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Cuadernos de Desarrollo Rural

Print version ISSN 0122-1450

Cuad. Desarro. Rural vol.9 no.69 Bogotá July/Dec. 2012

 

Distribuição de hortifruti no Brasil: papel das Centrais de Abastecimento e dos supermercados*

Distribución de frutas y verduras en Brasil: el papel de las centrales de abastos y de los supermercados

Fruit and Vegetable Distribution in Brazil: the Role of FoocTSupply Centres and Supermarkets

Distribution de fruits et de légumes au Brésil: le rôle des centres d>approvisionnement et des supermarchés

Rubia Cristina Wegner**
Walter Belik***

*Elaborado a partir da dissertação de mestrado "Configuração da política de Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: o Estado e o mercado no abastecimento alimentar", defendida em fevereiro de 20iino Instituto de Economia da Unicamp, Brasil. Esse trabalho foi desenvolvido no Núcleo de Economia Agrícola do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e financiado pelo Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (CNPq).
**Mestre em Desenvolvimento Económico pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas - São Paulo - Brasil (20ii). Graduada em Ciências Económicas pela Universidade Federal de Santa Maria - Rio Grande do Sul - Brasil (2007). Docente horista na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo, Brasil. E-mail: rubicawegner@gmail.com
***Doutor em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (i992); Pós-Doutorado University of London (i993) e Pós-Doutorado Universidade da Califórnia Berkeley (2003); Livre-docência pela Universidade Estadual de Campinas (i999). Professor Titular (dedicação exclusiva) do Instituto de Economia na Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil. Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação dessa universidade Cidade Universitária Zeferino Vaz. E-mail: belik@eco.unicamp.br

Recibido: 2011-11-10 Aceptado: 2011-11-12 Evaluado: 2012-05-27 Publicado: 2012-12-30


Cómo citar este artículo:

Wegner, R. C., y Belik, W. (2012). Distribuição de hortifruti no Brasil: papel das Centrais de Abastecimento e dos supermercados. Cuadernos de desarrollo rural, 9 (69), 195-220.


Resumo

Objetiva-se apresentar as mudanças no sistema de distribuição de hortifruti no Brasil nos últimos anos e as possibilidades de atuação para as Centrais Públicas de Abastecimento. O abastecimento alimentar é entendido como primordial para condições de acesso e de disponibilidade desses alimentos nas cidades. Consideraram-se os problemas concernentes às CEASA desde a ruptura do Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento (SINAC) e ante o processo de globalização agroalimentar. Esse texto foi realizado em 2010 com levantamento de dados secundários e entrevistas semiestruturadas realizadas com atores importantes da distribuição de hortifruti. Dentre as conclusões, destaca-se que ainda há espaço para uma atuação pública no abastecimento alimentar com núcleo nas centrais de abastecimento com base nos princípios da Segurança Alimentar e Nutricional.

Palavras-chave: Abastecimento alimentar, supermercados, CEASA Brasil.

Palavras-chave descriptores: Fornecimento de alimentos, praças, supermercados, Brasil.


Resumen

El objetivo es presentar los cambios en el sistema de distribución de frutas y verduras en Brasil en los últimos años y las posibilidades de actuación para las Centrales Públicas de Abasto. El abastecimiento de alimentos es entendido como primordial para las condiciones de acceso y disponibilidad de esos alimentos en las ciudades. Se considerarán los problemas concernientes a las CEASA desde la ruptura del Sistema Nacional de Centrales de Abastecimiento (SINAC) y frente al proceso de globalización agroalimenticio. Ese texto fue realizado en el 2010 con levantamiento de datos secundarios y entrevistas semiestructuradas realizadas a actores importantes en la distribución de frutas y verduras. Entre las conclusiones, se destaca que todavía hay espacio para una actuación pública en el abastecimiento de alimentos con núcleo en las centrales de abastecimiento y con base en los principios de la Seguridad Alimentaria y Nutricional.

Palabras clave: Abastecimiento de alimentos, supermercados, CEASA Brasil.

Palabras clave descriptores: Suministro de alimentos, mercados, supermercados, Brasil.


Abstract

The objective of this paper is to study changes in the fruit and vegetable distribution system in Brazil in previous years and the role that could be played by Public Supply Centres. Food supply is essential for securing access to and availability of food in cities. The paper will consider problems concerning the CEASA since the disruption of the National Supply Centres System (SINAC), and those regarding globalisation in the food industry. The paper was written in 2010 based on gathered secondary data and semi-structured interviews conducted on important actors in the distribution of fruits and vegetables. As one of the conclusions, it states that there is still room for a public role in food supply focused on supply centres and based on the principles of Food Security.

Keywords author: Food supply, supermarkets, CEASA, Brasil.

Keywords plus: Food supply, marketplaces, supermarkets, Brazil.


Résumé

Le but est celui de présenter les changements dans le système de distribution de fruits et de légumes des dernières années et les possibilités d'action pour les Centres d'Approvisionnement Publiques. L'approvisionnement d'aliments est compris comme prioritaire pour les conditions d'accès et de disponibilité de ces aliments dans les villes. Les problèmes des CEASA après la rupture du Système National des Centres d'Approvisionnement (SINAC) et face au processus de globalisation agroalimentaire vont être considérés. Ce texte a été fait en 2010 avec une collecte des données secondaires et des entretiens semi-directifs faits aux principaux acteurs dans la distribution de fruits et de légumes. Parmi les conclusions, il se met en évidence qu'il y a encore espace pour une action publique dans l'approvisionnement d'aliments qui a son noyau dans les centres d'approvisionnement et qui est basé sur des principes de Sécurité Alimentaire et Nutritionnelle.

Mots-clés auteur: Approvisionnement d'aliments, supermarchés, CEASA Brésil.

Mots-clés descripteur: Approvisionnement alimentaire, marchés, supermarchés, Brésil.


