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Colombia Internacional

Print version ISSN 0121-5612

colomb.int.  no.110 Bogotá Apr./June 2022  Epub May 16, 2022

https://doi.org/10.7440/colombiaint110.2022.05 

Dossier

Preconceito racial ou competição econômica? A opinião pública sobre a vinda de estrangeiros para o Brasil*

Selective migration or economic competition? Public opinion on the arrival of foreigners to Brazil

¿Discriminación racial o competencia económica? La opinión pública sobre la llegada de extranjeros a Brasil

Pedro Santos Mundim** 

Cíntia Soares Rodrigues dos Santos*** 

**Universidade Federal de Goiás (Brasil). É professor associado de Ciência Política da Universidade Federal de Goiás, Brasil, e dos programas de pós-graduação em Ciência Política e de Comunicação da mesma instituição. Entre 2014 e 2015, foi assessor especial do gabinete e diretor da assessoria de opinião pública da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República do Brasil. psmundim@ufg.br

***Universidade Federal de Goiás (Brasil). É bacharela em Relações Internacionais e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás, Brasil. cintiasoaresx21@gmail.com


RESUMO.

Objetivo/contexto:

o artigo discute como se comporta a opinião pública brasileira com relação à vinda de estrangeiros para o Brasil.

Metodologia:

de modo específico, testa duas importantes abordagens teóricas na literatura: preconceito racial e competição econômica.

Conclusões:

as análises sugerem que ambas as dimensões estejam presentes, embora as evidências da primeira sejam mais fortes. A probabilidade de se ver de maneira negativa a vinda de estrangeiros para o Brasil é maior quando eles são oriundos de países de população majoritariamente negra, como Haiti e países da África, em comparação com outros grupos, como latinos, asiáticos, europeus e norte-americanos. Isso encontra respaldo na própria construção histórica e social do Brasil, marcada por uma herança escravagista e de subjugação da população negra.

Originalidade:

apesar de ser um estudo de caso, o artigo contribui para a compreensão de como a opinião pública se posiciona com relação à vinda de estrangeiros em outros contextos latino-americanos, cujos processos históricos de colonização se deram de maneira semelhante ou que, hoje, compartilham problemas relacionados a novas ondas migratórias. Acreditamos também que o estudo oferece uma abordagem sobre o tema em um contexto diferente do observado nos países europeus e nos Estados Unidos, fontes da maioria dos estudos sobre opinião pública e imigração.

PALAVRAS-CHAVE: imigração; preconceito racial; competição econômica; Brasil

ABSTRACT.

Objective/Context:

This article discusses how public opinion behaves in relation to the arrival of foreigners to Brazil.

Methodology:

Specifically, it tests two important theoretical approaches present in the literature: racial prejudice and economic competition.

Conclusions:

The analyses suggest that both dimensions are present, although there is stronger evidence of the former. The probability of considering the arrival of foreigners to Brazil negative is higher when they come from countries with a majority black population, such as Haiti and African countries, compared to other groups, such as Latinos, Asians, Europeans, and Americans. This is supported by the historical and social construction of Brazil itself, marked by a slave heritage and the subjugation of the black population.

Originality:

Despite being a case study, the article contributes to a broader understanding of how public opinion is positioned in relation to the arrival of foreigners in other Latin American contexts with similar historical processes of colonization or with current problems related to new migratory waves. The study offers an approach to the subject in a context that is different from that observed in European countries and the USA, sources of most studies on public opinion and immigration.

KEYWORDS: Immigration; racial prejudice; economic competition; Brazil

RESUMEN.

Objetivo/contexto:

el artículo discute cómo se comporta la opinión pública brasileña con relación a la llegada de extranjeros a Brasil.

Metodología:

de modo específico, prueba dos importantes enfoques teóricos en la literatura: discriminación racial y concurrencia económica.

Conclusiones:

los análisis sugieren que ambas dimensiones están presentes, aunque las evidencias de la primera sean más fuertes. La probabilidad de que se vea de manera negativa la llegada de extranjeros a Brasil es más alta cuando ellos son originarios de lugares con población mayoritariamente negra, como Haití y países de África, en comparación con otros grupos, como latinos, asiáticos, europeos y americanos. Esto encuentra respaldo en la propia construcción histórica y social de Brasil, enmarcada por una herencia esclavista y de subyugación de la población negra.

Originalidad:

si bien se trata de un estudio de caso, el artículo aporta a la comprensión de cómo la opinión pública se posiciona en relación con la llegada de extranjeros en otros contextos latinoamericanos, cuyos procesos históricos de colonización se dieron de manera semejante o que hoy día comparten problemas asociados a nuevas olas migratorias. Creemos también que el estudio ofrece un enfoque en un contexto diferente al de países europeos y los Estados Unidos, fuentes de la mayor parte de los estudios sobre opinión pública e inmigración.

PALABRAS CLAVE: inmigración; discriminación racial; competencia económica; Brasil

Introdução

Ao longo da sua história, o Brasil acolheu uma expressiva quantidade de estrangeiros, das mais diversas nacionalidades e em diferentes períodos e ondas imigratórias. O país foi colonizado por portugueses, mas a expansão marítima europeia também trouxe pessoas de outras nacionalidades, como espanhola, alemã e italiana (Boxer 1961; Hofbauer 2007). O tráfico escravista transatlântico mandou para o Brasil, de maneira forçada, uma quantidade expressiva de africanos. Em 300 anos, o Brasil recebeu cerca de 4 milhões de pessoas em condição de escravidão (Reis 2007; Maia e Zamora 2018).

