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Colombia Internacional

Print version ISSN 0121-5612

colomb.int.  no.92 Bogotá Oct./Dec. 2017

https://doi.org/10.7440/colombiaint92.2017.06 

Tema libre

China, uma potência regional: análise da atuação chinesa no leste asiático

China, una potencia regional: análisis de la actuación china en el Asia oriental

China, a regional power: an analysis of Chinese actions in East Asia

Silva Magno Klein* 

* graduado e mestre em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil). Doutor em Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É professor de Relações Internacionais na Universidade da Integração da Lusofonia Afro-brasileira (Brasil). Suas principais áreas de estudo são política externa brasileira contemporânea e Brics e os regimes internacionais. É autor de Por uma Política Externa Soberana (2016) e coautor do Atlas da Política Externa Brasileira (2014). magnoklein@gmail.com


RESUMO:

A ascensão da China é um desafio relevante para a atual ordem mundial, apesar de ainda serem incertas as consequências dessa reemergência. Este estudo analisa a política regional chinesa e os desafios para adequar seu projeto de desenvolvimento à realidade asiática. O entendimento a respeito das diferentes atuações das potências regionais sugerido por Sandra Destradi será utilizado para analisar o perfil da China. Recentemente, o país realizou uma inflexão em sua política externa de aproximação dos vizinhos, promoveu instituições multilaterais locais e defendeu uma comunidade regional de interesses compartilhados. Essa postura de hegemonia benigna vem sendo associada a uma posição agressiva em agendas como de soberania internacional, em particular no Mar do Sul da China.

PALAVRAS-CHAVE:  China; integração regional; regionalismo; , leste asiático; liderança regional

RESUMEN:

El ascenso de China es un reto relevante para el actual orden mundial, aun siendo inciertas las consecuencias de esta reemergencia. El estudio analiza la política regional china y los retos para adecuar su proyecto de desarrollo a la realidad asiática. El entendimiento acerca de las distintas actuaciones de las potencias regionales sugerido por Sandra Destradi se utilizará para analizar el perfil de China. Recientemente, el país ha realizado una inflexión en su política externa de acercamiento de los vecinos, ha promovido instituciones multilaterales locales y defendido una comunidad regional de intereses compartidos. Esta postura de hegemonía benigna se ha asociado a una posición agresiva en agendas como de soberanía internacional, en particular en el Mar del Sur de China.

PALABRAS CLAVE:  China; integración regional; regionalismo; Asia oriental; liderazgo regional

ABSTRACT:

The rise of China is an important challenge for the current world order, insofar as the consequences of its reemergence are still uncertain. This study analyses the regional policy of China and the challenges it faces in adjusting its project of development to the reality of Asia. It uses Sandra Destradi´s approach to the different actions of regional powers to analyze the profile of China. Recently, the country has reached a turning point in its foreign policy for getting close to its neighbors: it has promoted local multilateral institutions and defended the notion of shared regional community interests. This stance of benign hegemony has been accompanied by an aggressive position on questions like international sovereignty, especially in the South China Sea.

KEYWORDS:  China; regional integration; regionalism; East Asia; regional leadership

Introdução

A recente ascensão da China tem colocado novos desafios para se pensar as relações de poder no sistema internacional. Não estão claras quais as intenções e as possibilidades políticas que o desenvolvimento econômico do país lhe permite almejar. Também estão em discussão os impactos, em termos de poder relativo, que a ascensão chinesa causa na hegemonia dos Estados Unidos, que gozam até aqui do status de única potência hegemônica global.

Este estudo se propõe a analisar as relações de poder da China em seu contexto regional, na crença de que o âmbito regional é fator decisivo para se compreender a dinâmica ascendente do poder chinês. Parte-se do questionamento das capacidades de poder chinesas ao colocar em debate seu caráter de potência regional. A China possui uma visão estratégica a respeito de seu entorno que está associada ao planejamento do seu desenvolvimento como um todo. Compreender a atuação regional do país se torna, dessa maneira, parte do esforço de entender o atual fenômeno da ascensão e dos desafios enfrentados pela segunda potência econômica global para adequar seu projeto de desenvolvimento à realidade asiática.

Entender a importância do âmbito regional para o estudo das relações internacionais contemporâneas é primordial, assim como compreender o projeto específico de “região” no qual a China se insere e o qual estimula. Esse questionamento é importante pois as identidades regionais são socialmente construídas e sofrem estímulos dos atores políticos envolvidos. Entre Ásia, sudeste asiático, nordeste asiático e entorno do pacífico, vemos a postura deliberada da China em estimular uma identidade regional baseada no conceito de leste asiático. O país optou por uma agenda de política externa multilateral de aproximação dos países do seu entorno, mas só veio a fazê-lo em um período recente, encontrando identidades e instituições intergovernamentais estabelecidas com as quais precisa lidar e negociar.

A regionalização das relações internacionais

O âmbito regional sempre foi relevante para a compreensão das relações internacionais. Nos tempos mais remotos, quando as maiores dimensões terrestres eram ainda inalcançáveis, o espaço de articulação era eminentemente local. A percepção de um “espaço mundial” é recente, reforçada pelo maior desenvolvimento das tecnologias da informação e do transporte rápido em longas distâncias. Em um mundo onde as distâncias parecem se encurtar, a escala global das interações se torna cada vez mais corriqueira.

O período da Guerra Fria também contribuiu para a perda da importância do contexto local ao se favorecer uma dimensão estrutural do sistema internacional. As estratégias locais de articulação estavam sempre conectadas à lógica global da divisão do mundo em dois espaços de influência. Mesmo que esse efeito tenha sido mais nítido em algumas regiões do que em outras e que alguns exemplos (como a Comunidade Econômica Europeia) indicassem que ainda era possível se pensar em um contexto mais restrito, a Guerra Fria tendia a dar uma lógica global às questões regionais.

O fim desse período foi um marco ao liberar as ações dos atores internacionais da lógica bipolar. Nessa nova fase, mesmo em um contexto de interações cada vez mais em escala planetária, os eventos locais são cada vez mais relevantes para se compreender o sistema internacional: instabilidades regionais afetam preços de commodities em todo o mundo, conflitos armados podem gerar movimentos migratórios com impactos em outras regiões; graves acidentes ambientais podem, por meio do ar e do mar, resultar em impactos em vastas regiões do globo, e grupos regionais “filtram” a inserção econômica internacional dos Estados.

Por isso, o período a partir dos anos 1990 veio a ser marcadamente “regionalista” nas relações internacionais. Dentre os 58 agrupamentos regionais atuais, 20 foram criados após o fim da Guerra Fria. “Uma grande variedade de agrupamentos estava aparecendo em quase toda parte do mundo, e crescente atenção estava sendo dada para o ‘novo regionalismo”’ (Hurrell 2007, 240). O Tratado Norte-americano de Livre Comércio (Nafta, em sua sigla em inglês) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul) são exemplos desse fenômeno.

O fenômeno da regionalização está presente também nas questões de segurança. Temas como terrorismo e armas de destruição em massa vêm sendo reinterpretados em enfoques regionais. A teoria dos complexos regionais de segurança defende que a compreensão de boa parte dos temas de segurança na contemporaneidade está restrita a regiões geograficamente definidas (Buzan e Waever 2003). A redução das guerras convencionais e o aumento da visibilidade de questões humanitárias também têm chamado atenção para a importância de se pensar a ordem regional: cada vez mais, instabilidades domésticas geram desafios e preocupações regionais, o que vem justificando as autorizações do Conselho de Segurança das Nações Unidas para o uso de tropas em crises políticas domésticas com impacto em países vizinhos, como foram os casos de Ruanda, Somália e Haiti (Viotti 2004).

Esse processo ainda está em desenvolvimento. A ascensão do atual regionalismo coloca em questão a formação de novos polos de poder no sistema internacional. Por isso, a análise dos impactos causados pelas crescentes trocas econômicas e sociais em âmbito regional, pela integração econômica e pela formação de novas instituições e identidades se tornou fundamental para compreender o mundo em que vivemos. Característica cada vez mais presente em um contexto complexo e multifacetado, estudos apontam que o recrudescimento desse fenômeno pode mesmo desenvolver soluções para as contradições entre Estados e mercados, segurança e insegurança, nacionalismo e cosmopolitismo. Para Peter Katzenstein (1993), caminharíamos para um “mundo de regiões”, que poderiam ser estratégias para lidar com as novas questões postas pela globalização.

