INTRODUÇÃO
Partindo de diferentes críticas sobre o funcionamento do modo de produção instituído, muitas aproximações teóricas são possíveis entre autores que se propõem a pensar economia de forma alternativa à tradicional. Em que pesem as diferenças de contribuições, tanto Keynes como Veblen procuraram desconstruir a ideia de racionalidade ortodoxa, que pressupõe ações humanas ótimas e guiadas por propósitos de maximização do bem estar. Nesse contexto, embora muitas outras convergências possam ser estabelecidas entre institucionalistas e keynesianos, este trabalho apresenta o objetivo de construir uma ponte teórica entre a visão metodológica organicista de Keynes, com as implicações daí decorrentes, e a relação entre instituições e indivíduos descrita a partir do institucionalismo de Veblen.
Trabalhos que estabelecem um link teórico entre institucionalistas e keynesianos não são novidade na literatura, podendo-se identificar uma proposta de programa de pesquisa (c.f. Lakatos, 1979) que se aproxima na ideia de que o núcleo teórico da tradição ortodoxa precisa ser superado (Lavoie, 2004). Fernandez-Huerga (2008), Arestis (1996), Dequech (2004), Hodgson (1989, 1998), Conceição (2007), Ferrari-Filho e Conceição (2005) são exemplos de autores que demonstram a possibilidade de conciliação entre abordagens institucionalistas e pós-keynesianas. Mesmo sem notar influência direta de Veblen sobre Keynes, Hodgson (1989, 1998), por exemplo, descreve um "elo perdido" entre o antigo institucionalismo norte-americano e os trabalhos desenvolvidos por Keynes. Arestis (1996) denota como o institucionalismo preenche algumas lacunas da teoria keynesiana, proporcionando fundamentos microeconômicos para análise da formação de expectativas. Nessa proposta, a comparação se fundamenta na hipótese de que tanto Keynes como Veblen compreenderam o sistema econômico como complexo e em constante transformação pela forma como os indivíduos interagem e alteram a estrutura socioeconômica. Ao propor essa análise comparativa, a preocupação essencial do trabalho é com os determinantes do comportamento humano, pois a integração teórica permite avançar no entendimento das decisões de investimento dos empreendedores.
A afirmação sobre a existência de uma metodologia organicista em Keynes desperta inúmeras contradições e pontos de vista. A discussão compreende desde os autores que negam ou colocam em dúvida a superação do atomicismo por parte do autor (Davis, 1989/1990; Bateman, 1989) aos que reconhecem que os elementos organicistas são centrais para sua ruptura com os pressupostos neoclássicos (Winslow, 1986, 1989; Carabelli, 1988; Rotheim, 1989, 1990, etc.). Entre estes últimos ainda está presente uma controvérsia sobre as principais influências intelectuais que teriam contribuído para que Keynes1 superasse o individualismo tradicional. Mesmo que tais debates voltem à tona ao longo dessa exposição, a proposta do artigo segue o que pressupõem autores que tratam a organicidade e a complexidade como indissociáveis da teoria keynesiana, fundamentando, entre outros conceitos, a existência da incerteza com suas implicações sobre as flutuações no nível de renda e emprego (Carabelli, 1988; Andrade, 1996, 2000).
Se em Keynes a existência de uma metodologia organicista (o pressuposto da complexidade e, por decorrência, a superação do individualismo metodológico) desperta dúvida em alguns autores, a crítica feroz de Veblen ao "homem econômico" não deixa espaço para questionamentos sobre sua aversão ao individualismo metodológico. Como sugere o título de sua obra, Why is economics not an evolutionary science?, o autor (Veblen, 1898a) reivindica uma teoria evolucionária como forma de superação da abordagem atomicista/fragmentada da realidade que se torna o mainstream da ciência econômica. Veblen (1983) viu o sistema em constante transformação, onde a interação entre indivíduos - com seus instintos, hábitos, crenças e rotinas - e instituições definiam o que se entende por ambiente evolucionário.
Admitindo-se a possibilidade de paralelos teóricos entre os dois autores, optou-se por estruturar o trabalho como segue: inicialmente, retoma-se o debate sobre o organicismo em Keynes, explorando-se as implicações dessa metodologia de análise no âmbito das decisões humanas, particularmente as associadas aos investimentos produtivos. Na seguinte seção, explora-se a relação entre instituições e indivíduos no institucionalismo oriundo de Veblen. A seguir, a convergência teórica e as implicações para as decisões econômicas são apresentadas. Finalmente, na última seção, apresentam-se as considerações finais.
