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Colombia Internacional

Print version ISSN 0121-5612

colomb.int.  no.96 Bogotá Oct./Dec. 2018

https://doi.org/10.7440/colombiaint96.2018.06 

Documentos

Energia e hegemonia dos Estados Unidos: uma análise do petróleo e do gás de xisto a partir da perspectiva dos sistemas-mundo*

Energía y hegemonía de Estados Unidos: un análisis del petróleo y el gas de lutita desde la perspectiva de los sistemas-mundo

United States energy and hegemony: An analysis of petroleum and shale gas from the perspective of world-systems theory

Gabriela Bristot Boff** 

Helton Ricardo Ouriques*** 

** É mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil), membro do Grupo de Pesquisa em Economia Política dos Sistemas Mundo (GPEPSM) da Universidade Federal de Santa Catarina. gabrielaboff@gmail.com

*** É doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista (Brasil), professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais e do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, é membro do Grupo de Pesquisa em Economia Política dos Sistemas Mundo. Suas linhas de investigação são: geopolítica dos recursos energéticos; Brasil como semiperiferia na economia-mundo capitalista; Brasil e América do Sul diante do ressurgimento da China. É autor de “Las relaciones económicas entre Angola y China (2000-2014).” Estudios de Asia y África 52 (2): 387-416, 2017 (em coautoria com Amanda Cristina Avelar); “Brazil and the BRICS: The Trap of Short Time.” Journal of World-Systems Research 22 (2): 485-510, 2016 (em coautoria com Pedro Antônio Vieira); “Segurança energética: China e Estados Unidos e a divergência em energia renovável.” Contexto Internacional 38 (2), 643-662, 2016 (em coautoria com Brye Butler Steeves).helton.ricardo@ufsc.br


RESUMO:

O controle dos recursos energéticos é um elemento importante das disputas geopolíticas entre os Estados. Nesse contexto, o objetivo deste artigo é demonstrar que a política dos Estados Unidos relativa à exploração do gás de xisto se insere no contexto da questão estratégica da segurança energética daquele país, em um cenário de transição hegemônica. Para alcançar esse objetivo, é necessário i) descrever a relação entre a hegemonia dos Estados Unidos e o regime energético do petróleo; ii) compreender a matriz energética americana e o papel da exploração do gás de xisto na atual conjuntura global.

PALAVRAS-CHAVE: hegemonia; energia; petróleo; gás de xisto

RESUMEN:

El control de los recursos energéticos es un elemento importante de las disputas geopolíticas entre los Estados. En este contexto, el objetivo del artículo es demostrar que la política de Estados Unidos relativa a la exploración del gas de lutita se encuentra en el contexto de la cuestión estratégica de la seguridad energética de aquel país, en un escenario de transición hegemónica. Para lograr el objetivo es necesario: i) describir la relación entre la hegemonía de Estados Unidos y el régimen energético del petróleo; ii) comprender la matriz energética americana y el rol de la exploración del gas de lutita en la actual coyuntura global.

PALABRAS CLAVE: hegemonía; energía; petróleo; gas de lutita

ABSTRACT:

The control of energy resources is an important aspect within the geopolitical disputes between States. In this context, the purpose of this paper is to show that the US policy on shale gas exploration lies within the context of the country's strategic issue of energy security. To achieve this aim it is necessary to: i) describe the relationship between the hegemony of the United States and the petroleum energy regime; ii) understand the American energy matrix and the role of shale gas exploration in the current global context.

KEYWORDS: hegemony; energy; petroleum; shale gas

Introdução

Ao longo da história, o sistema energético passou por transformações profundas, marcadas pela ascensão de um novo combustível e sua subsequente predominância na matriz energética mundial. Essas transformações são conhecidas como transições energéticas, e podem ser definidas da seguinte maneira:

[…] an energy shift is defined as the process whereby a new primary energy resource is harnessed for large-scale human consumption. This incorporation may occur through the creation of new technologies, or through the resource being fed into preexisting systems. But whatever the intermediate process might be, the underlying material fact is that a new source of energy is being captured for use. (Podobnik 2006, 4)

Existem diversas explicações para a ocorrência de transições energéticas de longo prazo, sendo utilizados diferentes fatores para justificar por que elas ocorrem. A maioria, todavia, utiliza a tecnologia como-fator chave das transições energéticas. Já o sociólogo Podobnik (2006) nos oferece uma abordagem sócio-histórica, dentro da perspectiva dos sistemas-mundo, para a compreensão das transições energéticas. O autor percebe as transições como uma variável dependente, resultado da ação combinada de diferentes dinâmicas de competição: 1) eventos mundiais, como as transições energéticas globais, são influenciados, em parte, pela dinâmica da rivalidade geopolítica, alternando-se entre períodos de conflito intenso e moderado; 2) existe um processo de competição corporativa que também se alterna entre fases de inovação industrial radical e fases de crescimento mais previsível; 3) as dinâmicas do conflito social seguem a mesma lógica, alternando fases de intensidade moderada e radical; 4) essas dinâmicas sistêmicas interagem em um processo de sequência hegemônica, marcado por períodos de ordem, em que uma hegemonia é capaz de manter o sistema estável, e períodos de caos. A alternância entre esses períodos influencia o sistema energético global, sendo que é nos períodos de caos que ocorrem as principais transições energéticas. O autor aplica essa abordagem para dois casos históricos-chave:

[…] since the onset of the industrial revolution the world has in fact witnessed the full consolidation of two distinct energy regimes. The first, based upon coal, grew to maturity in the nineteenth century and then entered into relative stagnation in the twentieth century. The second, based upon petroleum, underwent global diffusion during the twentieth century but may be reaching maturity. (Podobnik 1999, 155)

Seguindo essa argumentação, esse artigo tem como foco analisar o segundo caso: o regime energético do petróleo, centrado na hegemonia norte-americana, dando especial destaque para o papel da rivalidade geopolítica. Esta diz respeito aos “esforços dos impérios e nações para estimular a produção doméstica de energia e ganhar acesso aos recursos energéticos estrangeiros” (Podobnik 2006, 9; tradução livre). Assim, analisaremos os fatores que fizeram com que os Estados Unidos se sobressaíssem na disputa geopolítica -tornando-se a potência hegemônica do regime energético baseado no petróleo- e evidenciaremos a relação entre energia e hegemonia, bem como o papel do petróleo para a manutenção do poder americano. Nesse sentido, apresentaremos um desenvolvimento recente dentro dessa dinâmica: a revolução americana do gás de xisto, que promete transformar as bases da rivalidade geopolítica ao apresentar uma alternativa de suprimento para os Estados Unidos, ante as declinantes reservas mundiais de petróleo. Para tanto, partimos de um fato básico: o controle dos recursos energéticos é um fator fundamental na estratégia dos Estados, que historicamente almejaram ou mesmo alcançaram posições centrais na economia-mundo capitalista.

O regime energético do petróleo e a hegemonia americana

O objetivo desta seção é discutir a relação entre energia e hegemonia, com destaque para a atual conjuntura da economia-mundo capitalista. Para isso, utilizaremos a perspectiva dos sistemas-mundo. Partindo do estudo dos padrões históricos de desenvolvimento social no longo prazo, essa perspectiva pretende entender a formação e evolução do modo capitalista de produção enquanto um sistema de relações econômico-sociais, políticas e culturais, que nasce no fim da Idade Média europeia e se expande até atingir o mundo inteiro (Wallerstein 2000).