Qual região?

É importante destacar que a conceptualização de regionalismo pela literatura em relações internacionais pode ser fluida e abarcar diferentes processos. A compreensão dos atores políticos a respeito de sua “região” também é outro ponto-chave que analisaremos mais adiante no caso chinês. Esforços de definir e delinear “cientificamente” regiões produziram poucos resultados claros (Russett 1967). Não existem regiões “naturais”, e as definições de região e de “regionalidade” variam de acordo com o que se está analisando. “É como os atores políticos percebem e interpretam a ideia de região que é crítica: todas as regiões são socialmente construídas e portanto [sic] politicamente contestadas” (Hurrell 2007, 241).

Analisar as “regiões” é muito relevante nos estudos das interações entre os Estados, e isso é evidente quando se analisa a posição dos não integrantes, aqueles países percebidos como de fora da região. Tais Estados podem sofrer diferenças tarifárias para a integração econômica ou ser vítimas de um reordenamento da balança de poder local. Estes e outros custos são levados em consideração por aqueles países que consideram a possibilidade de se envolver em um processo de integração regional. Os custos de não participação podem ser elevados.

Potências e o espaço regional

O processo atual de regionalização das relações internacionais vem causando rearranjos nas dinâmicas de poder. Pode-se supor que esse processo favoreça a multipolarização do sistema internacional e mesmo venha a ser uma proteção dos Estados diante do processo de globalização.

Os espaços de integração regional não possuem necessariamente relações de poder simétricas. Ao contrário, os processos de regionalismo parecem convergir para a atuação de potências em prol da consolidação de seu poder em âmbito local. Um exemplo desse processo é a atuação brasileira e seu esforço por construir uma identidade regional sul-americana. Se, na constituição brasileira, se coloca o imperativo de promover a integração latino-americana, o discurso da política externa recente aponta uma vontade de aproximação regional majoritariamente no seu âmbito sul-americano. Dois conceitos sobre o que é a região brasileira, cuja manipulação, por privilegiar um entendimento espacial em detrimento de outros, revela táticas de exclusão e dinâmicas de poder (Bandeira 2006; Santos 2014).

A análise do contexto regional se torna também importante quando se analisam o entorno dos Estados poderosos. Tais países podem ser tão influentes regionalmente que se tornam decisivos para a configuração de um processo de integração. Regiões podem também ser catalizadoras do poder de um Estado (como parece ser a proposta da inserção internacional brasileira contemporânea), mas também podem ser um elemento complicador dessa projeção.

A ascensão do poder internacional de países como África do Sul, Brasil, China, Índia ou Turquia vem atraindo a atenção de pesquisadores a respeito da possibilidade desses países “do Sul” não só assumirem novas capacidades no âmbito econômico global ou serem capazes de remodelar o ordenamento internacional contemporâneo, mas também de compreender o poder desses Estados de estabelecer seu predomínio em seus respectivos contextos regionais. “Presume-se que as (novas) potências regionais influenciem fortemente as interações que se desenvolvem no nível regional, desta forma contribuindo de uma maneira significativa para o remodelamento da ordem regional, ou, em outros termos, no grau de cooperação ou conflito ou no nível de institucionalização de suas regiões” (Destradi 2010, 904).

Mas o que é uma potência regional? A literatura sobre o assunto possui poucos pontos de consenso. Sara Destradi (2010), a quem utilizaremos como parâmetro, aponta três desses pontos: o país pertence à região que se analisa; possui superioridade em termos de capacidade de poder e tem capacidade de influência sobre a região. A partir dessa definição ampla, em que enquadramos a China como uma potência regional na Ásia, questionam-se quais são as condutas típicas de tal potência com relação à sua vizinhança1.

Destradi propõe que a atuação da potência regional seja compreendida sob a forma de um continuum, apresentando desde dinâmicas mais cooperativas sob a forma de liderança até práticas mais impositivas em uma atuação imperialista. Entre esses dois extremos, ficaria a possibilidade de uma atuação hegemônica. No próximo tópico, será apresentada mais detalhadamente essa abordagem teórica.

2. O papel da potência: liderança, hegemonia, imperialismo

Para poder definir a atuação regional de uma potência (e também comparar a atuação de várias delas), existe uma grande variedade de conceitos, muitos deles utilizados por vários pesquisadores displicentemente, como hegemonia e império. Vários estudiosos utilizam-se desses conceitos para definir uma grande variedade de posturas. Neste estudo, optamos pela proposta teórica de Sara Destradi para poder analisar a atuação regional chinesa, por ser capaz não só de entender a possibilidade da atuação regional como um continuum entre dominação física e liderança, mas também por oferecer uma leitura interativa, na qual a resposta dos demais países à atuação da potência precisa ser levada em consideração. Além disso, a proposta de Destradi supera a limitação de alguns autores que enfatizam uma percepção estrutural, que ignora a capacidade de atuação dos Estados, como feito no clássico de Bary Buzan e Waever, Regions and Powers (2003). O esquema de Destradi se mostra útil também por colocar a possibilidade de que potências regionais não sejam sempre entendidas como atores benevolentes e integrativos, superando alguns estudos que valorizam essa dimensão e que ignoram atuações mais impositivas, como em Nolte (2010).

Acreditamos que essa proposta teórica de análise para o estudo da atuação das potências regionais seja a mais eficiente para compreender a presença chinesa no Leste Asiático e, em um segundo momento, para que seja possível realizar a comparação de seu projeto de liderança regional com o de outras potências emergentes, como Brasil, Índia ou Rússia. A proposta de Destradi é baseada em um espectro entre uma atuação mais hard, com o uso ou a ameaça da intervenção militar, até padrões mais cooperativos e baseados em liderança. Ela se divide basicamente em três paradigmas, descritos a seguir.

Império

Um país claramente dominante em termos de poder material pode optar por ele mesmo desenvolver sua segurança em um ambiente compreendido como anárquico por meio da procura unilateral de seus próprios interesses, usando meios coercitivos e, se necessário, poder militar. Esta é a definição de Destradi para uma postura regional “imperial”. Para análises comparativas, essa definição pode ser de grande valia, pois muitas vezes esse termo é também utilizado para definir posturas hegemônicas e são confundidos os dois conceitos. Para Destradi, a atuação imperial é definida pelo caráter unilateral e pelo uso, ou ameaça de uso, de meios coercitivos.

Hegemonia

Nos estudos de relações internacionais, o conceito de hegemonia é entendido a partir de muitas definições. Desde as condutas mais impositivas às mais cooperativas, o termo tem sido empregado para entender a atuação de grupos e Estados. A proposta conceitual de Destradi define hegemonia como uma relação de poder assimétrica, como é também a relação imperial, mas que se utiliza de meios mais sutis sobre os países mais fracos, que podem ser desde o exercício de pressão até a provisão de recursos materiais. A atuação hegemônica conseguiria mudar os valores e as normas dos grupos subordinados para aqueles do hegemon. A leitura de Destradi se afina com a definição de Antonio Gramsci, para quem hegemonia é uma relação de dominação na qual se abre mão do uso da força. Se o poder é, na leitura gramsciana, dual, englobando o uso da força e a coerção ao mesmo tempo que se utiliza de consenso e hegemonia, é possível apontar momentos em que um dos aspectos se sobrepõe no sistema internacional:

Na medida em que o aspecto consensual do poder se destaca, a hegemonia prevalece. A coerção é sempre latente mas [sic] só é usada marginalmente, em casos desviantes. Hegemonia é suficiente para assegurar a conformidade do comportamento na maior parte das pessoas na maior parte do tempo. (Destradi 2009, 913)

Desse modo, a autora apresenta um entendimento da hegemonia de maneira mais distante dos aspectos coercitivos: “Em oposição à dominação, hegemonia é uma forma domesticada de poder, caracterizada por um alto grau de autocontrole por parte do hegemon” (Destradi 2009, 913). Além da característica dual entre coerção e benevolência, destaca-se a relação entre os meios de exercício dessa hegemonia, que poderiam ser materiais (sanções, recompensas, incentivos) como também ideacionais (persuasão para aceitar normas e valores). Leituras pós-estruturalistas vêm buscando compreender o papel das normas e dos valores no estabelecimento da hegemonia internacional, que muitas vezes é definida como uma hegemonia discursiva. A autora também aponta que se poderia realizar uma divisão dentro do entendimento de hegemonia entre as práticas mais benevolentes e mais coercitivas. Por isso, propõe uma subdivisão em três itens.