KEYNES E OS PÓS-KEYNESIANOS: SOBRE AS DECISÕES HUMANAS EM UM CONTEXTO DE ORGANICIDADE
As discussões sobre a metodologia em Keynes não são simples, principalmente quando questionam se o autor teria superado o individualismo metodológico2. Winslow (1986) afirma que, em Cambridge, Keynes teve acesso tanto a concepções atomicistas como organicistas de interpretação da realidade3. Enquanto o atomicismo assume que os elementos de um sistema são independentes e não recebem influência de outras unidades que compõem o conjunto, o organicismo compreende as partes em completa e total relação, sendo, por esse meio, integrantes de um sistema cujos elementos aparecem mutuamente determinados e sujeitos a propriedades emergentes. Enquanto o reducionismo procura tratar os fenômenos sociais como simples regularidades, o horizonte temporal como reversível, reduzir a instabilidade do sistema a supostas estabilidades e desconsiderar a mudança estrutural, a complexidade assume hipóteses alternativas (irreversibilidade temporal, desequilíbrio e instabilidade) (Vercelli, 2016).
No caso das deliberações individuais, enquanto o atomicismo trata a motivação humana como autônoma e independente, o organicismo afirma que ela se define pela forma como as relações econômicas e sociais repercutem sobre as motivações pessoais. Como forma de demonstrar que o pensamento de Keynes apresenta premissas metafísicas que se aproximam do organicismo, Winslow (1986) reproduz uma das passagens mais lembradas quando se trata do assunto:
The atomic hypothesis which has worked so splendidly in Physics breaks down in Psychics. We are faced at every turn with the problems of Organic Unity, of Discreteness, of Discontinuity the whole is not equal to the sum of the parts, comparisons of quantity fail us, small changes produce large effects, the assumptions of a uniform and homogeneous continuum are not satisfied. (Keynes, 1972, pp. 232-233)
Embora não exista consenso sobre o fato de Keynes ter abandonado o atomicismo, conforme sugerem Davis (1989/1990) e Bateman (1989), em muitos autores pós -keynesianos os argumentos em prol de uma metodologia organicista são efetivos. Do reconhecimento de que os indivíduos estão em constante interação entre si e com a estrutura socioeconômica surge uma visão diferenciada de racionalidade, isto é, que foge aos cânones da abordagem tradicional e desarticula qualquer possibilidade de otimização resultante das decisões individuais. Mesmo com dificuldades de aceitar o organicismo na visão de mundo keynesiana, a definição de racionalidade expressa em Davis (1999)4 alinha-se aos seus pressupostos. Segundo o autor, a primeira versão de racionalidade pós-keynesiana afirma que o mundo é transmutável porque acontecem mudanças nas preferências individuais ao longo do tempo. Dessa forma, é impossível saber, ex ante, as melhores escolhas em relação a determinados objetivos. A segunda está relacionada com a ação dos indivíduos sobre o ambiente socioeconômico. Isto é, as escolhas das pessoas alteram o futuro, tornado impossíveis previsões baseadas em cenários passados. Nesse contexto, os indivíduos recebem influência da sociedade ao mesmo tempo em que podem alterá-la consideravelmente. Tal como reconhece Davidson (2005), o mundo real apresenta um futuro transmutável e que está para ser criado pela ação dos indivíduos e grupos (associações, cartéis, governos, etc.)5.
De forma direta ou indireta, as análises sobre a metodologia keynesiana remontam ao Treatise on Probability (T. P.)6. A teoria da probabilidade de Keynes trata do grau de crença racional atribuído a um conjunto de proposições (premissas e conclusões), incluindo a possibilidade de alguns eventos serem mais certos ou prováveis do que outros. Nas suas palavras, "os termos certos ou prováveis descrevem os vários graus de convicção racional a respeito de uma proposição, que diferentes porções do conhecimento nos autorizam a acolher" (Keynes, 1921, p. 70). O peso do argumento, definido a partir das evidências disponíveis, aparece como fundamental para que seja estabelecido um maior ou menor nível de crença racional. Por estar relacionada à formação de crenças individuais (ou coletivas), Carabelli (1988) e Winslow (1986) argumentam que já se observam fundamentos organicistas na teoria da probabilidade keynesiana.
Nessa visão de racionalidade, a lógica matemática perde espaço para outras formas de tratamento do conhecimento. Reconhecendo que as decisões não podem ser concebidas a partir de cálculos atuarias que se baseiam na frequência relativa de eventos, Carabelli (1988) demonstra a importância atribuída por Keynes à "linguagem comum" (ordinary language) em detrimento da lógica formal. Ao contrário desta, aquela é caracterizada por possuir uma estrutura aberta, um número não finito de proposições, maior compatibilidade com possíveis contradições e um caráter semântico (Andrade, 1996, 2000). Ela ilustra como o organicismo influenciou a visão probabilística keynesiana (Carabelli, 1988; Andrade, 1996, 2000) que é representada por magnitudes qualitativas, transitórias, organicamente dependentes, únicas e temporalmente irreversíveis (Carabelli, 1988).
A grande questão que permeia a tomada de decisão no âmbito da teoria de Keynes seria, então, o fato da probabilidade variar conforme as evidências que lhe dão sustentação e que novas evidências podem tornar quaisquer previsões, ex ante realizadas, completamente obsoletas ou inúteis aos tomadores de decisões. Essa noção de probabilidade assume que os seres humanos estão em interação com o mundo e mudam sua percepção em relação a ele a partir do conhecimento. Novas evidências podem revelar novos domínios de ignorância (Dow, 2012). Tal interpretação está explicita na seguinte passagem de Keynes: "A medida em que mudam nosso conhecimento ou nossas hipóteses, nossas conclusões adquirem novas probabilidades, não em si, mas em relação a estas novas premissas" (Keynes, 1921, p. 74). Daí a importância das convenções. Elas são uma forma de manter a regularidade das crenças individuais e a confiança em determinadas conclusões.
