dos participantes resultou em dez técnicos de enfermagem (76,9 %) e três enfermeiros (23,1 %), com predomínio do sexo feminino, idades entre 23 e 43 anos (média de 29 anos), e tempo médio de atuação profissional de quatro anos, com atuação mínima de dois anos e máxima de seis anos.

O protocolo de sepse é geral para adultos, não sendo específico para pacientes obstétricos. É baseado nas diretrizes de 2012 e não considera as modificações nas diretrizes de 2016 e posteriores para a sepse. A implantação no setor obstétrico ocorreu em 2015, a qual foi efetivada por meio de capacitação para os profissionais atuantes diretamente na assistência no setor obstétrico (técnicos de enfermagem, enfermeiros e médicos), concretizada nos períodos da manhã e da tarde nos meses de março, abril, maio e junho de 2015.

O protocolo consistia nas fases: hora de ouro (identificação de sepse, acionamento médico, coleta de hemoculturas e início do antibiótico); avaliação do lactato e reavaliação hemodinâmica; reavaliação do lactato, reavaliação e monitorização hemodinâmica. A reposição volêmica, a instalação de cateter central e de drogas vasoativas envolvia qualquer fase, caso houvesse presença de hipotensão 7.

Cuidados da enfermagem na abertura do protocolo de sepse e suas fragilidades na identificação, na realização do antibiótico e nas medidas posteriores

Inicialmente, os depoimentos dos profissionais de enfermagem salientam os benefícios alcançados na dinâmica assistencial desde a implantação do protocolo, como pode ser evidenciado nos depoimentos a seguir.

Na verdade, foi desenvolvido um protocolo, né? Na verdade, ele é um instrumento que sinaliza pra gente alguns sinais que a paciente tá dando, que a gente pode, eles agrupados, né? Categorizar como sepse e aí dar início ao tratamento de sepse. (E3)

[...] é muito melhor você trabalhar com protocolo, né? Porque os profissionais acabam falando a mesma língua, desde o profissional que tem o nível médio como o profissional que tem o nível superior. (E9)

Da mesma forma, o reconhecimento é descrito em diversas falas dos profissionais, como demonstrado por E2 e E6.

Primeiro os sinais vitais alterados, né? Frequência cardíaca, temperatura, pressão, respiração. (E2)

A gente avalia a frequência cardíaca, temperatura, né? E se há alguma febre. A temperatura elevada... normalmente essas são as principais características que a gente avalia. (E6)

Nesse primeiro momento, alterações de sinais vitais estão diretamente relacionados à sinalização de sepse, o que leva à abertura precoce do protocolo.

No entanto, explorando outros depoimentos, percebem-se também dúvidas na identificação de sinais de sepse durante as entrevistas.

Febre... Quando apesenta febre [...] taquicardia, frequência respiratória [...] é menor, né? Menor do que 20? Maior que 21. (E4)

Febre alta, tremores, mal-estar. (ES)

Nos fragmentos dos depoimentos, não fica evidente o conhecimento pregresso adquirido na capacitação do protocolo.

No geral, evidenciaram-se duas principais dificuldades expostas pelos entrevistados no início das medidas do protocolo para sepse: a demora na abertura inicial do protocolo e o atraso na realização do antibiótico. A demora na abertura está relacionada às dificuldades na sua identificação pela equipe de enfermagem, à realização de diagnóstico pela categoria médica, à demora na coleta de exames e à entrega do antimicrobiano.

Acerca de demora na administração do antibiótico, os entrevistados têm opiniões diversificadas:

Às vezes sim, porque depende muito de como que eu disse, né? Do médico, da agilidade das coisas; às vezes demora um pouco. (E8)

Não, tentamos o máximo possível [evitar]; comunicamos a farmácia para que seja imediatamente disponibilizado; o técnico vai lá buscar, certo? Para que não ocorra [atrasos] e seja realizado em uma hora, mas geralmente é realizado em 30 minutos. (EI)

Em referência ao tempo entre acionamento e abertura do protocolo, a maioria dos depoimentos elenca a falta de comunicação adequada entre o profissional que aciona e o que realiza a abertura do protocolo.

