Os anos 50 foram marcados por mudanças que refletiram direta ou indiretamente no modo de pensar e agir do homem independentemente de sua nacionalidade, cultura ou crença. Se no âmbito da ciência e tecnologia, esses anos foram marcados por avanços considerados promissores, como a descoberta da estrutura do DNA, primeiro transplante de órgãos, envio de o primeiro ser vivo à orbita da Terra ou criação da NASA, na esfera territorial e política permaneceu um clima de tensão e conflitos impulsionados pela Guerra Fria, Revolução Cubana, Guerra do Vietnã, Guerra da Coreia, dentre outros embates ideológicos. Tudo graças ao que se convencionou chamar de Revolução tecnológica.
A Revolução Tecnológica também foi responsável por evidentes transformações sociais, sobretudo, no que se refere ao campo da comunicação e informação. A década de 50 foi divisora de águas para popularização do rádio e da recém-chegada Televisão, como veículos indispensáveis de propaganda e disseminação de ideologias. Embora as transmissões abertas tenham acontecido em países como Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra, ainda na década de 30, no Brasil e na Espanha só aconteceriam duas décadas mais tarde. No Brasil, dos anos 50, segundo as palavras da pesquisadora Mônica Kornis:
[...] o país vivia sob a égide de uma ideologia prometeica, de crença no desenvolvimento, no progresso e na mudança. Este era um legado deixado por Vargas, do qual JK se apropriou com maestria. Juscelino Kubitschek adicionava ao desenvolvimentismo a ótica do otimismo e da tolerância política. E contava, na retaguarda, com um corpo institucional já formalizado e uma estrutura burocrática e estatal razoavelmente consolidada, que lhe permitiriam agir e decidir mesmo em momentos de crise política ou militar1.
Tal otimismo e entusiasmo estavam presentes não só na esfera política, mas também no campo artístico-cultural. Com maior popularização da televisão e do radio iniciava-se um processo promissor de transformação social, a partir de consolidação da cultura de massa. O aprimoramento e popularização dos meios de comunicação possibilitaram uma verdadeira reviravolta no estilo de vida da sociedade urbano-industrial, que passava a consumir influenciada pelas propagandas do radio e da TV. As já conhecidas radionovelas traziam agora um ingrediente novo, as insistentes propagandas de produtos industrializados impulsionando uma rápida mudança nos hábitos domésticos.
Em se tratando de cinema, a onda de transformações do período pós-1945 possibilitou o avanço imediato da indústria hollywoodiana amparada pelo esforço do Governo Americano que tentava, a todo custo, ampliar sua influência econômica, política e ideológica para todo o ocidente. A estratégia era bastante ousada, mas eficaz: patrocinar e expandir a cultura norte-americana para os países menos desenvolvidos como o Brasil e toda a América Latina, mas também para os países europeus em desenvolvimento. Buscava-se mostrar a imagem de uma terra de oportunidades e prosperidade, onde o espírito de otimismo e de esperança tomava o lugar das tensões e dos desastres provocados pelas guerras.
O objeto de pesquisa desse estudo visa a discorrer acerca da produção cinematográfica, no Brasil e na Espanha, durante os anos 1950, levando em consideração as mudanças socio-culturais ocorridas no cenário mundial, no período pós-1945. Nesse contexto, busca-se mostrar como as indústrias espanhola e brasileira foram influenciadas pelos avanços tecnocientífico e, consequentemente, pelas tendências literárias advindas a partir do processo de desenvolvimento tecnológico.
Nesse período, a Espanha buscada uma forma de adentrar as fronteiras internacionais a partir de um governo mais tecnologicamente desenvolvido, centrado no capitalismo moderno, investimento estrangeiro, industrialização maciça, migração populacional, urbanização e expansão educacional. Tinha-se, assim, o início de uma sociedade de consumo impulsionada pelos ideários do regime. No entanto, este incipiente paraíso para o consumidor, como aponta Tatjana Pavlovic (2008), revelaria, mais tarde, seu lado mais escuro e ameaçador. A modernização e a liberalização política provocariam crises em todos os âmbitos da cultura, política e economia. Entre as manifestações mais relevantes estavam as greves trabalhistas e os movimentos estudantis, terreno fertil para uma nova geração de ativistas políticos.
Envolto a esse sistema de mudança estava o cinema que outrora tinha servido ao regime como importante instrumento de propaganda e disseminação dos idearios do governo. O novo panorama industrial exigia também mudanças nas produções culturais, e o cinema, por ter sido criado a partir do desenvolvimento tecnológico, trazia a marca de ser o veiculo mais propenso e passível de adaptações nas suas produções. Segundo Tatjana Pavlovic (2008),
The film culture of the fifties also saw the rise of a new generation, tied to the Instituto de Investigaciones y Experiencias Cinematográficas (Institute for Cinematic Investigation and Experimentation, or IIEC), the film school created on February 18, 1947. The two most important young voices were Juan Antonio Bardem and Luis García Berlanga, graduates of IIEC2 (2008, p. 83).