• Hegemonia hard: faz-se uso da coerção, mas de maneira sutil. O hegemon busca prioritariamente seus interesses, mas tenta mascará-los com a ênfase em uma comunidade de interesses com os Estados subordinados. Estados secundários são forçados a mudar suas práticas por meio de sanções, ameaças, pressão política e outros estímulos. Um exemplo seria a ameaça de sanções diplomáticas, como exclusões.

• Hegemonia intermediária: Estados subordinados são estimulados por meio da provisão de benefícios materiais e recompensas, e há uma relativa transferência de normas e valores.

• Hegemonia soft: O hegemon se esforça por mudar e reconfigurar os valores e as normas dos Estados subordinados, o que parece estar próximo da definição de Ikenberry e Kupchan de uma “persuasão normativa” (1990, 55). Os interesses nacionais dos países subordinados são redefinidos a partir do ordenamento normativo do hegemon, e suas práticas políticas passam a corresponder aos valores e aos princípios do Estado mais poderoso. Por seu caráter mais ideacional, o poder hegemônico possui mais nitidamente um caráter de legitimidade.

Liderança

A terceira e última forma de conduta possível para uma potência hegemônica seria a liderança, na qual há maior esforço por parte do país mais poderoso por coordenar a busca de objetivos comuns à região. Não se ignoram as intencionalidades particulares, mas elas podem ser alteradas de acordo com a postura dos outros players. Exemplos de uma postura assim seriam a criação de uma união alfandegária ou a resolução de um conflito regional. Destradi ainda aponta uma diferença entre iniciativas regionais encabeçadas pelo líder (liderança iniciada pelo líder) e aquelas estimuladas pelos países secundários (liderança iniciada pelos seguidores), como as que poderiam ocorrer no caso de crises e ameaças externas.

3. A China em seu contexto regional

A região

No Leste Asiático, está presente um grande número de projetos de cooperação regional. A Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean, na sigla em inglês) foi a base para boa parte desses projetos, como a Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (Apec), a Asean+3, o Fórum Regional da Asean e a formação de uma área de livre comércio. Ao longo dos anos 1990, foi comum o debate a respeito do sucesso do grupo em constituir uma comunidade regional de segurança ao redor de medidas de construção de confiança e coordenação diplomática (Acharya 2001). Impressão gravemente afetada pela crise dos tigres asiáticos no final dessa mesma década2.

A história da Asean começou em 1961, quando Filipinas, Malásia e Tailândia se uniram para formar a Associação do Sudeste Asiático (ASA). Em 1967, esse grupo foi expandido com a adesão de Indonésia e Singapura e teve seu nome definido para Associação das Nações do Sudeste Asiático. A proposta inicial era de cooperação política, proteção contra o comunismo e desenvolvimento econômico. Em 1984, Brunei aderiu ao grupo e, em 1996, o Vietnã. Outras adesões vieram depois, como Laos e Mianmar (1997) e Camboja (1999)3. O mapa a seguir apresenta o conjunto dos membros plenos do bloco. (mapa 1 )

Mapa 1 Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) 

Os anos 1990 foram de expansão do regionalismo também na Ásia. A Asean avançou em seu processo de integração e na relação com outros parceiros. Vários motivos contribuíram para que isso ocorresse, entre eles a superação da clivagem ideológica, que permitiu condições políticas mais favoráveis em um dos lugares em que mais fortemente se esteve presente a separação entre capitalistas e comunistas (ver a península coreana). A nova realidade do sistema internacional contribuiu para a incorporação de Camboja, Laos, Vietnã e Myanmar na Asean.

Em 1991, por iniciativa tailandesa, iniciam-se os debates para a constituição de uma área de livre comércio na região (AFTA, na sigla em inglês). Ela está ativa desde 1992 e conta com acordos de livre comércio com países externos como Austrália, China, Coreia do Sul, Índia e Japão, cujos acordos se efetivaram a partir de 2010. A partir de 1995, houve a formação da Asean+3 (APT, na sigla em inglês), com a aproximação de China, Coreia do Sul e Japão ao bloco.

A esse agrupamento, seguiram as Cúpulas do Leste Asiático (EAS, em sua sigla em inglês), de caráter anual, que abarcaram os países da APT, além de Austrália, Índia e Nova Zelândia. Os encontros começaram a ocorrer em 2005 e, em 2011, Estados Unidos e Rússia foram incorporados como membros (alguns definem esse grupo como Asean+8). Com a formação da APT e da EAS, coloca-se em pauta o desenvolvimento de uma comunidade do Leste Asiático segundo o modelo da União Europeia. Quanto ao encaminhamento do processo de integração, ainda estão em debate qual ideia de região será estimulada e quais países fariam parte desse possível agrupamento (se o modelo seguido será o da APT ou o da EAS).

Apesar da ênfase na economia, o bloco também buscou encaminhar outros âmbitos, como defesa e meio ambiente. Em 1995, foi assinado o Tratado do Sudeste Asiático como Área Livre de Armas Nucleares e, em 2002, o Acordo sobre Poluição da Neblina Seca entre os Países da Asean. Esses esforços indicam uma vontade por parte da região de vir a construir uma agenda de política externa comum (ainda que evitando afetar temas de política doméstica) baseada em um “Asean way”, sob os princípios da não interferência, da informalidade, da institucionalização mínima, da rede de consultas e de decisões por consenso, sem uso da força e sem confrontações. Tais princípios estão solidificados no Tratado de Amizade e Cooperação do Sudeste Asiático, assinado em 1976 e confirmado pelos ingressantes posteriores.(mapa 2 ) Pesquisadores como Acharya apontam como o Asean way é um modelo inovador, distinto dos processos ocidentais de integração regional. A figura a seguir apresenta alguns dos acordos de integração existentes na região.

Fonte: Elaboração o autor  

Apesar do processo de integração no Leste Asiático ser aparentemente linear, é importante analisar especificamente como se desenvolveu a identidade dessa região. O entendimento de uma “região’ do Leste Asiático é recente, apontam Ravenhill (2008) e Zhang (2009). Uma primeira referência a esse espaço mais ou menos do jeito que é compreendido hoje era a ideia do Oriente Distante (Far East), formulada a partir de uma visão inglesa eurocêntrica no século XIX.

Somente após a segunda guerra mundial, houve propriamente o nascimento dessa identidade regional sob o termo atual, e ela fazia referência aos países de herança confuciana (combinando China, Hong Kong, Taiwan, Japão e Coreia, e separando-os do Sudeste Asiático). A compreensão regional como a soma desses dois espaços (Sudeste Asiático e ex-territórios do Império do Meio) teve maior desenvolvimento a partir dos anos 1980 devido a fatores como o fim da Guerra Fria (que facilitou a aproximação entre países comunistas e capitalistas) e a abertura econômica chinesa. Esse primeiro momento foi marcado por investimentos japoneses, coreanos e taiwaneses no Sudeste Asiático. Também é marcado pela fundação da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec, na sigla em inglês) em 1989, que reuniu os países da franja do oceano Pacífico sob a influência dos Estados Unidos. Àquele momento, a possibilidade de um grupo econômico regional à parte dos Estados Unidos não conseguiu seguir adiante (em parte pelos esforços deste país). O grupo conhecido como Asean+3 seria, mais tarde, um esforço de construir uma identidade regional mais autônoma.

A crise asiática de 1997-1998 foi decisiva na história regional e colocou em cheque o modelo de integração empregado até ali. Agrupamentos regionais, como a Apec e a Asean se mostraram incapazes de lidar adequadamente com o momento. A construção de uma nova identidade foi estimulada, influenciada pelo fato de que as potências ocidentais da Apec optaram por não atuar diretamente na questão e deixaram o socorro financeiro por parte do Fundo Monetário Internacional (FMI).

A frustração com os governos ocidentais foi exacerbada pelo que foi percebido como uma resposta antipática às dificuldades que a região enfrentava em 1997, a assistência limitada que os Estados Unidos ofereceram era desfavoravelmente comparada com seu socorro ao México em 1995. (Ravenhill 2008, 6)

Zhang aponta que, no período pós-crise, surgiu um novo regionalismo asiático, em que se buscou nova coordenação para se proteger dos riscos da globalização crescente: “[...] a cooperação regional tem importante papel mediador na era da globalização e o regionalismo pode ser um meio efetivo tanto para engajar quanto para resistir à globalização” (2009, 132). A crise foi decisiva para o abandono do projeto de um regionalismo aberto, sob um paradigma neoliberal de abertura comercial, para se tornar um projeto mais focado na concertação regional.