Na mesma perspectiva sistêmica, Arrighi (1994) entende a evolução do sistema de maneira cíclica, por meio de ciclos sistêmicos de acumulação. O ciclo sistêmico de acumulação é definido como unidade fundamental dos processos de escala global de acumulação de capital. Cada ciclo tem duas fases que tomam como base a fórmula geral do capital de Marx. Na primeira fase, a de expansão material, há predomínio da produção. A transição para a segunda fase, de expansão financeira, começa com uma crise sinalizadora. O final do ciclo acontece com a crise terminal.

Esses ciclos, ao longo da história, foram centrados em um Estado central hegemônico (Estados Unidos, Holanda, Inglaterra) e se sobrepõem, com alternância das fases de expansão comercial e financeira. Seguindo essa linha, Arrighi (1994) entende que a característica hegemônica está relacionada ao poder de um Estado para exercer funções de liderança e governança em um sistema de Estados soberanos.

Nesse sentido, Arrighi (1994) propõe que teriam acontecido quatro ciclos de acumulação -o genovês, do século XV até o início do XVII, o holandês, do final do século XVI até o final do século XVIII, o britânico, do final o século XVIII até o início do XX, e o americano, do final do século XIX até a atualidade- mas apenas três de hegemonia - holandês, inglês e americano. O principal fator diferenciador de cada ciclo é a internalização de um novo tipo de custo, o de proteção no holandês, o de produção no britânico e o de transação no americano. A energia, nesse aspecto dos custos, constitui-se como elemento importante para as hegemonias históricas da economia-mundo capitalista. No entanto, esse fator não é abordado por Arrighi, razão pela qual utilizamos, na sequência, outros autores para sustentar esse argumento.

Durante o século XVI, inicia-se um novo período na história da humanidade: a difusão do comércio começa a converter a produção de mercadorias em uma atividade regular (Oliveira, Carvalho e Boff 2016). Essa produção, todavia, se encontrará dispersa, pouco organizada e dependente das habilidades de produtores individuais até meados do século XVIII, durante os ciclos de acumulação genovês e holandês. A partir do momento em que esses produtores são reunidos dentro das fábricas e organizados sob a divisão do trabalho, a produção de mercadorias se dará de acordo com novos parâmetros, consolidados na Inglaterra durante o século XVIII.

Entendemos que foram esses novos parâmetros que levaram à busca por um padrão energético mais eficiente e estável. O aumento da produção manufatureira gera lucros mais expressivos, que são reinvestidos na produção e criam novos meios de produção. É assim que, durante a Revolução Industrial, ocorre a invenção da máquina a vapor, que utiliza carvão e é móvel, o que permite o deslocamento da produção do interior da Inglaterra para regiões mais urbanizadas e proporciona mais regularidade e eficiência na produção de energia, quando comparada com a energia humana, animal ou hidráulica.

Dessa forma, no ciclo sistêmico de acumulação britânico, as mudanças nos parâmetros produtivos e o domínio das fontes energéticas -e das tecnologias para explorá-las e utilizá-las- se revelaram fundamentais para a fase de expansão material, tornando possível a internalização, além dos custos de comercialização e proteção, dos custos de produção pela Inglaterra, ratificando gradativamente a supremacia inglesa ante os holandeses. Assim como o carvão foi fundamental para a hegemonia britânica no século XIX, o petróleo tem sido fundamental para a hegemonia americana. A dependência da economia-mundo capitalista para com a energia tem crescido ao longo do desenvolvimento do sistema, em uma tendência histórica estrutural, considerando que o progresso das condições materiais demanda crescentes quantidades de recursos energéticos (Fuser 2013). Os hidrocarbonetos têm se mostrado de imensa importância nesse cenário por serem os principais recursos da matriz energética mundial atualmente, de maneira que a história da exploração dos hidrocarbonetos acompanha a história do imperialismo e do desenvolvimento do capitalismo em diferentes níveis nos Estados.

Nesse contexto, o papel dos ciclos energéticos longos, sua influência na economia e na política, especialmente no acúmulo de riqueza e poder, assim como sua relação com os ciclos hegemônicos, parecem ser essenciais para a compreensão de processos estruturais de longo prazo. As fontes de energia, para o capitalismo contemporâneo, não são importantes apenas na fase de produção de mercadorias, mas também no seu transporte ao redor do globo; além do mais, constituem importante fonte de poder para os Estados que os controlam, como pode ser observado pelo caráter estratégico das reservas de petróleo nas duas grandes guerras mundiais. Assim, é possível afirmar, de maneira geral, que os paradigmas energéticos surgem durante a fase de expansão financeira do ciclo sistêmico que está em decadência e afirmam-se na fase de expansão material, quando se espraiam para o resto do sistema. Isso porque o domínio da fonte energética principal de cada ciclo aumenta a capacidade de liderar a acumulação de riqueza e tecnologia, permitindo o desenvolvimento de capacidades militares e produtivas.

A indústria petrolífera moderna possui suas raízes no modelo de empresa verticalmente integrada, criado por Rockefeller na segunda metade do século XIX, ou no período de expansão financeira da hegemonia britânica, quando começaram a se formar os agentes e estruturas que dariam início ao ciclo de acumulação norte-americano. Nesse sentido, a consolidação do ciclo energético se dará na fase de expansão material do ciclo sistêmico de acumulação norte-americano (Oliveira et al. 2016), impulsionada pela grande relevância que esse recurso terá nas guerras mundiais e, mais tarde, na indústria do automóvel.

Às vésperas da Primeira Guerra Mundial, Winston Churchill toma uma decisão que entraria para a história: a marinha britânica deveria trocar o combustível de carvão para o de petróleo, o que a tornaria mais rápida do que a marinha alemã e garantiria a economia de trabalhadores, eficiência, autonomia e menos barulho (Yergin 2006). Isso, no entanto, significaria que a Inglaterra não mais dependeria do carvão produzido em Wales, mas de fontes inseguras da Pérsia, tornando a segurança energética uma questão nacional estratégica. Como forma de garantir o fornecimento do óleo utilizado nos navios, Churchill teve de convencer o Parlamento Britânico da necessidade de controle acionário da Anglo-Persian Oil Co, atualmente a BP (British Petroleum) (Marinho 1989). Menos de duas semanas depois de ter sido aprovada a medida proposta por Churchill, o arquiduque da Áustria era assassinado, e a Primeira Guerra Mundial se iniciava. A Inglaterra contava com grande vantagem: a exclusividade do controle da exploração de petróleo na Pérsia, assegurando, dessa maneira, o abastecimento de sua marinha durante e após a guerra.

A Primeira Guerra foi fundamental para a inclusão da temática energética nas discussões da agenda de segurança nacional de diversos Estados (Oliveira 2007). A relação entre petróleo e poder militar se tornou ainda mais substancial nesse período, quando os veículos de combate, de reconhecimento e de logística -máquinas de guerra movidas a petróleo- foram introduzidos durante o conflito (Klare 2001). Ao final da guerra, não eram só os navios que podiam utilizar petróleo para se movimentarem, mas também os submarinos, aviões e tanques, que utilizavam o motor de combustão interna e eram invenções da época, mostrando-se decisivos em muitas batalhas (Oliveira 2007). Essa dinâmica continuou a influenciar as estratégias dos Estados depois da Primeira Guerra Mundial. Acreditando que o próximo grande conflito utilizaria ainda mais armas movidas a petróleo, muitos governos seguiram o exemplo britânico, criando empresas estatais e procurando obter controle sobre reservas estrangeiras de petróleo (Klare 2001). Nesse sentido, a atual potência hegemônica do sistema-mundo capitalista, os Estados Unidos, adquiriu esse status após a Segunda Guerra, em uma ascensão que passou por uma disputa com a Alemanha que envolveu recursos energéticos.