Em outras palavras, os anos 50 foram palco de uma crescente onda de novas produtoras e profissionais que visavam a inovar e apresentar uma nova estétíca para o cinema local levando em conta os padrões Hollywoodia-nos, mais também a necessidade de uma produção nacional independente. Tal onda favoreceu o surgimento de um cinema de oposição, parcicalmente, inspirado pela "Semana do Cinema Italiano" do Instituto Italiano de Cultura que aconteceu em Madri em 1951 e 1953. Essa nova proposta estética e política influenciou profundamente as produções cinematográficas nacionais, sobretudo, nos países subdesenvolvidos, particularmente, na América Latina, inclusive no Brasil, mas também em países europeus como na Espanha.
A partir da Semana do Cinema Italiano, os cineastas espanhois tiveram contato com o neorrealismo italiano, um gênero desenvolvido, em partes, para confrontar os valores da estética cinematográfica fascista. Na percepção de Tatjana Pavlovic (2008), o neorrealismo italiano, estava diretamente envolvido com a realidade social e os problemas decorrentes das guerras, o que dava aos diretores um enquadramento estético e político para a exploração de sua própria realidade social. Além da preocupação com a pobreza e com os problemas sociais, o neorrealismo também foi impulsionado pela necessidade de renovação cinematográfica formal.
Dessa forma, a estética neorrealista foi estabelecida como o principal modelo estético para o cinema espanhol dissidente, na década de 1950. No entanto, dentro do contexto de repressão e de opressão vigente na Espanha, a aceitação de uma política de renovação, bem como a recepção e apropriação do neorrealismo estavam longe de ser passífica e sem resistência, visto que, para o regime, o neorrealismo era uma tendência estrangeira que não configurava a realidade artística espanhola. Assim, para dar uma abordagem mais nacional ao movimento, alguns críticos de cinema adotaram o termo "Espafiolização do neorrealismo", uma vez que as circunstâncias políticas espanholas, em contraste com o contexto italiano, não permitiu a postura política mais radical que o movimento exigia.
O neorrealismo espanhol foi criticado por não se empenhar em manter as caractrísticas formalistas do movimento, sobretudo no tocante à crítica social que caracterizou seus homólogos italianos, perdendo assim, o caráter esquerdista que impulsionou as mudanças na Itália, conforme aponta Tatjana Pavlovic (2008):
Spanish neorealism has been criticized for absorbing only empty formalist traits of the movement, void of the social criticism that characterized its Italian counterparts. Furthermore, neorealism, which was originally associated with a leftist worldview, became ideologically reinscribed in the Spanish context. The most notorious example of this reinscription was José Antonio Nieves Conde's Surcos (1951), a film that can paradoxically be categorized as Falangist neorealism3 (2008, p.85).
Convém notar que mesmo com as imposições do regime, os cineastas tinham acesso e, por vezes, contato com os movimentos que ocorriam no meio cinematográfico tanto na Europa como nos Estados Unidos possibilitando não só influências européias - como no caso do neorrealismo italiano - mas também das tendências Hollywoodianas que se utilizava cada vez mais dos avanços tecnológicos para produzir obras ainda mais atraentes e sedutoras aos olhos dos telespectadores.
Nesse sentido, a Literatura servia como importante aliada da indústria hollywoodiana, haja vista que essa onda de otimismo era caraterística central da Era de Ouro da Ficção Científica (Golden Age of Science Fiction), época em que a ficção científica ganhou ampla divulgação e popularidade. Durante as décadas de 40 e 50, um grupo de escritores, incluindo Isaac Asimov, James Blish, Frederik Pohl, Cyril M. Kornbluth e Judith Meril expressaram seu otimismo utópico sobre o contributo da ciência e da tecnologia para a humanidade e tendiam a elogiar o cientista como agente de progresso e estabilidade econômica.
Esse período é caracterizado por suas narrativas lineares com aventuras tecnológicas onde robôs, aeronaves, alienigenas, dentre outros icones da ficção científica, eram elementos indispensáveis do enredo. Essa época é marcada pela existência de muitas revistas de ficção científica destinadas a uma audiência adulta que incentivou novos escritores e foram fonte de novas ideias para os as narrativas literárias e cinematográficas. Surpresa, The Magazine of Fantasy e Science fiction, Amazing, New Worlds e Galaxy Science Fiction foram algumas das revistas mais importantes que influenciaram, consideravelmente, a forma e as temáticas artisticas da década de 50. Muitos dos escritores mais representativos da Era de Ouro foram reconhecidos pela primeira vez quando suas obras foram publicadas nessas revistas.
