Introdução
A corrupção política é considerada uma das principais ameaças à democracia, com efeitos não só políticos, mas também sociais (Mires 2006; Rocha et al. 2019). O Brasil é apontado como um caso exemplar quando se trata da relação entre transações corruptas e sistema político representativo, diagnóstico que se comprova de forma recorrente com a sequência de escândalos políticos em todos os níveis federativos, formando uma rede de transações e práticas corruptas (Cunha e Araújo 2018). São escândalos causados geralmente por casos de desvios de recursos públicos, uso indevido da máquina administrativa, redes de clientelas, sistemas institucionalizados de propinas, entre outras formas de troca de favores e de favorecimento pessoal a partir do uso de cargos e posições no sistema político (Filgueiras 2009; Nascimento 2018; Matos 2018; Lopes Júnior 2018).
Justifica-se o presente trabalho em virtude da grande relevância que o tema ganhou nos últimos anos, particularmente em um contexto que combina a emergência de novas denúncias e os desdobramentos de outras em andamento, como a Operação Lava Jato. Além disso, o ano de 2016 foi intenso no debate público sobre como coibir e combater a corrupção política no Brasil.1 Ao longo dos últimos anos, várias pesquisas de opinião foram realizadas sobre corrupção, o que indica a recorrência e a relevância do tema na agenda social brasileira. O mais produtivo nessas perspectivas são as séries comparativas, como no caso da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que, em 2016, publicou resultados de sondagem na qual compara os dados com anos anteriores. Enquanto em 2012 os três principais problemas citados pela população eram drogas (72%), violência (65%) e precárias condições de saúde (62%), em 2016 a corrupção assumiu o primeiro lugar do ranking, conforme 65% dos informantes (CNI 2016). Compreender o modo como os brasileiros percebem o problema da corrupção na política é, portanto, uma contribuição relevante para a análise do tema no seu sentido mais amplo.
Por se tratar de algo difícil de ser mensurado por meio de indicadores objetivos, uma das possibilidades para o estudo das transações corruptas é a percepção por parte dos cidadãos (Abramo 2005; Fortini e Shermam 2018). A frequência dos escândalos produz um clima de opinião negativo e um cenário de mal-estar coletivo, pautado pela desconfiança e insatisfação com relação aos rumos da política no Brasil (Avritzer 2016; Gonçalves 2019). O presente estudo tem o objetivo de avaliar quais são as percepções atuais dos brasileiros sobre corrupção, seja com relação à existência dessa, seja com relação ao nível de compromisso das instituições existentes em combatê-la.
Trata-se de pesquisa quantitativa, com emprego de survey, aplicado pela internet, de dezembro de 2016 a fevereiro de 2017, com 1.522 respostas, distribuídas pelas cinco regiões geográficas do Brasil. Os resultados foram tratados descritiva e inferencialmente. Escolheu-se o caminho do survey por ser técnica bastante utilizada em pesquisas semelhantes (World Values Survey, Latinobarômetro, Transparência Internacional etc.), o que possibilita análises comparadas, e por dialogar diretamente com os indivíduos, uma vez que o objetivo se relaciona a percepções subjetivas. O uso de survey próprio diferencia o presente estudo de outros que trabalham com dados indiretos, obtidos em levantamentos mais gerais (Power e González 2003; Melgar, Rossi e Smith 2010; Bohn 2012). Todavia, reconhecem-se as dificuldades usuais no uso dessa técnica, particularmente a impossibilidade de fazer perguntas mais diretas, possivelmente consideradas comprometedoras por parte do respondente, mesmo sob o anonimato, o que geraria falseamento de respostas (por exemplo, perguntar se o participante já presenciou uma situação de tráfico de influência, cuja resposta positiva poderia fazer do respondente um cúmplice, ainda que por omissão).
Considerando que o Estado brasileiro é constituído por uma estrutura de órgãos de controle da corrupção, o survey também tenta captar como os cidadãos percebem a atuação desses órgãos, no que se refere especificamente ao empenho no combate às práticas corruptas na política. Apesar do reconhecimento de que tais práticas no Brasil não se limitam ao setor público por uma questão de recorte analítico e para viabilizar a aplicação do questionário, optamos pelo enfoque específico no âmbito da política. Tal escolha se justifica também por ser o tipo de corrupção mais discutido atualmente no Brasil e o que adquiriu maior visibilidade social nos últimos anos. Além disso, no setor público, as práticas corruptas são apontadas de forma quase unânime na literatura como um dos principais desafios da consolidação democrática no Brasil (Araújo e Sanchez 2005; Avritzer e Filgueira 2011; Carrara e Fernandes 2018).
Antes da análise dos dados, o texto apresenta um breve panorama dos estudos mais relevantes que analisam a percepção social da corrupção política no Brasil. Nessa percepção, é importante a comparação com pesquisas realizadas em períodos anteriores, já que é um fenômeno dinâmico e volátil, sujeito às transformações em função do contexto e das alterações na própria conjuntura política, além do aumento ou da redução na divulgação de denúncias sobre escândalos políticos (Bonifácio e Paulino 2015).
Percepção social da corrupção política no Brasil
Boa parte das pesquisas realizadas a respeito do tema tem considerado como elemento primordial para sua compreensão a percepção que os brasileiros têm a respeito dela. O problema de abordar o assunto empiricamente “é o fato de não haver uma forma de medição direta desse fenômeno, o que pode significar o fato de ser possível que essas pesquisas apresentem vieses e controvérsias interpretativas” (Filgueiras 2009, 407). Os índices de percepção social da corrupção constituem, na realidade, “uma medida reputacional, não um indicador empírico de casos concretos de corrupção” (Power e Gonzalez 2003, 63).
Apesar de ser uma medida indireta, estudos sobre a percepção social podem revelar traços dos elementos culturais (Abramo 2005), além de permitir captar as avaliações subjetivas dos cidadãos que se posicionam como observadores das práticas corruptas e, portanto, atores cuja percepção é relevante para a compreensão desse fenômeno, em termos qualitativos (Speck 2012; Souza 2014). Melgar, Rossi e Smith (2010) afirmam que, ainda que se leve em conta que a percepção social difere do nível real de corrupção, os indicadores de percepção são bons indicadores desse nível, além de permitirem cruzamentos relevantes com dados macroeconômicos e sociodemográficos.
Entretanto, é cabível aqui a ressalva de que esse aspecto reputacional é inerente à política, à democracia e a outras expressões afins, como confiança política e opinião pública. Afinal, são categorias analíticas difíceis de serem tratadas exclusivamente do ponto de vista “objetivo” dos indicadores empiricamente orientados por percentuais obtidos por meios exclusivamente matemáticos. Todas elas passam pelos filtros da percepção social, com suas nuances hermenêuticas e variações interpretativas. Dessa forma, concordamos com a perspectiva analítica de que considerar as percepções sociais permitem avaliar como determinada sociedade, em um dado momento histórico, produz suas avaliações sobre os atos corruptos, seus agentes e a extensão das transações corruptas conforme a perspectiva dos variados grupos sociais (Marani, Brito, Souzal e Brito 2018).