Quando do início da Segunda Guerra, já estava claro o valor estratégico do petróleo, assim como o de outros recursos energéticos, sendo esse motivo de algumas grandes batalhas (Klare 2001). Humilhados no Tratado de Versalhes, os alemães perderam, entre tantos territórios e cidades, o território de Sarre -cedido à França por quinze anos-, rico em carvão, matéria-prima da indústria alemã. Dessa forma, a expansão germânica durante a Segunda Guerra Mundial, movida pelo nazismo, visava ao carvão e ao ferro da Sibéria, ao petróleo da Romênia e do Cáucaso, ao trigo da Ucrânia, assim como a uma nova divisão do mundo colonial que incluísse a Alemanha. Em 1941, os alemães avançaram para o norte do continente Africano e invadiram também a União Soviética, buscando atingir as reservas de petróleo do Oriente Médio, Cáucaso e Mar Cáspio. Além de Moscou e Leningrado, um dos alvos da invasão do território soviético pelos alemães era o centro petrolífero de Baku (atualmente Azerbaijão).

Ao longo da guerra, os combustíveis derivados do petróleo se mostraram cada vez mais importantes para a logística dos confrontos, o que os tornou essenciais no planejamento das operações, tendo o petróleo sido determinante na derrota alemã em Stalingrado. À medida que os alemães tentavam chegar até Baku, viam-se privados de combustível, o que fez com que tentassem produzir óleo por meio da liquefação de carvão. Essa tentativa, contudo, foi frustrada por bombardeios dos aliados (1944-45), que paralisaram de vez a máquina de guerra alemã. Nesse cenário, o ponto de virada da guerra aconteceu em 1943, quando a Alemanha foi derrotada em duas batalhas por controle de regiões petrolíferas, no norte da África, em El Alamein, e na Ásia Central, no Oriente Médio e Stalingrado (Marques e Salvador 2003).

Na Segunda Guerra, a disponibilidade de recursos energéticos foi um dos determinantes do sucesso dos Estados Unidos e da União Soviética. Os Estados Unidos, por exemplo, foram capazes de extrair petróleo suficiente de suas reservas domésticas para abastecer suas próprias forças e de seus principais aliados (Klare 2004), sendo responsáveis por fornecer seis de cada sete barris de petróleo que esses consumiram no período. Com o fim da guerra, os rendimentos do petróleo americano trouxeram ao país grande prosperidade, além de terem possibilitado a rápida recuperação econômica à Europa e ao Japão, culminando em uma nova expansão do comércio e da produção mundiais, a fase inicial do ciclo sistêmico de acumulação centrado nos Estados Unidos, o que ficaria conhecido como Era Dourada do Capitalismo das décadas de 1950 e 1960.

Como destacado por Arrighi (2008), o período de prosperidade inicial não teria sido possível se não tivesse sido o funcionamento em conjunto do keynesianismo militar e social em escala mundial. O keynesianismo social, que teve patrocínio dos Estados Unidos, era baseado no pleno emprego, no elevado consumo de massa no Norte ocidental, e no “desenvolvimento” do Sul global. Já o keynesianismo militar pode ser descrito pelos grandes gastos para o rearmamento dos Estados Unidos e aliados e o estabelecimento de uma extensa rede de bases militares permanentes. Tais gastos teriam sido legitimados, principalmente, pela ameaça comunista.

Dentro desse contexto, o período conhecido como Guerra Fria pode ser caracterizado pelo duopólio de poder, ou o “equilíbrio do terror”, marcado pela corrida armamentista. Nesse sentido, os armamentos nucleares elevaram os conflitos a um novo nível, e a instalação de mísseis de longo alcance, tanto pelos Estados Unidos como pela União Soviética, superou ainda mais as expectativas de poder de destruição, colocando de lado a antiga tendência europeia de reprodução de um equilíbrio de poder entre pluralidade de estruturas militares autônomas e mais ou menos iguais. A nova tendência era a de concentração e centralização das capacidades militares globais, partindo da elevação dos custos e da destrutividade dos armamentos utilizados na luta pelo poder.

Ainda, Arrighi e Silver (2001) destacam o papel da extensa rede de bases ultramarinas, quase permanentes, mantida pelos Estados Unidos na era da Guerra Fria, como parte de um regime político-militar mundialmente abrangente, centrado naquele país, e complementado pelo sistema monetário mundial instituído em Bretton Woods, que também tinha como centro os Estados Unidos.

No entanto, para esses autores, a dominação militar e financeira estadunidense não era suficiente para a nova hegemonia mundial, e não seria “capaz de pôr fim ao caos sistêmico que prevalecia e de restabelecer condições favoráveis à reprodução ampliada do capital em escala mundial” (Arrighi e Silver 2001, 211). Os Estados Unidos ainda teriam que lidar com a escalada da insatisfação social. Nesse sentido, os autores destacam o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) como “uma espécie de espírito internacional do New Deal, uma adaptação da filosofia do Estado de bem-estar ao campo das questões mundiais” (Arrighi e Silver 2001, 213). A ONU seria uma espécie de órgão regulador internacional “neutro” para o controle de problemas sociais e políticos mais graves.

Quanto à questão energética, pode-se dizer que, entre 1945 e o início dos anos 1970, a nova potência hegemônica do sistema gozou de uma autossuficiência energética quase que completa (Geri e McNabb 2011). O país era um dos principais exportadores de petróleo do mundo, e sua matriz completava a transição de dependência no carvão para o petróleo, mais limpo e fácil de manusear. Apesar de não ser possível identificar uma política energética bem delineada para esse período, pela primeira vez os Estados Unidos passavam a adquirir grandes quantidades de petróleo do exterior. Estava aparente que algum dia as reservas estadunidenses começariam a se esgotar, e que o país precisaria importar petróleo em grandes quantidades para complementar as declinantes reservas domésticas (Klare 2004). Assim, o petróleo se tornou um assunto de política externa, e o Estado passou a assumir um papel mais direto em sua busca no exterior. Embora confiasse nas suas empresas privadas para a negociação com produtores estrangeiros, o Estado norte-americano assumiu a responsabilidade de garantir a segurança dos investimentos americanos em energia no exterior.

Os anos 1970 representam um período de dificuldades para a manutenção da hegemonia, quando os Estados Unidos, enfraquecidos por suas campanhas militares no sudeste asiático, perderam, temporariamente, a capacidade de contenção de ameaças ao livre fluxo global de petróleo (Podobnik 2006). Nesse período, a competição corporativa no mercado de petróleo se intensificou, e o conflito social cresceu nos países detentores de reservas de petróleo, principalmente os do Oriente Médio, culminando em um esforço de autonomia desses países sobre seus recursos a partir de sua nacionalização. Os resultados desse esforço de autonomia incluíram, também, os choques de petróleo da década de 1970, que levaram os preços do petróleo a quebrar recordes históricos (Gráfico 1), fato considerado um ponto de inflexão para a política energética americana: os fluxos domésticos americanos de energia, que pareciam inesgotáveis, não foram capazes, sozinhos, de sustentar a economia em expansão.