Introdução

Desde meados da década de 1990, o setor supermercadista do Brasil e de outros países latino-americanos têm experimentado uma reformulação impulsionada pela extensiva entrada de capital estrangeiro, sobretudo em direção às grandes redes já existentes. Tendo-se aí o aprofundamento de fusões e aquisições no setor. Investimentos em logística e tecnologias de informação e comunicação (TIC) passam a dar o tom de um processo de verticalização com fornecedores - em 2000, o setor varejista brasileiro investiu R$ 1,9 bilhões1 em tecnologias de informação e comunicação, em infra-estrutura logística e em aquisições (Silverman e Wasserman, 2001). Ao mesmo tempo, experiências de origem estatal, como as centrais de abastecimento (CEASAs) enfrentaram relativo abandono quanto a sua gestão e a suas condições infraestruturais. De modo geral, as centrais de distribuição das grandes redes de supermercados passaram a impor uma outra relação com os seus produtores-fornecedores.

Até assumir a complexidade atual, o varejo alimentar brasileiro cresceu de forma horizontal e vertical, incorporando funções paralelas (Benetti, 2004), o que acabou por induzir a coordenação mais estrita em toda a cadeia produtiva com redução de custos e maior controle de qualidade dos produtos (Farina, 2002). Desse modo, a função dos supermercados, no setor hortifruti, passou a se confundir com funções de atacadistas. Na Europa por exemplo, as antigas centrais públicas atacadistas tiveram que repensar o seu papel, reposicionando-se quanto a sua relação entre produtores e distribuidores (Cadilhon, Fearne, Hughes e Moustier, 2003). No Brasil, onde as centrais de atacado foram planejadas como um instrumento para o funcionamento da política pública ainda não está claro para que lado deve caminhar esse reposicionamento (Reardon et al, 2003). Por um lado, a modernização do varejo se deu com tanta força que o abastecimento alimentar deixou de ser apontado como um ponto de estragulamento para o escoamento da produção de hortifrutis. Por outro lado, por se tratar de um aspecto diretamente ligado à segurança alimentar da população é fundamental que o Estado preserve algum espaço de regulação.

No debate do final da década de noventa, chegou-se a colocar as centrais atacadistas e os supermercados em posição de competidores (Green e Schaller, 200i), criando-se uma oposição entre a distribuição tradicional e distribuição moderna, respectivamente. Nessa perspectiva, as centrais de distribuição privadas substituiriam as CEASAs devido a sua maior eficiência, tendo em vista as novas condições de competição agroalimentar. No entanto, as CEASAs se mantêm como estruturas cruciais para interconexão entre produtores e consumidores de diferentes estados brasileiros. Dessa forma, é inegável a sua importância para o abastecimento alimentar - um eixo específico para a concretização da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) - e para os pequenos e médios varejistas. Ademais, as grandes redes de supermercado se utilizam, em alguma medida, dos serviços de empresas atacadistas. Com isso, em meados da década 2000, a discussão sobre o papel que as centrais teriam que cumprir volta com maior força sob a perspectiva renovada de que estas deveriam ser modernizadas de forma a se constituírem como plataformas logísticas (Green, 2003; González, 2003).

Nesse trabalho, objetiva-se apresentar as mudanças observadas no sistema de distribuição de hortifrutis no Brasil nos últimos anos e as possibilidades colocadas para as Centrais Públicas de Abastecimento. O texto se baseia em estudo realizado durante o ano de 20i0 e que contou com levantamento de dados secundários e entrevistas realizadas com diversos atores do segmento de distribuição. A análise se encontra dividida em cinco seções, a saber: aspectos históricos e caracterização do abastecimento de hortifrutis no país; considerações teóricas sobre o tema; metodologia empregada na pesquisa; resultados e conclusões.

1. Centrais de abastecimento, centrais próprias de distribuição e consumidores: contextualização do abastecimento de hortifruti no Brasil

Na década de i980, quando a União transferiu o controle acionário das centrais de abastecimento para estados e municípios, havia trinta e cinco unidades em operação, além de trinta e dois mercados do produtor, nas zonas rurais e cento e cinquenta e oito equipamentos varejistas - vinte e sete hortomercados; cinco feiras cobertas; cinquenta sacolões; dois sacolões volantes; oito módulos de abastecimento; sete feiras livres e cinquenta e nove varejões - na zona urbana (Mourão e Magalhães, 2009). Nesse período, as operações das CEASAs se articulavam com equipamentos varejistas e com os mercados do produtor conforme havia sido planejado com a criação do Sistema Nacional de Centrais de Abastecimento (Sinac). Passados mais de vinte anos do fim desse sistema, existem no País 72 entrepostos atacadistas, que seriam administrados por 41 instituições gestoras. Dessas instituições, i5 são estaduais, i9 municipais, duas são federais e 5 são Organizações conveniadas (Cunha, 2010).

O fim do SINAC não culminou na redução do número de centrais de abastecimento, porém sua função na atividade abastecedora se tornou difusa e sem articulação. Em outras palavras, a pulverização, em i988, do controle acionário das centrais de abastecimento não desencadeou uma revisão do paradigma de relacionamento entre setor privado e público que possibilitasse a construção de uma nova regulação da atividade abastecedora de hortifruti no Brasil.

A partir da ruptura do sistema de centrais de abastecimento, distinguem-se dois comportamentos principais na trajetória de comercialização das unidades atacadistas um observado de 1995 a 1999, e que é marcado por uma oferta relativamente constante dos volumes comercializados, e outro, que vai de 200c a 2009, no qual ocorre aumento significativo do volume ofertado em relação ao período anterior, bem como crescente ao longo de 2000-2009. O grupo frutas é aquele com maior volume comercializado nesse segundo momento - cerca de 44 milhões de toneladas contra 39 milhões de toneladas de hortaliças. Ademais, de 1995 a 2009, esses grupos representaram 97,17% da quantidade de hortigranjeiros ofertada pelos entrepostos2.