O médico às vezes demora pra querer, tipo, abrir o protocolo. Às vezes, precisam de vários sinais pra ele poder abrir o protocolo. (E4)

A gente sempre tem um pouco de dificuldade, né? A gente observa dois [...] tenta observar pelo menos dois sinais pra abrir o protocolo [...] tem a questão da dificuldade do médico saber, saber se abre ou não o protocolo; às vezes, ele fica na dúvida, né? (E2)

Entretanto, um menor número de profissionais não evidencia dificuldades durante a abertura do protocolo, como ressaltado a seguir.

Eu acho que não houve, porque a gente, né? Sempre quando ocorre isso, o médico sempre vem rápido. (E6)

Não tem dificuldade, nem fragilidade em relação ao processo de abertura do protocolo sepse. (E7)

Não há consenso dos entrevistados da equipe de enfermagem relativo a dificuldades comunicacionais com a categoria médica para a abertura do protocolo para a sepse materna, percebendo-se experiências diferentes em relação ao seu início.

Acerca dos cuidados após a administração do antimicrobiano, os entrevistados referiram praticamente as mesmas ações e medidas, como exposto a seguir.

Bem, após o antibiótico, a paciente fica em monitorização, realiza o antibiótico e geralmente é instituído reposição volêmica. (EI)

A monitorização contínua dessa paciente, né? A questão da coleta dos exames laboratoriais, exames de imagem; a gente tenta agilizar o mais rápido possível todos os exames dessa paciente. (E3)

Discussão

Diante da complexidade que envolve o protocolo e a rede de atenção obstétrica atual, das ações multiprofissionais desenvolvidas em gestantes e puérperas com sepse, e da imprevisibilidade dos casos de infecção que rapidamente evoluem para quadros graves, foi adotada a teoria da complexidade para explicar os fenômenos de saúde descritos nos depoimentos que utilizam suas bases teóricas.

O pensamento complexo parte do pressuposto de que o mundo dos fenômenos é formado por acasos, ações e retroações, interações e associações entre opostos, tecendo acontecimentos de constituintes heterogêneos e utilizando os princípios para sua efetivação 16.

Nesse contexto, o princípio da recursividade organizacional salienta que a união das partes está na união do todo 19. Ao aplicar esse princípio na avaliação dos depoimentos, percebe-se que as ações de identificação, acionamento, abertura e medidas preconizadas no protocolo não podem ser vistas fragmentadas como descrito anteriormente, e sim de modo interligado, e que essas partes constituem o todo, sendo o objetivo comum a agilidade nas ações terapêuticas e de cuidado da paciente obstétrica.

No entanto, observou-se, no estudo, que há fragmentação de ações assistenciais, terapêuticas ou na linha de cuidados ao que se denomina de "paradigma da simplificação", baseado nos princípios de disjunção, abstração e redução, que repercute em acontecimentos na atualidade 16. O pensamento complexo vem em contrapartida a isso, procurando a multidimensionalidade das realidades mais pertinentes para enfrentar as situações complexas do dia a dia 19.

Remontando à complexidade de fenômenos tratados no estudo, o princípio da reintrodução do conhecimento sugere que todo conhecimento é uma reconstrução realizada por uma mente em épocas e culturas diferentes 12. Ao refletir-se acerca desse conceito, as primeiras noções sobre a sepse e suas ações danosas e letais têm sua origem em estudos primários e aprofundam-se, na atualidade, com os estudos de sua fisiopatologia e com o desenvolvimento de medidas de prevenção 7. Assim, conclui-se que o conhecimento é organizador, dinâmico, modifica-se com as bases temporais e socioculturais, sendo ao mesmo tempo aberto e fechado 16.

Essa incerteza e imprevisibilidade permeia a complexidade na dinâmica das organizações e situações em saúde-doença. Nesse sentido, o princípio dialógico enfatiza que a união entre ordem e desordem, entre ideias antagônicas e complementares, faz parte do todo complexo 20.

Adotando esse conceito na análise das falas, percebe-se a dualidade de ideias acerca dos sinais que direcionam a equipe no reconhecimento de casos de sepse. Observam-se contradições, dúvidas e indecisões na prática entre as diretrizes contidas no protocolo e as ações imediatas dos profissionais. Essas dúvidas podem ter suas origens na formação profissional, na experiência de atuação, na capacitação deficitária ou ainda nas incertezas subjetivas provenientes de cada indivíduo 21.

Categoricamente, diversos estudos mencionam a ocorrência de atrasos na realização do antibiótico e o aumento do risco de vida em casos de sepse 4,6,7. Em um destes estudos desenvolvidos no Oeste da China sobre a sepse bacteriana, evidenciou-se a necessidade do início precoce do antibiótico apropriado, do qual dependerá de cada microrganismo causador 4.