Fonte: “Statistical Review” (2017)

Gráfico 1 Os preços do petróleo ao longo do ciclo hegemônico americano 

Nesse contexto, tornou-se objeto maior de preocupação política o tema da segurança energética, que trata da disponibilidade de recursos suficientes a preços acessíveis (Kalicki e Goldwyn 2005), numa dinâmica que transcende fronteiras, considerando as relações entre diferentes Estados e como a energia impacta a segurança nacional (Yergin 2014). Ao serem distribuídos de maneira desigual pelo planeta, os recursos energéticos desempenham importante papel na área das relações internacionais, de maneira que a garantia de abastecimento desses recursos é uma questão prioritária em muitos Estados. No caso específico dos Estados Unidos, a ideia de segurança energética foi vinculada à autossuficiência ou independência energética em 1973 e tornou-se um verdadeiro mantra político no discurso de Richard Nixon sobre política energética, chamado “Projeto Independência”, e motivado pelo então recente choque do petróleo promovido pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) naquele ano, que, em conjunto com o segundo choque do petróleo, corroborou a importância estratégica desse recurso. Contudo, devido ao escândalo de Watergate, que teve seu ápice durante o ano de 1973, a capacidade de resposta de Nixon ao choque do petróleo daquele ano foi limitada, tendo o presidente renunciado em 1974.

A administração do presidente Jimmy Carter (1977-1981) foi a responsável por escrever um novo capítulo da política energética americana. Em 1977, era criado o Departamento de Energia (DOE, na sigla em inglês) americano (Geri e McNabb 2011). O departamento tinha como objetivo centralizar a questão energética em um nível do gabinete presidencial, provendo uma estrutura para o planejamento nacional abrangente da área de energia, com responsabilidades como: pesquisa e desenvolvimento de tecnologia de energia, conservação de energia, programas regulatórios de energia, coleta e análise de dados sobre energia, pesquisa, desenvolvimento e produção de armas nucleares (objetivo que foi redirecionado, parcialmente, à questão ambiental a partir do fim da Guerra Fria) (“A Brief History” 2013).

A principal legislação energética aprovada durante a administração Carter se chamou de Ato Nacional da Energia (1978), uma resposta direta à crise energética de 1973 (Geri e McNabb 2011). Essa legislação foi seguida pelo Ato de Segurança Energética (1980). O Ato Nacional da Energia e o Ato de Segurança Energética estabeleceram uma estrutura para iniciativas regulamentares e de mercado, incentivos e desincentivos fiscais, programas de eficiência e conservação energética, de combustíveis alternativos e de desenvolvimento de fontes de energia renováveis.

Com a chegada dos anos 1980, os Estados Unidos e seus aliados conseguiram restabelecer a ordem na indústria do petróleo, a partir de medidas domésticas e da criação da International Energy Agency (IEA), favorecendo a retomada da confiança no petróleo como recurso energético (Podobnik 2006). O equilíbrio sistêmico havia sido reestabelecido, e uma possível transição para um sistema energético global mais sustentável foi adiada. Ao mesmo tempo, a grande expansão do comércio e da produção mundiais das duas décadas anteriores começou a perder força e chegava ao fim a Era Dourada do capitalismo. O capital começou a migrar crescentemente da área da produção e do comércio para as finanças e atividades especulativas: era iniciada uma nova expansão financeira sistêmica (Arrighi e Silver 2001). Como nos ciclos anteriores, a riqueza voltou a se polarizar, indicando que a base da estabilidade sociopolítica estava comprometida.

O que aconteceu no campo da energia na década de 1980 é um reflexo do que acontecia na economia-mundo como um todo: a política energética altamente regulada e a escassez de recursos da década anterior dão lugar à desregulamentação, suprimentos mais confiáveis e baratos, bem como à confiança nas forças de mercado para controlar a oferta e a demanda (Geri e McNabb 2011). Reagan, que assumiu a presidência dos Estados Unidos em 1981, tentou até mesmo extinguir o DOE, ação que não passou pelo congresso. Apesar de os investimentos em energia alternativa terem sido mantidos, as pesquisas se focaram em recursos mais tradicionais como o “carvão limpo”.1 Com vistas às dificuldades da década de 1970, também se investiu em conservação de energia por meio da eficiência dos combustíveis, ajudando a derrubar a demanda americana diária de 18,8 milhões barris/dia em 1978 para 15,2 milhões de barris/dia em 1982. Os preços do petróleo só voltariam a subir a partir da invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990, que provocou um corte de 4,3 milhões de barris/dia na produção mundial de petróleo.

O fim da década de 1990 trouxe um novo tipo de crise para o setor energético: uma combinação de fatores ambientais, como um verão mais quente e um inverno mais seco, gerou uma série de blecautes que afetaram de forma mais intensa a Califórnia (Geri e McNabb 2011). Nesse cenário, os preços da energia dispararam, o que deu origem a uma bolha no comércio de energia. Mais tarde, seria descoberto que a escassez de energia era em grande parte artificial, causada pelo fechamento de instalações de geração de energia, com o propósito de aumentar os preços.

Levando em conta esses acontecimentos e visando expor ineficiências da indústria energética, foi promovida, ainda durante a década de 1990, a separação de algumas atividades tradicionalmente integradas no ramo da energia, tais como a geração, a transmissão e a distribuição (Geri e McNabb 2011). Essa reestruturação tinha como objetivo submeter a geração de energia à concorrência do livre mercado, sendo que transmissão e distribuição ainda estavam submetidas a diversos níveis de regulamentação.

Na virada do milênio, os ataques terroristas de setembro de 2001 ajudaram a comprovar que depender do Oriente Médio para suprir uma proporção tão grande da demanda americana por petróleo era um problema (Geri e McNabb 2011), reforçado pela subsequente invasão americana do Iraque e do Afeganistão, que deixou clara a ligação entre energia e segurança nacional. Durante o restante da década, o povo americano viu o preço da gasolina subir consideravelmente nas bombas de postos de combustíveis, assim como também subiu o preço do gás natural. Esses crescimentos nos preços foram atribuídos à ascendente demanda por energia que vinha dos países asiáticos em crescimento acelerado, particularmente China, Coreia do Sul e Índia.

Como resultado desses eventos, a partir de 2003, duas políticas energéticas começaram a ser desenvolvidas (Geri e McNabb 2011). A primeira delas, o Ato sobre a Política Energética, aprovada em 2005, lidava com a inclusão de subsídios, incentivos fiscais e empréstimos para a produção de diferentes tipos de energia (que incluia as renováveis), assim como ajustes para o incentivo à produção de energia nuclear, tecnologia do hidrogênio, compra de carros híbridos, tecnologia do carvão limpo, energia geotérmica, energia solar residencial, aumento do etanol nos combustíveis e aumento da segurança na geração da rede de energia elétrica.

A segunda política energética, ou o Ato sobre a Independência e a Segurança Energética, aprovada em 2007 (Geri e McNabb 2011), mudou a ênfase da política energética americana dos combustíveis provenientes do hidrogênio para a melhor da eficiência energética, expansão da produção e do uso dos biocombustíveis, desenvolvimento de veículos movidos a energia elétrica e melhoria da eficiência energética em equipamentos, iluminação e prédios públicos. Esse ato representou, de acordo com a página do mandato presidencial de George W. Bush (“Fact Sheet” 2007), um grande passo em direção à expansão da produção de combustíveis renováveis, à redução da dependência americana para com o petróleo e uma confrontação ao aquecimento global, um caminho para uma América mais forte, segura e limpa para as futuras gerações.