O período de instabilidade econômica alterou as percepções em prol de maior institucionalização intergovernamental e avanço na formação de áreas de livre comércio com outras regiões (Ravenhill 2008). A única área de livre comércio do Leste Asiático no tempo da crise de 1997 era a da Asean, e hoje mais de 40 propostas estão em andamento. “A questão que continua, entretanto, é quanto de substância está subjacente nesta atividade florescente” (Ravenhill 2008, 7). A definição do formato dessas áreas de livre comércio é mais flexível do que o comum, e a completa remoção de todas as tarifas em bens da AFTA só aconteceu a partir de 2015. Alguns pesquisadores comentam que os avanços na integração comercial seriam mais tímidos do que na União Europeia e mesmo do que no Nafta ou no Mercosul (Ravenhill 2008).

O projeto de integração levado a cabo pela Asean é visto pelos analistas sob pontos de vista muito distintos. De um lado, aqueles que afirmam que foi feito “muito processo, mas pouco progresso”, e que o projeto de uma comunidade na região não seria mais do que uma “ilusão” (Jones e Smith 2007). O pessimismo a respeito dos rumos do bloco tem por base dois motivos: a rivalidade entre China e Japão, o ressurgimento do debate a respeito de qual deveria ser o escopo geográfico do Leste Asiático, com a presença de potências externas ou não. Outros são muito otimistas em suas leituras e veem na Asean um modelo de integração entre países em desenvolvimento de qualidade superior aos modelos ocidentais (Solidum 2003). Ravenhill, entretanto, aponta um possível consenso: a baixa institucionalidade do agrupamento foi o único meio possível de fazer esses Estados cooperarem entre si e seria nesse enfoque pragmático que operam as leituras mais otimistas.

Atuação regional chinesa

Vimos no item anterior como a ideia de um Leste Asiático foi sendo construída ao longo do tempo, resultado das ações de atores políticos locais e externos. A importância da China nesse processo nem sempre é entendida da mesma maneira pelos pesquisadores. Gregory Noble aponta que, mesmo com o aumento da importância do país, “somente o Japão combina estabilidade política, um sistema financeiro grande, sofisticado e mais amplamente aberto, vontade de prover ajuda substancial e expertise burocrática, acadêmica e profissional em todos os campos de potencial esforço de cooperação” (2008, 248-249). Por outro lado, para Zhang (2009), não só a ideia de um Leste Asiático é útil aos interesses chineses, mas o país também seria um ator relevante para a construção dessa identidade. Outros analistas também são mais otimistas, como Samuel Kim: “apesar da Guerra Fria nunca ter terminado completa e ordenadamente no Leste Asiático, a região tem experimentado uma profunda transformação geoeconômica no pós-Guerra Fria. A China tem estado no centro desta transformação” (2004, 52).

A atuação regional chinesa é recente. Por tradição, sua política externa mantém uma “política do bom vizinho”, inicialmente voltada para os países comunistas do Terceiro Mundo e mais tarde, no período pós-Mao, aos demais países em desenvolvimento. A fundação da Asean em 1967 foi vista pela China de Mao como inspirada pelos Estados Unidos, o que contribuiu para certo afastamento. A morte de Mao Tse-Tung em 1976 permitiu uma reconfiguração da política doméstica do país, que tomaria melhor feição com a chegada ao poder em 1978 de Deng Xiaoping. O novo projeto de desenvolvimento econômico permitia novas atuações de empreendimentos privados, ainda que com grande controle estatal. Laços econômicos com a região e com o mundo passaram a ser estimulados, e os resultados são amplamente conhecidos. De 1978 a 2003, o total do comércio chinês se expandiu em média 10% ao ano, e um terço de sua população saiu da pobreza absoluta (Pettman 2009).

No início dos anos 1990, comentava-se que a China era uma “potência regional sem uma política regional” (Yu 2005, 228), mas o fim da Guerra Fria trouxe novo alento à atuação regional em um viés marcadamente multilateral. O país abraçou o novo pensamento por trás do emergente projeto de integração em um esforço de evitar conflitos e construir confiança (Kavalski 2009). A atuação chinesa no pós-crise de 1997 foi decisiva para a consolidação do novo perfil da integração regional. No período imediato da crise, o país optou por não desvalorizar sua moeda, o RMB, e ofertou divisas em dólar para Tailândia e Indonésia. “‘Segurança econômica’ se tornou uma importante característica na agenda das políticas chinesas de estratégia e política externa” (Zhang 2009, 134). Desse modo, as políticas chinesas durante a crise asiática deram um senso de confiança aos líderes asiáticos de que o país teria um papel de destaque em assegurar a estabilidade regional e de que assumiria um papel de liderança em futuros projetos regionais (Kim 2004).

Esse novo perfil explica sua adesão à formação da Asean+3 (ATP) como um de seus maiores entusiastas, logo depois da crise, e sua intenção de que os diversos vizinhos tivessem parte de seus interesses contemplados no processo de integração. “[...] o ATP como um projeto regional pode ser visto como útil em servir aos diversos espectros de objetivos estratégicos ao promover as diferentes agendas de seus participantes” (Zhang 2009, 135). Para o conjunto dos países da região, era interessante se integrar com as duas maiores potências e consolidar a aproximação entre o Sudeste e o Nordeste Asiático. Zhang aponta que o maior interesse dos países-membros era integrar a China e fazê-la participar dos mecanismos regionais de concertação.

Desde então, a China vem buscando estreitar laços econômicos, políticos e estratégicos com seus vizinhos, inclusive fazendo concessões e aceitando participar em instituições regionais. Em 1999, assinou o Tratado do Sudeste Asiático como Zona Livre de Armas Nucleares. No ano seguinte, aceitou iniciar os trâmites para estabelecer uma área de livre comércio com os países da Asean (vale ressaltar: proposta pela China) e, em 2001, integrou-se à Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 2002, assinou a Declaração Conjunta de Questões de Segurança não Tradicional, para tratar de temas como a epidemia da Síndrome Respiratória Aguda (Sars), além da Declaração Conjunta com a Asean na Parceira Estratégica pela Paz e Prosperidade, um acordo em que se comprometia a respeitar a igualdade de soberania entre os signatários. Do mesmo período, datam também o estabelecimento do Tratado de Amizade e Cooperação, com o qual se comprometia a resolver disputas de terras com o Laos e o Vietnã, e disputas marítimas com países ao redor do Mar do Sul da China (acordo relevante também por se tratar de questões a respeito de rotas de navios e exploração de petróleo, gás e pescado). Em outubro de 2003, aderiu ao Tratado de Amizade e Cooperação do Sudeste Asiático. E, em janeiro de 2004, ao assinar o memorando de entendimentos, formalizou sua cooperação com os países da Asean no campo de temas não tradicionais de segurança.

A aproximação chinesa junto ao Leste Asiático era nítida na virada do século e conseguiu aproveitar a sinergia de interesses estratégicos oriundos do Estado e dos interesses privados chineses (Pettman 2009). Por trás, também esteve presente uma estratégia de favorecer um ambiente pacífico e estável para seu desenvolvimento econômico. Em 2003, o primeiro ministro do país Li Peng afirmaria que “o desenvolvimento ativo de relações benéficas e amigáveis com Estados vizinhos, na busca por um ambiente regional pacífico e tranquilo é um aspecto importante da política externa de nosso país” (citado por Chung 2009, 111).

Apesar de a rivalidade entre os dois países ser um tema regional relevante, China e Japão coordenaram a Iniciativa Chiang Mai (CMI), lançada no início do século, que promove a integração financeira regional entre os membros da Asean. Os dois países foram os que mais contribuíram com recursos em um projeto para proteger as moedas locais de ataques especulativos e os governos da falta de liquidez.