Na Espanha, a ficção científica também teve sua parcela de contribuição para as inovações cinematográficas dos anos 50, visto que esse gênero tem suas primeiras narrativas ainda no século XIX, popularizando-se a partir de obras como Lunigrafía (1855) de M. Krotse ou Una temporada en el más bello de los planetas (1840) de Tirso Aguimana de Veca, El anacronópete (1887) de Enrique Gaspar, dentre outros. De acordo com Julian Diez e Fernando Moreno Angel (2014)em Historia y antología de la ciencia ficción española, o gênero teve importantes produções no início do século XX, como por exemplo, Crímenes literarios (1906), de Rafael Zamora y Pérez de Urria e Homes artificials (1912), de Frederich Pujulà i Vallès, dentre muitos outros.
Nesse contexto, merecem destaque as contribuições de José de Elola (ou Coronel Ignotus), Frederic Pujulà, Elias Cerdá e Domingo Ventalló para o gênero. Estes são considerados os autores mais importantes da literatura especulativa e de ficção científica, no periodo que antecedeu a Guerra Civil. Seus escritos foram publicados em uma das primeiras revistas de ficção científica do mundo, a Biblioteca Novelesco-Cientifica (1921-1923). Durante a Guerra Civil Espanhola poucas obras de ficção científica foram escritas e o gênero sofreu um período de letargia, emergindo somente no início da década de 1950.
A partir da série espacial La Saga de los Aznar (1953-1958 e 1973-1978), 32 novelas de ficção científica, de Pascual Enguídanos, o gênero volta a fazer parte das produções nacionais, ao mesmo tempo em que dialoga com o cinema, o radio e a TV. A obra de Enguídanos apresenta aventuras similares àquelas que popularizaram a gênero de Ficção Científica norte-americana durante os anos trinta e quarenta, onde o otimismo em relação aos avanços tecno científicos inspirava jovens escritores a produzirem narrativas especulativas, sobretudo aquelas relacionadas à conquista de outros planetas ou do espaço, tendência representada por autores como E. E. Smith, Edmond Hamilton e Jack Williamson. Fortemente marcadas por um carater épico, essas narrativas frequentemente privilegiavam os conflitos bélicos e a aventura, sempre utilizando-se da ciência e da tecnologia, como instrumento condutor da trama. Em La Saga de los Aznar Enguídanos constrói sua narrativa utilizando-se de planetas fictícios ao mesmo tempo em que dialoga com estruturas de regimes feudais arcaicas, príncipes e senhores, povos primitivos oprimidos, homens silícios, homens insetos, plantas, peixes ou outros seres formados a partir dos ambiente natuaral em que vivem.
Nesta discussão, é pertinente ressaltar a importancia do escritor José Mallorquí Figueroa que dedicou parte de sua escrita à literatura de ficção científica. Percebendo a importância do gênero para o novo contexto artístico cultural, Figueroa decide traduzir, adaptar e publicar os principais clássicos da Literatura de ficção científica anglo-americana das eras de Gernsback e Campbell. Influenciado pelas pulp magazines - revistas de baixo custo e de fácil acesso popular especializadas em literatura de ficção - Figueroa lança a coleção Futuro ( 1953-1956), que com seu sucesso de vendas, ajudou a popularizar o gênero em território espanhol. Um de seus personagens mais famosos, que ocupou vários números na coleção, foi o capitão da Federação, Pablo Rido, contratado pelo governo para resolver problemas diversos. Inspirado no estilo de "Capitain Future", de Hamilton, Capitão Pablo Rido era um herói romântico que amava a liberdade e a independência. Este perfil de herói tomaria forma nas grandes telas, em muitos filmes espanhois da década de 50.
Nessa mesma década, começou a ser produzida uma série de rádio para crianças, Diego Valor, em que o herói enfrenta as forças do mal para salvar a Terra das invasões dos macianos. Com o sucesso alcançado, a série produziu 1200 episódios e posteriormente foi transformada em quadrinho (1954-1964), além de inspirar a adaptação de três peças de teatro (1956-1959) e a primeira série de TV espanhola (1958). Dessa forma, como sugere Mikel Peregrina Castaños (2015), fica claro que a ficção científica espanhola, durante a era Franco, foi considerada uma importante manifestação da literatura popular e influenciou outros meios de representações artísticas, como teatro televisão, cinema e pintura.