De 2006 a 2008, com o barril de petróleo tendo ultrapassado a marca histórica dos USD$ 150,00 (“Statistical Review” 2017), o povo americano ainda se questionava se a política energética americana era viável (Geri e McNabb 2011). A renovada escassez de gasolina fez com que muitos americanos culpassem países ricos do Oriente Médio, a Rússia e a Venezuela pelos preços altos. Além disso, a influência russa na Europa, por meio do uso de suas exportações de petróleo e gás para a região, lembrava-os o quanto pode ser ruim depender de países estrangeiros para o suprimento de suas necessidades energéticas.

A crise de 2008 fez com que os preços caíssem mais do que a metade, cerca de USD$ 50 o barril (“Statistical Review” 2017). De qualquer maneira, forças políticas dos dois partidos americanos continuavam demandando mudanças políticas que pudessem garantir o retorno à independência na produção de petróleo (Geri e McNabb 2011). Contudo, pela primeira vez, a independência energética foi apenas uma das razões para uma nova política energética. A questão ambiental, centrada no aquecimento global, assumia um lugar central na agenda internacional, reconhecendo-se a necessidade de conexão entre as políticas energética e ambiental.

Isso ficaria evidente desde os primeiros rascunhos da política energética da administração Obama (Geri e McNabb 2011). Em seu primeiro esforço para reestimular a economia americana, em 2009, Obama assinou o Ato Americano de Recuperação e Reinvestimento,2 prevendo gastos governamentais e incentivos fiscais para promover maiores investimentos e atividade econômica em eficiência energética, energias alternativas, entre outros (“About the Recovery” 2009). Em 2011, com os preços do petróleo novamente em ascensão, o governo Obama delineou os termos que norteariam suas estratégias para o setor energético no documento intitulado Blueprint for a Secure Energy Future.3

Nesse cenário, o objetivo é duplo: produzir mais petróleo em casa e reduzir a dependência externa a partir do aumento da produção de gás e biocombustíveis, e de melhoras na eficiência energética. Nesse sentido, fica claro no documento o interesse do país em liderar o segmento de energias menos poluentes: “liderar o mundo em energias limpas é crítico para o fortalecimento da economia americana e o sucesso no futuro” (“Blueprint for a Secure” 2011, 4). Os resultados da política energética do governo Obama são resumidos na seguinte passagem:

President Obama’s All-of-the-Above Energy Strategy is making America more energy independent and supporting jobs. Since the President took office, domestic energy-related emissions have fallen to their lowest level in 20 years, and our dependence on foreign oil is at a 40-year low -and declining. America is producing more oil, gas, and renewable energy, and the U.S. is becoming more energy efficient overall. These trends are increasing our energy security, cutting our carbon pollution, and enhancing our economic growth. (“Advancing American Energy” 2016)

Como veremos na próxima seção, muitos desses resultados positivos se devem à revolução americana de gás e petróleo de xisto. O gás de xisto tomou uma grande parcela do que antes era abastecido pelo carvão, principalmente no setor de geração de eletricidade, ajudando a reduzir as emissões de CO2. Já o petróleo de xisto produzido domesticamente ajudou a diminuir a dependência externa.

No que diz respeito a um possível declínio hegemônico americano, apesar da ascensão do leste asiático enquanto novo centro produtivo e de acumulação de capital, ainda não é possível dizer que a capacidade produtiva e militar dos Estados Unidos já se encontra superada. Alguns fatores como a liderança tecnológica e o controle de recursos naturais têm ajudado na manutenção da hegemonia americana. Nesse sentido, o fato de os Estados Unidos serem responsáveis por quase 20% do consumo e 13% da produção globais anuais de petróleo (“Statistical Review” 2017) indica que, apesar de estarem em situação de declínio hegemônico (Arrighi 2008), as bases materiais da hegemonia americana ainda são importantes.

Dentro desse contexto, a crise energética, que encaminha o mundo para o fim da Era do Petróleo, é essencial para a compreensão da fase de transição hegemônica. Em um cenário em que o petróleo, enquanto recurso finito, necessita ser substituído, um desafio extra encontra-se nas previsões de que talvez suas reservas internacionais estejam se esgotando. Seguindo essa linha, o teórico dos conflitos por recursos, Michael T. Klare (2001, 25, tradução livre) afirma que “as guerras por recursos se tornarão, nos anos vindouros, o traço mais marcante do ambiente de segurança global.” O autor entende que a influência desses recursos no cenário internacional dependerá da evolução dos padrões de consumo humanos que podem levar ao seu esgotamento e destaca três tendências que percebe como decisivas para o esgotamento dos recursos naturais, nos quais estão incluídos os recursos energéticos: 1) a intensificação da globalização, que inclui a industrialização acelerada do leste asiático -que acelerou drasticamente o consumo de energia- e o surgimento de uma classe média emergente que tenta replicar o estilo de vida norte-americano, de alto consumo; 2) o crescimento populacional e 3) a urbanização.

Nesse cenário, a operação das dinâmicas de extração que permitem o consumo desses recursos assumiu diversas formas no caso do setor energético moderno (Podobnik 2002), permeando as dinâmicas e disputas geopolíticas passadas e atuais.

For instance, it is widely acknowledged that competition for access to South East Asian oil resources was a fundamental cause of warfare between the US and Japan in WWII. Similarly, the largest military conflict in the post-Cold War era -the Persian Gulf War- was motivated primarily by competition for control over one of the world’s key reserves of petroleum. And every indication is that competition for petroleum will generate renewed geopolitical tensions on both regional and global levels in the coming decades, as resource and ecological boundaries draw tighter. (Podobnik 2002, 266)

Seguindo essa linha de argumentação, alguns autores destacam a importância da região do Oriente Médio, que concentra a maior parte das reservas de petróleo e gás do mundo (Harvey 2009; Klare 2012; Podobnik 2002; Yergin 2014). Harvey (2009) destaca a importância do petróleo para as ações dos Estados Unidos nessa região, podendo-se citar a recente ocupação do Iraque e o apoio ao golpe de Estado no Irã em 1953. Entre as razões por trás de suas ações, os Estados Unidos afirmam ter interesse em estabelecer democracias no Oriente Médio, razão em conflito com o fato de os Estado Unidos estarem preparados para ir à guerra e o histórico tenebroso quanto aos direitos humanos. A isso se soma a predisposição americana em encontrar armas de destruição em massa em alguns países da região, sendo que, quando finalmente foram permitidas as buscas, nada foi encontrado. Esses motivos teriam sido utilizados, sobretudo, para invocar a autoridade da ONU, dando a entender que os Estados Unidos estavam comprometidos em uma missão moral de libertação do povo iraquiano.

De qualquer maneira, “em todos esses episódios era difícil evitar a impressão de que algo muito importante estava sendo ocultado sob toda uma série de cortinas de fumaça” (Harvey 2009, 19). Esse mesmo autor, em outro livro, parafraseia a afirmação clássica de Halford Mackinder: “desde 1945, os Estados Unidos tentam dominar o Oriente Médio, pois é aí que jorra a torneira do petróleo mundial. Quem controla a torneira do petróleo global controla o mundo” (Harvey 2011, 170). Assim, levando em conta as diferentes configurações regionais de poder político-econômico, que se apresentam como um desafio para a hegemonia americana, Harvey conclui:

[...] que melhor forma de os Estados Unidos evitarem essa competição e garantirem sua posição hegemônica do que controlar o preço, as condições e a distribuição do recurso econômico decisivo de que dependem esses competidores? E que modo melhor de fazê-lo do que usar a linha de força em que os Estados Unidos ainda permanecem todo-poderosos -o poder militar? (Harvey 2009, 30)

Como já vimos, o petróleo é fundamental para as forças armadas, portanto a potência hegemônica precisa ter garantia de seu suprimento para caso de um futuro conflito com seus competidores. No caso de um conflito com a China, por exemplo, o poder de os Estados Unidos limitarem os recursos energéticos para esse oponente causaria um importante desequilíbrio a favor da hegemonia norte-americana.