A proeminência da liderança chinesa é visível também no âmbito financeiro. Em 2013, o governo chinês propôs a formação de um novo banco de financiamento em infraestrutura para a Ásia sob sua liderança (o Asian Infrastructure Investiment Bank, Aiib). Vários países, inclusive de fora da região, como Alemanha, Brasil e Reino Unido, aceitaram o convite para participar com contribuições de recursos. Estados Unidos e Japão decidiram não participar, o que sugere uma disputa geopolítica por hegemonia na economia regional (e também global). A Ásia já conta com o Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB), mas vinha recebendo críticas do governo chinês pela falta de recursos suficientes para a necessidade de investimentos da região e pela primazia de Estados Unidos e Japão em seu controle (juntos, esses dois países possuem quatro vezes mais poder de voto do que a China no organismo). Os Estados Unidos fizeram campanha pela não adesão ao novo banco, dizendo temer que o Aiib poderia prejudicar os padrões de qualidade que algumas instituições internacionais, como o Banco Mundial, tentam hoje impor aos demais países, ao não exigir contrapartidas sociais, ambientais, de proteção a direitos trabalhistas e outros em troca de crédito. Mas não conseguiram evitar a adesão de um grande número de Estados, incluindo vários aliados europeus. A formação é entendida por alguns como um desafio à ordem financeira internacional imposta pelo FMI e pelo Banco Mundial.

Outras potências regionais não apresentaram engajamento equivalente, como Austrália e Japão, e precisaram repensar seus projetos regionais, até então voltados a um regionalismo no eixo Ásia-Pacífico via Apec, favorável a maior influência dos Estados Unidos. A atitude chinesa pró-integração no âmbito do Leste Asiático colocou o Japão na defensiva. A construção da área de livre comércio é um exemplo. Enquanto Tóquio respondia com um projeto de aproximação econômica sem livre comércio, a China se comprometeu a unilateralmente reduzir suas tarifas em uma grande variedade de produtos cinco anos antes do que os demais países deveriam fazê-lo. A China privilegiou interesses político-estratégicos a interesses econômicos e, por isso, cedeu vantagens aos vizinhos (Zhang 2009). O país tinha recém-negociado os termos de ingresso na OMC junto aos Estados Unidos, ao mesmo tempo que enfrentava um período ruim nas relações bilaterais com este país e via aumentar os receios regionais de uma “ameaça chinesa”.

Os países da Asean estavam -e ainda estão- preocupados com a possibilidade da China sugar os fluxos de comércio e os investimentos regionais às expensas do empobrecimento do bloco e do aumento da sua dependência com relação à economia chinesa. A área de livre comércio se inseriria em uma tentativa de apaziguar esses temores e permitir que os países do entorno fossem estimulados a participar do crescimento chinês. Coerente com a estratégia anunciada pelo então vice-primeiro ministro chinês das relações exteriores de uma estratégia de “ascensão pacífica”. O relacionamento econômico com a região se mostrava significativo já em 2003. Os dados do ano comparados com 1990 mostravam um aumento de oito vezes nas exportações chinesas para a Asean. Já por esse ano, o bloco superava a condição de fonte de recursos primários para a China para possuir uma maior integração entre suas cadeias produtivas, em um viés complementar à economia chinesa. Ravenhill aponta a integração da China na Asean como positiva para os demais países. A aproximação comercial chinesa junto ao Leste Asiático pode ser comparada por meio do volume total do comércio dos membros da Asean. É possível reparar também que, apesar da maior importância chinesa, o comércio intrarregional não alterou significativamente seu peso.(mapa 3).

Fonte: Elaboração o autor com estadísticas del Direção de Comércio de FMI  

Alguns pesquisadores têm dúvidas a respeito dos maiores beneficiados do processo de integração. Percival (2007) vê objetivos expansionistas e neoimperialistas na atuação chinesa que, para atingir seus objetivos regionais, teria se aproveitado da estrutura já existente e consolidada da Asean. Outros analistas apontam que, com o poder que possui hoje, a China não encontra rivais à altura entre seus vizinhos. Não há unidade entre os demais países, e eles possuiriam fragilidades políticas e econômicas que os tornariam muito vulneráveis ao sistema econômico internacional. Por isso, a fraqueza regional tenderia a formar um comportamento regional de balança de poder.

O crescimento do país tem sido também um ímã para os investimentos internacionais, tirando o espaço de outras praças, e suas exportações competem com os demais produtos regionais. As expectativas de que o país precise incorporar seu contingente rural no mercado do consumo e manter seu ritmo de crescimento colocam receios nos países vizinhos que detêm fontes de energia e produtos primários. Hung aponta o receio de se estar construindo um ambiente regional sinocêntrico, com os países enfrentando o desafio de equilibrar a dependência crescente com as potencialidades do desenvolvimento chinês. O autor também aponta a formação de uma inserção periférica para esses países na divisão internacional do trabalho.

[...] o modelo de regionalismo asiático de “gansos voadores” centrado no Japão foi substituído por uma rede produtiva sinocêntrica na qual a China exportava a maior parte dos bens de consumo para o Norte global em nome dos seus vizinhos asiáticos, que a proviam com componentes e máquinas necessários para montá-los. Essa estrutura pode ser vista como um time de funcionários, tendo a China como chefe, liderando os demais no fornecimento de exportações baratas para os Estados Unidos e na utilização de suas poupanças conquistadas arduamente para financiar as compras americanas dessas exportações. (Hung 2011, 28)

Lettman destaca que os pessimistas temem os impactos regionais que uma crise na economia chinesa, como a de 2008, possa ocasionar, como a redução nas importações dos produtos locais. A dependência econômica será uma realidade cada vez mais forte se esses países avançarem na integração dos mercados e dos investimentos. Hung (2011) aponta que a dependência da China transfere para esses países também as vulnerabilidades dessa potência: o risco de um declínio abrupto do consumo dos países do Norte terá um efeito grave no Leste Asiático.

Na tabela a seguir, percebem-se a crescente correlação das economias da Asean junto à China e a consequente redução da importância do comércio com os Estados Unidos (Hung 2011, 29) (tabela 1).

Tabela 1 Comércio com as potências: Exportações para China e EUA como percentual das exportações totais 

Fonte: Elaboração o autor com estadísticas del Direção de Comércio de FMI e Centro de Dados EconÔmicos de Taiwan, banco de dados de Arenos (apud Hung 2011, 29)

O poder de influência chinesa nas decisões políticas da Asean também é cada vez maior: “nos últimos três anos, consensos nos encontros da ASEAN foram sendo postergados na medida em que as nações membros analisavam como Beijing reagiria a cada decisão” (Kurlantzick 2008, 205; apud Pettman 2009, 145). Apesar de sua premissa de não interferência, o país está se tornando uma grande potência e, como tal, prioriza seus interesses. Se, para um realista, a paz é sempre um interregno entre duas guerras, o crescimento chinês atual não deixa de indicar a possibilidade de um futuro confronto regional.

Os receios são justificados quando se constata que boa parte do desenvolvimento econômico chinês ocorre no âmbito militar, e que o país enfrenta questionamentos a respeito de sua soberania em Taiwan e no Tibete. Suas fronteiras com Índia e Japão têm partes consideráveis sob disputa. Internamente, o país é um regime autoritário, o que resulta em um processo decisório em política externa muito opaco. Ainda assim, analistas apontam a fragilidade de seu poderio militar, com “deficiências significativas” na atual capacidade de projetar suas forças convencionais muito além das fronteiras marítimas e terrestres chinesas (Godwin 2008; apud Pettman 2009). Pettman ressalta que, na literatura sobre o tema, há uma clivagem. De um lado, os que veem o poder militar chinês como “mais imaginado do que real” e que o país busca uma estratégia regional pacífica para evitar uma corrida armamentista. Do outro, aqueles que apontam as posturas do país como uma “ofensiva charmosa”, uma estratégia pelo multilateralismo que, na prática, seria um ardil, além de interpretarem as políticas chinesas como tentativas deliberadas de isolar Taiwan e acalmar o Sudeste Asiático, assim como o restante do mundo, em um entendimento a respeito da segurança que seria “profundamente falso” (Pettman 2009, 144).