Segundo Chick (2004), o organicismo aparece de forma mais evidente na General Theory (G.T). Na obra, Keynes (1964) trata o sistema econômico como composto de subsistemas que representam, na sua totalidade, um modelo aberto de análise do funcionamento de uma economia monetária. Uma visão semelhante é compartilhada por Rotheim (2011) 7 ao citar diversas passagens da G.T. Segundo ele, o organicismo se faz presente na ideia de que o nível de demanda efetiva, por conseguinte o nível de renda e emprego, dependem das decisões individuais que mudam conforme a percepção dos agentes em relação ao futuro. Nesta obra Keynes (1964) avança consideravelmente em outro conceito que permite referendar sua metodologia organicista. Como atestam Rotheim (1989/1990), Park e Kaya-tekin (2002) 8, Corazza (2009), Goudard e Terra (2015), entre outros, a existência da incerteza9 confirma a hipótese de que os indivíduos se apresentam inter-relacionados, determinantes e determinados pelo todo que compõe a estrutura socioe-conômica. Na Teoria geral,Keynes (1964) progride nas implicações da incerteza sobre as expectativas individuais, especialmente aquelas relacionadas aos resultados de longo prazo (Carvalho, 2015).
Essa incerteza não resulta apenas de deficiências cognitivas, mas dos resultados das ações individuais na sociedade. Para Cardoso e Lima (2008), Keynes reconheceu o sistema econômico como complexo, justamente devido à complexidade dos seres humanos. As ações individuais promoveriam consequências não intencionais como resultado de um processo de auto-organização do sistema. Surgiriam, então, propriedades emergentes que dificultariam a análise do sistema a partir de seus componentes isolados10.
Sob o argumento de organicidade, Chick e Dow (2001) demonstram ser o método algébrico completamente inválido. Este seria aplicado apenas supondo-se um sistema fechado e atomicista, onde o movimento de algumas partes acontece de forma independente e não exerce influência sobre as demais. Num sistema econômico orgânico a formalização perde completamente sua eficácia, pois "units of analysis - individuals and all the institutions of society: families, firms, governments etc. - evolve interdependently, changing society and creating new conventions of behaviour" (Chick & Dow, 2001, p. 14). Segundo as autoras, o modelo de Keynes seria aberto em dois sentidos:
Keynes's model is an open system in two senses. "Spatially", the appeal to conventions and routines indicates that in his theory the system needs elements beyond the market in order to work, while the classical model is "closed" to that suggestion. The other sense has to do with time. Keynes's theory is one in which the causal structure just outlined has a temporal dimension. (Chick e Dow, 2001, p. 14)
Ao esboçar a importância do horizonte temporal nas decisões e aceitar-se que o tempo flui do passado para o presente e futuro, algo lógico aos homens práticos, o resultado das decisões se torna sempre incerto. Na estrutura de análise keynesiana, a preferência pela liquidez representa uma proteção contra a incerteza porque o fluxo temporal impede que as decisões sejam revistas sem custos consideráveis. Os homens de negócios enfrentam, então, o ilustre trade off entre reter moeda (um ativo especial de uma econômica monetária que permite postergar as decisões de gastos) e realizar investimentos em ativos reais que ampliam a capacidade produtiva.
O reconhecimento de que a demanda efetiva representa o ponto de partida para determinação do nível de renda e emprego11 e de que este nível de gastos recebe influência das ações individuais leva à necessidade de serem analisados os fatores cognitivos que determinam as decisões dos empreendedores. Se as expectativas de curto prazo podem ser revistas sem ônus considerável, o mesmo não se pode dizer das de longo prazo, pois elas dizem respeito ao resultado dos investimentos produtivos após sua maturação. Chick (1983) ilustra o horizonte temporal desse processo, demonstrando que as expectativas são revistas após a ampliação da capacidade produtiva, podendo alterar-se o nível de produção ou de investimentos do momento seguinte. Nesse período, os cenários ainda podem ser alterados devido à interação dos empreendedores com a estrutura socioeconômica.
Em um ambiente orgânico, aberto, onde a ação de alguns indivíduos interage com as de outros, podendo modificar constantemente a estrutura produtiva, as decisões não podem ser ótimas e o nível de emprego e renda recebe influência das convenções12 e do animal spirit13 dos homens de negócios. Enquanto a própria decisão de investir impacta sobre a demanda efetiva no curto prazo, após o período de maturação dos novos investimentos, as decisões "de antes" afetam toda estrutura produtiva, evidenciando-se o pressuposto de organicidade atestado pelos pós-keynesianos. Para Vercelli (2016), a macroeconomia keynesiana é uma proposta anti-reducio-nista na medida em que ela se afirma sob conceitos como incerteza, desequilí-brio14, desemprego involuntário, instabilidade e irreversibilidade temporal. Já para Winslow (1986), a análise de Keynes da propensão ao consumo (sua aceitação de que ela estaria sujeita à mudança devido a fatores subjetivos), da preferência pela liquidez (suas alterações de curto prazo) e das diferentes atitudes (históricas, nacionais e entre classes) em relação ao ouro e a moeda atestam a presença de elementos organicistas nesse autor. Finalmente, o paradoxo da poupança seria outro exemplo de superação do individualismo por parte de Keynes (Corazza, 2009).