Embora não muito visível, os temas da ficcão científica ou de outros gêneros especulativos estavam presentes em muitas obras cinematográficas da década de 50, como por exemplo, Calabuch (1956), de Luís García Berlanga. A narrativa é ambientada em meio à Guerra Fria, onde o protagonista, Professor Hamilton, um sábio ingênuo que acreditava nos benefícios da energia nuclear, percebe que estava errado e foge, levando consigo todos os seus segredos. Nota-se que, a partir da temática da Guerra Fria, Calabuch antecipa uma discussão que mais tarde seria bastante explorado nas narrativas da New Wave da ficção científica durante as décadas de 60 e 70.
Não muito diferente da realidade espanhola, encontrava-se a indústria cinematografica brasileira que passava por um processo de transformação impulsionado pelas ideias modernistas das décadas de 20 e 30, mas também pelas novas tendências advindas dos avanços tecnológicos em escala mundial. Acompanhando o rítmo frenético do processo de modernização da sociedade brasileira, a década de 50 foi marcada pela necessidade de uma renovação estética no campo das artes. Em se tratando de cinema, pretendia-se fazer uma produção de forte apelo nacional, com a utilização de uma nova línguagem e com temáticas populares, mas com valores completamente diferentes daqueles presentes nas Chanchadas, que marcaram a tercerira etapa do cinema nacional, entre os anos 1930 e 1950.
As Chanchadas, vale ressaltar, foram um gênero fílmico considerado, por muitos críticos, como autenticamente brasileiro - embora tenha suas raízes nos musicais estrangeiros - cujos enredos eram compostos por comédias musicais, misturadas com elementos de filmes policiais e de ficção científica, além de um humor picante e, por vezes, malicioso. Dentre as principais características, podemos elencar a comicidade, o forte apelo ao popular, a paródia e também a forte presença musical dos ritmos carnavalescos. Considerado, por muitos, um espetáculo vulgar, este gênero recebia duras críticas, tanto no meio artístico como religioso.
Idealizava-se assim, uma nova etapa para a indústria fílmica brasileira. Vislumbrando novos horizontes e com o intuito de modernizar e intelectualizar o cinema brasileiro, surge a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, no dia 4 de Novembro de 1949, financiada pelos empresários Francisco Antônio Paulo Matarazzo, conhecido como Ciccillo, e Franco Zampari membro de uma das famílias mais ricas do Brasil, nos anos 50. A dupla Ciccillo e Franco ficou conhecida como os mecenas das artes de São Paulo, pois no ano anterior tinham inaugurado o Teatro Brasileiro de Comédias (TBC). Para a pesquisadora Maria Rita Gal-vão (1981), estes empresários foram de extrema importância para o desenvolvimento do teatro e de um cinema independente no Brasil, haja vista que essas duas formas de expressão só tomariam formas nacionais a partir do surgimento do TBC e da Companhia Vera Cruz, cuja principal aspiração era produzir obras brasileiras com padrão Universal.
De acordo com a pesquisadora Mônica Kornis (2008), o desejo de nacionalização, utilização e exploração de aspectos da cultura popular no meio cinematográfico era um movimento geral que abrangia todo o cinema da época, desde aquele produzido Cinédia e Atlântida, inclusive as chanchadas, até os filmes feitos por jovens que iriam promover uma verdadeira revolução estética no cinema brasileiro, como Nelson Pereira dos Santos considerado o precursor dos ideários do Cinema Novo, que tomaria forma e se concretizaria mais tarde, nos anos 60.
A proposta de Vera Cruz se diferenciava por ter um objetivo claro e predefinido: produzir filmes de qualidade que acompanhassem o processo de desenvolvimento tecnológico pelo qual o país estava passando e que fossem capazes de concorrer com as produções internacionais, o que implicaria em alto custo de produção. Descrevendo o contexto em que a Vera Cruz surge, Maria Rita Galvão (1975) afirma:
A Vera Cruz surge num momento de grande efervescência cultural em São Paulo, um pós-guerra rico de idéias e realizações. Num curto espaço de tempo - cinco, seis anos, talvez - a cidade assiste, um tanto perplexa e orgulhosíssima, ao nascimento de dois museus de arte, à formação de uma companhia teatral de alto nível, à multiplicação de concertos, escolas de arte, conferências, seminários exposições, revistas de divulgação artística e cultural, à construção de uma grande moderna casa de espetáculos, à criação de uma filmoteca, à inauguração de uma bienal de artes plásticas a tudo o quanto é sinal de expansão dessa cultura eminentemente urbana e burguesa que distingui a grande cidade da província (1975, p. 56).