No século XX, observou-se a chegada de grandes contingentes de imigrantes japoneses, que vieram trabalhar nas lavouras e nas indústrias do país, e uma expressiva chegada de povos árabes, principalmente libaneses, palestinos e sírios que fugiram de conflitos religiosos e das dificuldades econômicas de seus países de origem (Kodama 2007; Sasaki 2006; Mott 2007). Mais recentemente, o Brasil abrigou um grande contingente de haitianos, devido às catástrofes ambientais, sociais e econômicas pelas quais o país tem passado desde 2010 (Zeni e Filippim 2014; Handerson 2015), e de venezuelanos, também por conta das graves crises política, econômica e humanitária (Simões 2017).

Ao longo do tempo, esse movimento migratório contribuiu para a construção de uma sociedade bastante miscigenada e marcada por um sincretismo cultural. Isso levou à edificação de um imaginário popular no qual o Brasil é um país que recepcionava bem os estrangeiros, independentemente de sua origem, e que tensões raciais observadas em outros países seriam menores, ou até mesmo inexistentes, no país.

Dentro desse contexto, o artigo trata da percepção da opinião pública brasileira sobre os estrangeiros, um tema ainda pouco abordado no Brasil, mas bastante frequente na literatura internacional, dados os conflitos e os problemas que países europeus e os Estados Unidos enfrentam com a imigração. De maneira mais específica, buscamos analisar como fatores econômicos e raciais impactam a receptividade dos brasileiros aos estrangeiros que vêm para o Brasil. Isso será feito com dados de uma pesquisa de opinião pública produzido pela Assessoria de Pesquisa de Opinião Pública da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR), em julho de 2015, um período em que havia um grande fluxo de haitianos vindo para o país.

Embora o texto seja um estudo de caso sobre o Brasil, acreditamos que ele seja importante para o contexto internacional por pelo menos três motivos. Em primeiro lugar, contribui para a compreensão de como a opinião pública se posiciona com relação à vinda de estrangeiros em outros contextos latino-americanos, cujos processos históricos de colonização se deram de maneira semelhante e que, hoje, compartilham problemas relacionados a novas ondas migratórias, como é o caso dos haitianos e dos venezuelanos, dada a proximidade regional. Acreditamos também que o estudo oferece uma abordagem sobre o tema em um contexto diferente do observado nos países europeus e nos Estados Unidos, fonte da maioria dos estudos produzidos sobre opinião pública e imigração. Em segundo lugar, o estudo é importante do ponto de vista comparado. O Brasil não é apenas mais um local para se testar o debate raça versus economia em um contexto diferente da Europa ou dos Estados Unidos. Há razões para acreditar que a vulnerabilidade econômica importaria mais no Brasil do que na maioria dos países ricos onde esse tema tem sido estudado, pois é um país com um grande setor informal e altos níveis de precariedade. Por isso, esperamos que a ameaça de concorrência econômica seja particularmente poderosa para motivar a oposição à imigração entre brasileiros de baixa renda, em comparação com os países ricos e com setores informais menores. Em terceiro lugar, o mito da democracia racial que ainda existe para uma parcela considerável da população brasileira sugere que a raça deva importar menos para explicar a opinião dos brasileiros sobre a vinda de estrangeiros para o país, em comparação com os europeus e os estadunidenses. Portanto, nossas análises servem para investigar a importância da raça como um importante fator explicativo do posicionamento da opinião pública sobre a imigração.

O artigo está estruturado da seguinte forma: na primeira parte, discutimos as teorias sobre opinião pública e imigração produzidas na literatura internacional. Elas mostram, por exemplo, que a economia, a raça e a etnia são fatores de grande peso para a aceitação dos imigrantes. Em seguida, resgatamos um pouco do histórico de imigração para o Brasil. Mostramos que, diferentemente da imagem de um país acolhedor e multicultural, foram notáveis a seletividade e a diferenciação étnica, especialmente com relação aos negros, na aceitação de estrangeiros no território nacional desde o início da formação da sociedade brasileira. A terceira parte do artigo traz os dados da pesquisa e os resultados das nossas análises. Elas mostraram que a vinda de estrangeiros de cor negra vindos do Haiti ou de países africanos são vistos de maneira mais negativa pelos brasileiros em comparação com pessoas de outras nacionalidades, como latinos, asiáticos, europeus e norte-americanos. Embora esse componente racial esteja presente, nossas análises sugerem que fatores econômicos, como o medo da perda de emprego por conta da concorrência no mercado de trabalho, também tivessem aumentado a probabilidade de rejeição.

De todo modo, a existência de um preconceito racial e de origem na forma como alguns grupos de estrangeiros são categorizados coloca em xeque a ideia de que imigrantes são sempre bem-vindos e bem-recebidos no Brasil. Diferentemente da imagem de um país acolhedor e multicultural, a seletividade e a diferenciação étnica na aceitação de estrangeiros no território nacional desde o início da formação da sociedade brasileira mostra que tentativas de construir um Brasil com padrão europeu, um pensamento presente em políticas públicas eugenistas da primeira metade do século XX, continuam a gerar efeitos sociais perversos para o país.