A RELAÇÃO ENTRE INDIVÍDUOS E INSTITUIÇÕES NAS DECISÕES ECONÔMICAS: RECONSTITUTIVE DOWNWARD CAUSATION, COMPLEXIDADE E PROPRIEDADES EMERGENTES NO INSTITUCIONALISMO DERIVADO DE VEBLEN
Se Keynes desferiu forte crítica a abordagem neoclássica, demonstrando a impossibilidade de ações ótimas e harmônicas no funcionamento do mercado, Veblen foi categórico ao refutar a descrição do comportamento humano a partir de cálculos de prazer e sofrimento. Em Veblen (1898b), a irônica descrição da tradicional forma de funcionamento da mente humana não deixa espaço para contestações de sua aversão homo econômicus. Nessa crítica, Hodgson (2004) propõe que Veblen supera tanto o individualismo como o coletivismo metodológico, demonstrando que fatores como complexidade, organicidade e propriedades emergentes são inerentes ao raciocínio desse pensador, apesar dos referidos conceitos não aparecerem explicitamente em suas obras.
Compreender a relação entre indivíduos e instituições e como tal interação molda as decisões individuais faz parte da proposta vebleniana de tratar a economia a partir de uma analogia evolucionária. Nela, instituições e indivíduos estariam em constante interação e evolução, relacionamento que ocorre a partir da integração de conceitos como instintos, hábitos, crenças, racionalidade, instituições e comportamento.
Veblen (1898a, 1983) trata os indivíduos como seres dotados de propensões e hábitos e chama as propensões humanas de "instintos". Na obra "The instinct of workmanship and the irksomeness of labor", Veblen (1898b) distinguiu três instintos fundamentais. O primeiro deles seria o instinto para o artesanato. Visto como algo inerente ao ser humano, esse instinto se reflete no trabalho humano bem feito e no prazer que este proporciona. O segundo seria o instinto predatório, que carrega como finalidade a subjugação das pessoas por pessoas, sendo, ainda, responsável por criar um modo de vida conflituoso e destrutivo. Embora o instinto construtivo seja a base da sociedade industrial moderna, Veblen (1983) observou a possibilidade do instinto predatório se sobrepor ao do artesanato quando as atividades desportistas se tornam sinônimo honradez e prestígio social. Esse instinto daria origem a classe ociosa: uma instituição descolada da atividade produtiva e que sobrevive apropriando-se do excedente gerado pela atividade industrial. Finalmente, Veblen observou a existência de uma propensão para emulação que agiria consolidando determinadas formas de agir a partir da imitação das ações socialmente aceitas e predominantes15.
Ainda que destoem dos instintos presentes nos outros animais, as propensões descritas por Veblen são consideradas demasiadamente rígidas para, isoladamente, explicarem o comportamento individual em um contexto social. Por isso, Hodgson (2005), sugere que as metas instintivas dos seres humanos seriam alcançadas a partir de hábitos de pensamento. Estes, mais flexíveis, permitiriam aos indivíduos adaptar seu comportamento à determinados contextos culturais. Embora algumas circunstâncias demandem a revisão das formas de pensar e agir, os hábitos permitem simplificar a tomada de decisão, que seria demasiadamente complexa caso dependesse do processamento de todas as informações disponíveis.
Além de facilitar as ações dos indivíduos, os hábitos ainda são o alicerce das instituições sociais. Na Teoria da Classe Ociosa (T.C.O.) Veblen (1983) afirma: "Em substância, as instituições são hábitos mentais prevalecentes no tocante as relações particulares e funções particulares do indivíduo e da sociedade" (p. 88). Tal conceituação é retomada por Hodgson (2006, 2007) ao refutar alguns conceitos institucionalistas de Douglass North. Para aquele autor, as instituições são um sistema de regras que estruturam as relações sociais e os hábitos são os elementos que fazem com que as normas sejam enraizadas na vida social. Em outra passagem da T.C.O., Veblen (1983) não deixa dúvidas da importância dos hábitos mentais para o regramento de comportamentos individuais: "No tocante a normas específicas de comportamento, todavia, uma norma determinada permanece em vigor somente quando tem o apoio do hábito ou aptidão que constitui o critério de seu desenvolvimento, ou pelo menos não é incompatível com ele" (p. 32). Dessa forma, observa-se a relação estabelecida entre instintos, hábitos e instituições. Estas últimas existem e se mantém na estrutura socioeconômica apenas porque são sustentadas pelos hábitos e pelas metas instintivas que se propõem a atender.