Nesse cenário, são importantes as previsões sobre a exaustão dos recursos do Oriente Médio. Apesar de não ser possível dizer, com certeza, quando os recursos energéticos dessa região começarão a se exaurir, devido à pressão crescente dos Estados centrais e periféricos, as fontes convencionais e baratas de petróleo e gás devem secar entre 2030 e 2070 (Podobnik 2002). De qualquer maneira, as desigualdades inerentes do sistema internacional do petróleo devem se tornar uma fonte potencial de tensão geopolítica e vulnerabilidade financeira. Isso porque muitos países do Oriente Médio são suscetíveis a passarem por agitações políticas e sociais nas próximas décadas, o que pode interromper o fluxo de recursos energéticos provenientes dessa região e que já tem causado volatilidade nos preços do petróleo.

Yergin (2006) afirma que o modelo de segurança energética que emergiu em 1973, com foco nas interrupções do fluxo de petróleo a partir dos países produtores, precisa ser expandido. Essa expansão deve incluir a proteção da totalidade da cadeira mercantil de energia e sua infraestrutura. Dentro desse contexto, os furacões Katrina e Rita trouxeram nova perspectiva para a questão da segurança energética, ao interromper a operação de alguns oleodutos americanos por causa da falta de energia.

Considerando as proporções de crescimento do mercado de energia nos últimos anos, a segurança energética dos Estados se tornará mais urgente, requerendo coordenação em bases internacional e nacional, entre governos, empresas, e agências legais, militares, ambientais, de energia e de inteligência (Yergin 2006). Se não é possível ter certeza sobre quando acabarão os recursos do Oriente Médio, Podobnik (2002, 368) afirma que “é certo que está por vir um tempo de desafios significantes para o meio ambiente, conforme a expansão econômica global começa a terminar, a competição por recursos convencionais escassos se intensifica, e os custos das mudanças climáticas começam a se acumular.”

Em suma, pode-se entender que os recursos energéticos desempenharam papel estratégico na sustentação das hegemonias ao longo da história. Conforme Stephen Bunker et al. (citado por Podobnik 2002), a tendência de que Estados ascendentes do centro se engajem em disputas por acesso aos recursos naturais, entre eles os energéticos, tem sido uma característica central da economia-mundo desde o século XVI. Isso porque a energia se mostrou um importante mecanismo para a manutenção do poder ao servir para a produção industrial e militar, possibilitando garantir a segurança nacional e a ampliação de posições globais (Oliveira 2007). Recentemente, contudo, o modelo de geração de energia herdado da Era do Petróleo começa a apresentar os seus limites, de maneira que a busca de alternativas energéticas tem sido importante ponto da política de segurança energética dos Estados Unidos.

A revolução americana do gás de xisto

A razão pela qual existe tanto furor em torno do gás de xisto é simples. Por um lado, ele pode prover energia barata para muitos Estados que dependem de regiões politicamente sensíveis para seu abastecimento, mudando a geopolítica energética, já que a distribuição dos recursos de gás de xisto é melhor distribuída geograficamente do que aquela do petróleo e gás convencionais. Além disso, entre os que defendem seu uso, é considerado um combustível-ponte para uma matriz energética global mais sustentável. Por outro lado, existe o receio que a fratura hidráulica -método utilizado para a extração do gás de xisto- possa ser perigosa para o meio ambiente, ou que o gás de xisto seja ainda pior que o carvão e o petróleo para o efeito estufa.

Apesar do atual furor, é importante destacar que o gás de xisto não é uma novidade. Quase dois séculos antes da revolução americana de gás de xisto introduzir ao mundo termos como hydrofracking,4Marcellus5 e xisto, o primeiro poço de gás de xisto americano começava a operar nas proximidades de Fredonia, Nova York, em 1821 (“Modern Shale Gas” 2009). Contudo, o que inviabilizou o gás de xisto há dois séculos atrás foi um problema de ordem econômica: era extremamente difícil extrair gás do xisto na época e, portanto, muito caro. Assim, foi somente no século XXI que explorar o gás de xisto se tornou viável comercialmente, e isso é o resultado de três fatores: avanços na perfuração horizontal e na fratura hidráulica, e aumento dos preços do gás.

Para entender a importância do gás de xisto para a hegemonia americana e seu potencial papel de divisor de águas, é fundamental olhar para o todo: a matriz energética americana. Como já foi visto, a hegemonia americana se ergueu juntamente com a Era do Petróleo, de maneira que o petróleo tem sido o principal recurso energético da matriz americana desde a ascensão dos Estados Unidos ao status de hegemonia da economia-mundo capitalista. Desde o princípio, contudo, a relação entre o país e o petróleo tem sido conturbada, com frequentes ameaças de escassez.

Em 1956, Hubbert havia estimado que os Estados Unidos atingiriam o pico de sua produção de petróleo entre 1965 e 1970, tendo ficado famoso quando o país pareceu ter chegado a esse ponto em 1970 (citado por Yergin 2014). Nos anos que se seguiram ao suposto pico da produção de petróleo americana e à ameaça de escassez simbolizada pelos choques de petróleo da década de 1970, o país tentou se adequar à nova realidade, tomando uma série de iniciativas importantes. Como vimos, a autossuficiência energética passou a figurar como principal objetivo da política energética do país.

No que diz respeito à eficiência energética, hoje os Estados Unidos utilizam apenas metade da energia que era consumida para gerar cada unidade de Produto Interno Bruto (PIB) na década de 1970 (Yergin 2014). Esse ganho em termos de eficiência está vinculado, por um lado, a uma mudança estrutural da economia americana (diminuição do setor industrial). Por outro lado, o ganho em eficiência energética pode ser relacionado a ganhos reais de eficiência, ou seja, “maior criatividade energética, menos energia necessária para realizar determinadas atividades, seja transportar pessoas, aquecer as casas ou transformar os hidrocarbonetos em produtos químicos e plásticos” (Yergin 2014, 638). Já no que se refere ao desenvolvimento de fontes alternativas, o governo americano investiu, ao longo dos anos, bilhões de dólares nessa direção, principalmente em tecnologia.

Consideradas as diferentes iniciativas tomadas pelo governo dos Estados Unidos para garantir a energia demandada pelo país, pode-se dizer que, apesar dessas, a matriz energética americana (Gráfico 2) pouco variou durante a maior parte de seu ciclo hegemônico. Percebe-se que, na metade do século XX, o petróleo assume o papel de principal combustível da hegemonia americana. O gás natural também tem grande importância e parece ter, recentemente, vencido a disputa com o carvão e ter-se tornado o segundo combustível mais importante da matriz. Assim, petróleo, gás e carvão são responsáveis por suprir cerca de 85% das necessidades americanas de energia.