Opinião pública e imigração na literatura internacional

Existe uma farta literatura sobre como a opinião pública de países europeus e dos Estados Unidos se posiciona com relação aos estrangeiros. Isso se deve ao enorme fluxo de pessoas que tentam entrar nesses países, seja como imigrantes, seja como refugiados, e aos diversos conflitos sociais, políticos, econômicos e humanitários que envolvem o tema da imigração. Como se verá a seguir, entre os fatores que influenciam a opinião pública quanto aos imigrantes, encontram-se dimensões econômicas, político-culturais, midiáticas e até mesmo sobre o tipo de imigrante.

Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, o aumento no fluxo de imigrantes ao longo do tempo fez crescer a percepção de que eles competirão por empregos no mercado de trabalho (Rustenbach 2010). Assim, a competição econômica pode desencadear atitudes preconceituosas e aumentar o ressentimento dos nativos com relação aos estrangeiros (Burns e Gimpel 2000). Tais preocupações estão mais presentes em grupos com maior vulnerabilidade econômica ou de trabalhadores menos qualificados. Por isso, as pessoas que mais tendem a apresentar sentimentos anti-imigração são os desempregados e os trabalhadores de baixa renda e escolaridade (Hainmueller e Hiscox 2010).

No âmbito da economia nacional, observa-se que a rejeição à imigração é maior em tempos de insegurança econômica. Várias análises realizadas na Europa após a crise de 2008, por exemplo, mostraram que as preocupações com a economia do país e com o desemprego são preditores importante da opinião pública sobre os estrangeiros. Ou seja, principalmente em tempos de recessão econômica mundial, como o observado a partir do final da primeira década deste século, quando aumentam os fluxos imigratórios, a rejeição aos estrangeiros tende a ser maior (Rustenbach 2010; Bansak, Hainmueller e Hangartner 2016; Kuntz, Davidov e Semyonov 2017).

O que chamamos de “fatores político-culturais” engloba uma série de questões que remetem à origem dos imigrantes, à religião e à ideologia. Nos Estados Unidos, os ataques de 11 setembro de 2001 aumentaram consideravelmente a sensação de insegurança com relação aos estrangeiros, principalmente aos de origem muçulmana. Outra ameaça encontrada é a percepção de que os problemas de segurança pública do país são agravados pela chegada de estrangeiros, principalmente latino-americanos. Essas visões negativas cresceram ao longo dos anos e fizeram com que os temas de imigração e segurança nacional se tornassem tópicos de grande relevância política, principalmente durante as campanhas eleitorais (Yang 2017).

Preocupações semelhantes também foram observadas em diversos países da Europa (Dempster e Hargrave 2017). Mas, além de questões de segurança nacional, Dustmann e Preston (2007) encontraram fortes questões raciais e culturais presentes nos sentimentos anti-imigrantistas, como o medo da perda da “identidade nacional” por meio da mistura étnica, cultural e linguística.

Ou seja, nos Estados Unidos e na Europa, há preferência de imigrantes que compartilhem ou estejam mais próximos dos valores, da religião e do fenótipo dos nativos. Estrangeiros que sejam capazes de falar o idioma oficial do país, brancos, cristãos e que se adaptam mais facilmente às culturais locais tendem a ser preferidos (Brader, Valentino e Suhay 2008; Hainmueller e Hiscox 2010; Dunaway, Branton e Abrajano 2010; Ramos, Pereira e Vala 2020). Os que fogem desses padrões tendem a sofrer maior rejeição, o que revela a presença de preconceitos, estereótipos e estigmas.

Com relação à ideologia, estudos mostraram que pessoas de direita são mais resistentes à imigração do que as da esquerda. Provavelmente porque as preocupações humanitárias desempenhem um efeito mais forte na estruturação de atitudes de esquerda (Wike, Stokes e Simmons 2016; Bansak, Hainmueller e Hangartner 2016). Países com governos de direita são menos receptivos aos imigrantes. E, na Europa, o nacionalismo extremo ressurgiu como uma opção política, com uma retórica de culpar os imigrantes e refugiados por tudo aquilo que há de errado com o país: criminalidade, desemprego, dificuldades econômicas etc. (Rustenbach 2010; Medeiros et al. 2019).

O “tipo” de estrangeiro também importa. Se os imigrantes econômicos são vistos como uma forma de ameaça competitiva no mercado de trabalho, principalmente para as pessoas menos qualificadas, os refugiados são vistos de maneira mais positiva pela opinião pública. Tal observação revela que as preocupações humanitárias são um importante componente da opinião pública europeia (Bansak, Hainmueller e Hangartner 2016). Ainda assim, estudos também mostram que há uma forte preferência de refugiados cristãos em relação aos muçulmanos (Ogan et al. 2014).

Por fim, a mídia influencia a forma como as pessoas enxergam o tema da imigração. Embora os estudos mostrem que os efeitos midiáticos variem entre os países, como no caso da Europa, ou mesmo entre estados, como é o caso dos Estados Unidos (Branton e Dunaway 2009; Dunaway, Branton e Abrajano 2010; Meltzer et al. 2020), no geral, a cobertura sobre imigração é mais negativa, leva a opinião pública a se posicionar de maneira mais crítica com relação ao tema e a reproduzir estereótipos quanto aos grupos de imigrantes (Eberl et al. 2018; Damstra et al. 2021; Boomgaarden e Vliegenthart 2009; Dunaway et al. 2011).

Imigração para o Brasil: todos foram bem-vindos?