Considerar as concepções sobre o tema “permite também inferir que os discursos sobre a corrupção não exprimem meras opiniões sobre o fenómeno, mas teorias práticas que contribuem para uma visão coerente do mundo social” (Poeschl e Ribeiro 2014, 427). Assim, o estudo das percepções sociais sobre o tema cumpre diversas funções, como justificar as relações entre os grupos e desvendar o quadro de referência no qual os discursos são produzidos, revelando o ponto de vista das pessoas sobre o tema. Tais estudos permitem ainda: (a) captar a informação que circula sobre o fenômeno e como ela é recebida e processada pelos cidadãos; (b) verificar a existência de diferenças nas representações da corrupção em função de variáveis sociais como sexo, idade, renda, instrução; (c) explorar a natureza das variações dessas representações (Poeschl e Ribeiro 2014; Marani et al. 2018)
Para Filgueiras (2009, 407), a percepção da corrupção pode ser útil para “revelar uma cultura política de fundo informada por perspectivas atitudinais delimitadas por variáveis abrangentes e indiretas”. O autor compreende percepção social como uma medida indireta, com base no modo como os indivíduos descrevem o fenômeno. O termo “percepção”, nesse sentido, tem dois elementos que precisam ser considerados. O primeiro abrange o elemento propriamente descritivo, ao qual o cidadão circunscreve sua avaliação, ou seja, o Estado, quando se trata da corrupção política. O segundo refere-se aos parâmetros utilizados para realizar a descrição. Afinal, perceber algo significa formular impressões a respeito do objeto com base em parâmetros preestabelecidos para a sua compreensão. Dessa forma, os estudos sobre percepção social acerca do assunto partem da premissa de que a percepção da corrupção por parte do cidadão comum significa sua capacidade de descrever e avaliar a corrupção com base em parâmetros morais definidos previamente. Isso porque a percepção expressa um juízo moral, em que o indivíduo avalia a ação praticada por um agente “com base em uma moralidade pressuposta, fundamentada em consensos a respeito de valores e normas que organizam concepções de bom governo” (Filgueiras 2009, 407).
Existem vários estudos que já avaliaram a percepção social brasileira sobre corrupção.2 Não temos como propósito resenhar de forma exaustiva tais pesquisas, mas apenas situar algumas delas, a fim de oferecer um panorama sobre como o tema tem sido percebido pela opinião pública no período pós-redemocratização.
Um dos estudos referenciais no contexto recente sobre percepção social da corrupção é o survey “Os brasileiros e a corrupção”, realizado pelo Centro de Referência do Interesse Público da Universidade Federal de Minas Gerais e o Instituto Vox Populli, em 2008, analisado por Filgueira (2009). A principal conclusão mostra que a percepção do público é focada principalmente nas instâncias representativas, “em especial nas Câmaras de Vereadores, na Câmara dos Deputados, nas Prefeituras e no Senado Federal, e que tenham, de alguma forma, relação com o Estado” (Filgueira 2009, 412). Ao apontarem o principal foco de corrupção política no interior das estruturas do Estado, 46,9% dos informantes consideraram mais típicos entre as práticas corruptas os atos praticados pelos próprios servidores públicos, enquanto 29,1% consideraram qualquer ato praticado contra o Estado e 21,9% avaliaram que as duas alternativas são igualmente corruptas:
Cruzando as duas questões, obtém-se uma associação entre as duas variáveis, em que concepções de interesse público influenciam o modo como os brasileiros percebem situações de corrupção. Nesse caso, o modo como o brasileiro compreende a questão do interesse público, afirmando que ele é de responsabilidade do Estado, implica o fato de ele compreender a corrupção como praticada por funcionários públicos. Como o interesse público representa, na dimensão do imaginário coletivo brasileiro, uma ideia de interesse do Estado, é esperado que a corrupção seja compreendida na esfera estatal e não na dimensão da sociedade em seu conjunto. Nesse caso, a cultura política vincula, de alguma maneira, o tema da corrupção ao tema do Estado, sem perceber a corrupção que é praticada na dimensão da sociedade. (Filgueira 2009, 410)
Dados do Estudo Eleitoral Brasileiro, citados por Meneguello (2011), após o escândalo do mensalão, evidenciam que os brasileiros “percebem que o fenômeno da corrupção é nocivo ao funcionamento do sistema, fazem juízo sobre esse fenômeno, mas essa percepção tem limites de influência” (Meneguello 2011, 6). A maioria dos informantes percebe o aumento da corrupção no tempo, associando-a diretamente com o setor público. A maioria “considera a seriedade do fenômeno e manifesta um homogêneo juízo negativo sobre as formas da corrupção política associada à administração pública” (Meneguello 2011, 6). Segundo os dados da época, 59,4% avaliaram que o fenômeno havia aumentado muito, enquanto 20,8% responderam que havia aumentado pouco e 81,1% afirmaram que havia permanecido igual aos anos anteriores. Do total, 75,9% avaliaram a corrupção política como um problema muito sério, 18,2% como sério, somando 94,1%. Apenas 5,9% avaliaram como algo pouco sério.
A percepção sobre o tema deve ser tratada de forma situacional, uma vez que fatores de cultura política e capital social a influenciam diretamente, conforme demonstrado por Power e González (2003). Níveis de confiança institucional e confiança interpessoal, por exemplo, são preditores significativos do nível de percepção de corrupção (Power e González 2003). Religiões também são apontadas como fatores que afetam significativamente (Power e González 2003; Melgar, Rossi e Smith 2010; Bohn 2012). Treisman (2000) aponta nível educacional e desenvolvimento econômico como reforçadores das possibilidades de reconhecimento da presença de corrupção política. Liberdade de imprensa e de associação possibilitam que jornalistas e grupos de interesse investiguem e exponham o comportamento corrupto (Power e González 2003). Essa dimensão foi também ampliada com a disseminação da internet e das redes sociais, bem como com os movimentos generalizados em favor de mais transparência governamental. O sistema político-eleitoral, ao definir as possibilidades e a intensidade da competição pelo poder, também é um fator relevante, uma vez que os concorrentes tendem a explorar escândalos de seus adversários em campanhas. Marani et al. (2018) apontam fatores culturais, relacionados às expectativas que a sociedade tem para com os agentes públicos. Enfim, como argumentam Melgar, Rossi e Smith (2010), algumas variáveis sociodemográficas são chave para a compreensão do fenômeno “nível percebido de corrupção”.
