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Revista Med

versão impressa ISSN 0121-5256

rev.fac.med vol.20 no.2 Bogotá jul./dez. 2012

 

EDITORIAL

ANATOMIA HUMANA: CIÊNCIA, ÉTICA, DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO

RUEDA ROBERTO*, HERNÁNDEZ JUAN*

* Grupo de Pesquisa em Anatomia para a Educação, Faculdade de Medicina, Universidad de los Andes, Bogotá D.C. Colômbia

O estudo da anatomia permaneceu durante séculos como uma ciência neutra no âmbito ético, considerando a boa dissecação e disposição dos espécimes como sua base fundamental. Esta imagem vem se mantendo desde o inicio de seu estudo e desenvolvimento com o descobrimento do formaldeído, que permitiu prolongar o tempo de dissecação antes limitado pelo processo natural da putrefação, até a atualidade em que se utilizam polímeros, preparações especiais e exposições não convencionais tanto em seu ensino como em sua pesquisa.

A atual crise que foi descrita no processo ensino- -aprendizagem da anatomia gerou duas correntes educativas utilizadas amplamente ao redor do mundo, uma baseada ainda na dissecação cadavérica que é considerada uma atividade vital, a segunda utilizando principalmente o amplo leque de ferramentas que o avanço da tecnologia permitiu desenvolver. Porém, estas correntes não são utilizadas de maneira excludente, e é comum observar que a educação anatômica utilize uma mistura destas duas práticas para realizar a tarefa de ensinar não só os aspectos anatômicos descritivos, mas também o nobre trabalho de inculcar no futuro profissional médico valores éticos relacionado ao corpo humano e a praxe médica.

Há inumeráveis casos de utilização antiética do corpo humano durante o tempo em que o estudo anatômico vem sendo praticado, cujos resultados não devem necessariamente ser satanizados nem censurados, já que inclusive sofrendo pressões políticas errôneas, o estudo da anatomia e a utilização do chamado "atlas" humano é um tributo aos que faleceram. Devem ser analisados, para que sejam uma ferramenta valiosa na formação ética, médica e histórica do futuro profissional médico.

Na atualidade, em poucos países foram propostas as considerações éticas e legais sob as quais deve ser regido o estudo do corpo humano. A Colômbia é uma das exceções, já que somente estão regulamentadas alguns apartes dentro do amplo leque de tarefas que acarreta o estudo do corpo humano pelo Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INML), todo o demais é regido quase que exclusivamente pela premissa do respeito ao cadáver humano. Parece que as leis regem mais firmemente problemas como o diagnóstico, tratamento e recuperação da doença do quê deveriam fazê-lo em um terreno de tanta delicadeza como o é a utilização de cadáveres na educação.

É importante então, que em um âmbito livre, tanto dentro como fora do anfiteatro, o futuro profissional médico seja treinado pelos anatomistas em um terreno tão delicado como o da ética médica. E é tarefa primordial do pesquisador, ou professor inculcar a ética e o respeito dentro das atividades formativas médicas, como competências fundamentais na prática médica.

Considerada por séculos como uma das pedras angulares da educação médica e historicamente berço de múltiplos dilemas éticos e religiosos, devido à utilização de cadáveres ou atlas anatômicos para seu estudo, a anatomia percorreu um longo caminho com a imagem de ser um território eticamente neutro (1), baseando isto na forma em que se conservam e apresentam os restos humanos (2) e dedicada ao estudo descritivo da anatomia macroscópica. Uma imagem provavelmente errônea que hoje em dia esta tentando ser descartada (1).

A partir do descobrimento do formaldeído no século XIX, o estudo da anatomia podia prolongar-se durante o tempo que o espécime suportasse a dissecação, e a limitante de tempo determinada pelo processo natural da putrefação deixou de ser um problema. Desde então, começou uma corrida em busca de novas e melhores técnicas de preservação em prol do ensino, o estudo da anatomia e a liberdade para exercê-la, deixando muitas vezes de lado as considerações éticas que a utilização dessas técnicas poderia trazer.

A partir desses desenvolvimentos o ensino e a aprendizagem de anatomia entram em crise e (3,4,5), apareceram duas tendências para ensinar anatomia. A primeira insiste no uso da dissecação cadavérica, considerada como uma atividade de alto impacto moral, reflexivo, emocional e psicológico, vista inclusive como uma "atividade vital" (6), que, além disso, fornece ao estudante uma visão tridimensional das estruturas (7). A segunda, conhecida como "Modernista" (8), enfoca-se no uso de ferramentas tecnológicas. Os que aderem a esta segunda corrente garantem que a dissecação cadavérica é uma atividade cara, dispendiosa e emocionalmente perturbadora promovendo medo e ansiedade entre os que a praticam (9). Tanto os cadáveres como a realidade virtual já demonstraram ser ferramentas motivadoras (10) e determinou-se que uma mistura das duas tendências mostra melhores resultados que utilizar qualquer uma delas separadamente (11). Por este motivo, a dissecação cadavérica continua sendo um elemento crucial a ser considerado, não somente na educação anatômica mas também na ética do futuro profissional médico (12).