O Brasil recebeu uma expressiva quantidade de estrangeiros ao longo de sua história, das mais diversas nacionalidades, em diferentes períodos e ondas migratórias. Mas todos os estrangeiros sempre foram bem-vindos? É comum encontrarmos uma resposta positiva a essa pergunta no imaginário popular. Contudo, como se verá a seguir, ainda que de maneira breve, a história da imigração para o país mostra que a resposta é negativa.

O Brasil foi colonizado por diferentes grupos étnicos, o que pode dar a falsa ideia de que todos eles foram igualmente aceitos no processo de construção cultural do país. Pelo contrário, sendo o caso mais emblemático o dos negros. Após a abolição da escravatura, em 1888, os negros não foram considerados úteis para os trabalhos fabris e rurais, e a sua sociabilidade no período foi boicotada e reprimida pelas elites locais, sendo expulsos dos centros urbanos e isolados econômica e socialmente (Maia e Zamora 2018; Fernandes 1967; Moreira 2014).

Os asiáticos são outro grupo que, no Brasil, passaram por dificuldades de aceitação. Apesar da preocupação com a escassez de mão de obra no fim do período da escravidão, o governo brasileiro incentivou a imigração de trabalhadores asiáticos apenas tardiamente (Kodama 2007; Sasaki 2006). Essa atitude do governo brasileiro condiz com o conjunto de ideias que predominavam no país naquele período, ou seja, a ideia de branqueamento da população.

Os europeus, principalmente alemães, espanhóis e italianos, eram vistos como a melhor opção para substituir a mão de obra escrava nas grandes plantações (como as de café) e nas fábricas. Eram considerados bons trabalhadores, produtivos, mais dedicados e mais calmos do que os negros. Por isso, houve expressivos programas do governo para o financiamento da vinda de mão de obra europeia para o Brasil, e diversas gerações de europeus conseguiram se integrar e prosperar no país (Hofbauer 2007).

Houve, portanto, uma hierarquia e classificação das nacionalidades preferidas e aceitas no país. Isso se deveu mais por fatores culturais do que por questões econômicas. Existem claras evidências da forte presença de um pensamento eugenista entre as elites políticas brasileiras nos séculos XIV e XX. Acreditava-se que o avanço da sociedade seria dificultado pelo grande número de nativos (indígenas) e africanos no Brasil, e que eles seriam o principal motivo das desordens sociais que impediam o desenvolvimento da nação. Esses fatores influenciaram o histórico de imigração e a formação da identidade nacional, pois foram a base de um projeto de branqueamento nacional que perdurou durante anos (Maia e Zamora 2018; Maia, Zamora e Baptista 2019; Reis 1994; Schwarcz 1993).

A solução encontrada foi a “arianização progressiva”, uma política pública que visava reduzir a população não branca do país por meio da mistura com os europeus. Ou seja, o embranquecimento da população. A ideia principal era que a miscigenação, ao longo do tempo, priorizaria a raça branca sobre as demais raças, tendo como objetivo a redução da população negra no Brasil (Hofbauer 2007; Souza 2012). Assim, as políticas de imigração adotadas após a proibição da escravidão no Brasil foram elaboradas na tentativa de privilegiar povos europeus a virem para o país, ao mesmo tempo que buscavam expulsar ou marginalizar a população negra nas cidades brasileiras por meio das políticas de branqueamento racial (Seyferth 1986; 2002; Martins 2017; Cavalcante 2005).

Hipóteses

A literatura sobre a relação entre a opinião pública e a imigração na Europa e nos Estados Unidos mostra que o imigrante econômico, de baixa escolaridade e renda, cuja formação cultural destoa dos valores ocidentais, seria mais rejeitado. Ao mesmo tempo, a literatura sobre como o Brasil privilegiou a imigração de certos grupos étnicos em detrimento de outros nos permite incluir a cor como um fator relevante: imigrantes vindos de países cuja população é majoritariamente negra teriam uma menor receptividade por parte dos nativos. Com exceção do aspecto cultural, caro aos europeus e norte-americanos, essas discussões permitem-nos elencar duas hipóteses:

H1. Preconceito racial - no Brasil, a origem do imigrante, manifestada principalmente na sua cor de pele, impacta a percepção da opinião pública sobre a vinda de estrangeiros para o país.

H2. Competição econômica - quanto maiores são as preocupações econômicas individuais, maior é a percepção negativa da opinião pública sobre a vinda de estrangeiros para o Brasil, uma vez que eles seriam competidores no mercado de trabalho.

Ambas as hipóteses remetem a uma seletividade para a aceitação de imigrantes, embora por motivos diferentes. A primeira tem aspecto cultural e está ancorada em fatores como preconceito e xenofobia. O histórico das políticas de imigração para o Brasil e de embranquecimento da população mostra que isso já ocorreu no país. A segunda tem um aspecto instrumental e enfatiza a concorrência no mercado de trabalho e as ameaças da perda de emprego. Nesse caso, os trabalhadores mais inseguros, de menor renda, escolaridade ou grau de habilidade estariam mais propensos a relacionar o aumento da imigração com o aumento da competição por empregos. Tenderiam, portanto, a rejeitar a vinda de estrangeiros por esse motivo.