De fato, a Vera Cruz surge em um ambiente propício, com atividades culturais intensas que muito agradava ao público burguês. O fato de seus fundadores serem italianos contribuiu para que suas obras sofressem também influencias do Neorrealismo italiano, a exemplo da Espanha, visto que um dos entraves, enfrentados pela Vera Cruz, foi a falta de técnicos preparados para o cinema com a qualidade almejada, impulsionando a contratação de técnicos italianos, alemães e suecos.
Parece ser consensual a importante contribuição que a companhia Vera Cruz deu ao cinema brasileiro tanto pelo seu valor estético quanto pelo sua estrutura de produção. Segundo os críticos Randal Johnson e Robert Stam:
The films of Vera Cruz realized, in a sense, a long cherished goal of many Brazilian filmmakers: a level of artistic quality equal to that of Europe or the United States. Through their themes, genres and production values they achieved the look of the First World dominant cinema. They adopted the full panoply of conventional devices: sophsticated sets, classical framing, elaborate lighting fluid cuttingand camera movements, dissolves for the passage of time, and so on4 (1995, p.28).
Apesar da inegável contribuição da companhia Vera Cruz, esta foi alvo de duras críticas, sobretudo pelo seu caráter burguês que, para muitos críticos, mais atendia aos anseios da burguesia dos cineclubes do que da classe artística. O critico e cineasta Alex Viany (1987) destaca a importância e os avanços desta indústria para o cinema nacional, mas também aponta os pontos negativos que levariam a sua derrocada:
Do lado positivo, deve-se ressaltar, houve uma sensível melhora no nível técnico e artístico de nossos filmes depois do aparecimento dos estúdios de São Bernardo. Além disso, com todas as falhas de estrutura, programa e administração, não há dúvida de que, num sentido histórico, a Vera Cruz precipitou a industrialização do cinema no Brasil. Do lado negativo, entretanto, houve um abrupto encarecimento da produção, nem sempre justificado pela melhoria técnica e artística. Muita gente diz, provavelmente com razão, que a Vera Cruz quis voar muito alto e muito depressa, construindo estúdios grandes demais para seu programa de produção, ao mesmo tempo em que descuidava de fatores tão importantes como a distribuição, a exibição, a administração e a arrecadação (VIANY, 1987: 109).
Pelas razões acima expostas, o sucesso da Vera Cruz durou apenas 5 anos. Alguns de seus filmes fizeram muito sucesso no exterior, participaram dos mais importantes festivais de cinema do mundo e galgaram almejados prêmios. O filme O Cangaceiro, por exemplo, foi assistido em mais de 80 países e faturou mais de 50 milhões de dólares, graças a sua qualidade técnica e de produção. Outras importantes produções da década de 50 foram: Caiçara (1951), Terra é sempre Terra (1951), Ângela (1952), Sai da Frente (1952), Tico-Tico no Fubá (1952), O Cangaceiro (1952/1953), Apassionata (1952), Nadando em Dinheiro (1952), Uma Pulga na balança (1952), Sinhá Moca (1953), Esquina da Ilusão (1953), É Proibido Beijar (1953), Candinho (1953), Luz Apagada (1953), Na Senda do Crime (1954), Floradas na Serra (1954), O Sobrado (1956), O Gato de Madame (1956), Osso, Amor e Papagaios (1956), Paixão de Gaúcho (1957), Estranho Encontro (1957), Rebelião em Vila Rica (1957), Ravina (1958). Mesmo com o sucesso obtido em muitas das produções feitas até 1954, o montante arrecadado não era suficiente para manter a estrutura e o investimento que vinha sendo feito desde sua fundação em 1949, provocando um processo de endividamento e posterior falência.
Como citado anteriormente, o sucesso da Vera Cruz se deu, de forma mais visível, em elementos relacionados à infraestrutura e técnica. No entanto, um fato a ser apontado é o tratamento que esta companhia dava às mudanças e transformações sociais que ocorriam na época, bem como sua intensão de visitar as novas tendências do universo literário, local e internacional. Nesse sentido, é possível perceber forte influência das narrativas de ficção científica, visto que muitos arranjos feitos nas produções cinematográficas modernas brotaram de técnicas utilizadas primeiramente no universo narrativo literário.
A obra O Cangaceiro (1953), por exemplo, recebeu uma importante contribuição da escritora Raquel de Queiroz, que embora não seja consagrada como escritora de ficção científica foi bastante influenciada pelas tendências literárias que surgiram na Europa a partir dos avanços tecnocientífico. Tendo sido responsável pelos diálogos presentes no filme, Raquel pode expressar na tela a reação - de repulsa ou admiração - do homem comum para com os instrumentos tecnológicos até então pouco acessíveis, como se pode notar nas cenas inicias em que capitão Galdino é apresentado pela primeira vez a um teodolito5 e questiona se este servia para tirar fotos. Fica evidente também o fascínio do homem comum ao desconhecido ou estrangeiro, como se percebe na sena em que todos os cangaceiros se reúnem para tirar uma foto com um fotógrafo Francês.