Em 1977, com a introdução da plastinação pelo médico Gumther von Haggens e sua exposição "Body Worlds", os lhos não só dos anatomistas, mas sim do mundo inteiro voltaram a centrar-se no corpo humano, causando tanto admiração (13) como perturbação, inclusive na comunidade científica que considerou esta maneira não convencional de expor os corpos como antiética e ofensiva (14). Porém embargo, o anatomista deve enfrentar hoje em dia os desafios propostos por esta exposição, já que existe uma necessidade imperativa de aplicar o que foi mostrado ao mundo, no ensino e pesquisa em anatomia (14) dentro do âmbito médico.

Historicamente foram observados casos claramente especiais, durante o lapso em que estas mudanças aconteceram, como o trabalho realizado pelos anatomistas durante o III Reich, no que se ilustra claramente que a teoría e a prática de uma ciência é dependente do sistema político existente (15), acarretando uma transição de uma prática de dissecação ética a uma utilização e disposição não ética dos cadáveres (16), ao ser abandonados sob a sigla N.N. do latim "nomen necio" (nome desconhecido) nos campos de concentração nazistas (17). Estes casos censuráveis mostram também que o bem pode derivar da má utilização e o uso continuo do "atlas" humano é o melhor tributo aos que faleceram. Além disso, foi e ainda é uma ferramenta valiosa, não somente na formação anatômica, mas também ética e histórica do futuro profissional médico (18), sempre que o contexto for explicado e se faça explicito.

Atualmente, em poucos países as considerações éticas e legais para a doação de corpos para a plastinação e estudo chegaram a um consenso, no qual, o doador deve haver expressado em vida sua decisão (19). No caso colombiano, como em muitos outros países a pesquisa em anatomia é regida somente sob a premissa do respeito ao cadáver humano (20) tanto dentro como fora do laboratório de anatomia (21), principio inculcado desde cedo na formação médica. As leis parecem controlar muito mais firmemente o problema do diagnóstico, tratamento e recuperação da doença do que deveriam fazer em terrenos de tanta delicadeza ética como a educação anatômica atual (22), este é o caso da normatividade sobre o consentimento informado em anatomia patológica (23).

Somente está claramente estipulado na literatura legislativa colombiana, que as instituições científicas ou educativas podem dispor de cadáveres e órgãos (provenientes de tais cadáveres) não identificados, para fins de docência e pesquisa através do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INML) (24). Esta instituição vela pelo cumprimento das normas éticas e legais durante o processo de entrega do espécime.

Deveria ser considerado também o principio de autonomia, extrapolável do caso de doação de órgãos para transplante, já que representa a vontade altruísta do defunto (25) de doar seus órgãos para transplante, ou neste caso, para estudo. Esta normatividade ainda não está definida, mas poderia ser utilizada através da figura do consentimento informado em vida pelo defunto ou seus parentes depois da morte da pessoa.

Na Colômbia, o tratamento ético dentro dos laboratórios de Anatomia não está vinculado a normatividade alguma e portanto, a manipulação e tratamento correto dos cadáveres, órgãos e espécimes extraídos dos mesmos, está ligado às considerações do pesquisados, professor ou estudante que os manipule ou à instituição onde as práticas forem feitas. O único mecanismo que garante, somente de forma parcial, é a regulamentação na prática de autopsias médico-legais e viscerotomias, que foram classificadas como sanitárias, docentes e investigativas (26), e devem ser feitas somente por pessoal autorizado pelo INML ou que esteja fazendo serviço social obrigatório (ano rural).

Pontos tão importantes como o segredo profissional, que deve ser guardado tanto por respeito ao defunto quanto aos seus familiares (27), fiquem ao livre arbítrio dos que pratiquem a dissecação cadavérica nos laboratórios universitários, e só são inculcados por parte do professor se o mesmo decide fazê-lo.

Deve então garantir que o processo ensino e aprendizagem da anatomia, seja utilizando cadáveres, suas partes, indivíduos vivos, ou inclusive materiais obtidos dos mesmos, transcorra dentro de um ambiente de respeito e de cumprimento dos princípios éticos próprios das atividades formativas do futuro médico, acompanhado do mais alto valor científico (28).