Estudar percepção da corrupção, embora seja, conforme argumentado, uma proxy útil aos estudos acerca do assunto, também é algo complexo. A técnica utilizada (survey) não permite tratar variações individuais no tocante ao que os indivíduos consideram ser atos corruptos, o que impactará diretamente as respostas individuais (Bohn 2012). No nível societal, fatores contextuais podem ampliar o fenômeno percebido, sem necessariamente implicar correspondência em corrupção efetivamente existente. Como, conforme já citado, a pesquisa foi realizada em um momento em que o tema estava efervescente, essa realidade pode ter impactado os resultados.
Os impactos contextuais, por sua vez, relacionam-se diretamente ao papel da mídia, sobretudo quando transformam episódios de desvios de conduta em escândalos nacionais (Bohn 2012; Garcilazo 2019; Gomes e Alencar 2019), como foi o caso do chamado “petrolão”.3 Convém ressaltar o papel central das mídias no contexto atual. Há uma vasta literatura sobre que se convencionou chamar de “midiatização da política e da cultura”, entendendo a midiatização como um processo social de referência que condiciona a produção de sentidos em praticamente todos os setores da vida social (Esser e Strömbäck 2014). Isso porque, segundo essa perspectiva, os meios de comunicação estão diretamente envolvidos na produção de consensos e de valores que orientam a vida cotidiana dos cidadãos. Por tais razões, as mídias tornaram-se eficientes mecanismos de socialização, além de uma influente instância de poder simbólico (Barros 2015).
Com os jogos retóricos próprios do seu modo de narrar e perspectivar o mundo social, os meios de comunicação constroem e naturalizam formas hegemônicas de pensamento, aparentemente consensuais. Nesse sentido, as mídias tanto podem construir novas hegemonias quanto se alinhar a discursos hegemônicos de grupos de poder já existentes, sob o manto da suposta objetividade jornalística (Barros 2015). Esse poder das mídias se deve à sua capacidade de atuar como definidores primários das pautas políticas, econômicas e culturais. Os discursos hegemônicos construídos pelas mídias resultam da habilidade dos emissores de se apresentar como neutros, mesmo quando legitimam determinados projetos políticos. Uma estratégia usada para isso é, em tese, incorporar o interesse geral. Dessa forma, a hegemonia se concretiza com a adesão de uma coletividade, convertendo tal projeto em algo comum, aceito pela maioria sem questionamentos (Wolfsfeld, Yarchi e Samuel-Azran 2016).
Deve-se levar em consideração também que estudos similares demonstram que a percepção da corrupção alcança níveis mais elevados quando há insatisfação com o desempenho do chefe do Poder Executivo, ou seja, a percepção social é correlacionada com o sentimento de expectativas frustradas (Bohn 2012). Tal fato é relevante na situação brasileira, uma vez que a ex-presidente da República deixou o cargo com índices de aprovação inferiores a 10%, mesmo patamar alcançado pelo então presidente da República em 2018.
Resultados e discussão
Passando à análise dos dados, as tabelas 1 e 2 oferecem um perfil geral dos respondentes, a serem considerados nos testes estatísticos das questões colocadas adiante. De maneira geral, podemos dizer que o grupo é formado mais por homens (51,31%), entre 21 e 30 anos (29,30%), com renda familiar de 3 a 5 salários-mínimos (34,36%), com pós-graduação completa (26,22%), empregados (38,76%), do setor privado (41,46%), sem religião (32,39%), moradores de região metropolitana (39,09%), sem filiação partidária (94,42%). A distribuição por regiões segue proporcionalidade razoável em relação à população contada no censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, com pequena margem de vantagem para o Centro-Oeste e desvantagem para o Sudeste, embora ainda detenha o maior número de respondentes.4
Sexo | N | % |
---|---|---|
Feminino | 781 | 51,31 |
Masculino | 720 | 47,31 |
Não informado | 21 | 1,38 |
Subtotal | 1.522 | 100 |
Faixa etária | ||
Até 20 anos | 156 | 10,25 |
De 21 a 30 anos | 446 | 29,30 |
De 31 a 40 anos | 272 | 17,87 |
De 41 a 50 anos | 194 | 12,75 |
De 51 a 60 anos | 185 | 12,16 |
Acima de 60 anos | 242 | 15,90 |
Não informado | 27 | 1,77 |
Subtotal | 1.522 | 100 |
Renda familiar | ||
Até 2 salários-mínimos | 257 | 16,89 |
De 3 a 5 salários-mínimos | 523 | 34,36 |
De 6 a 10 salários-mínimos | 307 | 20,17 |
De 11 a 15 salários-mínimos | 137 | 9,00 |
Acima de 15 salários-mínimos | 225 | 14,78 |
Prefiro não declarar | 49 | 3,22 |
Não informado | 24 | 1,58 |
Subtotal | 1.522 | 100 |
Escolaridade | ||
Fundamental | 111 | 7,29 |
Médio incompleto | 317 | 20,83 |
Médio completo | 259 | 17,02 |
Superior incompleto | 209 | 13,73 |
Superior completo | 153 | 10,05 |
Pós-graduação incompleto | 42 | 2,76 |
Pós-graduação completo | 399 | 26,22 |
Não informado | 32 | 2,10 |
Subtotal | 1.522 | 100 |
Situação profissional | ||
Empregado | 590 | 38,76 |
Desempregado | 208 | 13,67 |
Empresário | 95 | 6,24 |
Aposentado | 216 | 14,19 |
Estudante | 380 | 24,97 |
Não informado | 33 | 2,17 |
Subtotal | 1.522 | 100 |
Setor de atuação | ||
Público | 445 | 29,24 |
Privado | 631 | 41,46 |
ONGs | 125 | 8,21 |
Outros | 265 | 17,41 |
Não informado | 56 | 3,68 |
Subtotal | 1.522 | 100 |
Religião | ||
Católica apostólica romana | 449 | 29,50 |
Evangélicas | 192 | 12,61 |
Espírita | 144 | 9,46 |
Umbanda e candomblé | 62 | 4,07 |
Outras religiosidades | 151 | 9,92 |
Sem religião | 493 | 32,39 |
Não informado | 31 | 2,04 |
Subtotal | 1.522 | 100 |
Local de residência | ||
Capital | 529 | 34,76 |
Interior | 359 | 23,59 |
Região metropolitana (não capital) | 595 | 39,09 |
Outros | 6 | 0,39 |
Não informado | 33 | 2,17 |
Subtotal | 1.522 | 100 |
REGIÃO GEOGRÁFICA | ||
Norte | 134 | 8,80 |
Nordeste | 384 | 25,23 |
Centro-Oeste | 263 | 17,28 |
Sudeste | 475 | 31,21 |
Sul | 225 | 14,78 |
Não informado | 41 | 2,69 |
Subtotal | 1.522 | 100 |
Filiação partidária | ||
Não filiado | 1437 | 94,42 |
Filiado | 58 | 3,81 |
Não informado | 27 | 1,77 |
Subtotal | 1.522 | 100 |
Fonte: elaboração própria.