Em meados dos anos 1980 - ainda sob a regulação do SINAC - passavam pelas CEASAs mais de 8 milhões de toneladas de hortigranjeiros por ano e os atacadistas - que seriam em torno de 14 mil - eram responsáveis por 30% da comercialização da produção brasileira desses alimentos (Araújo, 1986). Apesar de nos anos 1990 e 2000, os volumes de frutas e hortaliças vendidos por empresas atacadistas serem robustos, o setor privado, leia-se redes de supermercado, passou a coordenar a distribuição de hortifruti especificamente para suas lojas e a 'desenvolver' fornecedores exclusivos de hortifruti. A partir da distribuição moderna, os supermercados saíram da esfera local de abastecimento desses alimentos, uma vez que: "expansion efforts to date have been largely intra-regional [...] some chains are starting to move beyond their traditional territory in order to tap new market potential" Silverman e Wasserman (2001, pp. 28-29).

Os supermercados surgiram no país na década de 1950, tiveram uma grande expansão a partir da urbanização e das reformas tributária e bancária estabelecidas pelos governos militares, a partir da década de 1960. Entretanto, as maiores mudanças em relação ao relacionamento supermercadista com a agricultura ocorrem desde início dos anos 1980, quando se passa a buscar suprimentos para a comercialização de hortigranjeiros por meio do estabelecimento de contratos com produtores: "as transformações na esfera da circulação caracterizaram-se, portanto, pela tendência à concentração de capital, com a consolidação do grande capital comercial" (Maluf, 1988, p. 284). Além de ter contado com incentivos financeiros estatais (Campino e Cyrillo, 1990), os supermercados se beneficiaram de uma paralisia nos investimentos públicos e da falta de um amplo plano de abastecimento urbano de modo que se configurou sua quase hegemonia na distribuição de alimentos para a população que se acumulava nas cidades.

A contundente participação do autoserviço que, em 2010, controlava 91,8% das vendas do varejo3 no Brasil pode ser desmembrada em outros indicadores do setor supremercadista do País, considerando-se as 500 maiores empresas do setor, tais como: 35.766 lojas; 148.968 chekouts; 762.666 funcionários; 14,1 milhões de metros quadrados de área de vendas e faturamento nominal de R$ 162,5 bilhões. A Companhia Brasileira de Distribuição e o Carrefour se revezavam entre as primeiras posições do Ranking da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) desde fins dos anos 1980. Esse aspecto combina com o pioneirismo da Companhia Brasileira de Distribuição nas transformações ensejadas na distribuição de frutas e legumes, sobretudo, a partir de fins da década de 1990.

Portanto, há uma grande diferença na forma de operação desse 'comércio moderno' e os sistemas tradicionais operados pelas Centrais Públicas Atacadistas no que se refere a interface entre a produção e os consumidores, uma vez que enseja inovações organizacionais para coordenar as atividades comerciais em massa. Na distribuição atacadista moderna, o momento da transação entre comprador e fornecedor prescinde da presença física da mercadoria hortifruti. Com isso essas centrais têm permitido a redução da manipulação física, tempo de transporte e armazenagem de produtos perecíveis como os hortifruti. Ademais, essas plataformas estão adaptadas tecnicamente à manutenção de grandes volumes físicos que, por sua vez, conduzem a uma redução substancial dos custos (Cury e Freitas, 2001; Belik, 2000). O sistema de plataformas de distribuição constituiu um modelo de distribuição homogêneo, como um prolongamento natural das operações de produção com funcionamento agregado das atividades (Green e Schaller, 1996). Vale mencionar que o controle da plataforma de distribuição garante um maior poder de negociação entre as partes e a possibilidade de regular oferta e demanda de modo a permitir um maior equilíbrio de posições.

Analisando o exemplo europeu e mesmo latino americano observa-se que a coordenação desses equipamentos raras vezes é feita pelo elo da produção agrícola sendo mais comum o domínio do varejo, setor de restauração ou mesmo de empresas de logística independentes (Reardon et al., 2006). Ou, conforme Meer e Ignacio (2006), a pequena produção perde sua posição no mercado agroalimentário quanto maior for a coordenação entre cadeia de suprimentos e produtores, agroindústria, exportadores e varejistas. Dessa forma, segundo esses autores, caberia ao setor público promover condições menos desiguais de competição para a pequena produção por meio de mudanças institucionais e na legislação.

Frutas, legumes e verduras "alcançam sua qualidade máxima no momento da colheita, não podendo ser melhoradas, mas somente preservadas até um determinado limite. (Oliveira e Rocha, 2005, p. 1). Segundo as autores não há, entre os produtores, o seguimento de iguais padrões de tecnologia de produção, além de se observar diferentes práticas de manejo. Nesse contexto, seus preços são variáveis, aumentando a incerteza no setor (Souza, 2005). Por outro lado, iniciativas nessa área, mantidas pelo setor privado, são insuficientes para dar conta de problemas estruturais como: alto custo dos fretes agrícolas nacionais, uso de veículos inadequados, acondicionamento dos produtos em embalagens inadequadas. Da mesma maneira, as Centrais Públicas - cuja operação está atrelada à distribuição e comercialização - raramente podem se dedicar a assumir funções de assistência técnica aos produtores e sua capacidade de logística em relação ao pós-colheita é bastante limitada.

1.1 Importância de CEASAs e centrais próprias de distribuição para o abastecimento de hortifruti

De acordo com o diagnóstico dos mercados atacadistas realizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em 2009 e tendo por base 60 CEASAs quanto ao destino dos bens comercializados, 25 entrepostos foram classificados como 'internalizado forte' - ou seja, entregam os seus produtos dentro dos limites regionais - e, em outro extremo, 11 entrepostos são do tipo 'externalizado forte' e responderiam por 19% da comercialização nacional e aqueles, por 25%. Além disso, Cunha (2010) identifica a existência de entrepostos com elevado grau de proximidade e participação de produtores rurais que exercem papel importante para o abastecimento de suas regiões de influência.