Fonte: elaborado pelos autores com dados da Energy Information Administration (EIA) (Annual Energy Review 2016)

Gráfico 2 Evolução da participação dos combustíveis primários na matriz energética americana 

No que se refere à importância do gás natural para a matriz energética americana, podemos começar dizendo que esse desempenha um papel-chave no atendimento das necessidades americanas, suprindo atualmente quase 30% da demanda por energia (“Annual Energy Outlook” 2017). Um fator que torna o gás natural um combustível atrativo é a questão da confiabilidade do suprimento, atrelada ao fato de que mais de 80% do gás consumido pelos Estados Unidos é produzido pelo próprio país,6 e quase 100% pela América do Norte. Outra vantagem do gás natural é sua eficiência e queima mais limpa. Dentre os hidrocarbonetos, é o mais limpo, emitindo cerca de metade do CO2 gerado na queima de carvão e 30% menos que o petróleo (“Modern Shale Gas” 2009). Por essa razão, é geralmente considerado um recurso central para os planos de redução das emissões dos gases do efeito estufa.

Atualmente, uma tendência importante é a diminuição da lacuna histórica entre consumo e produção de gás natural. Uma das consequências das medidas adotadas a partir dos anos 1970 foi um aumento da produção de gás ao longo dos primeiros anos do século XXI, quando quantidades massivas de gás passaram a ser extraídas nos Estados Unidos, de maneira que, entre 2000 e 2016, a produção de gás natural americana cresceu quase 40% (Gráfico 3), o que os tornou o maior produtor global de gás (“Statistical Review” 2017). Esse aumento da produção, em conjunto com a crise de 2008, que impactou negativamente o consumo de gás nos Estados Unidos, contribuiu para o decrescimento da lacuna entre produção e consumo de gás natural, a partir da segunda metade dos anos 2000. Por trás do grande aumento na produção, está o gás de xisto, do qual provém atualmente cerca de 50% do gás natural consumido nos Estados Unidos (Gráfico 4).

Fonte: elaborado pelos autores com dados da EIA (“Natural Gas” 2017). O volume de gás natural está expresso em milhões de f³

Gráfico 3 Produção, consumo, importações e exportações de gás natural dos Estados Unidos 

Fonte: elaborado pelos autores com dados da EIA (AEO2016 2016)

Gráfico 4 Produção americana bruta de gás natural dry por fonte (MMcf) 

A mistura de inovação tecnológica e de altos preços de gás e petróleo foi responsável por viabilizar a exploração comercial de gás de xisto no século XXI. No que diz respeito à inovação tecnológica, os esforços e incentivos do Estado americano no longo prazo foram fundamentais. Dentro dos esforços do DOE para o desenvolvimento de energias alternativas, enquadra-se a cláusula da lei fiscal americana de 1980, conhecida como Section 29, que fazia concessão de crédito fiscal federal para a exploração do gás natural não convencional (Yergin 2014). Essa cláusula foi fundamental para o projeto de Mitchell, empresário que conseguiu tornar viável comercialmente a exploração do gás de xisto.

Também foram fundamentais para o sucesso do projeto tecnologias desenvolvidas nos laboratórios do governo americano nas áreas de mapeamento e monitoramento (Yergin 2014). O desenvolvimento da tecnologia sísmica 3D, patrocinado pelo DOE, ajudou a compreender melhor o subsolo, mas não foi suficiente, faltava ainda a técnica de extração ideal. Muito embora Mitchell não tenha inventado a fratura hidráulica -demonstrada pela primeira vez pelo DOE em 1977 (Shellenberger e Nordhaus 2011)-, foi responsável pela adaptação que seria revolucionária para indústria: a light sand fracking.

Em suma, na história de sucesso da indústria do xisto, o setor privado tem sido responsável pelos contínuos avanços na exploração e produção de tecnologias para o desenvolvimento do gás não convencional, enquanto o governo federal tem ajudado substancialmente esse esforço de várias maneiras: mapeando recursos, coordenando e complementando os esforços da indústria, realizando atividades na área de pesquisa e desenvolvimento básico, e a partir de créditos fiscais para gás não convencional (Burwen e Flegal 2013). Assim, pode-se dizer que o Estado americano teve um papel fundamental para a ascensão do gás de xisto, com base nos investimentos em tecnologia de energia. Isso acontece porque o setor privado, sozinho, não é capaz de sustentar investimentos de longo prazo necessários aos grandes avanços tecnológicos em meio da volatilidade característica dos mercados de energia e sob pressões de curto prazo para produção de lucros. O principal interesse do Estado americano, nesse contexto, é garantir seu suprimento energético, na recorrente busca pela autossuficiência energética, que, como vimos, esteve presente entre os objetivos da política energética americana desde os choques de petróleo da década de 1970.

Nesse sentido, nos documentos oficiais da Casa Branca destinados ao tópico de segurança energética, Blueprint for a Secure Energy Future (“Blueprint for a Secure” 2011) e Blueprint for a Secure Energy Future: progress report (“Blueprint for a Secure” 2012), a administração Obama reconhece a importância do xisto no aumento da produção doméstica de petróleo e gás natural, afirmando que esses recursos, quando desenvolvidos com segurança, terão papel fundamental na produção doméstica de energia das próximas décadas.7

Além dos desenvolvimentos descritos até aqui, os anos 2000 contribuíram com outro fator fundamental para o sucesso da indústria do xisto: o aumento dos preços de petróleo (Gráfico 1) e gás. Após um período de estabilidade que se estendeu de 1986 a 2001, o preço internacional do petróleo entraria em um período de ascensão, marcado pela alta volatilidade, que teve raiz em uma série de eventos específicos. Esses eventos ocorreram tanto do lado da oferta quanto do lado da demanda. Primeiramente, como vimos, a China entra para a Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, gerando um importante incremento na demanda global de petróleo. No que diz respeito à oferta, uma série de outros acontecimentos impactariam a produção de gás e petróleo durante os primeiros anos do século XXI. Entre eles, destacamos a greve geral na Venezuela e a bolha das “com” em 2002, os ataques terroristas de setembro de 2001 e a consequente invasão americana do Iraque a partir de 2003, os furacões Rita e Katrina em 2005, a crise econômico-financeira de 2008 e a Primavera Árabe a partir de 2010. Apesar da volatilidade, a tendência geral foi de crescimento do preço do petróleo, que acabou impactando o preço do gás produzido nos Estados Unidos e ocasiounou a coincidência-chave com os avanços tecnológicos, que tornou viável a exploração em escala comercial desse recurso nos Estados Unidos durante a primeira década dos anos 2000.

Ainda, a revolução do gás de xisto fez com que surgisse uma perspectiva de autossuficiência energética da América do Norte em apenas uma década (“Annual Energy Outlook” 2015), sendo possível que os Estados Unidos passem de importador à exportador líquido de gás natural. É possível afirmar, nesse sentido, que o boom do gás de xisto tem potencial de recriar a geopolítica do petróleo, pois transformou o mercado de gás dos Estados Unidos e ocupou o lugar que antes era destinado ao gás natural liquefeito, gerando um acúmulo deste no Oriente Médio. Essa conjunção de descobertas coloca muito mais gás no mercado do que era esperado e aumenta a concorrência por mercados para esse hidrocarboneto.

Nesse cenário de aumento da concorrência por mercados, os países-membros da Opep promoveram uma mudança de política em 2014 (Reed 2014), para defender seu market share ante os produtores concorrentes de alto-custo, dentro dos quais se enquadram os do xisto americano. Essa mudança vai contra a política de cortes na produção para dar suporte aos preços, ou de ajuste da produção ao mercado para a estabilização dos preços. Diante da desaceleração da demanda chinesa e do crescimento acelerado da produção de gás e óleo de xisto nos Estados Unidos, os países-membros da Opep começaram a extrair petróleo em quantidades recordes (Lawler 2016), o que forçou a baixa dos preços e tornou o futuro da indústria do xisto incerto.