Tanto Rutherford (1996) 16 como Hodgson (2003, 2004 e 2007,) discutem a relação entre indivíduos e instituições na definição do comportamento econômico. Enquanto Rutherfod (1996) chega a afirmar uma inclinação de Veblen ao holismo metodológico, Hodgson (2003, 2004 e 2007) parte dos conceitos desse autor para propor a superação tanto do individualismo como do coletivismo metodológicos. Em termos conceituais, o primeiro pode ser entendido a partir da ideia de que o fenômeno social deve ser explicado total e unicamente em termos individuais ou a partir de indivíduos e suas interações sociais17. O segundo pressupõe que as ações individuais, tanto de capitalistas como de trabalhadores (a la Marx), seriam uma manifestação do movimento das estruturas sociais. Hodgson (2007) assim descreve os problemas desses extremos:
Methodological individualism conflates the social upon the individual, thus losing sight of key mechanisms of social influence, and is consequently impelled to take the purposes and preferences of the individual as given. Methodological collectivism conflates the individual upon society and thereby lacks an explanation or adequate recognition of how individual purposes or preferences may be changed. (pp. 6-7)
Ambos incorrem em problemas fundamentais porque não conseguem explicar como as instituições se conectam às crenças e preferências individuais. Por isso, Hodgson (2007, 2010) propõe que indivíduos e instituições sejam analisados a partir de sua interação, onde os hábitos representam o elo que permite compreender tanto o comportamento humano como a consistência institucional. Existe, dessa forma, um forte efeito das instituições para os indivíduos, no qual as preferências podem ser alteradas a partir de estímulos. Porém, esse efeito "de cima para baixo" não significa que os indivíduos são "joguetes" da estrutura socioeconômica. A ideia é que, mesmo assumindo as instituições como elemento definidor do comportamento individual, o papel dos seres humanos continua ativo.
Da lógica de interação entre os indivíduos, com instintos e hábitos, depreende-se o conceito de propriedades emergentes. Para o campo econômico, a existência de propriedades emergentes18 implica que a explicação dos fenômenos não se restringe ao nível individual. Deve ser visto a partir de sua constituição enquanto acontecimento de massa, que perde sentido se estudado em nível microeconômico. Se por um lado se reconhece que as unidades individuais não podem ser explicadas sem o todo, por outro, o todo não pode ser avaliado sem as partes. Para Hodgson (1997a), o conceito de propriedade emergente estaria presente em Veblen19, sendo definido como parte de um sistema complexo que: a) pode ser avaliado em termos agregados, sem referência aos atributos microeconômicos; b) persiste por períodos de tempo significativamente maiores do que aqueles necessários para descrever as micro-interações fundamentais e; c) não é explicável inteiramente a partir das micropropriedades elementares do sistema. Na teoria institucionalista, propriedades emergentes são fenômenos agregados que afetam as preferências individuais (reconstitutive downward causation).
Para explicação das ações individuais, portanto, os vínculos entre instituições e indivíduos devem estar devidamente estabelecidos. Ontologicamente, os indivíduos agem sob a influência de seus instintos (Hodsgon, 2005). Ainda que exista discussão sobre os fatores que determinam os instintos humanos20, eles são pro-pensões mais gerais que estimulam a ação individual. Contudo, por sua relativa rigidez de adaptação ao ambiente social, os seres humanos desenvolvem hábitos que facilitam as ações diárias e são capazes de eliminar ou reduzir o dispendioso processo de deliberação racional que envolve a tomada de decisão. Os hábitos, ao tornarem-se compartilhados, são o alicerce das regras sociais e proporcionam consistência às instituições socioeconômicas. Essas instituições estruturam as relações individuais e podem ser vistas como uma propriedade emergente que passa a agir sobre as preferências pessoais. Mesmo que nem todos os indivíduos compartilhem determinadas formas de agir e pensar, as instituições são uma forma de manter a coesão social mesmo diante da heterogeneidade. Isso não quer dizer que as instituições são imutáveis, pois o mecanismo reconstitutive downward causation proposto por Hodgson (2007, 2010) pressupõe que os indivíduos podem alterar a estrutura institucional vigente. Isso, aliás, já havia sido reconhecido pelo próprio Veblen na T.C.O. A interação entre indivíduos e instituições pode, partindo de conflitos e coalizões, dar origem a novas instituições que ganham consistência com a formação de novas crenças e valores.
AS DECISÕES ECONÔMICAS EM UM CONTEXTO DE ORGANICIDADE E DE INTERAÇÃO ENTRE INSTITUIÇÕES E INDIVÍDUOS: UMA FRUTÍFERA CONEXÃO TEÓRICA ENTRE OS CONCEITOS DERIVADOS DE VEBLEN E DOS AUTORES PÓS-KEYNESIANOS
Vários poderiam ser os paralelos entre as perspectivas teóricas desenvolvidas a partir de Veblen e Keynes, principalmente porque elas têm em comum, mesmo que em diferente intensidade, a refutação à teoria ortodoxa. Embora Hodgson (1998) não observe uma influência direta de Veblen sobre Keynes, argumenta que existe um elo inegável entre as proposições teóricas pós-keynesianas e institucionalistas, conforme descrevera em texto de 1989 (Hodgson, 1989).