Em 2009, as centrais ofertaram 74,1 milhões de toneladas de hortigranjeiros, totalizando uma movimentação anual de R$ 10,7 bilhões. As principais centrais brasileiras de abastecimento naquele ano foram: Ceagesp (estado de S. Paulo) cuja quantidade comercializada representou 34,6% do total; CEASA-MG Grande Belo Horizonte, com 15,7%, CEASA-RJ Grande Rio, 11,1%. O raio de atuação das centrais de distribuição próprias, por sua vez, se restringe às regiões Sul, Sudeste e, em alguma medida, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil. Dessa forma, o provimento de municípios e estados distantes desse raio, dá-se por centrais de abastecimento, com destaque para Ceagesp. Como afirmaram os gerentes comerciais entrevistados durante a realização do presente trabalho, para as suas lojas localizadas no nordeste do País, as centrais públicas de abastecimento constituem-se importantes elementos para garantir suas vendas desse alimento4. Em 2009, as duas principais redes de supermercado, juntas, teriam não mais do que quinze centros de distribuição que se concentram na região sudeste do Brasil. A Companhia Brasileira de Distribuição contaria com plataformas logísticas que somariam área de 28.000 metros quadrados.

Em outras palavras, a localização geográfica dos supermercados pode ser desenhada como segue: 51,2% das lojas na região Sudeste com 54,86% do faturamento total; 25,8% na região Sul com 19,78% do total; 18,6% das lojas nas regiões Norte e Nordeste com faturamento equivalente a 19,62% do total. A região Centro-Oeste conta com apenas 4,5% das lojas, as quais representam 5,74% do faturamento total divulgado pela ABRAS. Destaca-se o estado de São Paulo com 32,1% das lojas; Rio Grande do Sul 14,5%; Rio de Janeiro 7,7%; Minas Gerais com 9,9% e Bahia 9,2% das lojas do setor apresentado no Ranking ABRAS 2010. Nesse mesmo ano, Amazonas, Maranhão, Amapá, Acre, Tocantins, Rondônia e Roraima juntos representaram 1,2% do número de lojas. Há uma parte da população brasileira que não está coberta pela atuação dos supermercados e, por conseguinte, pela sua seção de vendas de hortifruti.

Ademais, transformações acarretadas pelos supermercados na comercialização de hortifruti podem ser percebidas por meio da dimensão que esses equipamentos detêm junto à população urbana do país. Dados da ACNielsen, apresentados por Martins, Margarido e Bueno (2007), mostram que no período 1981/82, cerca de 90,2% das frutas, em média, eram adquiridas pelos consumidores brasileiros em feiras livres contra apenas 5% adquiridos nos supermercados. Em 1998/99, tal disposição se modificou, isto é, nas feiras livres os brasileiros teriam adquirido

54% das frutas e nos supermercados o que teria representado aumento de 577% na comercialização de frutas pelos supermercados no período. Em 2003, pesquisa da Latin Panel demonstrou que 46% dos brasileiros entrevistados não compram frutas e hortaliças em supermercados, o que, em 2007, teria caído para 31%, enquanto que apenas 30% dos brasileiros entrevistados declararam o supermercado como local exclusivo para compra de hortifruti (Martins et al., 2007). Ao passo que uma pesquisa realizada pela Hortifruti Brasil, em 2009, mostrou que nos últimos anos, 39% da população brasileira entrevistada adquiriu esses alimentos tanto em supermercados como em outros equipamentos (Hortifruti Brasil, 2010).

Dessa forma, as grandes redes de varejo de alimentos precisam adotar estratégias do lado da demanda e da oferta, em âmbito local, que as mantenham competitivas globalmente. Berdegué et al (2002) lembram que especialmente do lado da oferta, a distribuição moderna determina para todos os elos da cadeia - da produção até a venda ao consumidor final - a necessidade de maior eficiência. Assim, as grandes redes determinam aos seus fornecedores de hortifruti especificações técnicas sobre aparência, qualidade, acondicionamento desses alimentos, bem como, esses produtores-fornecedores devem atendê-las em uma escala mínima de produtos (Berdegué et al., 2002).

Greater control is observed along the entire food supply chain. Inputs are no longer obtained in the open markets but sourced from suppliers certified to have good agricultural and good manufacturing practices and a tracking and tracing system. The focus is no longer on the quality of outputs only but also on the methods and safety conditions of production and manufacturing processes (Meer e Ignacio, 2006, p. 86).

A disponibilidade desses alimentos, especialmente no âmbito da Segurança Alimentar e Nutricional, deve ocorrer para toda a população do território brasileiro. Sendo a distribuição de hortifruti um elemento para que isso se materialize, distinguem-se duas situações: (i) as centrais de abastecimento gestionadas pelo setor público com unidades na maioria dos estados brasileiros e (ii) a presença de supermercados restrita a áreas onde não há certo potencial de consumo não demandam instalação de lojas.

1.2. Abastecimento alimentar: centrais de abastecimento, centrais próprias de distribuição e a exigência de qualidade dos alimentos hortifruti

A partir da definição de Barret e Mutambatsere (2005, p. 2): "markets aggregate demand and supply across actors at different spatial and temporal scales", entende-se que, basicamente, a atividade de abastecimento permite interligar a produção de hortifruti em escala nacional. Garante-se, assim, que regiões não produtoras de determinado produto possam consumi-lo, uma vez que outra região o produz. O abastecimento possui um caráter mercadológico e outro de bem comum, que deveria estar sob regulaçãoestratégica do setor público. É também no abastecimento que se podem implementar diretrizes com vistas a garantir qualidade aos alimentos hortifruti.