Esta obra fílmica é repleta de diálogos que remetem ao estranhamento do homem do campo aos avanços tecnológicos, característica marcante na obra de Raquel de Queiros, sobretudo em sua obra de ficção científica, Ma-Hôre, escrita na década de 50, mas publicada pela primeira vez em 1961, na coletânea de contos de Ficção Científica, Histórias do Acontecerá, onde encontramos contos de Álvaro Malheiros, André Carneiro, Antônio Olinto, Clovis Garcia, Dinah Silveira de Queiroz, Leon Eliachar, Ruy Jungmann e Zora Seljan.
Ma-Hôre (1961) narra a estória de um homúnculo alienígena que após observar com curiosidade a chegada da tripulação de um navio espacial ao seu planeta, Taloi, consegue entrar na nave e ganhar a simpatia dos tripulantes, inicialmente visto como gigantes. Por serem seres, aparentemente, pouco civilizados, os nativos do planeta Talôi são denominados de "aborígenes". Seu estilo de vida remete aos povos primitivos, com poucos avanços técnicos e uma relação de simbiose com a natureza. Embora alheio ao uso da tecnologia utilizada na nave, a adaptação do homúnculo é imediata. De acordo com o pesquisador Ramiro Giroldo (2016),
o conto aqui em pauta trata da própria adoção de paradigmas estrangeiros na abordagem de especificidades brasileiras. Ou seja, elabora ficcionalmente a tensa re-lação entre uma região afim aos parâmetros de desenvolvimento hegemônicos e outra à margem deles. A apropriação de instrumentos e práticas advindos do centro se dá no conto em duas instâncias complementares: no enredo e no uso dos próprios procedimentos ficcionais característicos da ficção científica (GIROLDO, 2016, p. 09).
Os procedimentos ficcionais utilizados por Raquel de Queiroz e outros escritores de ficção científica alimentaram a prática de uma produção que contemplava não só o que era visível na sociedade mas também aquilo que era temido por ser desconhecido, inatingível ou imprevisível. Em outras palavras, especular sobre o modo de vida do homem no futuro a partir de elementos presentes ou simplesmente a partir de imaginação do autor, passou a fazer parte do estilo literário da época, influenciando também a produção cinematográfica.
Vale a pena ressaltar que, assim como na Espanha, o gênero Ficção Científica teve suas primeiras manifestações no Brasil, ainda no século XIX como aponta Araújo (2016). Segundo esta pesquisadora, as primeiras narrativas tratavam de reformas políticas a partir de eventos ou sociedades futuras como em Páginas da História do Brasil (1868-1872) de Joaquim Felício dos Santos e O Doutor Benignus (1875) de Emílio Zaluar.
Após a virada do século, o gênero se desenvolveu com os autores focando em reformas sociais e agrárias, bem como em eugenias e nos papéis sociais das mulheres, como em Brazil no Ano 2000 (1909), de Godofredo Barnsley e O Reino do Kiato (1922), de Rodolfo Teófilo, A Liga dos Planetas (1922) de Albino Coutinho, e A Amazonia Misteriosa (1925) de Gastão Cruls, entre outros. Todas estas obras são, todavia, de alguma forma derivadas da ficção científica anglo-euro-peia. Em 1926, o escritor José Monteiro Lobato escreveu O Presidente Negro, uma sátira que relata a história de um homem comum e professor de física que inventou uma máquina do tempo capaz de prever o futuro dos Estados Unidos até 3527 (ARAÚJO, 2016, p. 03).
Podemos citar ainda as obras de Gerônimo Monteiro, considerado o primeiro escritor de ficção científica brasileira: O irmão do Diabo (1937), Três meses no século 81 (1947) A cidade perdida (1948). Em 1937, Monteiro foi convidado a fazer uma serie de radio com seu personagem principal, Dick Peter, transformando suas novelas radiofônicas em verdadeiros sucessos de público ouvinte. Estas obras mostram que o universo literário brasileiro não estava tão alheio às transformações sociais, resultantes do processo de modernização tecnológica. Pelo contrário, discussões acerca da Ciência e da Tecnologia, embora estivessem às margens da agenda cultural da primeira metade do século, permeavam as rodas temáticas da época.