Para Hodgson (1989), dois fatores justificam o elo teórico entre Keynes e Veblen. Primeiro, a refutação ao reducionismo, já que este considera os seres humanos independentes e livres de qualquer influência institucional. Segundo, a existência de propriedades emergentes e de complexidade, sem os quais a análise macroeconômica ficaria com pouco sentido. A incapacidade do reducionismo de justificar o nível de análise escolhido (os indivíduos ao invés de grupos, genes ou qualquer outro) junto à necessidade de se pensar o sistema econômico com um todo orgânico e sujeito a propriedades emergentes seriam a essência da proposta macroeconômica de Keynes21.
Ao mesmo tempo em que a macroeconomia deve ser vista como uma unidade autônoma, sua complexidade implica fortes consequências no campo das escolhas. Tratando as decisões individuais como incertas, Keynes (1921) oferece um sentido único à noção de probabilidade. Em seu T.P., a probabilidade é debatida como o grau de crença racional que se estabelece sobre determinadas proposições. Infere-se, então, que as decisões de longo prazo, objeto específico de análise do capítulo 12 da G.T., somente poderiam ser compreendidas na formação das crenças individuais e coletivas. Henriques (2000) discutiu o papel da racionalidade e das crenças na explicação das decisões em Keynes, constatando que a racionalidade individual depende dos hábitos, instintos, preferências, desejos e vontades das pessoas.
Ao se reconhecer que a formação de crenças racionais resulta dos hábitos de pensamento, constrói-se um elo consistente entre o institucionalismo de Veblen e o processo de deliberação preconizado por Keynes. Para Veblen os hábitos seriam o mecanismo que permite a simplificação da tomada de decisão e, grosso modo, agiriam no sentido fortalecer determinadas crenças individuais (Hodgson, 2007; Conceição, 2009). Em um contexto de organicidade (pós-keynesiana), onde interação entre instituições e indivíduos cria propriedades emergentes, a formação de hábitos e crenças é inerente dinâmica econômica e social, afetando, inegavelmente, as opções dos seres humanos quando expostos a determinados contextos.
Ao retomar tais ideias, Hodgson (2010) afirma que as ações humanas devem ser explicadas pela forma como os hábitos são incorporados à racionalidade. Da mesma forma, Winslow (1986), interpretando a análise de Keynes da obra Foundations of Mathematics de Frank Ramsey, exalta a importância dos hábitos para o processo de deliberação racional. Esse autor não deixa dúvidas que Keynes aceita a proposta de diferenciação entre "lógica formal" e "lógica humana" expressa em Ramsey. Enquanto a primeira está preocupada com regras consistentes de pensamento, a segunda diz respeito ao que está além dessas regras22, ou seja, trata do uso de certos hábitos mentais para manipulação das informações captadas por nossas percepções e memórias. À mesma conclusão de Winslow (1986) chegam Henriques (2000), Catão (1992) e Belluzzo (2015) ao considerarem que as ações racionais a que Keynes se refere envolvem uma avaliação qualitativa das circunstâncias históricas (Beluzzo, 2015) e que o comportamento racional define-se pela consideração de hábitos e costumes socialmente estabelecidos; elementos decorrentes da formação de crenças a respeito do mundo (Henriques, 2000).
Tais afirmações permitem duas constatações. Primeiro, ainda que o processo de habituação não desperte tanta atenção no pensamento keynesiano contemporâneo, Keynes reconheceu sua influência na racionalidade humana. Na G.T, por exemplo, aparecem inúmeras referências aos hábitos e suas repercussões nas decisões23, constatando-se a existência de uma racionalidade dependente do contexto histórico. Segundo, o fato de Keynes ter aceitado a importância das regras mesmo que elas equivocadamente pudessem ser expressas em termos matemáticos. Em Pessali (2016), a abordagem tradicional expressa nada além de uma forma habitual de processar o conhecimento, transformando-o em ilustrações matemáticas que procuram pontos de ótimos, mesmo que isso pouco ajude na prática cotidiana.
Enquanto no T.P. Keynes trata do grau de crença racional (que varia conforme o peso do argumento e o nível de conhecimento relevante face ao irrelevante) na G.T. são as expectativas de longo prazo e a incerteza que ganham destaque na explicação dos investimentos produtivos. Não obstante, as crenças (e os hábitos) mantém sua importância. Vercelli (2010) demonstra que o peso do argumento, analisado no T.P., pode ser associado ao conceito de incerteza da G.T. Uma incerteza radical estaria associada a um peso do argumento nulo, isto é, quando os tomadores de decisão têm consciência de que não possuem nenhum conhecimento relevante sobre o futuro. Por outro lado, a incerteza seria fraca quando a distribuição de probabilidades sobre determinados eventos fosse conhecida e o peso do argumento assumisse valor máximo24. As crenças permanecem fundamentais para que possam ser estabelecidas imagens (projeções) sobre o futuro. A estas se associa determinado nível de confiança que dá sustentação as ações projetadas (Henriques, 2000).