Os partidos mais citados pelos respondentes foram, em ordem decrescente: PDT, PMDB, PV, PSOL, PT e PSDB5 (tabela 2). A influência da multiplicidade das variáveis de cada uma das categorias aqui resumidas será verificada durante a avaliação da relação entre elas no decorrer desta seção.
Partidos | N | % |
---|---|---|
PDT | 8 | 13,79 |
PMDB | 8 | 13,79 |
PV | 7 | 12,07 |
PSOL | 7 | 12,07 |
PT | 6 | 10,34 |
PSDB | 6 | 10,34 |
PSB | 5 | 8,62 |
PHS | 4 | 6,90 |
Rede | 2 | 3,45 |
PL | 2 | 3,45 |
PP | 2 | 3,45 |
Novo | 1 | 1,72 |
Total | 58 | 100 |
Fonte: elaboração própria.
A quase unanimidade dos respondentes concorda com a afirmação (95,67%), conforme apresentado pela tabela 3, o que corrobora a previsão de que fatores contextuais impactam fortemente a percepção sobre a corrupção política.
Resposta | N | % |
---|---|---|
Concordo totalmente | 1.304 | 85,68 |
Concordo parcialmente | 152 | 9,99 |
Discordo parcialmente | 21 | 1,38 |
Sou indiferente | 12 | 0,79 |
Discordo totalmente | 9 | 0,59 |
Sem resposta | 24 | 1,58 |
Total | 1.522 | 100 |
Fonte: elaboração própria.
A tabela 4 apresenta os resultados dos testes de qui-quadrado para as dimensões sociodemográficas dos respondentes em relação à questão 1, “A corrupção é uma prática comum no Brasil?”
Variável | (2 | P | N |
---|---|---|---|
Sexo | (4) 2.4967 | 0,645 | 1.475 |
Idade | (52) 67.7544 | 0,070 | 1.471 |
Renda | (20) 25.1033 | 0,000 | 1.465 |
Religião | (20) 25.1326 | 0,196 | 1.466 |
Escolaridade | (24) 63.2571 | 0,000 | 1.463 |
Profissão | (16) 38.2276 | 0,001 | 1.439 |
Setor | (12) 38.2274 | 0,000 | 1.461 |
Local | (12) 71.0121 | 0,000 | 1.455 |
Região | (16) 28.9635 | 0,024 | 1.468 |
Partido | (4) 3.6905 | 0,450 | 1.471 |
Fonte: elaboração própria.
Os resultados da tabela 4 indicam que, em um nível de significância de 5%, são preditores dos resultados de percepção geral quanto à presença da prática de corrupção no Brasil: a renda, a escolaridade, a situação profissional, o setor de trabalho, o local e a região. Em desacordo com outras pesquisas (Power e González 2003; Melgar, Rossi e Smith 2010; Bohn 2012), não foram significativos o sexo, a idade, a religião e a filiação partidária. Considera-se que, nesses casos, os fatores contextuais (elevada rejeição ao Poder Executivo; escândalos recentes e em andamento; tratamento do assunto pela mídia) foram preponderantes para resultar em uma resposta massiva quanto à percepção, o que tornou essa resposta indiferente a essas características específicas. Quanto aos fatores que foram significativos, os resultados apontam:
relação direta entre renda e percepção da corrupção (até 2 salários-mínimos - 93,36% de respostas cujos informantes recebem entre 4 e 5 salários-mínimos ante 99,24% para renda entre 11 e 15 salários-mínimos e 98,14% para renda acima de 15 salários-mínimos);
relação direta entre escolaridade muito baixa (apenas fundamental completo) e menor percepção de corrupção (94,64% de respostas entre 4 e 5, diante de respostas acima de 96% para todos os outros níveis de escolaridade, e acima de 98% para superior incompleto e superior completo);
menor percepção por parte de aposentados (95,72% de respostas entre 4 e 5) e maior percepção entre empregados (98,44%);
maior percepção por parte de trabalhadores de organizações sociais (OSCIPs, 99,19% de respostas entre 4 e 5);
maior percepção por parte de residentes no interior (98,87% de respostas entre 4 e 5) em relação aos habitantes das capitais e das regiões metropolitanas;
no tocante ao fator regional, menor percepção por parte da população do Nordeste (96,08% de respostas entre 4 e 5) e maior percepção por parte da população do Sudeste (97,86% de respostas entre 4 e 5).
Como a escolaridade é um fator interferente, nesse caso, é interessante ressaltar a diferença de escolaridade entre as duas regiões, segundo o censo do IBGE de 2010. Enquanto o Nordeste tem 59,1% de pessoas sem instrução, o Sudeste tem 44,8%; fundamental completo e médio incompleto somam 15,5% no Nordeste e 18,3% no Sudeste; médio completo e superior incompleto somam 20,5% no Nordeste e 26,2% no Sudeste; superior completo há apenas 4,7% no Nordeste e 10% no Sudeste.
Confrontando-se as respostas à questão 1 com as respostas às questões 2, 3 e 46, verifica-se a existência de correlação, em um nível de significância de 5%, o que demonstra que a percepção geral sobre a existência do fenômeno em debate afeta a percepção sobre as consequências da corrupção, sobre a evolução desse fenômeno, principalmente no período de 2015 a 2018, e sobre o desejo dos políticos de combatê-lo.
Respostas | N | % | ||
---|---|---|---|---|
Concordo totalmente | 1.380 | 90,67 | ||
Concordo parcialmente | 91 | 5,98 | ||
Discordo parcialmente | 13 | 0,85 | ||
Sou indiferente | 8 | 0,53 | ||
Discordo totalmente | 2 | 0,13 | ||
Sem resposta | 28 | 1,84 | ||
Total | 1.522 | 100 |
Fonte: elaboração própria.
Novamente, segundo a tabela 5, a quase unanimidade dos respondentes concorda com a afirmação (96,65%). Um índice ainda superior ao dos que percebem que a corrupção existe, ou seja, para alguns dos respondentes, mesmo não concordando explicitamente com a prática comum da corrupção no Brasil, concordam com o fato de que as práticas corruptas afetam a vida das pessoas no país.
A tabela 6 apresenta os resultados dos testes de qui-quadrado para as dimensões sociodemográficas dos respondentes em relação à questão 2.