Descrição das variáveis

4.1. Dados

Para analisar o caso brasileiro, são utilizados dados de uma pesquisa de opinião pública realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) a pedido da Assessoria de Pesquisa de Opinião Pública da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR).1 Entre os temas pesquisados, o questionário da pesquisa contém um módulo de perguntas sobre imigração.2

4.2. A variável dependente

A variável dependente busca indicar se a vinda de estrangeiros para o Brasil era percebida como algo positivo ou negativo, a partir da seguinte pergunta: “Na opinião do(a) senhor(a), a vinda de estrangeiros para morar no Brasil é algo...”. Na ocasião, 43,3% disseram ser algo positivo, 39,9%, negativo e 16,8%, outras respostas. A pergunta do questionário em si é neutra e não consegue identificar qual “estrangeiro” é bem-vindo. Ao ser questionado sobre a recepção de “estrangeiro”, o entrevistado pode ter se recordado de qualquer categoria de estrangeiro que o Brasil tenha recebido ao longo da história: o europeu, o asiático, o norte-americano etc.

4.3. As variáveis independentes

As variáveis independentes foram compostas de seis grupos: país de origem, sociais e demográficas, regiões do país, economia, governo e mídia.

País de origem. Trata da percepção dos brasileiros sobre a nacionalidade dos estrangeiros que estavam vindo para o país, derivada da seguinte pergunta: “E pelo que o(a) sr.(a) sabe ou ouviu falar, qual a nacionalidade dos estrangeiros que mais vêm morar no Brasil?”. Era possível até duas opções de resposta, mas trabalhou-se apenas com a primeira escolha de resposta dos entrevistados.

Essa foi a maneira possível, e encontrada, de avaliar se a procedência e o fenótipo dos imigrantes mais salientes na cabeça dos entrevistados impactavam na forma como eles eram vistos pela população.3 Dado o contexto da pesquisa, os haitianos (22,9%) foram a nacionalidade de estrangeiros mais mencionada pelos entrevistados. Como foram muitas menções, reclassificamos as demais categorias em: latino (11,7%), asiático (13,1%), africano (12,3%), europeu (5,3%), norte-americano (3,1%) e outros (31,6%). Uma vez que principal objetivo com essa pergunta é avaliar se a cor e a origem do imigrante importam, optamos por juntar as categorias haitiano e africano para denotar os imigrantes negros, e americanos e europeus para denotar os imigrantes brancos. As demais classificações permaneceram as mesmas.

Sociais e demográficas. Nas variáveis sociodemográficas ou estruturais, a população da amostra é descrita em termos de suas características de região, idade, gênero, escolaridade e renda pessoal.4 A idade indica possíveis efeitos geracionais e espera-se que os mais jovens sejam mais abertos à vinda de estrangeiros. Renda pessoal e escolaridade indicam dimensões econômicas. A expectativa é que entrevistados com renda mais baixa e de menor escolaridade sejam mais propensos a rejeitar imigrantes por conta da competição no mercado de trabalho, principalmente em atividades laborais que exijam menos habilidades. Mas deve-se ressaltar que a escolaridade também pode indicar outras dimensões, por exemplo, contato com pessoas de outras culturas e origens, que poderia levar a uma diminuição de opiniões xenófobas.

Regiões do país. A região é importante porque alguns estados brasileiros foram mais afetados pela vinda em massa de haitianos para o país. Por isso, busca-se identificar diferentes efeitos em regiões com maior aglomeração de haitianos, principalmente as que se tornaram o principal destino no Brasil, como o Sul e o Sudeste.

Aprovação do governo. Em meados de 2015, o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores) não gozava de grande popularidade. Apenas 10,8% dos entrevistados a aprovavam. Ainda assim, e como era um governo de esquerda, a expectativa era de que houvesse maior probabilidade de expressar uma visão positiva da vinda de estrangeiros para o Brasil entre os que aprovavam o Governo Federal.

Situação da economia. Outro indicador importante dos estudos sobre opinião pública e imigração é a situação econômica do país. Como o questionário não tinha uma pergunta direta sobre a avaliação das pessoas sobre a economia, utilizamos como proxy a pergunta sobre a qualidade de vida da população: “Pelo que o(a) sr.(a) viu ou ouviu falar, nos últimos 10 anos, a vida dos brasileiros melhorou, piorou ou não mudou?”. Na época, 36,8% disseram que havia melhorado, 14,4% que havia ficado igual e 44,7% que havia piorado.

Mídia. O último grupo de variáveis independentes são as midiáticas. Elas foram obtidas a partir da pergunta: “Em qual programa/jornal mais tem se informado” e “Em qual portal, site de notícias ou rede social o(a) sr.(a) mais tem se informado?”. No primeiro caso, os mais mencionados foram: Jornal Nacional (36,6%), outros jornais da TV Globo (19,9%) e Jornais da Record (14,5%); no segundo: G1/Globo.com (16%), Facebook (14,2%) e UOL (7,5%). Como a literatura aponta que a cobertura sobre imigração tende a ser mais negativa do que positiva, o efeito midiático esperado seria nessa mesma direção. Mas, no caso desta pesquisa, como não temos uma análise de conteúdo que explicite como foi a cobertura sobre as ondas migratórias recentes para o Brasil, os indicadores midiáticos do nosso modelo têm a função de uma análise mais exploratória do que confirmatória.

Resultados do modelo

Estimamos um modelo de regressão logística multinomial para avaliar a percepção dos brasileiros sobre a vinda de estrangeiros para o país. Embora a variável dependente apresente três categorias, o nosso principal interesse está na comparação entre as visões positiva e negativa. Todas as variáveis estão na escala 0-1, o que permite a comparação das estimativas (Achen 1982).5 Os resultados podem ser vistos na tabela 1.

Tabela 1: Determinantes da percepção sobre a vinda de estrangeiros para o Brasil 

Fonte: pesquisa telefônica semanal Secom-PR, semana 4, julho de 2015.