Conclusões

Os hidrocarbonetos se revelaram fundamentais para a ascensão das hegemonias britânica e americana, cumprindo importante papel enquanto recurso de poder nas guerras mundiais e nas fases de expansão comercial de cada um desses ciclos. Todavia, o novo cenário energético, que emerge juntamente com o século XXI, é marcado por transformações que indicam esgotamento do modelo energético herdado do século passado, que começa a ser tomado como insustentável, tanto ecológica quanto fisicamente, verificando-se um possível futuro descompasso entre as necessidades energéticas e a disponibilidade de recursos escassos.

Dentro desse contexto, apesar das diferentes opções de geração de energia, os últimos anos demonstraram que talvez a próxima matriz energética se baseie na ampliação do consumo de hidrocarbonetos, a partir da exploração dos não convencionais. É dentro desse esforço de diversificação que se insere a revolução americana do gás de xisto, de maneira que este artigo tentou demonstrar a importância desse recurso para os Estados Unidos, considerando seu potencial para prolongar o ciclo de dominação americano.

Como mostra a história, não é possível que uma hegemonia se mantenha no poder perpetuamente. Seguindo essa linha, o espectro do declínio americano ressurgiu durante a primeira década dos anos 2000, naquilo que Arrighi (2008) chama de dominação sem hegemonia. A crise financeira global, uma vacilante economia americana, e custosas e controversas campanhas militares no exterior têm sido apresentadas como provas conclusivas de que a política externa americana se vê sem os recursos necessários para sustentar sua hegemonia internacional. Nesse cenário, argumentos de fraqueza externa e interna têm sido relacionados às análises de ascensão de competidores, para demonstrar um possível declínio relativo, sendo a ascensão chinesa apresentada como evidência de que o ciclo de acumulação americano está chegando ao seu fim.

A principal fraqueza desses argumentos declinistas é que eles superestimam a provável força futura dos competidores, ao mesmo tempo que subestimam a capacidade americana de reinventar sua economia e assim prolongar seu ciclo de dominação ou até mesmo retomar seu status hegemônico. Como vimos, o desenvolvimento mais relevante nesse sentido foi o repentino ressurgimento do setor energético americano. Acreditava-se que a exploração americana de petróleo e gás teria atingido seu pico durante a década de 1970, e que recentemente essa indústria teria entrado em declínio, mas o cenário no início do século XXI é completamente diferente. Vastas reservas de gás de xisto, acompanhado de tight oil, oferecem importante potencial para a recuperação da economia americana, e até mesmo uma autossuficiência energética dos Estados Unidos em alguns anos (“Annual Energy Outlook” 2015).

A ressurgência do setor energético pode contribuir para reverter o déficit comercial americano e fortalecer a base industrial americana. Ainda, existe o impacto geopolítico de uma independência energética americana, que promete ser muito significativo e representar o declínio relativo de poder dos exportadores tradicionais de hidrocarbonetos convencionais. Assim, é possível afirmar que argumentos sobre um declínio americano podem ainda se provar prematuros.

Em suma, a revolução americana de gás de xisto é uma grande promessa no que diz respeito às bases estruturais da dominação americana, ajudando a diminuir a dependência com relação aos recursos energéticos externos. Contudo, tal promessa pode ser frustrada por uma série de fatores, como a incerteza sobre o real potencial das reservas,8 os riscos ambientais oferecidos pela exploração desse recurso9 e as estratégias de mercado da concorrência.

Longe de ter encerrado o debate sobre a importância do gás de xisto para os Estados Unidos, este artigo buscou um primeiro entendimento sobre a questão, a partir da perspectiva dos sistemas-mundo, que tenta englobar diferentes áreas do conhecimento em um tempo histórico de longo prazo. Assim, as dinâmicas estudadas aqui se inserem numa ampla agenda de pesquisa, que engloba fenômenos recentes, mas também de longo prazo.

No que tange à agenda para pesquisas futuras, são muitas as questões em aberto. Dentro da perspectiva teórica dos sistemas-mundo, uma primeira ideia de pesquisa seria um estudo comparativo de processos de ascensão econômica e hegemônica que falharam, como os da França e da Inglaterra, que atente para o papel dos recursos naturais e as estratégias para o acesso a esses recursos. No que se refere à revolução americana do gás de xisto, durante nossa pesquisa, não foi possível encontrar um consenso sobre o impacto dessa indústria para a economia americana (empregos, investimentos, receitas de impostos, etc.), de maneira que é necessário um rigoroso levantamento de dados nesse sentido. Também é preciso um estudo mais aprofundado com relação ao impacto da exploração do gás de xisto no jogo geopolítico, que produz diferentes resultados tanto para os tradicionais países exportadores de hidrocarbonetos convencionais quanto para os importadores.

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COMO CITAR: Boff, Gabriela Bristot e Helton Ricardo Ouriques. 2018. “Energia e hegemonia dos Estados Unidos: uma análise do petróleo e do gás de xisto a partir da perspectiva dos sistemas-mundo”. Colombia Internacional (96): 149-176. https://doi.org/10.7440/colombiaint96.2018.06

* Este artigo contou com o financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação ligada ao Ministério da Educação do Brasil, que concedeu bolsa de mestrado para Gabriela Bristot Boff, que pesquisou a temática em sua dissertação de mestrado, defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2017, sob a orientação do Professor Helton Ricardo Ouriques.

1Um conjunto de tecnologias e processos que tem como objetivo mitigar o impacto do carvão na geração de energia (Dowdey 2007).

2American Recovery and Reinvestment Act.

3“Rising prices at the pump affect everybody —workers and farmers; truck drivers and restaurant owners. Businesses see it impact their bottom line. Families feel the pinch when they fill up their tank. For Americans already struggling to get by, it makes life that much harder. Demand for oil in countries like China and India is only growing, and the price of oil will continue to rise with it. That’s why we need to make ourselves more secure and control our energy future by harnessing all of the resources that we have available and embracing a diverse energy portfolio” (Blueprint 2011, 3).

4É a técnica utilizada para a exploração do gás de xisto, a qual consiste na perfuração vertical, até a camada do solo conhecida como xisto, e posteriormente horizontal. Quando concluída a perfuração, é injetada uma mistura de água, areia e químicos no solo a fim de fraturar a rocha e permitir a liberação do gás (Stephenson 2015).

5O campo de Marcellus é o maior campo americano de exploração de gás de xisto, com uma área de 95.000 m² que abrange seis estados diferentes (“Modern Shale Gas” 2009), sendo responsável por cerca de 36% da produção (“Shale in the United States” 2017).

6O país possui reservas comprovadas abundantes desse recurso, num total de 8,7 trilhões de m³ (“Statistical Review” 2017).

7“Over the last two years, domestic oil and natural gas production has increased. In 2010, American oil production reached its highest level since 2003, and total U.S. natural gas production reached its highest level in more than 30 years. Much of this increase has the been the result of growing natural gas and oil production from shale formations as a result of recent technological advances. These resources, when developed with appropriate safeguards to protect public health, will play a critical role in domestic energy production in the coming decades” (“Blueprint for a Secure” 2011, 5).

8Em seu artigo Natural Gas: The Fracking Fallacy, Inman (2014) apresenta projeções pessimistas sobre o potencial das reservas de gás de xisto, de maneira que a produção poderia atingir um pico já em 2020, seguido de um platô de cerca de 20 anos.

9Para uma descrição detalhada das ameaças oferecidas pela exploração do gás de xisto ao meio ambiente, consultar Boff (2017).

Recebido: 30 de Agosto de 2017; Aceito: 05 de Março de 2018

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