Variável | (2 | P | N |
---|---|---|---|
Sexo | (4) 1,8975 | 0,755 | 1.471 |
Idade | (52) 47,9043 | 0,636 | 1.467 |
Renda | (20) 64,2753 | 0,000 | 1.467 |
Religião | (20) 28,6725 | 0,094 | 1.461 |
Escolaridade | (24) 46,6628 | 0,004 | 1.462 |
Profissão | (16) 39,9392 | 0,001 | 1.459 |
Setor | (12) 13,2937 | 0,348 | 1.435 |
Local | (12) 22,6247 | 0,031 | 1.458 |
Região | (16) 24,0972 | 0,087 | 1.450 |
Partido | (4) 5,4929 | 0,240 | 1.464 |
Fonte: elaboração própria.
Os resultados da tabela 6 indicam, portanto, que, em um nível de significância de 5%, são preditores dos resultados de percepção geral quanto às consequências da corrupção no Brasil: a renda, a escolaridade, a situação profissional e o local de moradia. Da mesma forma que na questão 1, contrariamente a pesquisas anteriores (Power e González 2003; Melgar, Rossi e Smith 2010; Bohn 2012), os testes não foram significativos com relação a sexo, idade, religião e filiação partidária. Também deixaram de ser preditores significativos o setor de trabalho e a região. Assume-se a mesma explicação que na questão 1: preponderância de fatores contextuais. Quanto aos fatores que foram significativos, os resultados apontam:
de forma coerente em relação ao que se observou na questão 1, encontrou-se uma percepção menor quanto às consequências da corrupção na parcela de menor renda (93,75% de respostas 4 e 5 para rendas de até dois salários-mínimos; 99,53% de respostas 4 e 5 para rendas acima de 15 salários-mínimos);
também de forma coerente em relação à questão 1, encontrou-se uma percepção menor na parcela de menor escolaridade (fundamental, 94,64% de respostas 4 e 5; pós-graduação incompleta, 100% de respostas 4 e 5);
no que diz respeito à situação profissional, os aposentados permanecem sendo a categoria com menor percepção em relação às consequências da corrupção (96,65% de respostas 4 e 5), mas a categoria com maior percepção em relação às consequências foi a dos empresários (100% de respostas 4 e 5);
a percepção das consequências desse fenômeno para as pessoas residentes no interior permanece superior à das pessoas residentes em capitais e regiões metropolitanas (99,72% de respostas 4 e 5 ante 99,41% e 96,79%, respectivamente).
Respostas | N | % | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Aumentou muito | 643 | 42,25 | |||||||
Ficou igual | 482 | 31,67 | |||||||
Diminuiu pouco | 170 | 11,17 | |||||||
Aumentou pouco | 169 | 11,10 | |||||||
Diminuiu muito | 31 | 2,04 | |||||||
Sem resposta | 27 | 1,77 | |||||||
Total | 1.522 | 100 |
Fonte: elaboração própria.
A tabela 7 aponta alto percentual de pessoas que acham que a corrupção aumentou muito (42,25%), seguida de respondentes que avaliam que ficou igual (31,67%). Somente 2,04% avaliam que diminuiu muito. A tabela 8 apresenta os resultados dos testes de qui-quadrado para as dimensões sociodemográficas dos respondentes em relação à questão 3.
Variável | (2 | P | N |
---|---|---|---|
Sexo | (4) 12,3303 | 0,015 | 1.473 |
Idade | (52) 133,8130 | 0,000 | 1.470 |
Renda | (20) 109,9081 | 0,000 | 1.469 |
Religião | (20) 130,1971 | 0,000 | 1.463 |
Escolaridade | (24) 243,8914 | 0,000 | 1.464 |
Profissão | (16) 81,8587 | 0,000 | 1.461 |
Setor | (12) 145,9278 | 0,000 | 1.437 |
Local | (12) 204,8755 | 0,000 | 1.460 |
Região | (16) 141,5290 | 0,000 | 1.454 |
Partido | (4) 24,3525 | 0,000 | 1.467 |
Fonte: elaboração própria.
Os resultados da tabela 8 indicam, diferentemente do que ocorreu em questões anteriores, que, em um nível de significância de 5%, todos os fatores sociodemográficos são preditores da percepção quanto à melhora ou à piora do controle da corrupção no país. Para cada fator específico, os resultados mostram alguns dados relevantes. Em primeiro lugar,
as mulheres têm uma percepção mais acentuada com relação à piora da corrupção no país (58,44% de respostas 1 e 2, “aumentou muito” e “aumentou pouco” diante de 50,43% para os homens). Apesar de o gênero não ter sido significativo nas questões 1 e 2, pesquisas anteriores corroboram o fato de as mulheres serem mais perceptivas com relação à corrupção. Isso pode estar associado ao que Santos, Guevara e Amorim (2013), em seus estudos sobre gênero e corrupção, classificam como “moralidades diferentes” para homens e mulheres. A dos homens seria ligada aos direitos - e ao exercício do próprio direito - e a das mulheres, à responsabilidade - e à conexão com os outros bens como suas obrigações em relação a isso (incluindo aí a ideia de cuidar dos mais vulneráveis). Portanto, favorecendo uma percepção mais complexa desse fenômeno, conforme parece ser o caso na questão aqui apontada;
conforme pode ser verificado no gráfico 1, a percepção em relação à piora da corrupção nos últimos três anos é maior entre a juventude (de 16 a 20 e de 21 a 25 anos de idade) e declinante ao longo do tempo, exceto por um pico na faixa etária de 61 a 65 anos, que pode ser devido a questões amostrais. O gráfico 1 também demonstra que a percepção quanto ao desejo dos políticos de combater a corrupção ficou sistematicamente abaixo da percepção quanto à piora, apesar de as curvas indicarem clara correlação entre as respostas.