* p<0,10, ** p<0,05, *** p<0,01

Os resultados do modelo mostram que estrangeiros de origem haitiana e africana eram percebidos de maneira mais negativa pela opinião pública, o que não ocorria com os demais grupos de imigrantes. De todos os grupos de estrangeiros, eles foram os únicos cuja vinda para o Brasil tinha maiores chances de ser vista de maneira negativa, ao contrário de positiva. Outra forma de analisar os mesmos dados é observar as probabilidades preditas, que podem ser lidas em termos percentuais, calculadas a partir do modelo logístico multinomial estimado.6 Os dados da tabela 2 mostram que a vinda de estrangeiros de origem haitiana e africana tinha 17% de chances a mais de ser vista de maneira negativa. Existia, portanto, uma seletividade para a aceitação de cidadãos oriundos de países de população predominante negra. Isso nos dá respaldos para confirmar a hipótese 1.

Tabela 2: Probabilidades preditas calculadas a partir do modelo logístico multinomial com relação à opinião sobre a vinda de estrangeiros para o Brasil 

Fonte: pesquisa telefônica semanal Secom-PR, semana 4, julho de 2015.

* p<0,10, ** p<0,05, *** p<0,01

Uma explicação alternativa do efeito negativo observado com haitianos e africanos é a do conceito de “lugares politizados” proposto por Hopkins (2010). Estes são regiões que passam por intensas mudanças demográficas repentinas, por exemplo, o aumento da chegada de estrangeiros, como é o caso de algumas regiões da Europa. Tais situações vêm acompanhadas de uma retórica nacional que politiza a imigração, que torna os imigrantes foco de hostilidade pelos habitantes locais. Embora isso tenha ocorrido em alguma medida no Brasil (Diehl 2016), essa ideia não explica por que a percepção negativa quanto a haitianos e africanos é superior com relação a outros grupos.

Como visto anteriormente, a seletividade na aceitação depende em grande parte da origem e do tipo de imigrante. De acordo com a literatura, no topo da hierarquia de aceitação, estariam caucasianos e cristãos, de preferência de países desenvolvidos e com escolaridade mais alta (Hopkins 2011). Historicamente, houve no Brasil seletividade e diferenciação étnica na aceitação de imigrantes, que ficou explícito na política de branqueamento implementada após o fim da escravidão, no final do século XIX. E, ao menos com relação aos imigrantes haitianos, existem evidências de que foram estigmatizados por muitos brasileiros, que chegaram a considerá-los como pessoas que estariam trazendo para o país doenças e um “atraso” social (Diehl 2015; 2016).

Quanto à hipótese 2, a proxy para o “humor nacional” - sobre a melhora da qualidade de vida da população - indicou que pessoas mais satisfeitas teriam uma opinião mais positiva do que negativa com relação à vinda de estrangeiros para o país. De fato, brasileiros que acreditavam que a vida havia melhorado tinham cerca de 10% de chance a mais de expressar uma visão positiva da vinda de estrangeiros para o país. Esses resultados sugerem algum respaldo para a dimensão econômica, ainda que com um efeito menor do que a variável que mede a raça e a origem dos estrangeiros - testes de pós-estimação para a igualdade dos coeficientes rejeitaram a hipótese de que os efeitos são estatisticamente equivalentes [χ2 (10) = 27,8, p < 0,00]. Mas, como a pergunta sobre a qualidade de vida não é um indicador comumente utilizado em pesquisas de opinião para avaliar a situação da economia, faz-se necessária a análise do resultado de outras variáveis do modelo.

Do ponto de vista teórico, a expectativa era que entrevistados com renda pessoal mais baixa fossem contrários à vinda de estrangeiros para o Brasil, justamente por conta da concorrência no mercado de trabalho. Inclusive, o questionário também perguntou o principal motivo pelo qual as pessoas são contra a vinda de estrangeiros para o Brasil. Ao serem questionados sobre isso, 18,8% disseram que são contra porque os estrangeiros “ocupam espaço no mercado de trabalho no Brasil”.7 Mas o indicador não alcançou significância estatística, o que não nos permite grandes especulações.

Sobre a escolaridade, a expectativa teórica era que as pessoas com diploma universitário fossem mais propensas a aceitar a presença de imigrantes, enquanto os nativos com nível educacional mais baixo teriam atitudes anti-imigrantistas. Por um lado, mais escolaridade gera atitudes e sentimentos mais positivos com relação aos imigrantes por conta da maior disponibilidade de informações globais, que auxiliam a ultrapassar barreiras culturais e linguísticas, bem como visões baseadas em estereótipos negativos de grupos de estrangeiros (Wike, Stokes e Simmons 2016; Rustenbach 2010; Citrin et al. 1997; Hainmueller e Hiscox 2010). Por outro, menos escolaridade afeta a competição no mercado de trabalho, especialmente entre os empregos de baixa qualificação. Além disso, há uma competição por recursos e benefícios sociais fornecidos pelo governo. Portanto, em um cenário de competição por recursos sociais entre diferentes grupos, afloram-se as hostilidades étnicas e xenofóbicas (Hopkins 2010).