Refletindo acerca dos discursos e do contexto do pensamento complexo, a causalidade linear é modificada para a noção de ação não linear entre causa e efeito. Nessa perspectiva, o princípio do círculo retroativo é desenvolvido 16. Nas entrevistas, percebe-se que alguns profissionais ressaltam atrasos na administração de antibiótico. A demora referida - a qual poderia ser evitada - contribui para o agravamento do quadro séptico e para a necessidade de novas medidas críticas, como a administração de fluidos intravenosos e a utilização de drogas vasoativas, o que aumenta o risco de óbito materno.

Além disso, nos discursos, não há evidências de conhecimento pelos entrevistados das alterações fisiológicas da gestação e do puerpério precoce de sepse como o aumento hemodinâmico na circulação na gestação e da temperatura na apojadura de 48h a 72h após o parto, e isso poderia confundir na identificação 11. Conforme a definição da United Kingdom Obstetric Surveillance System, os critérios para a sepse materna envolvem temperatura > 38 ou < 36° C, frequência cardíaca > 100 batimentos por minuto, frequência respiratória > 20 por minuto, contagem de glóbulos brancos de > 17 x 109 células /L ou <4 x 109 células /L medidas em duas ocasiões com quatro horas de diferença nas duas ocasiões 22.

Na contextualização do trabalho em saúde, o princípio hologramático remete à ideia de que a parte está no todo e o todo está em cada parte que o compõe. Ele rompe com a fragmentação de ações e do trabalho em saúde, e enfatiza a necessidade de articulações multiprofissionais e conexões entre redes e setores para o atendimento de modo integral 20. Fica evidente, nos depoimentos apresentados, a inevitabilidade de relação entre categorias e áreas interdisciplinares para o objetivo primordial, que é agilidade na abertura e início das medidas do protocolo de sepse.

A intersetorialidade, a interdisciplinaridade e a atuação interprofissional são elementos exigidos na atualidade na dinâmica das situações de vida e em saúde. Tem-se conhecimento que o cuidado efetuado por áreas distintas interrelacionadas contribui para melhor efetividade, agilidade e compreensão das vivências clínicas, culminando na qualidade da assistência em saúde 23,24. No entanto, observa-se, nos depoimentos, a necessidade de maximização da comunicação, da cooperação e do desenvolvimento de habilidades direcionadas ao público obstétrico, já que as atuações são efetuadas de forma desconexa.

Nessa perspectiva, é necessário abordar os papéis profissionais desempenhados pela equipe de saúde. As entrevistas elencam sucintamente o envolvimento profissional e a necessidade de melhoria da comunicação entre categorias e da relação entre seus componentes, com o objetivo de diminuir erros de identificação, de diagnósticos e nas ações do pacote de medidas. Estudo efetuado na França sobre a influência da enfermagem na prescrição médica em infecções elencou a comunicação eficaz interprofissional como base para diminuir os riscos decorrentes 25.

Estudos desenvolvidos respectivamente em São Paulo e no Rio de Janeiro descrevem funções em torno da atuação profissional da área da enfermagem, principalmente relacionada à identificação precoce de alterações em parâmetros vitais da sepse e à realização de condutas. Nesses estudos, não é descrita a comunicação interprofissional entre categorias como algo que possa melhorar os protocolos clínicos 4,21.

No contexto da complexidade, a otimização de ações relatadas anteriormente remete ao princípio da autoeco-organização, em que as instituições seriam a capacidade de se organizarem, a partir de determinados fatores, como: informação, energia e sua relação com o meio ambiente.

A partir das falas anteriores, percebeu-se que o setor obstétrico apresentava deficiências anteriores ao protocolo, principalmente na identificação das pacientes sépticas e nas condutas de enfrentamento; isso levou ao desenvolvimento de uma ferramenta baseada em diretrizes internacionais (informação) para acionamentos de diversos profissionais (energia) que, atuando mutuamente, modificam a dinâmica de ação e enfrentamento da sepse no setor (meio ambiente) 12.

Por fim, diante dessas situações descritas e das diretrizes do protocolo implementadas no setor, o princípio de círculo recursivo defende a ideia de ciclo auto-organizado, no qual os seres são produtos e causadores daquilo que os produz; a noção de desenvolvimento do protocolo de sepse reflete isso.