O grupo pessimista entende como mera propaganda o Livro Branco, publicação bianual na qual se expõem as estratégias militares do país. Nesse documento, os chineses medem seu poderio contra a capacidade regional dos Estados Unidos e concluem que a China precisa modernizar suas forças aérea, naval e de mísseis. Uma das últimas versões desse documento afirmava que “um pequeno número de países esteve atiçado por causa de uma ‘ameaça chinesa’ [apesar de] a China persistir em continuar seu caminho do desenvolvimento pacífico” (apud Pettman 2009, 144). O texto aponta a Organização de Cooperação de Xangai, fundada em 2001 para lidar com temas como terrorismo, separatismo, extremismo e tráfico de drogas, e destaca a importância que o país coloca no Fórum Regional da Asean. Os pessimistas, contudo, não deixam de lembrar que esta é uma postura típica de uma potência global e que os países do entorno regional são fracos demais para conseguir contrabalançar o poderio chinês. Dessa forma, o país teria a possibilidade de fazer uso de sua força militar a qualquer momento sobre a região.

Outro desafio importante está na sua postura a respeito do desenvolvimento regional. Em 2001, a China e a Asean concordaram em concentrar o relacionamento em cinco áreas prioritárias: agricultura, tecnologia da informação e da comunicação, desenvolvimento de recursos humanos, investimentos mútuos e desenvolvimento da bacia do rio Mekong, uma das áreas mais pobres do mundo. Havia um nítido foco na questão do desenvolvimento, e a postura chinesa a respeito da bacia do rio Mekong pode ser significativa no relacionamento futuro com os vizinhos. O país tem, em seu território, boa parte superior desse rio e planeja realizar nele um conjunto de sete hidroelétricas. Para os países por onde o rio corre, isso terá impactos enormes e poderá afetar projetos de irrigação, indústrias de transporte, de pescado e o acesso à água potável. “Se o resultado do processo de desenvolvimento ajuda a reputação da China como uma presença regional benigna vai depender de como ela negociará com os vizinhos afetados” (Pettman 2009, 148).

O presidente Xi Jinping vem, desde o início de seu mandato em 2013, realizando uma inflexão na política externa chinesa que era até então marcada por uma postura de baixo perfil estabelecida no governo de Deng Xiaoping (Poh e Li 2017; Zhang 2016). Durante quase duas décadas, a política externa do país seguia o mote proposto por Xiaoping de “esconder suas capacidades e esperar suas oportunidades”, o que se traduzia em uma diplomacia mais passiva, que evitava liderar questões globais, enquanto o país operava seu programa de desenvolvimento doméstico (Callahan 2016). A política externa do governo Jinping, associada à promoção do que definiu como o “sonho chinês” de um futuro próspero e forte para o país comunista, está mais claramente associada a posições assertivas e um interesse claro de maior ativismo na governança global. As elites chinesas entendem que, desde a crise financeira de 2008-2009, o país se tornou mais poderoso em relação às potências ocidentais e que seria oportuno para o país deixar sua marca no sistema internacional. Isso se materializou em um papel mais ativo nas Nações Unidas e no apoio a iniciativas multilaterais, como o fórum dos Brics, reunindo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (Chang-Liao 2016). Os últimos anos viram o incremento nas contribuições para a paz internacional em termos de recursos financeiros e soldados. “Essas iniciativas são um sinal claro de uma China mais confiante e desejosa de aumentar seu status internacional e possivelmente desafiar os Estados Unidos -ainda que de uma maneira limitada- como o principal provedor de segurança global” (Poh e Li 2017, 4).

Tomadores de decisão chineses estão conscientes do fato de que a atual arquitetura institucional da governança global continua a ser dominada pelos Estados Unidos e por outros Estados ocidentais afins. “Isso não somente dá aos Estados Unidos e seus tomadores de decisão uma influência desproporcional sobre as regras e práticas que constituem a ordem econômica internacional, mas na mente dos observadores chineses, a China não receberia a significância que sua importância econômica merece” (Beerson e Li 2016). A China vem demonstrando crescente impaciência em relação à aparente relutância dos Estados Unidos em garantir ao país maior influência sobre estruturas da governança global e em concordar com uma ordem política e econômica internacional mais igualitária. A reforma no sistema de cotas no FMI contrapôs os dois países. A proposta chinesa de uma área de livre comércio da Ásia-Pacífico é entendida por alguns analistas como uma contraposição à iniciativa norte-americana da Parceria Transpacífico (Poh e Li 2017).

Por isso, o país teria passado a promover suas próprias iniciativas institucionais. A China tem assumido papel crescente em instituições multilaterais, não só buscando maior atuação em organizações existentes, mas também patrocinando suas próprias iniciativas, como a criação do banco de desenvolvimento dos Brics e o lançamento do Aiib. No contexto regional, a inflexão também vem significando uma nova identidade regional: propõe-se uma noção alternativa de ordem regional, baseada em uma “comunidade de destino compartilhado” (Callahan 2016, 10).

Nesse contexto, está inserida a iniciativa “Um Cinturão, Uma Rota” (ou One Belt, One Road, em inglês), que envolve mais de 60 países com a promessa de ligar, por mar e por terra, a China com a Europa (Poh e Li 2017). O programa, que implica o investimento de valores estratosféricos, também reflete o maior comprometimento com o desenvolvimento econômico da sua vizinhança. A proposta foi apresentada pela primeira vez em meados de 2013 e propunha uma reformulação da integração do país com os mercados da Ásia Central, Europa e Rússia em duas frentes: uma marítima e outra terrestre. Desde então, o projeto se tornou uma relevante estratégia política chinesa tanto doméstica quanto internacionalmente. A iniciativa busca promover a coordenação política, estimular conectividade e comércio, assim como facilitar a integração financeira e comercial entre mais de 60 países (Poh e Li 2017).

A iniciativa significa uma vertente “ocidental” na estratégia internacional chinesa, em particular um interesse na Ásia Central. A rota ocidental, destacam alguns analistas (Chang-Liao 2016), apresentaria menores obstáculos em termos de interesses estratégicos, políticos e econômicos do que em comparação com qualquer outra direção. A proposta também indica um reconhecimento crescente por parte da liderança chinesa da responsabilidade do país em assumir o apoio econômico de seus vizinhos. A iniciativa possui dois elementos interconectados: o “Cinturão Econômico da Rota da Seda” e a “Rota da Seda Marítima do Século XXI”. O primeiro prioriza a Ásia Central e tem o objetivo de criar um corredor terrestre que conectará diretamente a Ásia com a Europa. O impacto de tal significativa alteraria fortemente a maneira como se comercializa entre essas regiões e reforçaria a influência chinesa nessa parte do mundo, já alvo de outras iniciativas como a Organização de Cooperação de Xangai. O segundo elemento propõe o desenvolvimento da infraestrutura no Sudeste Asiático e serve ao objetivo de promover a ideia da China como um componente central na segurança regional, ao invés de uma ameaça (Beerson e Li 2016).

A agenda regional de segurança tem ganhado maior atenção por parte da China. Desde 2013, o país tem adotado uma postura mais agressiva ao redor de disputas marítimas com o Japão e outros vizinhos do Sudeste Asiático (Poh e Li 2017). Para garantir suas reivindicações de soberania, Beijing anunciou uma Zona de Identificação de Defesa Aérea do Mar do Leste da China que inclui as Ilhas Diaoyu/Senkaku sob disputa. O país também tem feito maior uso de sanções econômicas para punir países considerados hostis. A postura, prática comum para lidar com a questão de Taiwan, tem sido mais utilizada recentemente, como no boicote à Noruega pelo prêmio Nobel da Paz para o dissidente político chinês Liu Xiaobo e na restrição no comércio e no turismo com o Japão e com as Filipinas no contexto de suas disputas marítimas. O país também tem expandido sua participação em sanções multilaterais definidas pelas Nações Unidas, o que sugeriria uma postura mais flexível diante do tradicional entendimento chinês do princípio de não intervenção (Chang-Liao 2016).

O maior ativismo internacional chinês pode ser explicado em parte por uma percepção de sua elite de que o poder norte-americano está em declínio, uma dinâmica mais evidente após a crise de 2008 (Chang-Liao 2016). Além disso, ele responde a uma crescente pressão da comunidade internacional para que o país assuma maiores responsabilidades globais. A nova postura também está associada a uma visão específica do contexto regional baseada em uma ordem hierárquica benigna que traria paz e prosperidade para a Ásia e que seria baseada em uma relação centro e periferia em que a China estaria no centro do sistema (Chang-Liao 2016).