com relação à renda, percebe-se que, apesar de serem mais perceptivas quanto à corrupção e às suas consequências, as faixas de renda mais elevadas demonstram menor concordância com as afirmações de que a corrupção aumentou nos três últimos anos (35,61% de respostas 1 e 2 para pessoas com renda entre 11 e 15 salários-mínimos; 45,32% de respostas 1 e 2 para pessoas com renda acima de 15 salários-mínimos). A maior percepção de aumento da corrupção aconteceu na faixa de renda de 3 a 5 salários-mínimos (62,19% de respostas 1 e 2). Coincidentemente, essa é a faixa de renda que compõe justamente a chamada “classe C” que, com a crise, tem rebaixado seus componentes para as classes D e E, com rendimento mais baixo. Vale destacar que parte de D e E (3,3 milhões) já havia ascendido à classe C, entre 2002 e 2012, mas, entre 2015 e 2016, houve um aumento de 7,8 milhões de pessoas que teriam caído ou retornado para as classes D e E, segundo dados da Tendências Consultoria Integrada de 2016.7 Nesse caso, o sofrimento econômico mais pesaroso pode ter favorecido a percepção desse grupo;
no aspecto religião, a maior percepção de aumento da corrupção foi encontrada entre os católicos (68,48% de respostas 1 e 2). Pode-se explicar esse resultado por uma atuação incisiva da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil8 (CNBB) no discurso de denúncia e combate à corrupção. Em 2016, por exemplo, a CNBB criou, juntamente com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), comitês para denúncia de caixa dois nas campanhas eleitorais. Nos últimos dez anos, pelo menos, a CNBB vem fazendo comunicados de repúdio à prática de corrupção, favorecendo a construção de um imaginário mais sensível à percepção dos mais variados tipos de desvio que configuram a prática corruptiva;
com relação à escolaridade, há um efeito simétrico ao verificado com a categoria renda. Apesar de serem mais perceptivas com relação à existência da corrupção, as faixas de maior escolaridade apresentam uma percepção menor quanto ao aumento desse fenômeno nos últimos três anos (26,31% de respostas 1 e 2 para os que têm pós-graduação incompleta e 38,74% para os que têm pós-graduação completa). Já as faixas de menor escolaridade também apresentam simetria com o aspecto renda, revelando-se mais perceptivas quanto ao aumento da corrupção nos últimos três anos (o que pode estar relacionado ao fenômeno da classe C já colocado acima), apesar de terem baixa percepção da existência da corrupção (questão 1). Entre os que declaram ter o ensino fundamental, são 61,6% de respostas 1 e 2; entre os que declaram ter o ensino médio incompleto, 77,92% de respostas 1 e 2, o maior percentual;
em termos de situação profissional, novamente, como na questão 2, os empresários aparecem como categoria com pior percepção em relação ao aumento da corrupção nos últimos três anos - 69,57% de respostas 1 e 2. Especula-se se esse resultado é devido à apatia política ou ao fato de os empresários já estarem anestesiados por já ter conhecimento da prática corrente;
com relação ao setor de atuação, que aparece pela primeira vez como sendo um fator significativo, tem-se uma maior percepção de piora por parte de trabalhadores em organizações da sociedade civil - 70,97% de respostas 1 e 2. A ampla divulgação mediática das denúncias, não só pelos meios tradicionais, mas também pelas redes sociais, parece ter contribuído para configurar uma realidade mais complexa sobre corrupção no Brasil. O setor público destaca-se dos demais, com uma percepção muito baixa em relação à piora nos últimos três anos - 38,84% de respostas 1 e 2, talvez por ser um setor que tenha se surpreendido pouco com a situação;
quanto ao contraste entre residentes em capitais, regiões metropolitanas e interior, os habitantes das cidades do interior aparecem como mais perceptivos com relação à piora da corrupção nos últimos três anos - 67,33% de respostas 1 e 2. Curiosamente, de forma diferente das outras questões em que o local de residência apareceu como significativo, há uma diferença pronunciada entre habitantes de capitais e habitantes de regiões metropolitanas - 36,27% de respostas 1 e 2 para habitantes das capitais ante 63,68% para residentes no interior. A possível explicação pode ser também a maior veiculação de notícias, de forma mais capilarizada, atingindo e mobilizando áreas mais interioranas. Ou seja, a democratização da informação;
curiosamente, apesar de ser a região com menor percepção com relação à existência da corrupção, o Nordeste é a região que apresenta maior percepção da piora desse fenômeno nos últimos três anos - 62,93% de respostas 1 e 2. Possivelmente também vinculado à maior veiculação de informações;
no tocante à filiação partidária, verifica-se uma grande diferença de percepção de piora da corrupção nos últimos três anos entre filiados e não filiados. Entre os não filiados, prevalece a percepção de piora (55,60% de respostas 1 e 2), enquanto entre os filiados, a percepção de piora é de 29,09% (respostas 1 e 2), provavelmente por já estarem mais familiarizados com as práticas correntes, parte da cultura política brasileira.
Respostas | N | % | |||
---|---|---|---|---|---|
Discordo totalmente | 874 | 57,42 | |||
Discordo parcialmente | 342 | 22,47 | |||
Concordo parcialmente | 163 | 10,71 | |||
Sou indiferente | 56 | 3,68 | |||
Concordo totalmente | 46 | 3,02 | |||
Sem resposta | 41 | 2,69 | |||
Total | 1.522 | 100 |
Fonte: elaboração própria.
Como mostra a tabela 9, a grande maioria dos respondentes (79,89%) discorda em algum grau de que os políticos brasileiros queiram combater a corrupção. Destes, 57,42% discordam totalmente. O alto percentual provavelmente reflete o imaginário político brasileiro extremamente negativo sobre o universo político. Usando as ideias de Castoriadis, Bittencourt (1986, 60) define imaginário como tudo aquilo que é inventado, toda a cultura, tudo o que presentifica o sentido. Aliás, a importância dos media atualmente está na capacidade de participar não só da construção da realidade, como já colocado anteriormente, mas também do imaginário social:
Pode-se afirmar que a construção (sígnica) da realidade, realizada pela comunicação mediática, é também necessariamente uma construção imaginária. Mas, se o imaginário da sociedade é mobilizado para a construção da realidade, esta, por sua vez, procede a uma reconstituição e até renovação dos estoques culturais e, consequentemente, ainda que em um prazo ainda mais largo, do próprio imaginário social. A realidade seria definida, então, com base no imaginário. As transformações ocorridas na contemporaneidade, em especial aquelas relativas à comunicação mediática e sua dimensão, perpassam de modo substantivo os procedimentos de formação social do imaginário na atualidade. (Rubim 1992, 21)
Como os meios de comunicação interferem no imaginário, a relação simbiótica com a política traz implicações na formação do imaginário político da sociedade, o que inclui a percepção da corrupção.
A tabela 10 apresenta os resultados dos testes de qui-quadrado para as dimensões sociodemográficas dos respondentes em relação à questão 4.
Variável | (2 | P | N |
---|---|---|---|
Sexo | (4) 9,6294 | 0,047 | 1.459 |
Idade | (52) 150,6084 | 0,000 | 1.453 |
Renda | (20) 128,6666 | 0,000 | 1.456 |
Religião | (20) 56,5567 | 0,000 | 1.450 |
Escolaridade | (24) 271,8337 | 0,000 | 1.452 |
Profissão | (16) 65,0108 | 0,000 | 1.448 |
Setor | (12) 153,3938 | 0,000 | 1.424 |
Local | (12) 243,5109 | 0,000 | 1.446 |
Região | (16) 163,3504 | 0,000 | 1.437 |
Partido | (4) 24,8532 | 0,000 | 1.452 |
Fonte: elaboração própria.