O centro de distribuição, os recursos de logística e o estabelecimento de contratos pelos supermercados com os produtores seriam o núcleo da chamada distribuição moderna. Eles possibilitaram: "[...] d'une part d'optmiser les niveaux de charges des camions, et d'autre part d'homogénéiser les systèmes techniques de traitement des ruptures de charges, avec un impact significative sur l'évolution des coûts logistiques" (Green e Schaller, 1996, p. 15). Está refletida, assim, uma importante mudança estrutural da empresa comercial moderna que, além de 'multi-unit' e 'multi-functional' se transforma em 'multi-industrial' e 'multi-nacional', mais ainda, "they continued to integrate mass production with mass distribution" (Chandler,1978, p. 122). A distribuição de hortifruti operada pelos supermercados envolve a coordenação da negociação de preços e do transporte, manipulação, expedição dos produtos e da orientação, via sistemas de informação, dos fluxos de produtos. Nessa perspectiva, a competição entre as redes de supermercado pressupõe investimentos em processos de distribuição mais eficientes, melhora dos produtos por meio de P&D, localização vantajosa da planta produtiva - em relação ao mercado consumidor e/ou insumos produtivos -, além da expansão do mercado consumidor através da propaganda (Chandler, 1978).

Como destacam diferentes autores (Viteri, 2006; Wilkinson, 2001; Busch, 2000; Cavalcanti, 2004, Meer e Ignacio, 2006 e Reardon et al., 2006), a globalização agroalimentar culmina no uso da qualidade como um dos instrumentos principais de comunicação entre o varejo e o consumidor, haja vista a demanda assumir significativo papel no ordenamento de cadeias agroalimentares. A logística usada pelos supermercados constituiria, então, um instrumento para atender às exigências dos seus clientes. Ao mesmo tempo que o consumidor passaria a diagnosticar o supermercado como um local onde os produtos são mais bem expostos e manipulados e contam com garantias sobre a origem do produto, além da sua área de vendas é mais higiênica e de fácil circulação comparativamente ao ambiente das feiras. Em outras palavras, o consumidor transfere a confiança e a reputação que atribuía ao produtor ao supermercado.

No mercado brasileiro de hortifruti, a qualidade é definida a partir de características individuais de cada rede de supermercado, o que também ocorre com a embalagem e a forma de apresentação do produto. Não há, então, uma "dependência bilateral" entre distribuição e fornecimento, por outro lado, há um exercício de poder de oligopsônio da parte do varejo, que pode ser notado pela crescente co-responsabilidade pelas vendas entre fornecedores e supermercados (Belik, 2000). Desse modo, o produto hortifruti em si é cada vez mais objeto de parâmetros e critérios cuja definição escorre da alçada do setor público.

A regulação estatal dada a liberalização dos canais de comercialização de alimentos promovida, sobretudo nos anos 1990, poderia ocorrer de modo a desenhar economias de escala por meio da construção de infra-estrutura especialmente no tocante à distribuição; provimento de bens públicos como informação e padronização, bem como aprofundamento de arcabouço institucional para tratar desta questão (Jones, 1995). As medidas criadas teriam por intuito "... to assist newprivate marketing channels" (p. 553), de forma que o setor público assumiria sua responsabilidade sobre a alimentação, sem deixá-la exclusivamente a cargo do mercado.

É importante ressaltar que a forma como um país assume a questão alimentar em suas políticas públicas é reflexo do seu nível de desenvolvimento económico (Couto, 2001). A necessidade de elaborar e implantar instrumentos de caráter emergencial - estratégia reforçada na década de 2000 - com vistas a fornecer alimentos a um dado grupo da população é um aspecto dessa relação (Belik, 2007), embora possa ocorrer ambigúidade, interposição e confusões da parte do setor público na condução do abastecimento alimentar.

2. Metodologia

Para desenvolver esse estudo foram selecionados como componentes da amostra para a entrevista semi-estruturada, as seguintes unidades de análise: as Centrais Públicas de abastecimento - CEASA Campinas (SP), considerada modelo de central municipal e a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo Ceagesp, que representa ponto de referência na atividade atacadista nacional, além de cumprir relevante papel no abastecimento de vários municípios brasileiros. É uma das principais centrais atacadistas da América Latina. Vale considerar que a CEASA Campinas comercializa volumes robustos de hortigranjeiros apesar de estar localizada no mesmo estado que a maior central do país.

Além desses entes, incluíram-se as redes de supermercado: Companhia Brasileira de Distribuição (Grupo Pão de Açúcar); Grupo Carrefour, Oba Horti Fruti e Supermercados Covabra. As duas primeiras são as principais redes de supermercados do Brasil, a Oba é uma rede de venda exclusiva de hortifrutis para o consumidor de alta renda e a Covabra é uma rede de porte médio no interior de São Paulo. Além desses entrevistou-se alguns atacadistas fornecedores para supermercados.

Para as CEASAs a base de dados BI-ProHort deveria apresentar informações para 61 unidades, que também constituiriam o sistema de informações dos mercados de abastecimento do Brasil (SIMAB). Porém, em maio de 2010, a tabulação de dados junto a essa base trouxe informações referentes a 2009 para apenas vinte e seis centrais atacadistas, além de não se ter encontrado no site da Conab referência acerca da entrada em operação do SIMAB. Além disso, o BI-ProHort não disponibiliza informações sobre a origem dos produtos comercializados nas centrais de abastecimento. Cunha (2010) salienta a inexistência de dados acerca do setor atacadista de hortigranjeiros, de modo geral, no país.

Há aproximadamente trinta anos, a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS) divulga, por meio da revista SuperHiper, o Ranking dos supermercados brasileiros, que busca fornecer um retrato do varejo de alimentos do país em termos de concentração, tamanho de lojas, índices de eficiência, faturamento, número de funcionários. Cabe à empresa ACNielsen tabular as respostas dadas aos questionários preenchidos pelos supermercadistas. No mais, para elaborar o Ranking, são coletadas informações de quinhentas empresas - por volta de 59% do setor - cujo faturamento mínimo anual seja R$ 100.000 e o número de checkouts, maior do que dois. Para tanto, trabalhou-se com informações mais recentes, isto é, com o biênio 2008-2009.