Ao mesmo tempo em que permitem aos indivíduos a construção de ideias sobre o que está por vir (Henriques, 2000), no institucionalismo derivado de Veblen, as crenças, em conjunto com os hábitos mentais, representam os alicerces das instituições socioeconômicas (Hodgson, 2006; Conceição, 2009). Ainda que a literatura aponte para possibilidade dessas instituições reduzirem a incerteza, seu papel é muito mais o de estimular a ação, mesmo em um ambiente cujo futuro é difícil de ser projetado.
Se as instituições são uma propriedade emergente, cuja existência e características dependem dos indivíduos (reconstitutive downward causation), elas são responsáveis por instigar as decisões de investimento mesmo em condições de incerteza extrema. São, ainda, uma importante fonte de informações e conhecimento, proporcionando a base para as crenças que sustentam as expectativas e o nível de confiança individual. Hodgson (1994) afirma que todas as instituições reúnem e processam diariamente uma quantidade significativa de informações que alimentam as decisões humanas. Em Keynes (1921), a transformação da informação em conhecimento afeta o nível de crença racional e as decisões sobre a ampliação da capacidade produtiva. Nesse autor, o conhecimento pode ser obtido a partir do entendimento direto e indireto. O primeiro decorre das experiências dos indivíduos e permite o estabelecimento de algumas premissas. A partir delas, utilizando o raciocínio, chega-se ao segundo tipo de conhecimento, que se relaciona com as conclusões ou argumentos. Entre as premissas e as conclusões se estabelece a noção de probabilidade de Keynes (1921), entendida como um nível de crença racional que se baseia no peso do argumento25.
Em paralelo às instituições, as leituras pós-keynesianas apontam ainda a importância das convenções no âmbito das decisões econômicas. Enquanto Hodgson (2004) afirma que as convenções são instâncias particulares das regras institucionais, em Keynes elas são opiniões coletivas que sustentam o comportamento racional e econômico em um ambiente de incerteza. Keynes (1984) afirma: "a psicologia de uma sociedade de indivíduos, cada um dos quais procurando copiar os outros, leva ao que podemos denominar rigorosamente de opinião convencional" (p. 172). Assim, em condições adversas "procuramos voltar-nos a opinião do resto do mundo". Referindo-se a G.T., Carvalho (2014) aponta que Keynes (1964) tratou o comportamento convencional como uma forma de ação individual que segue padrões coletivos; convenções que criavam expectativas. Sua eficácia na definição da ação mais correta depende, contudo, do número de indivíduos que formam expectativas de forma semelhante ou que compartilham a crença em uma convenção dominante. Tais padrões de comportamentos coletivos aparecem, no ins-titucionalismo derivado de Veblen, como um guia para as ações individuais; uma forma de aceitação de determinados indivíduos em certos grupos que se reconhecem pela imitação que fazem dos outros (Hodgson, 2010).
Mesmo com papel indiscutível nas deliberações, as convenções e as rotinas individuais (ou das firmas), segundo Dow e Dow (2011), são uma forma de enfrentar a incerteza de forma passiva. Em determinadas circunstâncias, por exemplo, o comportamento convencional está sujeito a mudanças radicais, fazendo com que as bases cognitivas para tomada de decisão sejam abaladas26. Nesse momento o animal spirit assume relevância incontestável ao ser uma manifestação da ação individual quando a incerteza assume proporções da maior relevância. Trata-se de uma forma de enfrentar a incerteza de forma ativa, procurando modificar o ambiente em favor do tomador de decisão; que não se conforma com a situação de inércia do momento.
Em Keynes (1964), a referência ao conceito de animal spirit aparece pela primeira vez na Teoria Geral. As ações dos indivíduos são resultado "of animal spirits of a spontaneous urge to action rather than inaction, and not as the outcome of a weighted average of quantitative benefits multiplied by quantitative probabilities" (Keynes, 1964, p. 105-106). A importância desse conceito, embora não exaustivamente apreciado nas obras do autor, tem sido relembrada por autores contemporâneos. Dow e Dow (2011) argumentam que o animal spirit é um dos principais responsáveis pelas flutuações no nível de atividade econômica. Nas decisões de investimento, um animal spirit fraco leva a um baixo nível de confiança e um precário otimismo espontâneo, podendo desencadear uma inflexão no nível de atividade (Dequech, 1999; Dow & Dow, 2011).
O reconhecimento da importância do animal spirit nas decisões de investimento implica em outra convergência inevitável entre a teoria de Keynes e o institucionalismo de Veblen. Em um mundo complexo e incerto, o animal spirit é uma propensão para ação (Keynes, 1964) que pode ser associado a um instinto, conforme descreve Veblen (Terzi, 1999; Pessali, 2006). Se por um lado o animal spirit dos empreendedores produtivos deve ser estimulado, por outro, o da esfera financeira carece de regulação para que as crises sejam evitadas (Dow & Dow, 2011). Grosso modo, enquanto animal spirit dos empreendedores pode ser associado ao instinto construtivo dos homens de negócios, o animal spirit do setor financeiro, que busca apenas ganhos pecuniários e a exploração da riqueza a qualquer custo, se relaciona com o instinto predatório. Este último pode desencadear crises significativas quando a emulação pecuniária estimula comportamentos que valorizam a obtenção da riqueza financeira independentemente da produtiva.