Os resultados da tabela 10 indicam, portanto, que, em um nível de significância de 5%, todos os fatores sociodemográficos são preditores da percepção quanto ao desejo dos políticos brasileiros de combater a corrupção. Considerando-se o fator de “desconfiança com relação aos políticos”, materializada pelas respostas “1 - discordo totalmente” e “2 - discordo parcialmente”, para cada fator específico, os resultados apontam:
maior desconfiança nos políticos entre os homens do que entre as mulheres (84,28% ante 80,24%);
• maior desconfiança nos políticos entre as maiores faixas de renda (85,05% na faixa de renda entre 6 e 10 salários-mínimos; 84,62% na faixa de 11 a 15 salários-mínimos; 84,91% acima de 15 salários-mínimos. Menor desconfiança nos políticos na faixa de renda de 3 a 5 salários-mínimos (78,23%);
conforme pode ser verificado no gráfico 1, a percepção em relação à piora da corrupção nos últimos três anos é maior entre a juventude (de 16 a 20 e de 21 a 25 anos de idade) e declinante ao longo do tempo, exceto por um pico na faixa etária de 61 a 65 anos, que pode ser devido a questões amostrais;
maior desconfiança nos políticos entre aqueles que apresentam ensino médio completo (90,16%) e menor desconfiança entre os que declararam ter pós-graduação incompleta (75,68%); o dado dialoga com o observado em relação à variável idade, além de corroborar pesquisa de opinião do DataFolha (2015), que apontam como jovens entre 16 e 24 anos, por exemplo, confiam menos em instituições como Congresso, Presidência da República e partidos políticos que pessoas de idades mais avançadas. A mesma pesquisa também mostra que quanto maior a escolaridade, maior também é a desconfiança;
maior desconfiança nos políticos entre os espíritas (83,94%) e menor desconfiança entre os católicos (77,15%), apesar de os católicos serem os que mais perceberam aumento na corrupção;
os desempregados são os que apresentam maior desconfiança com relação aos políticos (84,18%), talvez em função de atribuírem sua situação pessoal aos próprios; os aposentados são os que apresentam menor desconfiança com relação aos políticos (80,38%);
os empregados do setor privado são os que apresentam maior desconfiança com relação aos políticos (84,38%), enquanto a menor desconfiança aos políticos se verificou entre os trabalhadores das OSCIPs (77,42%);
coerentemente com as respostas às questões anteriores, os residentes no interior apresentam maior desconfiança em relação aos políticos (82,95%);
os habitantes da região Norte são os que apresentam maior desconfiança nos políticos (87,21%) e os da região Sul são os que apresentam menor desconfiança (74,21%);
os não filiados a partidos políticos apresentam maior desconfiança aos políticos (82,6%) do que os filiados (76,37%), resultado logicamente condizente.
O gráfico 2 consolida os resultados das questões 5 a 11, as quais solicitavam marcar a alternativa que expressasse a opinião do participante com relação ao nível de corrupção nas instituições apresentadas.
Para uma melhor interpretação desses resultados, construímos algebricamente um indicador simples. Somamos os resultados “alto” e “muito alto”, e subtraímos da soma dos resultados “nulo” e “baixo”. Transformamos o resultado em número-índice, a fim de possibilitar a verificação quantitativa do diferencial de percepção quanto a cada instituição. A tabela 11 apresenta esses resultados.
Instituição | Indicador |
---|---|
Congresso Nacional | 1 |
Governo Federal | 0,93 |
Governos estaduais | 0,9 |
Prefeituras municipais | 0,88 |
Assembleias legislativas | 0,86 |
Câmaras municipais | 0,86 |
Poder Judiciário | 0,72 |
Fonte: elaboração própria.
O Congresso Nacional é avaliado como a instituição mais corrupta do país. É a instituição em que os principais conflitos políticos se desenrolam e têm ampla cobertura. Lembrando aqui que o jornalismo político se faz muito do que se chama de “jornalismo declaratório”, portanto sem necessidade de provas e de fácil apuração para abastecer o noticiário (Rodrigues 2011). Seguem-se os executivos federal, estadual e municipal. Seguindo a análise pela via mediática, interessante notar que o Executivo tem, geralmente, cobertura mais positiva da mídia, pois tem um dos principais requisitos para torna-se notícia: um personagem de ação (Rodrigues 2011). Tal relação pode ajudar a explicar a percepção da corrupção também, já que principalmente órgãos dos executivos mais próximos à vida do cidadão tendem a ser vistos como “alguém” que pode fazer, de fato, algo por eles, diferentemente do legislativo federal, cujo processo de trabalho é mais complexo em termos de resultados efetivos.
Em seguida, aparecem as assembleias legislativas e as câmaras municipais, que, nesse caso, escapam da análise referente ao Legislativo Federal, talvez também por sua proximidade em relação ao cidadão. No âmbito dessas perguntas e da resposta, portanto, estimulada, o Poder Judiciário foi considerado a instituição menos corrupta. O indicador apurado permite afirmar que a percepção de corrupção no Poder Judiciário é 28% inferior à percepção relativa ao Congresso Nacional.
Interessante aqui notar que a ordem de decrescente de corrupção acompanha as variações das taxas de confiança nas principais instituições. Série de pesquisas do Ibope (2015), por exemplo, coloca a confiança em ordem decrescente de Poder Judiciário e Justiça (49%); governo da cidade onde mora (33%); Governo Federal (30%); Congresso Nacional (22%) e partidos políticos (17%). Ou seja, sugere um acompanhamento paralelo entre percepção da corrupção e confiança. Isso corrobora a conclusão do estudo de Colen (2010) sobre as covariantes da confiança na América Latina, de que a confiança é maior entre as pessoas que avaliam bem a capacidade do governo de combater a corrupção.
As razões que podem ser apresentadas para essa ligação são várias, como a cobertura negativa da mídia em relação ao Congresso, por exemplo; os escândalos políticos (que também têm cobertura midiática); a crise de representação ou deficit democrático. Não é foco deste artigo, entretanto, discuti-las, mas apontar para o reforço na ligação entre dois componentes fundamentais do sistema político, como um vício e uma virtude, que são corrupção e confiança.
Respostas | N | % | |||
---|---|---|---|---|---|
Discordo totalmente | 874 | 57,42 | |||
Discordo parcialmente | 342 | 22,47 | |||
Concordo parcialmente | 163 | 10,71 | |||
Sou indiferente | 56 | 3,68 | |||
Concordo totalmente | 46 | 3,02 | |||
Sem resposta | 41 | 2,69 | |||
Total | 1.522 | 100 |
Fonte: elaboração própria.
O gráfico 3 apresenta os resultados consolidados das respostas à questão 12, na qual os respondentes foram instados a atribuir uma nota de 1 a 5 (1 - menor nota; 5 - maior nota) para o empenho das instituições listadas no combate à corrupção.