3. Resultados

3.1 Estrutura atual dos centros atacadistas e varejistas

Quão mais concentrada a estrutura varejista, menor o papel dos atacadistas, atestam Cadilhon et al. (2003). No Brasil, em 2002, o faturamento das cinco maiores redes representava 38% do faturamento das quinhentas empresas tomadas por base para o cálculo do Ranking ABRAS. Em 1994, as cinco maiores empresas correspondiam a 37,24% das trezentas maiores e, em 1988, as cinco maiores correspondiam a 31,47% do faturamento das trezentas e cinquenta maiores empresas. Em 2009, o faturamento das cinco maiores representou 43% do faturamento das quinhentas maiores empresas do Ranking, porém esse índice alcançou 63,68%, considerando-se somente as trezentas maiores empresas do setor. O faturamento das cinquenta maiores, em 2002, consistiu 49% da amostra trabalhada pelo Ranking ABRAS e, em 2009, 60% do faturamento total do setor. Esse grau de concentração induziria uma relação de oligopsônio entre o varejo supermercadista e os produtores, bem como reduziria o poder de mercado dos atacadistas. Corroboraram esse argumento o técnico da CEASA Campinas e um dos sócios da empresa atacadista Benassi. Para eles, quanto menor a concorrência no varejo, maior o volume de vendas no entreposto.

As duas maiores redes de supermercado do País detêm, cada uma, em torno de 20% do faturamento do setor. Ambas se utilizam de centrais próprias de distribuição, tendo-as como estratégicas para uma melhor posição de mercado no setor hortifruti. Recorrem aos entrepostos atacadistas em situações especiais, como quebra de safra, compra de algumas frutas importadas e para suprir lojas localizadas no nordeste do país. Por isso é possível afirmar que as duas maiores redes do País fazem uso, apenas contingencial dos entrepostos atacadistas. Ao passo que o supermercado Covabra, com 0,3% do faturamento total, depende do entreposto atacadista localizado em Campinas para comercializar hortifruti em suas lojas.

Além de representar um instrumento para 'fidelizar' clientes, a seção de vendas hortifrutis vem se destacando como rentável para as redes de supermercado. Conforme o Ranking ABRAS, em 2003 a seção de vendas de hortifruti equivalia a 6,3% do faturamento de quatrocentas e quarenta e três empresas do setor e, em 2006, a seção de frutas e hortaliças participava com 6,3% do faturamento, sendo o parâmetro, 399 empresas. A partir de 2007, entretanto, hortifruti, açougue, frios e peixaria foram aglutinados pela metodologia do Ranking ABRAS em uma só categoria, a dos perecíveis. Desse modo, a participação dos perecíveis no faturamento dos supermercados foi de 14,7%, em 2007 e de 18,1%, em 2008. No ano de 2009, quando o indice de vendas da seção de hortigranjeiros alcançou 6,1% do faturamento de 349 empresas que representariam 50,5% do faturamento do setor e, para 2008, a participação deste produto foi divulgada como tendo sido de 6,0%. Para a Companhia Brasileira de Distribuição, essa seção representa de 10 a 12% do seu faturamento; para o Grupo Carrefour, 33% do faturamento obtido com os perecíveis (média nacional); e para rede de lojas Oba Horti Fruti, esse produto representa de 40 a 50% do seu faturamento5. Esses produtos têm se tornado, cada vez mais, um instrumento de concorrência para os supermercados se diferenciarem uns dos outros.

Sobre o papel das centrais públicas de abastecimento na distribuição e comercialização de hortifruti, tendo em vista o processo de obsolescência enfrentado pelas centrais desde a ruptura do SINAC, em 1986, podemos apontar um conjunto de problemas que materializam perdas para os produtores desses alimentos, tais como:

  1. descaracterização do papel da central, ou seja, não necessariamente ela se mantém sendo um local em que a negociação possa levar a preços justos;
  2. a compra consignada - produtor entrega hortifruti ao atacadista para que ele as venda em seu nome - é bastante frequente; os produtores enfrentam dificuldades para receber seu pagamento; é possível observar certo nível de concentração entre os atacadistas. No decorrer do dia, o preço desse produto vai decaindo, isto é, o produtor não tem garantias de renda;
  3. empresas atacadistas que vendem diretamente a supermercados - em alguns entrepostos, como Ceagesp, CEASA Campinas e CEASA-SC Florianópolis, a distribuição dos boxes seria desfavorável para os produtores.

Em resumo, seja na distribuição moderna, seja na tradicional, há um gargalo quanto à coordenação das trocas comerciais de hortifruti. Assim como fornecer para os supermercados representa um risco para o produtor o sistema antigo também não o favorece estritamente.

De fato, os centros de distribuição constituem estratégia fundamental das grandes redes de supermercado. Isso faz sentido não somente por elas se valerem de maior número de lojas - demandando maior esforço em supri-las continuadamente - como e, principalmente, pelo aspecto concorrencial, se os centros de distribuição forem entendidos como inovação tecnológica. Desse modo, o nível de concentração no setor supermercadista e a montagem desse aparato logístico na distribuição de hortifruti estão interrelacionadas. Técnicos da Ceagesp e da empresa atacadista Benassi afirmaram que os centros de distribuição constituiriam estratégia de logística e não de concorrência com as empresas atacadistas, logo, com os entrepostos atacadistas.

Para os gerentes comerciais de empresas como OBA Horti Fruti e Covabra6, as Centrais Públicas de Abastecimento são imprescindíveis - não apenas quanto à logística, mas também quanto à formação de preços - e os seus problemas não afetariam as transações comerciais dessas unidades varejistas. Essas empresas fazem de seus boxes na CEASA Campinas uma espécie de central de distribuição onde há câmeras frias, pessoal recebendo e controlando os produtos que chegam e saem para suas lojas - isto é, elas investem em TIC e na qualidade de hortigranjeiro, porém ambas prescindem do estabelecimento de contratos com produtores de hortifruti.