Reconhecer o mundo real como orgânico, complexo e sujeito a propriedades emergentes é aceitar a existência de uma incerteza que não pode ser tratada como risco. Nos diversos escritos de Keynes a incerteza não pode ser resumida a cálculos matemáticos, fato que une tanto autores pós-keynesianos como institucionalis-tas adeptos do pensamento de Veblen (cf. Hodgson, 1997a; Chick & Dow, 2001)27. Entre as implicações em termos de decisões individuais está o reconhecimento que nesse mundo real, hábitos, crenças, convenções, instintos e seu processo de formação (seleção, adaptação e evolução) são preponderantes nas decisões humanas. Tais aspectos permitem ainda abarcar o processo de mudança econômica, pois os indivíduos não são independentes da estrutura socioeconômica, mas, sim, seu alicerce. Suas ações, uma vez desencadeadas a partir dos diversos mecanismos cognitivos antes descritos, são o que nos permite compreender o processo de desenvolvimento das diferentes sociedades.
Adotar a ideia de que os indivíduos estão em interação com as estruturas socioeconômicas (instituições) não implica abandonar sua importância enquanto agentes da mudança. Esta, aliás, parece ter sido a grande preocupação de Davis (1989) 28 ao colocar em dúvida a superação do individualismo por parte de Keynes. Segundo Davis (1989), a aplicação do organicismo, além da mente individual, pode implicar uniformidade entre os agentes, deixando o processo econômico carente da explicação de como as decisões individuais afetam a estrutura econômica. No entanto, como lembra Rotheim (1989), reconhecer organicidade e complexidade não significa o desempoderamento dos seres humanos sobre processo de mudança, mas reconhecer que sua racionalidade se encontra situada. Como se observa no mecanismo reconstitutive downward causation, se por um lado os indivíduos são moldados pelas instituições, por outro, são os agentes de sua transformação. Hodgson (1997b) afirma que a diversidade individual não exclui padrões de pensamento coletivo, sendo a diferença (variação) entre sujeitos e instituições o principal mecanismo que garante a operação do processo evolucionário.
As instituições importam tanto na análise das decisões individuais como no estudo da macroeconomia. Nesse sentido, o institucionalismo oferece fundamentos microeconômicos e comportamentais para a macroeconomia pós-keynesiana (Hodgson, 1998, 1989). Ao invés de tratar a macroeconomia como mera extrapolação da micro, reduzindo seu funcionamento aos pressupostos tradicionais, as instituições passam a representar o elo de ligação entre essas dimensões. Se complexidade, organicidade e propriedades emergentes são essenciais na teoria institucio-nalista de Veblen, nas análises pós-keynesianas permitem a transição da micro para macro sem que se recorra ao agente representativo e maximizador (Hodgson, 1989).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A decorrência imediata de uma afinidade entre os conceitos de organicidade pós -keynesiana e a teoria institucionalista derivada do pensamento de Veblen é que, com ela, é possível abrir uma agenda convergente de pesquisa que permite avanços significativos no entendimento de como as decisões econômicas ocorrem no mundo real. Em um ambiente orgânico, complexo, sujeito a propriedades emergentes e, por decorrência, incerto, o entendimento das decisões humanas, particularmente as de investimento, requer o conhecimento de como instituições e indivíduos se relacionam, definem determinados comportamentos e alteram a própria realidade.
Quando se reconhece que tanto Keynes como Veblen viram o sistema econômico como orgânico e complexo, distante dos pressupostos tradicionais, se consegue traçar paralelos conceituais importantes entre suas teorias. Eles estão relacionados à formação de hábitos, convenções e crenças racionais, assim como a existência de instintos (ou animal spirits), elementos tratados tanto na teoria de Veblen como na de Keynes. Mesmo não sendo possível eliminar a incerteza nos investimentos produtivos, as instituições são formas compartilhadas de pensamento que permitem estimular a ação dos empreendedores nas mais diversas condições.
Embora diferenças teóricas persistam, a aproximação entre os dois autores, e os desdobramentos teóricos decorrentes, permitem avançar na análise dos elementos cognitivos responsáveis pelo comportamento. Para entender o efeito da política macroeconômica, grande preocupação de Keynes, é inevitável uma análise mais profunda do indivíduo, da sua cultura e da forma como se constituíram as instituições ao longo do tempo. Hábitos, crenças, rotinas, instintos/propensões individuais, instituições, regras, convenções, etc., fazem parte de qualquer sociedade e definem sua forma de desenvolvimento, assim como o resultado das políticas estatais. Reconhecer tais questões, combinando as perspectivas teóricas de Keynes e Veblen, é um bom ponto de partida, mas é uma agenda de pesquisa ainda em construção.