Os dados da tabela 1 mostram que, à medida que aumenta a escolaridade do entrevistado, diminui a probabilidade de ele apresentar uma visão negativa sobre a vinda de estrangeiros para o país. Dito de outro modo, as pessoas com diploma universitário são mais propensas a ter uma opinião positiva sobre o assunto, cerca de 11% de chances a mais, em comparação com aquelas com menos anos de estudo. Mas é fato também que elas geralmente não competem com os estrangeiros no mercado de trabalho, justamente por terem uma melhor formação. Assim, brasileiros com maior escolaridade também podem visualizar de maneira positiva a presença de estrangeiros porque suas posições privilegiadas não os deixariam ser prejudicados por competições no mercado de trabalho e por serviços públicos.

Por fim, os resultados encontrados quanto à idade reafirmam a ideia do efeito geracional. Os mais jovens tendem a ver de maneira mais positiva a vinda de estrangeiros para o país, em comparação com os mais velhos. O efeito geracional se refere ao fato de as pessoas se tornarem mais negativas às culturas externas enquanto ficam mais velhas. Em outras palavras, os mais velhos seriam mais conservadores, nacionalistas e xenofóbicos, além de mais propensos a atitudes negativas com relação à presença de estrangeiros (Rustenbach 2010).

No geral, os resultados do modelo sugerem um cenário mais complexo no qual tanto dimensões culturais, relacionadas à cor da pele, quanto econômicas, que remetem à concorrência no mercado de trabalho - num período em que o país passava por uma crise econômica -, influenciem a opinião pública com relação à vinda de estrangeiros para o Brasil. Temos elementos para aceitar ambas as hipóteses apresentadas, embora os resultados referentes à hipótese 1 pareçam mais consistentes. Ou seja, a nossa interpretação dos dados sugere que o preconceito racial quanto a estrangeiros vindos de países cuja população é majoritariamente negra, como o Haiti, impacta negativamente a percepção da opinião pública brasileira em comparação com outros grupos de imigrantes. Mas deve-se descartar também que fatores econômicos importam, especialmente no contexto em que a pesquisa foi feita.

Conclusão

Neste artigo, buscamos discutir como se comporta a opinião pública brasileira com relação à vinda de estrangeiros para o país. De modo mais específico, testamos duas das abordagens teóricas e interpretativas mais importantes presentes na literatura internacional, cujo principal foco de análise são países europeus e os Estados Unidos: a do preconceito racial e a da competição econômica. Os resultados do nosso modelo sugerem que ambas as dimensões estejam presentes, embora os resultados referentes à primeira pareçam mais consistentes.

A probabilidade de se ver de maneira negativa a vinda de estrangeiros para o Brasil é maior quando eles são oriundos de países cuja população é majoritariamente negra, como no Haiti e nos países da África, em comparação com outros grupos, como latinos, asiáticos, europeus e norte-americanos. Uma forte explicação para esse resultado encontra respaldo na própria construção histórica e social do país, marcado por uma herança escravagista e de subjugação da população negra. Ou seja, tais consequências históricas não se manifestam apenas em práticas discriminatórias observadas no dia a dia, mas também em posicionamento da opinião pública.

Esses resultados sugerem a existência de um preconceito racial e de origem na forma em que alguns grupos de imigrantes são categorizados, colocando em xeque a ideia de que estrangeiros são sempre bem-vindos e bem-recebidos no Brasil. Não é possível dizer que a opinião pública brasileira vê de forma negativa a imigração numa perspectiva geral. Mas é possível sugerir, com base nos resultados aqui apresentados, que exista uma seletividade na aceitação do estrangeiro que, juntamente com as preocupações econômicas, demonstram ser os principais determinantes da opinião pública brasileira sobre a vinda de estrangeiros para o país.

É importante ressaltar os limites das análises realizadas. Os dados foram coletados em um período de grande mobilidade migratória de haitianos para o Brasil, além de crise econômica e política. Por um lado, isso pode ser visto como algo positivo para as análises feitas neste artigo, permitindo-nos vislumbrar as dimensões de preconceito racional e de origem descritas na literatura internacional num período de grande fluxo de estrangeiros para o país. Ou seja, o tema estava bastante saliente na opinião pública. Por outro, não é possível afastar por completo a existência de algum viés causado pelo contexto em que foram coletados os dados da pesquisa. Ou seja, o fato de o Brasil enfrentar, na época, a vinda de um grande fluxo de imigrantes haitianos pode ter gerado algum ruído nos dados coletados.

O desenho da pesquisa trata a raça como uma característica do imigrante e, a vulnerabilidade socioeconômica como uma característica do cidadão. No entanto, os imigrantes, obviamente, também têm traços socioeconômicos. Um teste melhor e mais completo das teorias existentes examinaria, por exemplo, a diferença nas reações de um cidadão negro a um estrangeiro branco, ou de um cidadão de baixa renda a um estrangeiro também de baixa renda. Infelizmente, o banco de dados disponível não possui uma variável que indique a cor ou a raça do respondente, o que torna impossível testar combinações de características de entrevistados e imigrantes.

Algumas variáveis explicativas não funcionaram dentro das expectativas teóricas. É o caso dos indicadores midiáticos. Também não foram inseridas no modelo variáveis econômicas mais adequadas para explicar o “humor nacional” e da situação econômica do país. Infelizmente, elas não estavam disponíveis no banco de dados. Embora perguntas sobre imigração e medidas clássicas de avaliação da situação econômica existam em pesquisas como o World Values Survey ou Latinobarômetro, que também foram feitas no Brasil, infelizmente nenhuma destas apresenta uma bateria que identifique a origem do imigrante, o que torna impossível qualquer análise que busque comparar as premissas de preconceito racial e de competição econômica feitas neste artigo. O ideal seria encontrar ou produzir um banco de dados que contemplasse ambas as dimensões, como em trabalhos feitos na Europa (Heath et al. 2019).