3.2 Principais entraves e novas possibilidades/ alternativas de organização do setor a partir da modernização das CEASAs

No âmbito dos entrepostos, os problemas relacionados à gestão, a falta de recursos financeiros, dentre outras razões, comprometem a percepção do papel das centrais na distribuição e abastecimento. De fato, as atividades de intercâmbio de hortifruti que ocorrem no interior dos entrepostos carecem de organização, fiscalização e dos benefícios proporcionados pela informatica e pela logistica moderna na organização dos fluxos de cargas. Não somente com base nas afirmações obtidas por meio da aplicação do método desse estudo - a entrevista semiestruturada -mas também com base em Green (2003); González (2003); Viteri (2006); Cunha (2010) -, afirma-se que não se trata de substituir os entrepostos pelas centrais de distribuição, dado ambas constituírem um dos elementos de um todo complexo.

É no sentido de responder ao desafio que representa a distribuição moderna e analisando o caso europeu que o autor afirma que, em meados dos anos 1990, as centrais atacadistas da França e da Espanha, passaram por uma segunda onda de mudanças na atividade e organização.

As centrais brasileiras, de modo geral, não se valem de instrumentos bem delimitados para garantir que os produtos que intercambiam estejam de acordo com rígidas especificações de qualidade. São os supermercados, notadamente as grandes redes, que mais se aprofundaram nesse sentido. Embora as redes consideradas nesse estudo mantenham conhecimento do trabalho de classificação e padronização elaborado e divulgado pelo Ceagesp, não o seguem, porque 'ninguém o seguiria', exacerbando-se, assim, uma auto-organização do varejo impulsionada pelo supermercado. Vale, então, a afirmação de Green (2003, p. 28) "la evolución se dá principalmente hacia una nueva forma de relación con el comercio moderno", que seria de complementaridade entre CEASAs e centros de distribuição.

Em linha com Green (2003), Scarim e Lucci (2009) e Cadilhon et al. (2003) colocam que a evolução do entreposto para os equipamentos de plataforma logística representaria uma alternativa para a relativa perda de espaço dessas estruturas atacadistas. Cunha (2010) esquematiza as características desses que seriam os 'mercados de terceira geração' da seguinte forma: (i) busca de homogeneidade em escala nacional quanto a estratégias de cooperação entre os mercados; (ii) transporte multimodal e da cadeia de frios em integração progressiva; (iii) desenvolvimento de modernas estratégias e tecnologias para rastreabilidade; (iv) operações mais articuladas a questões ambientais e tratamento de resíduos; (v) estratégias de flexibilização física e normativa para atender a atacadistas que buscam novos nichos de mercado. São características que colocariam os entrepostos atacadistas em proximidade com os centros de distribuição das redes como Carrefour e Companhia Brasileira de Distribuição.

3.2.1 Alternativas para organização da CEASA em vistas às transformações da distribuição de hortifrutis no Brasil

As centrais de abastecimento são estruturas que apresentam frentes para sua modernização, reestruturação. Como afirmam Zylbersztajn et al. (1997, p. 632): "a função física, comumente desempenhada por entrepostos ou plataformas de distribuição, apresenta elevadas economias de escala multiproduto, associadas à racionalização do transporte e à manipulação e reagrupamento dos produtos." Portanto, do ponto de vista operacional, centros de distribuição e centrais de abastecimento possuem características semelhantes.

Green (2003), tendo como base o mercado de Rungis na França e a Mercasa na Espanha, aponta que a renovação das centrais atacadistas passa pela incorporação de novos serviços, incluindo sua transformação em plataformas logísticas, pois seria possível "añadir valor a los productos mediante diferentes servicios: recepción y control de mercaderías, de almacenamiento climatizado, acondicionamiento, maduración, empaquetado, preparación de lotes y distribuición de los productos" (p. 24). No Brasil, já se observa a emergência desse tipo de relação entre os entrepostos atacadistas e redes varejistas. Lima e Godinho (2008) mostram que a rede Bretas de supermercados - cuja sede está em Goiânia-GO - faz de seus boxes na CEASA-Goiás uma espécie de central própria de distribuição como o fazem a loja OBA de hortifruti e o supermercado Covabra na CEASA Campinas.

González (2003, p. 9) adverte que cada vez mais o debate sobre a reformulação do papel das centrais de abastecimento passa pela promoção da segurança alimentar no âmbito das atividades comerciais: "dos cuestiones indisolubles, la calidad y la seguridad alimentaria, que han recobrado un gran protagonismo en los últimos tiempos". Portanto, aos entrepostos atacadistas caberia coordenar a promoção da segurança dos produtos hortifruti em toda a cadeia. O autor usa o exemplo do sistema espanhol de abastecimento para afirmar que é fundamental a criação de instrumentos para certificação da origem dos produtos comercializados, bem como da classificação e normatização operado pelas unidades atacadistas.

Da atividade atacadista brasileira, convém destacar iniciativas de teor modernizante implementadas na década de 2000 recolhidas através dos meios de divulgação (quadro 2). Elas refletem, em certa medida, transformações acarretadas na produção agroalimentar e no consumo.

Esse Quadro permite demonstrar que, a despeito da perda de uma sistematização entre as CEASAs, elas se mantiveram desempenhando funções importantes para a comercialização de horitruti. Elas prestam serviços de informação sobre preços e produtos de safra, embora o intercâmbio de informações entre as unidades assuma um caráter informal. Nos últimos anos, serviços como regulamentação de embalagens foram reforçados e se espraiaram por diversas unidades brasileiras. Scarim e Lucci (2009) analisam a situação da CEASA-ES e reconhecem que "a despeito de todos os problemas, as CEASAs ainda servirão de instrumento de políticas públicas para os hortigranjeiros por serem o único elo da cadeia capaz de dar transparência ao mercado, gerando informação e conhecimento, compensando, assim, a carência de dados estatísticos, tanto na produção quanto na distribuição. Setores estes extremamente pulverizados" p. 9.