A atual fase diplomática chinesa para a região enfatiza a promoção de uma comunidade de interesses compartilhados e de destino comum. Esse entendimento segue duas ideias norteadoras segundo Yunling (2016). A primeira se refere à a noção de que toda a vizinhança deve ser entendida como uma única região intimamente conectada, ligada por interesses comuns, da qual a China é uma parte integrante que exerce um papel indispensável na construção de “uma comunidade de interesses compartilhados e destino comum”. Isso significaria não mais considerar os países vizinhos pelo âmbito da relação bilateral, mas como uma parte do amplo contexto regional. A segunda, à noção da grande importância do apoio à ascensão chinesa por parte da vizinhança como estrategicamente indispensável à ascensão da China ao status de grande potência. Isso significaria não ver a região como fonte de ameaças à sua segurança, mas ver uma boa relação com os vizinhos como base para a busca por segurança.

A mudança na ênfase diplomática ainda não é entendida por todos os analistas como uma fase verdadeiramente nova. Desafios significantes ainda não resolvidos e dilemas políticos continuam a constranger a habilidade da liderança chinesa de abandonar completamente sua estratégia internacional de baixo perfil.

Líderes chineses continuam preocupados com questões de longo prazo como manter o crescimento econômico chinês e lidar com os crescentes problemas domésticos. Além disso, as lideranças chinesas e os tomadores de decisão do país têm uma mentalidade fixa no papel da China nas relações internacionais. Eles continuam relutantes em comprometer recursos substantivos ou aceitar responsabilidades internacionais demais, especialmente quando os interesses nacionais chineses não estão diretamente em jogo. (Poh e Li 2017, 7)

Poh e Li ainda ressaltam a possibilidade de que a visão de sistema internacional promovida pela elite chinesa busque resgatar o antigo sistema tributário, com o país no centro, o que poderia vir a ser incompatível com um modelo de sistema multilateral. O país também tem enfrentado o desafio de superar o tradicional discurso de não interferência com a crescente participação em segurança internacional, em especial em locais em que possui interesses econômicos em jogo, como no Sudão e na Líbia.

Mas a compreensão do contexto regional só é possível quando são levados em conta as posturas e os interesses dos demais países. Alguns analistas, focados nesse aspecto, apresentam a ideia de uma atuação chinesa benigna: é do interesse da região acomodar a potência emergente, o que gera uma situação regional de bandwagoning e não de balança de poder. Apesar de as projeções para as assimetrias no Leste Asiático causarem receios, o passado recente pode ser um indicador privilegiado para entender as dinâmicas regionais chinesas e suas estratégias. Nos últimos dez anos, o país tem sido um parceiro regional fomentador de uma integração em diversos âmbitos (mesmo sem muita delegação de poder para órgãos supranacionais, diferindo do modelo da União Europeia), enquanto outros atores como Estados Unidos e Japão não conseguiram eficientemente se manter como líderes regionais.

De alguma forma é possível apontar, junto com os mais otimistas, uma adequação parcial chinesa aos valores da Asean, tornando-se, em longo prazo, de uma potência revolucionária para uma mais favorável ao status quo. Boa parte dos países percebe a política externa chinesa como favorável ao ordenamento político atual, o que, em um contexto regional de vários regimes autoritários, gera confiança para a cooperação (Pettman 2009).

Há um esforço regional para reequilibrar a atuação de diversas potências no Leste Asiático, em especial China, Estados Unidos e Japão. A atuação das duas maiores potências, China e Estados Unidos, não pode ser compreendida como um simples jogo de soma-zero, em que a maior atuação de um dos lados significa a perda de importância regional do outro. A mudança das percepções entre China e Estados Unidos no pós-Guerra Fria, e o melhor relacionamento entre os dois países foram fundamentais para o avanço do processo de integração regional (Zhang 2009). Apesar de haver pontos de baixo consenso, o setor econômico passou a ser um âmbito de convergência entre os dois. “[...] pode-se dizer que existe claramente hoje um largo, apesar de tácito, acordo entre Beijing e Washington a respeito das principais motivações da ordem econômica emergente” (Zhang 2009, 129).

Desde a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos mantêm uma presença significativa na região Ásia-Pacífico nas agendas política, econômica e de segurança, e tem sido um fator relevante no contexto geopolítico e geoeconômico chinês. Pelo menos desde o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos têm sido vistos pela China em um misto de aliados e competidores no contexto regional (Xinbo 2016). A relação entre os dois países possui uma ampla agenda de interesses em comum. Esforços compartilhados de garantir a estabilidade regional são mais evidentes na atuação na península coreana e no Afeganistão. A China tem aumentado a pressão sobre a Coreia do Norte e se aproximado da Coreia do Sul, além de ter expandido a coordenação com os Estados Unidos (Cha 2017).

O relacionamento com os Estados Unidos responde por uma grande parte das estratégias regionais chinesas. “Apesar de as relações da China com seus vizinhos asiáticos continuarem a evoluir, o objetivo principal é preveni-los de se juntar aos Estados Unidos para conter a China” (Chang-Liao 2016, 87). Para Wu Xinbo (2016), foi a inflexão norte-americana durante o governo Barack Obama (2009-2017) de maior presença na região que fez a China dar mais atenção para sua vizinhança e fortalecer os laços diplomáticos, econômicos e de segurança com os países do entorno.

A administração Obama tem procurado empregar mais recursos militares para a região Ásia-Pacífico, fortalecer sua presença militar no sudeste asiático, perseguir vigorosamente cooperação em segurança com seus aliados e parceiros, e se tornar mais envolvidos ativamente em assuntos regionais de segurança, particularmente nas disputas no Mar do Sul da China. Assim fazendo, Washington tenta não somente controlar/deter o comportamento assertivo da China, mas também destacar seu próprio papel como um garantidor credível de segurança para a região, em forte contraste com o papel ambíguo da China na segurança regional. (Xinbo 2016, 862)

De uma perspectiva chinesa, os Estados Unidos seriam uma presença estrangeira em uma região que tradicionalmente considera como sua (Beeson 2016). Por outro lado, a reemergência chinesa é cada vez mais entendida como uma ameaça real ao domínio estratégico norte-americano na região Ásia-Pacífico. Seria a partir desse entendimento que se poderia interpretar a inflexão do governo estadunidense durante o governo Obama de “rebalanceamento” na Ásia.

A competição entre os dois países tem aumentado no que se refere aos pleitos chineses de soberania no Mar do Sul da China, uma questão que coloca em conflito Brunei, China, Filipinas, Japão, Malásia e Vietnã. Até 2010, os Estados Unidos mantinham uma postura de distanciamento em relação à disputa, mas, desde então, vêm aumentando sua presença, inclusive em termos militares, reforçando o caráter geopolítico da questão. A aproximação norte-americana junto a países como Índia, Japão e Myanmar foi entendida como um desafio pela China, que reagiu buscando ampliar os laços com os países da região (Xinbo 2016).

Outra postura entendida como um desafio foi a proposta da Aliança Transpacífica, proposta de uma área de livre-comércio entre países da bacia do oceano Pacífico, que incluiria os Estados Unidos. O projeto foi entendido como esforço de enfraquecimento da centralidade chinesa na economia do Leste Asiático ao propor um bloco econômico na Ásia que exclui o país. A China reagiu à proposta avançando em acordos bi, tri e multilaterais de livre comércio, como com a Austrália, a Coreia do Sul e o Japão. Junto com outros membros da Asean, propôs a Parceria Econômica Regional Compreensiva, a mais vasta área de livre comércio do mundo com uma população de mais de três bilhões de indivíduos.

A visão do papel dos Estados Unidos na ordem global também influencia o entendimento de para onde caminha a China. Existe um amplo consenso na literatura de que está em andamento o declínio do poder unipolar dos Estados Unidos e uma mudança do poder do Ocidente para o Oriente. No passado, a China buscou os benefícios e privilégios de ser uma grande potência sem ter que se comprometer com questões globais e regionais. Essa postura aparentemente está em alteração, tanto com o interesse em se engajar em instituições internacionais já existentes quanto na criação de novas. Isso pode ser reflexo de uma percepção a respeito do declínio nas próximas décadas da preponderância norte-americana no mundo. “Embora raramente desafiando o domínio global dos EUA, a liderança chinesa agora reconhece que a poder global está movendo em favor da China, e que essa dinâmica parece ainda mais clara depois da crise financeira global de 2008” (Chang-Liao 2016, 87). Para Callahan (2016), o debate acadêmico sobre a relação entre os dois gigantes e seu papel na ordem global gira ao redor da disputa entre a visão dos realistas ofensivos, para quem a ascensão chinesa necessariamente conduzirá a uma competição com os Estados Unidos pela liderança do sistema internacional, e a visão dos institucionalistas liberais, que sugerem a possibilidade de que com a mudança do poder o sistema internacional capitalista liberal saia fortalecido.