Por fim, embora nossa interpretação dos resultados seja coerente com a teoria sobre opinião pública, imigração e acontecimentos históricos que influenciaram a formação cultural do Brasil, estamos cientes das dificuldades para estabelecer relações causais em estudos observacionais. O desenho de pesquisa mais adequado envolveria um experimento no qual a raça do imigrante seria atribuída aleatoriamente, sem que o entrevistado ficasse responsável por identificar a nacionalidade mais comum dos imigrantes, o que naturalmente torna a medida da raça utilizada neste artigo muito mais subjetiva.

Entendemos, assim, que este artigo pode ser visto como um pontapé inicial para o desenvolvimento de estudos sobre um tema importante e bastante frequente na literatura internacional. Além disso, apesar de a pergunta sobre a origem dos estrangeiros ser neutra - ao menos no nosso entender -, deve-se reconhecer tanto que ela não é usual nos estudos sobre opinião pública e imigração quanto não é comum a possibilidade de ocorrência de algum efeito de desejabilidade social, pois temas como preconceito racial e xenofobia são sensíveis. Estudos futuros sobre o mesmo tema devem recorrer a experimentos para amenizar quaisquer efeitos da desejabilidade, comparar hipóteses teóricas e, claro, confirmar ou refutar os achados apresentados neste artigo.

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*Este artigo é resultado da dissertação de mestrado de Cíntia Soares Rodrigues dos Santos, sob a orientação de Pedro Santos Mundim. Versões anteriores do texto foram apresentadas no VIII Compolítica (Universidade de Brasília) e no V Workshop sobre Comportamento Político e Opinião Pública (Universidade Federal de Goiás - UFG). O estudo contou com o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás, a quem somos imensamente gratos. Também somos gratos a Andréa Vettorassi (UFG), Emerson Cervi (Universidade Federal do Paraná), Cristiano Rodrigues (Universidade Federal de Minas Gerais) e aos dois pareceristas anônimos da Colombia Internacional pelas críticas e pelas sugestões feitas à dissertação e ao artigo. Os erros remanescentes são de nossa responsabilidade.

1A pesquisa apresenta uma amostra de 1000 entrevistas por telefone, com pessoas com 16 anos ou mais com acesso a telefone fixo (51%) e celular (49%) e com período de campo foi de 24/07 a 29/07/2015. O método amostral foi o de probabilidade proporcional ao tamanho (PPT), no primeiro estágio por meio dos números de telefone e por cotas de sexo, idade, grau de escolaridade e ramo de atividade no segundo estágio. O nível de confiança é de 95%, com um erro de ± 3%. Os dados e outras informações da pesquisa estão acessíveis aqui: https://bit.ly/3CJyPAX.

2Entre 2010 e 2015, quase 68000 haitianos solicitaram refúgio no Brasil, sendo 442 em 2010 e 5364 em 2015 — os anos de 2013 e 2014 representam o ápice desse movimento imigratório, com respectivamente 17991 e 34770 solicitações (Ministério da Justiça 2016). Esse cenário chamou atenção das autoridades brasileiras, principalmente porque muitos haitianos estavam recorrendo a coiotes para chegar ao país. O Governo Federal, então, decidiu fazer uma campanha de comunicação direcionada aos haitianos, com o objetivo de desencorajar a vinda para o Brasil de modo ilegal. A pesquisa de opinião da Secom-PR aconteceu dentro desse contexto.

3A categorização dos estrangeiros percebidos no Brasil segundo origem apresentada na pesquisa de opinião não é um processo simples, pois as categorizações étnicas e raciais misturam indicações fenotípicas, geográficas e nacionais (Mateus 2013). Porém, para entender quantitativamente a percepção dos brasileiros a respeito dos imigrantes, foi necessária a classificação dos estrangeiros com o objetivo de definir as categorias de análise.

4Essas variáveis foram codificadas da seguinte maneira: sexo: 1 = homem e 0 = mulher; idade: 1 = de 16 a 24 anos, 2 = de 25 a 34 anos, 3 = de 35 a 44 anos, 4 = de 45 a 59 anos e 5 = 60 anos ou mais; escolaridade: 1 = ensino fundamental, 2 = ensino médio e 3 = ensino superior; e porte do município: 1= pequeno, 2 = médio e 3 = grande.

5A base de dados e os demais arquivos para a replicação das análises podem ser solicitados ao primeiro autor do artigo pelo e-mail psmundim@ufg.br.

6As probabilidades preditas foram calculadas com o pacote SPost13 do Stata (Jann e Long 2010; Long e Freese 2014).

7Houve menções a inúmeros outros motivos, mas eles foram tão dispersos — por exemplo, porque “querem tomar a Amazônia”, “não querem trabalhar”, “podem trazer doenças” etc. — que não foi possível agrupá-los em outras categorias coerentes.

CÓMO CITAR: Santos Mundim, Pedro e Cíntia Soares Rodrigues dos Santos. 2022. “Preconceito racial ou competição econômica? A opinião pública sobre a vinda de estrangeiros para o Brasil”. Colombia Internacional 110: 123-144 . https://doi.org/10.7440/colombiaint110.2022.05

Recebido: 19 de Junho de 2021; Aceito: 16 de Dezembro de 2021

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