Desse modo, a incidência de casos de sepse no setor levou a repensar os métodos de enfrentamento materializados nas atividades preconizadas no protocolo. Isso conduziu a treinamentos com os profissionais de todas as categorias, os quais, por sua vez, desenvolvem ações eficazes ou consideradas ineficazes nesse processo. Esse processo levará a novas reformulações nas medidas de identificação de sepse e ao tratamento para evitar o fator ineficaz, que constitui um círculo 19.

Os processos de treinamento e capacitação dos profissionais são importantes, pois o conhecimento não é estático, é dinâmico e muda constantemente. Diversos estudos elencam que os treinamentos são meios de alinhar condutas e manter qualidade na assistência, o que contribui para reduzir a mortalidade por sepse 21,26. Um desses estudos conduzido sobre as ações de enfermagem em casos de sepse e choque séptico em unidades de terapia intensiva demonstrou a importância do desenvolvimento de capacitações para diminuir deficiências de conhecimento e no manejo precoce da sepse 21.

Além disso, é importante desenvolver habilidades preventivas do enfermeiro desde o pré-natal, com o fomento da prevenção de infecções gravídicas principalmente geniturinárias, até o momento do parto, do nascimento e do puerpério, quando se utiliza de medidas profiláticas como o antibiótico na ruptura de membranas, na retirada manual da placenta, em lacerações de terceiro e quarto graus, e antes do parto cesariano. É importante também fornecer informações sobre infecções cirúrgicas e puerperais decorrente de parto cesariano e da diminuição desses índices no parto normal 11.

Quanto à limitação desta pesquisa, a principal encontra-se na restrita participação dos profissionais, no entanto apresenta a realidade de um cenário específico que é similar ao de outros no país, o que permite que investigações posteriores repliquem este estudo com facilidade. Acerca disso, cenário similar no Brasil enfocou as modificações ocorridas após a sensibilização e adesão ao protocolo de sepse no setor de tocoginecologia, o que evidencia a necessidade de melhoria na atuação profissional 27.

Ademais, não se evidenciaram, na literatura nacional, estudos sobre protocolos direcionados à sepse materna alinhados à análise da complexidade dos fenômenos de saúde, o que impossibilita efetuar comparações. Deficiência na comunicação, relação com outras categorias profissionais e melhoria de habilidades de identificação e manejo da sepse materna são pontos a serem abordados.

Relativo ao protocolo da instituição sede da pesquisa, é viável e eficaz, pois contribui para a redução de mortalidade e morbidade por sepse e suas implicações como tempo aumentado de internamento e de custos de hospitalização, mas são necessárias capacitações maiores e atualizadas para melhorar desfechos.

Quanto aos achados, os resultados obtidos durante o estudo poderão levar a novos questionamentos acerca do cuidado de modo complexo desempenhado por profissionais de enfermagem na empregabilidade de protocolos para sepse, das atuações profissionais e das relações intraequipe. Assim, poderão ser abordadas novas percepções em outros cenários obstétricos e não obstétricos, com reflexões acerca da complexidade no desempenho dos processos de cuidado em saúde.

Conclusões

Há perspectivas positivas dos profissionais na empregabilidade do protocolo, mas constatam-se deficiências quanto a sinais e sintomas de sepse, ao acionamento médico, à abertura do protocolo e ao manejo adequado, principalmente nas fases de três e seis horas.

Problemas de comunicação entre categorias profissionais e nos papéis desempenhados diante da sepse materna são alguns pontos que precisam ser explorados e melhorados. Assim, a utilização de protocolos direcionados à sepse materna é crucial para diminuir a mortalidade e morbidade por infecções, mas é importante considerar particularidades desse grupo específico na implementação de medidas de combate à sepse e na dinâmica de atuação da equipe de saúde.

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Cómo citar: Belarmino AC; Pinto MCE; Frota AC; Alves LC; Ferreira Júnior ARF. Perspectivas da enfermagem sobre o protocolo da sepse materna: análise à luz da teoria da complexidade. Av Enferm. 2020;38(3):286-295. DOI: https://doi.org/10.15446/av.enferm.v38n3.84775

Apoio financeiro O estudo contou com recursos próprios e não obteve apoio financeiro externo.

Recebido: 28 de Janeiro de 2020; Aceito: 30 de Maio de 2020

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