Nascimento (2008) destaca duas facetas das centrais de abastecimento, que devem ser consideradas na discussão sobre sua reformulação: (i) mercado no sentido físico do termo e (ii) instrumento público de coordenação do abastecimento de alimentos. Por definição, prestam-se a apoiar medidas que facilitem a difusão uniforme de informações de mercado, homogeneização de normas, adequação das condições higiênico-sanitárias de manuseio e embalagem. Esses aspectos funcionais não se esvaneceram.

O Programa de Modernização do Mercado de Hortigranjeiros (ProHort), lançado em 2007, concebe intenções de renovação da atividade atacadista em nível nacional nos termos apresentados no Quadro 2. Entretanto, seus avanços se resumiram a estudos técnicos, implementação da base de dados BI-Prohort - que para a técnica do CQH/Ceagesp, estaria aquém do potencial de informações das CEASAs - e resgate de documentos elaborados durante o SINAC. Esses avanços marginais podem ser explicados pela falta de recursos financeiros para executá-lo em toda sua complexidade. Cunha (2010) esclarece que o ProHort foi instituído como um programa de diretrizes do governo federal vinculado à Conab, sendo suas características institucionais diferentes daquelas do SINAC. Trata-se de um "programa de diretrizes, desprovido de orçamento próprio e sem contar com linhas de financiamento para estudos ou investimentos, o Prohort é definido como uma associação voluntária de ajuda mútua que se desenvolve sob coordenação de um agente público" (p. 57).

Para um gestor de uma Central Pública de Abastecimento entrevistado, em 2010, por ocasião dessa pesquisa, a estrutura do abastecimento brasileiro necessita ser repensada, isto é, a bifurcação existente quanto a hortifruti que passa pelas CEASAs - atacado - e aqueles que estão sob o padrão das grandes redes de supermercados - centrais de distribuição - precisa ser analisada quanto à situação do produtor, além das condições de acesso monetário pela população. O entrevistado também afirma que é necessário um órgão responsável pelo abastecimento com diretrizes e prioridades bem estabelecidas, uma vez que no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) não existe corpo técnico que se ocupe do abastecimento.

4. Considerações finais

O presente artigo apresentou os resultados de uma pesquisa realizada durante o ano de 2010 junto ao setor de distribuição de hortifruti no Brasil. Beneficiado pelos levantamentos realizados pelo Prohort, projeto desenvolvido pela Conab junto às Centrais Públicas de Abastecimento, acrescido de dados secundários e diversas entrevistas com gestores de supermercados, equipamentos públicos de abastecimento e técnicos da área.

Com o fim do SINAC, o abastecimento nacional de hortifruti perdeu a articulação entre o atacado, produtores e equipamentos de varejo. Principalmente, deixou de avançar em aspectos atinentes a garantir oferta de hortifruti inócuos com preços razoáveis, ou seja: na padronização e classificação desses alimentos e na sistematização de informações.

De modo geral podemos afirmar que:

1. Ainda há espaço para uma atuação pública relativa ao abastecimento alimentar dentro dos principíos da Segurança Alimentar e Nutricional em que as Centrais Atacadistas controladas pelos governos federal, estadual e municipal desempenhariam papel central.

2. Um país de dimensões continentais como o Brasi requer um sistema público de abastecimento interligado, com regulação sobre a distribuição privada.

3. Algumas CEASAs estão se reposicionando com amplos programas de modernização, principalmente em aspectos ligados à embalagem, informações de mercado e educação nutricional.

4. Algumas ações muito simples como a montagem de um sistema de informações, padronização dos produtos, redução de perdas poderiam beneficiar o consumidor reduzindo preços e melhorando a qualidade do produto consumido. Do ponto de vista do produtor, uma atuação direta das centrais de abastecimento poderia romper práticas de oligopsônio presentes no mercado brasileiro.

5. Merece destaque o papel que poderia ser desempenhado por esses equipamentos nos programas de incentivo ao consumo de alimentos frescos, tais como de nutrição e saúde pública.

Um sistema público para o abastecimento de hortifruti teria desafios relevantes para sua implementação, sobretudo, em vista da parca articulação existente entre as centrais de abastecimento quanto à administração da interligação de centros produtores, da regulamentação de requisitos para comercialização de hortifruti e da assistência ao produtor quanto às transações comerciais no âmbito dos entrepostos. Ademais, mesmo sendo possível observar que as centrais privadas de distribuição determinam uma coordenação mais bem estabelecida com produtores e, a partir disso, de estabelecimento de critérios de qualidade para esses alimentos, são basicamente as grandes redes de supermercado que as adotam amplamente como estratégia para alcançar melhores posições de mercado. Vale destacar que o 'lado da produção' também se transformou em relação ao período no qual o SINAC persistiu, uma vez que se observa não somente maior organização entre os produtores com vistas à assinatura de contrato com os supermercados - bem como atendimento de suas exigências por qualidade -, como também a presença de grandes distribuidores com boxes dentro dos entrepostos atacadistas.


Rodapé:

1Em 2000, o grupo Carrefour e a Companhia Brasileira de Distribuição investiram R$ 817 milhões e R$ 200 milhões, respectivamente, na abertura de novas lojas, em tecnologias de informação e comunicação, em infraestratura logística e em aquisições (Retail Forward, 2001).
2Informações obtidas junto à plataforma BI-Prohort.
3Dados levantados pela ACNielsen e tabulados, bem como divulgados pela Revista SuperHiper no Ranking ABRAS de 2010,
4Informações obtidas por meio das entrevistas semi-estruturadas.
5Infelizmente, no Brasil não existe disponibilidade desses dados para outros equipamentos, como feiras.
6Entrevistas realizadas do dia 08/01/2010 a 16/01/2010, em Campinas-SP. Foram entrevistados três gerentes comerciais do Oba Horti Fruti e um do supermercado Covabra.


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