Em A cidade perdida (1948), por exemplo, a narrativa gira em torno da existência de uma civilização perdida, descendente dos atlantes, descoberta no interior da Amazônia. Envolto a uma atmosfera de dúvidas, as personagens são levadas a questionar-se, o tempo todo, sobre a existência ou não da cidade perdida. Nesta obra, Gerônimo Monteiro não lança mão dos grandes ícones da ficção científica, mas utiliza-se de um discurso que dialoga ora com o conhecimento científicas, ora com o conhecimento empírico, evidenciando uma atmosfera de transição, incertezas e mudanças de hábitos e costumes:
- Isso é fantasia, Jeremias. É claro que Conan Doyle sabia de alguma coisa, mas a verdade científica, meu caro Jeremias, é que o planalto central do Brasil é formado pelas rochas pertencentes ao período chamado, em geologia, "de transição";
......
Cale-se! Agora, está falando a Ciência! O solo da maior parte do nosso país é constituído de rocha primitiva, arcaica ( Monteiro,1948).
Durante os anos 50, com o lançamento das revistas Cinelar Fantastic e Edição Maravilhosa, da antologia Maravilhas da Ficção Científica, da editora Cultrix, e com a publicação da obra O Homem que Viu o Disco-Voador, de Rubens Teixeira Scavone, esse gênero literário toma fôlego tornando-se mais visível, mesmo que de forma tímida. Nessa época, a TV também foi palco de divulgação e popularização de narrativas especulativas, com as séries Capitão 7 (1954), da TV Record e Lever no Espaço (1957), da TV Tupi.
Por todo o exposto até aqui, pode-se dizer que as produções cinematográficas da década de 50 foram influenciadas pelas novas tendências narrativas brotadas no seio do gênero especulativo, já bastante difundido pelo cinema Norte Americano e Europeu em obras como: Destino à lua (1950) , O dia em que a Terra parou (1951), Vôo para Marte (1951) , O Monstro do Ártico (1951), A guerra dos mundos (1953) , A ameaça veio do espaço (1953), Mulheres-gato da Lua (1953), Os Invasores de Marte (1953), O Mundo em Perigo (1954), The Quatermass Xperiment (1955), Earth vs. the Flying Saucers (1956), Creature from the Black Lagoon (1954) , It Conquered the World (1956), Invasion of the Saucer Men (1957), dentre muitos outros.
No Brasil, é possível perceber uma tentativa de acompanhar as tendências internacionais no âmbito das discussões que envolvem os avanços tecnológicos em obras com Nadando em dinheiro (1952), Carnaval em Marte (1954), Osso, Amor e Papagaios (1956), O Homem do Sputnik (1959) consideradas obras de ficção científica por conterem os ícones próprios das narrativas futurísticas ou especulativas, como robôs, espaçonaves, ou alienígenas, dentre outros. No entanto, as influências do gênero vão além da presença real destes ícones nas obras; as contribuições desse estilo narrativo para o cinema podem ser perceptíveis nos diálogos, movimentos, iluminação e ambientação, e, sobretudo na visão e relação das personagens para com o meio social, como se pode perceber logo na primeira cena do filme Agulha no Palheiro (1953).
É bem verdade que o número de produções cinematográficas de ficção científica, no Brasil dos anos 50, foi muito tímida e limitada se comparada aos números dos países de primeiro mundo. No entanto, é importante salientar que esse período foi um período de efervescência cultural e artística podendo ser considerado um período de transição para mudanças que mais tarde surgiriam tanto no meio literário quanto no meio cinematográfico, com o Cinema Novo dos anos 60. Como afirmam, Randal Johnson e Robert Stam (1995),
The first signs of a new awakening in Brazilian cinema occurred several years before the official beginning of the movement coinciding ironically with the bankruptcy of Vera Cruz Studios. Although Brazilian cinema, out of economic necessity, had always been predominantly non industrial in its form of production, post- Vera Cruz period film makers began opting for independent and craft forms for reasons of aesthetic and political choice6 (1995, p.32).
É aparentemente contraditório que após a companhia Vera Cruz ter incorporado ao cinema brasileiro uma linguagem cinematográfica internacional, projetando-o internacionalmente e aprimorando-o em termos técnicos e estéticos (Galvão, 1975), fale-se de produções artesãs e independentes. No entanto, como falado anteriormente, os anos 50 foram anos de inquietação e inovações na forma de ver e projetar a realidade o que pode ser facilmente percebido nas produções fílmi-cas da época que embora sejam consideradas independentes e artesãs refletem as tendências realistas.