Os líderes chineses entendem a reemergência do país como o renascimento de uma ordem hierárquica benigna que traria paz e prosperidade para a Ásia. Desse modo, a diplomacia regional chinesa implica a demarcação entre um “centro” e uma “periferia”, em que o núcleo é a claramente a China. A peça-chave nesse processo será o relacionamento com os Estados Unidos, e um dos objetivos centrais da política regional chinesa continuará sendo evitar que os países vizinhos se juntem com esse país para conter a China.

A China é uma parte integrante da nova ordem econômica e contribui para a emergência e a construção de uma economia global de mercado. A maneira como o Estado chinês se insere na ordem global é um tema relevante para os pesquisadores atuais da economia mundial e das questões asiáticas. O país se beneficiou do processo de globalização e vem optando por um caráter pragmático e por um reformismo de baixo perfil a respeito dele. O projeto de desenvolvimento chinês se associou aos Estados Unidos e até aqui deliberadamente aceitou uma postura subordinada a eles, não se propondo como alternativa de poder nem como reformadora da ordem econômica internacional, mas essa postura parece estar em mudança4 (Hung 2011).

Conclusão

Este estudo se focou na análise da agenda de política externa da China para seu entorno regional. Observou-se que a inflexão para a vizinhança é uma realidade recente, mas de grande fôlego. A partir das reformas de Deng Xiaoping e do fim do período da Guerra Fria, ao mesmo tempo que o país despontava como uma potência econômica global, apresentava uma postura regionalista cada vez mais forte, o que foi acentuado no governo de Xi Jinping a partir de 2013.

A mudança de postura por parte da China encontrou um processo de integração regional em andamento com suas instituições e identidades já em construção. O perfil da institucionalidade regional era fraco e soberanista, com pouca ênfase supranacional. A identidade regional se dividia entre uma concepção local mais autônoma, muito focada nos países do Sudeste Asiático, e uma aproximação junto aos países da franja do oceano Pacífico, em particular os Estados Unidos.

A crise asiática de 1997 foi um ponto de inflexão. A percepção da fragilidade institucional, somada ao baixo interesse norte-americano em apoiar a recuperação dos países em crise, permitiu o desenvolvimento de uma miríade de acordos regionais, em vários âmbitos, com enfoque em uma integração no Leste Asiático. Assim, a política externa chinesa ao mesmo tempo que contribuiu para a configuração desse “novo regionalismo” se aproveitou de uma conjuntura mais favorável para seus projetos regionais.

Os países vizinhos parecem recear os impactos que a ascensão chinesa possa lhes trazer. A assimetria entre as capacidades de poder são grandes o suficiente para temer o risco de uma atuação imperial ou hegemônica pelo país. Os países em especial do Sudeste Asiático têm cada vez mais atrelado suas economias ao desenvolvimento chinês e temem que futuro próximo, o país constranja suas soberanias em busca de seus interesses estratégicos. Percebe-se que o interesse regional pela atração da China para a estrutura multilateral do Leste Asiático é, em parte, uma tentativa de dar previsibilidade à conduta do país, estabelecer canais de resolução pacífica de controvérsias, criar constrangimentos institucionais para ações unilaterais e também aproveitar o bom momento econômico para estimular seu próprio desenvolvimento.

Apesar dos receios, a China tem buscado perseguir seus interesses de maneira que não cause dificuldades no relacionamento com os vizinhos. O país vem tomando posturas hegemônicas suaves e algumas vezes vem organizando a ação coletiva regional na busca de soluções em comum. Parece existir pouca disposição chinesa para tencionar seu espaço regional (com exceção dos pleitos de soberania territorial no Mar do Sul da China) e, para isso, o país vem razoavelmente redimensionando suas estratégias para manter a qualidade da relação com os vizinhos. Certamente o perfil do relacionamento regional realizado até aqui não garante que o país não venha a tomar posturas impositivas ou que não se prepare para isso. Mas a participação no arcabouço institucional da região vem aumentando o grau de constrangimento do país para agir unilateralmente.

Analisar a atuação regional da China faz parte do esforço de compreender melhor o fenômeno atual de ascensão da potência asiática, definir sua estratégia regional e, por meio dela, seu projeto global. A acomodação do poderio chinês no ordenamento do Leste Asiático, pela dimensão da sua importância, é uma questão global que afetará a dinâmica das relações internacionais como um todo. Esta pesquisa contribui para o esforço teórico dentro das Relações Internacionais de compreensão do atual fenômeno de regionalização das interações entre os Estados. O resultado aqui apresentado contribui para que possa ser superada uma percepção bastante comum entre os estudiosos das relações internacionais de que as potências regionais apresentam postura eminentemente benevolente e cooperativa (Destradi 2010). O modelo chinês corrobora a proposta teórica de Sandra Destradi, para quem as potências emergentes apresentam uma gama variada de estratégias de atuação regional, sendo a China, em nossa compreensão, um caso de postura hegemônica em que o poder regional é buscado a partir da noção de compartilhamento de valores e interesses, e há um esforço crescente de arcar com os custos da liderança. A política regional chinesa também possui elementos mais hard, em especial, no que se refere a questões de fronteira e a seus pleitos de soberania sobre territórios no Mar do Sul da China.

A análise da atuação regional chinesa contribui na compreensão das dinâmicas de poder em que essa potência se insere. O entendimento a respeito de sua estratégia local é útil para se pensar como se dá o atual relacionamento entre esse país e outras potências, como Estados Unidos e Japão. Assim, este estudo espera contribuir para uma conexão entre o âmbito regional e o global, superando a lacuna apontada por Andrew Hurrell (2007) entre o mundo do sistema global e os muitos mundos dos agrupamentos regionais.

Para aprofundar esta análise, uma pesquisa posterior deveria avançar na atuação dos demais países do Leste Asiático no projeto de integração regional. Pettman (2009, 251) lembra que “os países do Sudeste Asiático participam das estratégias regionais da China porque entendem como de seu interesse fazê-lo”. Esses países têm conseguido construir um arcabouço multilateral na busca por seus interesses, que não necessariamente são os mesmos que os chineses, e vêm buscando atrair grandes potências para temas regionais, em especial mantendo a hegemonia dos Estados Unidos para não serem engolidos para dentro da esfera de influência chinesa (Pettman 2009). O Fórum Regional da Asean, por exemplo, agrega países como Estados Unidos, Índia, Japão, Rússia e países da União Europeia.

Futuras pesquisas devem também estudar a complexidade da relação entre a China e as outras potências regionais do Leste Asiático, como o Japão, e como as posturas do país podem afetar o ordenamento internacional contemporâneo. A partir de 2017, a análise da atuação internacional chinesa precisa levar em consideração a mudança de posturas por parte do governo dos Estados Unidos sob a liderança de Donald Trump, cujos impactos na ordem liberal apoiada pelo governo dos Estados Unidos desde o pós-Segunda Guerra ainda não são claros. As promessas de campanha de Trump incluíam uma abordagem protecionista em relação ao comércio internacional e à redução da posição de provedor de segurança internacional. Trump, quando ainda em campanha, acusava a China de ser a “campeã mundial” em manipulação monetária e apontava os impactos negativos do comércio chinês sobre os Estados Unidos. Ao assumir o cargo, Trump amenizou o tom a respeito do gigante asiático e afirmou que os chineses não manipulam sua moeda. Quanto à Coreia do Norte, Trump vem elogiando os esforços chineses para controlar o vizinho norte-coreano.

A tendência de introspecção por parte da nova administração dos Estados Unidos pode vir a significar, em médio prazo, a perda de sua influência na Ásia em um contexto de maior assertividade chinesa. Mudanças de posição dos Estados Unidos em agendas como da mudança climática podem ser oportunidades para a China de se colocar como um líder global. Ao abandonar o projeto da Aliança Transpacífica, do qual a China nunca participou, o governo norte-americano pode ter dado uma vantagem para a política regional chinesa e sua proposta de uma área de livre comércio na região Ásia-Pacífico.

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Recebido: 16 de Julho de 2016; Aceito: 12 de Dezembro de 2016

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