A tabela 13 apresenta os resultados tratados como médias, o que permite uma classificação das instituições.
Instituição | Média | ( | N |
---|---|---|---|
Poder Legislativo | 1,850543 | 0,8133487 | 1472 |
Tribunais de Contas Estaduais | 2,298103 | 0,7718939 | 1476 |
Poder Judiciário | 2,763302 | 0,8793675 | 1466 |
Tribunal de Contas da União | 2,831757 | 0,875289 | 1480 |
Ministério da Transparência (CGU) | 3,018932 | 0,943416 | 1479 |
OSCIPs | 3,44437 | 1,194386 | 1483 |
Ministério Público Federal | 3,463201 | 0,8922506 | 1481 |
Polícia Federal | 3,565247 | 0,8663979 | 1479 |
Fonte: elaboração própria.
Coerentemente com a resposta ao grupo de questões anteriores, o Poder Legislativo aparece como a instituição com menor empenho no combate à corrupção. A Polícia Federal aparece com a maior média, o que pode ser explicado pela grande visibilidade midiática das operações deflagradas por essa, particularmente a Operação Lava Jato. É seguida pelo Ministério Público Federal, outra instituição com protagonismo na Operação Lava Jato e ampla cobertura midiática. O Poder Judiciário, por sua vez, apesar de ser apontado como a instituição menos corrupta, no grupo de questões anterior, é o terceiro pior em termos de percepção quanto ao engajamento no combate à corrupção, o que também pode ser devido ao tipo de cobertura midiática dos eventos, que, de uma forma ou de outra, sinalizam constantemente para a lentidão do Poder Judiciário na resolução das questões.
Considerações finais
De maneira geral, os dados da pesquisa mostraram que a quase totalidade dos respondentes (95,67%) percebe a corrupção política como prática comum no Brasil, e, diferentemente de outros estudos, isso não está atrelado a fatores como sexo, idade, religião ou filiação partidária. No caso da renda, quanto maior, também maior a percepção da corrupção. O mesmo ocorre com a escolaridade.
Constatou-se também, após se confrontarem as respostas das variadas questões, uma correlação que mostrou que a percepção geral sobre a existência de práticas corruptas afeta a percepção também sobre as consequências da corrupção, bem como sobre sua evolução nos últimos três anos e sobre a vontade dos políticos de combatê-la. Também há praticamente unanimidade na opinião dos informantes quanto à avaliação de que a corrupção afeta as pessoas no Brasil. Nesse ponto, também afetaram renda (quanto maior, maior também a percepção) e escolaridade.
A mesma unanimidade não se repete quanto ao nível de corrupção, dividindo-se basicamente entre os que avaliam que ela aumentou muito (42,25%) e os que consideram que ficou igual (31,67%). Cerca de 11% acharam que ela aumentou pouco ou diminuiu pouco. É relevante nessa questão, diferentemente das anteriores, que todos os fatores sociodemográficos tiveram interferência: mulheres com percepção mais acentuada (reiterando estudos de gênero sobre o tema); pessoas com mais renda percebem menos o aumento; pessoas com menos renda (provavelmente classe C bastante atingida pela crise econômica) percebem um aumento maior na corrupção; católicos também percebem mais (provável influência dos posicionamentos públicos da CNBB sobre o tema); trabalhadores da sociedade civil percebem mais aumento que servidores públicos, e filiados a partidos têm percepção menor.
Com relação à vontade dos políticos de combater a corrupção política, os respondentes se dividiram majoritariamente entre os que discordam totalmente (57,42%) e parcialmente (22,47%). Somente 3,02% concordam totalmente. Aqui também todos os fatores sociodemográficos afetaram a percepção: homens desconfiam dos políticos mais do que mulheres; há aumento da desconfiança entre pessoas de renda mais alta; menor desconfiança entre católicos (apesar da alta percepção); maior desconfiança entre os que têm ensino médio completo (corroborando pesquisas que mostram como o jovem confia menos nas instituições políticas), e não filiados a partidos também confiam menos. Em praticamente todas as questões, os habitantes do interior percebem mais a corrupção, suas consequências e aumento.
Ainda na questão da confiança, o estudo reforça a relação entre percepção da corrupção e confiança nas instituições, que parecem caminhar paralelamente. Os dados revelam hierarquia semelhante na percepção da corrupção de forma decrescente no Congresso, Governo Federal, governos estaduais, prefeituras municipais, assembleias legislativas, câmaras municipais e Poder Judiciário, quando comparadas a pesquisas de confiança institucional, como a do Ibope 2015. As instituições que são percebidas com maior empenho no combate à corrupção são a Polícia Federal, que aparece com a maior média (provavelmente por conta da Operação Lava Jato), e o Ministério Público Federal (pelo mesmo motivo). O Poder Judiciário aparece em terceiro lugar, apesar de ser considerada uma das instituições menos corruptas (também em razão da Lava Jato, nesse caso mais pela cobertura mediática que aponta lentidão dos julgamentos).
Concordando mais uma vez com a perspectiva analítica que considera as percepções sociais da corrupção como importantes para avaliar como uma sociedade, em determinado momento histórico, produz avaliações sobre atos corruptos, seus agentes e evolução, concluímos que, no ponto deste estudo, há então unanimidade entre os respondentes com relação à existência da corrupção e seus efeitos maléficos para a sociedade. Com variações de percepção, principalmente de renda e escolaridade (mas com vários outros fatores como os elencados), no que tange a aumento, combate e confiança.
A partir desses dados, como afirma Poeschl e Ribeiro (2014), acreditamos ser possível continuar a pesquisa, enfatizando as variações nas representações da corrupção. Acreditamos que isso será fundamental para fazer apontamentos mais precisos sobre a cultura política, principalmente na questão da corrupção, vigente na sociedade brasileira. Até este ponto, pode-se presumir, pelas respostas, que ela é bastante moldada pela intensidade do que é correntemente veiculado pela mídia, com seus “personagens do bem” (Polícia Federal e Ministério Público) e “do mal” (Congresso e partidos, principalmente), cumprindo à risca o que os estudos sociomidiáticos denominam de “enquadramento de conflito” (Rodrigues 2011), quando a mídia favorece uma “moldura de guerra simbólica” para atrair a atenção dos públicos.
O estudo confirmou ainda os resultados do survey “Os brasileiros e a corrupção” (Filgueira 2009) sobre como a percepção do público é focada nas instâncias representativas, pois o foco da corrupção, para grande parte dos respondentes, está no interior das estruturas do Estado, e não fora dele ou contra ele. Revela-se ainda, nas respostas, nível de esperança bastante residual na possibilidade de diminuição da corrupção.