As obras como Rio 40 graus (1955), Rio Zona Norte (1957) e O Grande Momento (1958), de Nelson Pereira dos Santos são exemplos de obras que refletem o universo urbano de forma realista e humanista, mostrando um novo olhar sobre o eu e o outro. A esse respeito, Kornis (2008) comenta:
Ao contrário do cinema industrial, tratava-se de produções de baixo orçamento e de caráter autoral que, numa linguagem realista, traziam uma abordagem humanista tanto da realidade nacional quanto da cultura popular. Entre as mudanças estéticas mais importantes, destaca-se a utilização de longas se-quências que procuravam um registro da realidade tal como ela se apresentava (2008, p.53).
De forma muito similar, se deu o desenvolvimento do cinema Espanhol nos anos 50, sofrendo influências diretas do realismo literário do final do século XIX e início do século XX, apresentando uma visão mais detalhada dos fatos e ao mesmo tempo das relações humanas com o meio em amplo desenvolvimento tecnológico, como aponta Núria Triana-Toribio (2003).
[...] realist films made in Spain had to show their Spanish inflection by creating a nationalist narrative of origins linking film realism to Spanish literary and visual realism. In this argument, Spanish realist filmmakers were the logical inheritors of the picaresque tradition, Goya, and the nineteenth century realist novel.7(2003, p.34).
Neste sentido, as novas técnicas e temas do realismo cinematográfico bebiam nas fontes do realismo literário que pregavam uma arte mais direcionada aos problemas sociais, ou seja, uma arte engajada e comprometida como o homem e seus anseios frente aos descobrimentos científicos e as mudanças provocadas pelos avanços tecnológicos. Nesse aspecto, as novas tendências eram opostas aos ideários apresentados pela igreja católica, que conhecia o potencial de inovação dos movimentos realistas e via no cinema um importante veiculo para difusão de ideias revolucionárias. Assim, a interferência da igreja nas produções cinematográficas foi uma constante na Espanha dos anos 50. No entanto, como aponta Triana-Toribio (2003), os filmes religiosos terminam por adotar técnicas realistas.
By the mid-1950s there was widespread and unconditional defense of religious films that made use of realist techniques and non-religious ones which offered a 'vertiente amable y simpática'' (gentle and agreeable version) of realism.[...] Prize winners like Cerca de la ciudad (L. Lucia, 1952), Cómicos (J. A. Bardem, 1954) Historias e la radio (Saenz de Heredia, 1955) Calabuch ( L. Garcia Berlanga, 1955), Un traje blanco (Rafael Gil, 1956), María, matrícula de Bilbao (L. Vajda, 1960) all used the filmic techniques of neo-realism8 (TRIANA-TORIBIO, 2003, p 51).
Em outras palavras, o cinema espanhol dos anos 50 foi tomado pelas tendências realistas já bastante difundidas no cinema europeu, sobretudo nos países precursores do desenvolvimento tecno-científico. No Brasil, a mesma tendência se verifica, entretanto, as limitações em termos de estrutura física e técnica, impossibilitaram grandes avanços e uma produção menos independente da indústria estrangeira.
Considerações Finais
Em termos gerais, pode-se dizer que o Brasil e a Espanha apresentam uma produção cinematográfica parcialmente similar nos anos 50. Embora haja significantes diferenças entre os contextos políticos e econômicos desses dois países, as manifestações artístico-culturais que ocorreram no âmbito internacional provocaram importantes mudanças nos seus cenários nacionais implicando em novas tendências nas produções literárias, televisivas, teatrais e cinematográfica, dentre outras formas de representação artísticas.
O primeiro fator de aproximação a ser destacado está relacionado à visão de mundo a partir dos avanços científicos e tecnológicos que, de uma forma ou de outra, provocaram profundas mudanças no modo de agir e de pensar do homem moderno. Nesse sentido, o realismo italiano foi, indubitavelmente, um movimento que influenciou direta e indiretamente as produções literárias e cinematográficas de muitos países europeus e latino americanos, colocando assim o Brasil e a Espanha em posições similares em termos de percepções e adoção de valores estéticos e humanísticos.
Outro importante ponto de intercessão refere-se ao diálogo que as produções cinematográficas, tanto Brasileiras com Espanholas, fizeram com as produções literárias especulativas ou de ficção científicas, das quais foram retirados muitos dos elementos temáticos necessários para a produção de uma narrativa mais realista e atraente. Vale ressaltar que os filmes de ficção científica hollywoodianos também contribuíram para significantes mudanças no modo de produção, tanto em termos técnicos, quanto estético, conquanto não se possa dizer que os anos 50 foram anos de grandes avanços para a indústria cinematográfica, no Brasil e na Espanha. Mais adequado seria dizer que este foi um período de transição que impulsionou e estimulou importantes e decisivas mudanças nos anos seguintes.